Compendio de Botanica. Tomo primeiro
BROTERO, Felix Avellar
AO ILLUSTRISSIMO E EXCELLENTISSIMO SENHOR D. VICENTE DE SOUSA COUTINHO, Do Conselho de S. Magestade Fidelissima, Seu Embaxador na Côrte de Versalhes, Senhor de Alva, etc. etc.
EXC.mo SENHOR,
Aindaque nam concorressem em V. Exc. o esplendor do emprego, a consumada pericia nos negocios politicos, e a gloria de illustres Ascendentes, bastara à grande humanidade para com os desgraçados, o agradavel acolhimento que costuma fazer â todos os seus Compatriotas, os generosos sentimentos com que se digna favorecer os homens de Lettras, às quaes V. Exc. faz tanta honra, bastaram muitas outras admiraveis virtudes, que ornam o espirito de V. Exc. para dar-lhe hum nome preclaro, recommendavel à [p. iv] posteridade, e digno das homenagens de todos os sabios. Dezejara ser assaz feliz para achar em meus talentos hum obsequio adequado a tam bellas qualidades: mas sendo V. Exc. servido de acceitar o que présentemente lhe faço na dedicaçam dos fructos do meu trabalho sobre a Sciencia dos Vegetaes, permittirà hum fraco testemunho à minha gratidam, augmentarà o numero das demonstraçoens de benevolencia, com que costuma acolher tudo o que o zelo e amor do bem publico fazem emprehender, e protegerà ao mesmo tempo huma Sciencia, cuja utilidade he bem reconhecida pela frequencia com que he applicada à Medecina, Agricultura, e Artes.
DE V. EXC. O mais affectuoso e reverente servo, Felix Avellar Brotero.
A Botanica como todas as mais partes de Historia natural sam hoje em toda a Europa summamente cultivadas pelo muito que sam uteis ao progresso dos conhecimentos humanos, e às commodidades da vida social. O estudo botanico reune à sua utilidade hum superior grao de agradavel, a immensidade dos entes vegetativos, que de contino renovam a face da Terra, sendo hum dos mais bellos e amenos expectaculos, que nos prezenta a natureza, hum vastissimo campo, em que os olhos de hum attento observador encontram a cada passo maravilhas sem numero variadas, objectos de profundas meditaçoens, que engrandecem o espirito, e o elevam athé à firme persuasam de hum Deos, Autor do Universo. Grandes homens tem cultivado este campo com cuidado, e os seus trabalhos fizeram que os conhecimentos botanicos, algum dia tam limitados e confusos, tem adquirido huma nam pequena extensam e clareza. Conhecemos hoje mais da metade das plantas do globo terrestre, e temos prezentemente muitos methodos ou systemas, e muitas obras elementares de Botanica tanto em latim, como em quasi todas as linguas modernas da Europa.
Entre nòs contudo os principios desta Sciencia tem sido athe agora somente conhecidos em latim, e daqui resulta que todos os que ignoram esta lingua, ou tem fracas luzes della, ficam privados de adquirir as noçoens de huma Sciencia, que [p. vi] muitas vezes em razam do seu estado lhes sam absolutamente necessarias.
Dezejando pois obviar este obstaculo, e facilitar geralmente o estudo dos vegetaes entre nos, cuidei de escrever o prezente Compendio fundado nos tractados dos melhores Botanicos modernos e nas minhas proprias observacoens, o qual, segundo me parece, poderà ser util nam so aos que ignoram a lingua latina, mas ainda aos que a sabem e tem ja alguns conhecimentos em Botanica.
No principio do primeiro Volume tracto da origem, progresso, e estado actual da Botanica, e dou humas breves noçoens da physiologia e anatomia dos vegetaes. Explico depois os termos technicos mais usados na descripçam das partes relativas ao seu habito externo e fructificaçam, sem desprezar contudo os que dizem respeito à sua habitaçam. Passo na parte seguinte a fazer mençam do que me pareceo ser sufficiente para entender qualquer systema botanico e suas partes, como tambem da theoria critica, que devem saber os que se proposerem de formar esta sorte de destribuiçoens methodicas. Ajuntei a esta parte alguns exemplos de practica sobre a descripçam das especies, por querer facilitar hum trabalho, que considero como base dos Methodos, e o mais digno dos principaes cuidados de todo o Naturalista Botanico. Termino o volume com algumas reflexoens sobre as virtudes, propriedades, e usos dos vegetaes em geral, e com hum capitulo sobre o modo de fazer hum hervario.
No Segundo Tomo exponho o systema de Linneo, e dou huma idea geral da sua
praxe, por ser hoje o mais seguido na Europa, e o que se adoptou na nossa
Universidade.
Esta exposiçam em alguns lugares he muito mais ampla do que ordinariamente se
costuma dar; porquanto tive o cuidado de nada omittir do que as minhas
proprias observaçoens e as de [p. vii] outros botanicos modernos me subministraram de mais interessante para
illuminala.
Ajuntei depois os
As difficuldades, que encontram os que começam a cultivar a Sciencia botanica, seram diminuidas por meyo do Diccionario immediatamente adjuncto; e a fim de que o prezente tractado fosse ainda mais proveitoso, ajuntei tambem no fim deste segundo Tomo hum catalogo dos principaes autores botanicos, hum sufficiente numero de Estampas tiradas das obras de Linneo e outros modernos para clara intelligencia de muitos termos, hum index dos nomes usuaes Portuguezes de plantas, os quaes se acham nos livros escritos na lingua nacional, e em Grisley, Pisam, Marcgrave, Rheede, Rumphio, etc, com os nomes latinos genericos e triviaes, a que correspondem segundo o systema de Linneo; outro em fim dos termos technicos Portuguezes.
Cuidei de distribuir todas as partes do primeiro Tomo o mais methodicamente que me foy possivel, nam me querendo por ora desviar muito do plano que costuma seguirse hoje nas escolas de Botanica. Nam posso contudo deixar de confessar que este plano nam he o que mais me agrada, e espero algum dia de o mudar, se poder chegar a publicar os Elementos de Phytologia, que preparo em latim.
Na traducçam dos termos latinos segui os nossos Diccionarios, e me aproveitei de algumas palavras dispersas pelas nossas Provincias, que senam acham ainda em Diccionario algum; muitas vezes fui obrigado a formar novas do latim, como faziam os antigos Romanos do Grego, e como fez Barnades em Hespanhol, Lée em Inglez, Dalibard e La Mark [p. viii] em Francez, etc. Talvez serei em algumas notado pelo vulgo; mas pouco importa; todos os termos que formei tem o cunho Portuguez, e foram innovados segundo o genio da Lingua; demais disso as linguas das Sciencias sam hum puro effeito da convençam dos sabios, e nam poderam jamais ser a linguagem do vulgo, que nam as estuda e so as conhece athe hum certo ponto: a necessidade de explicar com clareza, concisam, e propriodade huma infinidade de ideas, que elle nam tem, farà sempre em todas as Sciencias termos barbaros aos seus ouvidos, e indespensaveis aos sabios ou aos que sam nellas iniciados.
Depois de ter vendido o Manuscripto da prezente Obra, achei acertado acerescentarlhe algumas notas para lhe dar o complemento necessario, e nam receyo actualmente de assegurar que sem embargo de ser hum Compendio, o Leitor nam acharà tractado algum elementar de Botanica mais completo de quantos se tem athe agora publicado.
O Estudo dos vegetaes he tam antigo como a especie humana, ella parece ter
sido obrigada a adquirir ideas particulares destes entes antes de todos os
mais conhecimentos da natureza.
Se consultamos a Sagrada Historia, ella nos presenta o primeiro homem no meyo
de hum delicioso jardim, nutrindo-se de hervas
As folhas da bananeira
(Musa paradisiaca, Lin.), planta propria dos climas do Tigre e
Euphrates, e a cujos fructos alguns autores antigos chamaõ
figos, foraõ provavelmente as que Adam empregou para fazer o
sayotte com que se cobrio; ellas saõ de huma sufficiente solidez
e algumas tem cinco pes de comprido e huma largura
proporcionada; os fios tirados do corpo da planta podiaõ
facilmente ser empregados para cozer as dictas folhas.
Milton contudo foy de parecer que as folhas com que Adam e Eva se cobriraõ
foraõ as da figueira de Bengala; mas isto he menos verosimil,
visto que ellas tem, quando muito, oito pollegadas de comprido e
tres de largo.
Dixitque Deus: ecce dedi vobis omnem herbam afferentem semen super
terram & universa ligna, quæ habent in semetipsis sementem
generis sui ut sint vobis in escam. (Genes. Cap. I.) Et comedes
herbas terræ. (Genes. Cap. 3.).
Naõ achamos no Genesis hum so lugar expresso de que os homens
usassem de alimentos animaes nos seculos antediluvianos; esta
permissaõ so lhes foy dada depois de Noé ter sahido da Arca,
quando Deos lhe disse:
Mas os alimentos nam foram o unico motivo, que obrigou os primeiros homens a
familiarizar-se com os vegetaes; as suas enfermidades deram ainda novas
razoens para isso, e nam menos forçosas.
He verdade que a historia e antigos Poetas
Nos seculos antediluvianos o pequeno progresso, que o espirito humano fez nas
artes, foy sempre a par com o conhecimento dos vegetaes.
Se consideramos as primeiras famílias na vida pastoril ou errando em bandos,
nam se pode negar que esse estado fosse favoravel a hum semelhante
conhecimento; ellas eram entam obrigadas a converter differentes plantas em
cabanas, para se reparar das chuvas e injurias da atmosphera, e à proporçam
que mudavam de lugares se viam precisadas a fazer tentativas de novas
producçoens vegetaes para nutrirse e curarse, guiadas ora pela semelhança
das que jà conheciam, ora pelo instincto
Depois da grande e lastimosa catastrophe dos povos do antigo Globo vemos Noé plantar huma vinha, e na tentativa com que descobrio o vinho, mostra ter conservado o espirito investigador dos usos dos vegetaes e seus productos, que tinha havido nos seculos antediluvianos. Nem se pode duvidar que na sua familia se salvasse huma grande parte das antigas tradiçoens botanicas, e que estas passassem depois igualmente aos seus vindoiros. O grande empenho de Rachel por obter huma [p. xiv] das mandràgoras, que Reuben tinha trazido do campo, provavelmente procedeo da persuasam em que ella estava da efficacia desta planta contra a esterilidade, o que suppoem por conseguinte noçoens estabelecidas das virtudes de alguns vegetaes. Os Egypcios, huma das mais antigas naçoens civilizadas, sam representados na historia como tendo vivido do Lotus (de que faziam huma especie de pam), e dos talos do Papyrus. A agricultura, a arte de embalsamar os cadaveres com substancias resinosas e aromaticas usada por este povo desde hum tempo immemorial, ocustume de expor os seus doentes à vista publica, a fim de que as pessoas que junto delles passassem lhes subministrassem os soccorros que para suas enfermidades reconheciam nos vegetaes, indicam claramente que as tradiçoens botanicas se tinham conservado no Egypto, e adiantado. Estas tradiçoens poderiam ter diminuido entre as naçoens menos cultas e entre os povos de vida errante, mas ellas nam podiam ser de todo extinctas, visto serem sumamente interessantes à sua subsistencia e à sua saude.
A historia nam nos assegura de que as tradiçoens sobre os usos tanto
economicos como medicinaes das plantas
passassem a ser escriptos nos primeiros seculos depois da horrivel
catastrophe do diluvio.
Parece contudo que a Botanica medicinal traditiva nam tardou muitos seculos
depois da dispersam das gentes em ser escripta entre as naçoens civilizadas,
principalmente no Egypto.
Neste paiz as plantas efficazes sendo ja conhecidas em grande numero, os
sacerdotes tractaram de redigir os seus nomes a huma certa ordem ou
catalogo, e o depositaram nos templos.
Os doentes começaram entam a recorrer a elles, como depositarios dos remedios
proprios para suas enfermidades, e pouco a pouco a arte de curar com os
vegetaes, a que todo o curativo das doenças estava entam limitado, veyo a
ficar somente aos sacerdotes, e a fazer parte do seu sistema [p. xv] religioso.
Elles tractaram quanto lhes foy possivel de adiantar os seus conhecimentos na
Botanica medicinal; e com effeito ella foy entre os antigos Egypcios huma
das artes mais cultivadas e honrosas.
Hermes, a quem os Gregos chamaram Mercurio, e de quem a mercurial deriva o
nome, foy hum dos mais antigos e famosos sabios nesta arte.
A rainha Isis foy nella tam instruida e por meyo della fez curas tam
admiraveis, que os povos depois da sua morte lhe erigiram templos,
adorando-a como a melhor advogada nas suas enfermidades.
Ella foy a que instruio a Horo ou o Apollo dos Gregos, ao qual elles
attribuiram a invençam da Medicina.
Esculapio
Os Magos na Persia, os Gymnosophistas na India, e os Caldeos na Assyria e
Babylonia applicados no principio a observar puramente o que lhes offerecia
a candida natureza nos vegetaes introduziram tambem, como os Egypcios, em
botanica hum grande número de superstiçoens.
As colonias, que emigraram destes paizes nam podiam deixar de levar comsigo
mais ou menos noçoens de hum semelhante abuso.
Estas noçoens com effeito passaram athe à extremidade gelada do antigo
continente oriental e de là a America com o nome de superstiçam de Chemis,
Orchis, e outras divindades.
Do Egypto nam so passaram a toda a Africa, mas caminhando ao longo das costas
do Mediterrâneo entraram na Phenicia e depois na Grecia, aonde augmentando
pouco a pouco tomaram emfim o nome de superstiçam de Esculapio.
Ellas se espalharam igualmente nas Gallias, e dellas correram athe ao norte
da Europa com o titulo de Druidismo
Os sacerdotes Druidas costumavaõ ajuntar ao uso dos vegetaes
muitos ritos superticiosos, de que a historia nos transmittio
hum pequeno resto.
Para colher por ex. a planta Selago, que alguns autores pensaõ
ser o helleboro negro, naõ se devia entre elles usar de faca,
mas devia-se arrancar com a maõ direita coberta com o vestido, e
passala depois para a maõ esquerda escondidamente, ou como se
fosse surripiada: o sacerdote que a arrancava costumava
vestir-se de branco, descalçar-se, e fazer antes aos seus deoses
huma oblaçaõ de paõ e vinho.
O modo de colher a verbena, planta de grande uso entre elles, era
taõbem acompanhado de muitas ceremonias ridiculas e
extravagantes.
Mas de todas as practicas supersticiosas a mais solemne era a de
colher o visgo, planta parasita, que elles julgavaõ ter sido
lançada do Ceo por seus deoses, para felicidade dos homens em
razaõ de a verem commumente afferrada ao cume ou ramos das arvores.
Elles a empregavaõ por conseguinte, depois de terminadas todas as
ceremonias, como hum especifico contra certas doenças, que
pensavaõ ter sido enviadas por suas divindades, como por ex.
contra as vertigens, epilepsia, apoplexia, &c.; a agoa
contudo que elles extrahiaõ da mesma planta era applicada contra
toda a sorte de enfermidades.
No fim do anno, o seu grande sacerdote hia a hum bosque
consagrado a seus deoses, cortava hum grande numero de ramos de
visgo e os entregava aos Druidas subalternos para os
destribuirem ao povo no dia de Annobom como hum prezente de boa
estrea.
Lemos na historia destes obscuros, e supersticiosos tempos que hum certo
numero de plantas fora entam consagrado aos
Deoses por motivos religiosos
Portanto a botanica supersticiosa, cuja origem pode em [p. xviii] geral ser attribuida à ignorancia, temor, e embuste, parece ter-se
introduzido progressivamente entre todas as antigas naçoens, e nos
observamos ainda hoje hum resto della nos pòvos selvagens, e na plebe de
alguns paizes civilizados
Perto da famosa epoca da guerra de Troya, Chiron o Centauro, do qual a planta
Centaurea obteve o nome, parece ter practicado sem superstiçam a botanica
curativa, em que tinha grandes conhecimentos.
Elle formou muitos illustres alumnos, entre os quaes se contam alguns
Princepes; porquanto naquelles heroicos tempos a Botanica curativa tinha
parte na educaçam dos soberanos, e todos os grandes homens cuidavam entam
summamente de grangear a estima e amor dos povos buscando meyos de os
aliviar nas suas enfermidades
Durante a guerra de Troya
No espaço entre a guerra de Troya e de Peloponeso, que envolve hum periodo de
mais de sette centos annos, Thales e Pythagoras trazendo a philosophia à
Grecia, a Botanica começou a ser melhor cultivada, como o foram as demais
artes; e as substancias vegetaes, como medicamentos internos
Quatro centos e tantos annos antes da Era Christaan appareceo o illustre
Hippocrates
Com effeito Theophrasto servindo-se dos trabalhos de Aristoteles
O botanico de reputaçam, de que temos noticia, depois de Theophrasto foy
Dioscorides
No tempo dos antigos Romanos, à Botanica fez
muito pouco progresso. A traducçam dos escritos de Methridates sobre as
plantas, os quaes Pompeo tinha trazido da Asia, excitaram na verdade alguma
curiosidade em Roma, mas passou-se muito tempo sem que sabio algum se occupasse
de adiantar os conhecimentos que haviam entam na Grecia sobre os vegetaes. He
verdade que delles escreveo Catam, Virgilio, Varro, Collumella, e Palladio, mas
os seus tractados postoque nam deixem de ser estimaveis quanto a agricultura e
usos economicos parecem so ter sido meras copias dos escritos Gregos. Plinio foy
somente o que entre os Romanos adiantou hum pouco a Botanica, tractando-a como
historiador naturalista, a pezar do uso do seu tempo. A sua grande liçam dos
autores coétaneos e da antiguidade, e o caracter observador, de que era dotado
nam exigiam menos. Elle augmentou o catalogo das plantas dos antigos com quasi
duzentas, e nos deixou a sua [p. xxvi] historia; mas he justamente arguido de ter equivocado muitos dos seus nomes,
adulterado varias passagens dos originaes que copiara, e de ter misturado
algumas vezes o verdadeiro com o fabuloso. Fazendo mençam dos figuras de algumas
plantas, que Cratevas, Deniz e Metrodoro tinham feito, parece ter menos estimado
semelhantes retractos do que boas descripçoens; mas as que elle nos deixou ainda
mesmo sobre a estructura das plantas, que tinha observado, rarissimas vezes sam
mais circumstanciadas do que as dos seus predecessores; elle foy ainda muito
menos methodico do que elles, e como dizem alguns Methodistas de hoje, tudo
nelle he huma bella desordem. As noçoens dos Gregos e Romanos naturalistas a
respeito dos sexos vegetaes nam lhe foram desconhecidas; elle nos diz com
effeito que alguns admittiam os dois sexos nas arvores e plantas herbaceas
Depois de Plinio athe à ruina do Imperio do Occidente, a Botanica nam deo passo algum, e muito menos ainda depois della athe ao seculo XV, postoque muitos celebres medicos se occupassem deste estudo. Galeno parece ter-se nelle destinguido mais do que Rufo, Apuleio e outros, e foy o primeiro que invectivou contra a inutilidade das descripçoens dos autores Gregos e Romanos. Confiando mais nos seus olhos cuidou de estudar os vegetaes a seu modo, fazendo muitas viagens nos paizes do Levante, afim de conhecer os que eram de uso medicinal, e nos deixou nos seus livros os nomes de quinhentas especies; mas nam emendou contudo os defeitos que tinha notado nas [p. xxvii] descripçoens dos outros. Ecio, Egineta, Tralliano, e Oribasio nam foram mais felizes.
Invadido e desmembrado o Imperio do Occidente, o destino da Botanica foy quasi
semelhante ao das bellas artes da Italia. He verdade que alguns seculos
depois, os Arabes tendo estendido as suas conquistas pela costa
septentrional da Africa athe às Hespanhas tentaram de acolher as sciencias
deste Imperio, e que os seus medicos
Tomada a capital do Imperio do Oriente por Mahumet II, quasi no meyo do seculo XV, muitos sabios Gregos, que entam se expatriaram fugindo do barbaro jugo mahometano, sendo bem acolhidos na Italia deram principio ao restabelecimento das lettras no Occidente. A invençam da arte de imprimir, que succedeo quasi no mesmo tempo, e as grandes investigaçoens que entam se fizeram em toda a sorte de manuscriptos da antiguidade contribuiram para completar esta feliz revoluçam da litteratura. [p. xxviii] Ella veyo a redundar em proveito das artes e sciencias, e a Botanica nam podia por conseguinte deixar tambem de ter nella alguma parte. O primeiro ardor de trabalho entam, assim como nas mais sciencias, foy a liçam e explicaçam dos antigos escriptores. Theodoro Gaza, e Hermolao Barbaro sam considerados como os primeiros que começaram a restauraçam da Botanica, traduzindo em latim as obras de Theophrasto e Dioscorides. Muitos outros seguiram o seu exemplo, e todos os Tractados da antiguidade sobre os vegetaes, que se poderam achar nas bibliothecas, foram pouco a pouco interpretados.
A necessidade, que a Medicina tinha da Botanica, requeria absolutamente, que se
continuasse o seu estudo e se aper feiçoasse; mas elle nam pode obter perfeiçam
nestes primeiros tempos, nam consistindo entam mais do que na grande liçam dos
monumentos Gregos e Romanos, e de alguns da idade media. Demais disso, nam menos
pela razam do espirito de disputa, que entam dominava, do que por causa das
vagas e obscuras descripçoens, que os antigos tinham dado dos vegetaes, os
commentadores nam so se contrariavam em suas opinioens, mas pelo menor pretexto
davam às plantas dos paizes em que viviam os nomes das mencionadas pelos
escriptores que commentavam, sem reflectir na grande diversidade que havia entre
os terrenos e climas frios do norte da Europa, aonde escreviam, e os da Grecia e
Italia patria dos antigos Autores. Ainda mesmo os que viviam, nos paizes
quentes e meridionaes da Europa nam deixaram de cahir em muitos enganos
Portanto o modo ordinario de estudar os vegetaes nestes primeiros tempos
differia muito pouco do que tinham usado os antigos fundado na tradiçam
Este impirico e fastidioso modo de apprender a conhecer os vegetaes nam podia subsistir por muito tempo, e sem duvida poucas reflexoens bastavam aos botanicos para julgar entam que [p. xxx] era indispensavel começar quasi tudo de novo, e estabelecer a botanica, estudando as plantas nam nos livros dos antigos, como era costume, mas sim no grande livro da natureza, que ante elles estava aberto e pedindo a sua attençam. A liçam dos antigos, e o dezejo de reconhecer as plantas, de que elles tinham tractado, requerendo absolutamente a comparaçam das descripçoens com as partes dos vegetaes, a que ellas se suppunham pertencer, necessariamente deviam conduzir a fazer pouco a pouco descobrir novos, e foy com effeito o que succedeo no seculo XVI.
O descobrimento de hum grande numero de plantas, que succedeo nesse seculo, estava exigindo huma destribuiçam methodica capaz de auxiliar a memoria e facilitar o estudo tanto dos antigos vegetaes como dos que novamente se tinham descoberto e se hiam descobrindo. As descripçoens começaram a parecer insufficientes, e o deviam ser na verdade pela razam de serem pouco circumstanciadas, nam obstante todo o trabalho que alguns tiveram de melhor as traçar do que os antigos. Cuidou-se pois de ajuntar as descripçoens estampas semelhantes às que Corbichon e Cuba tinham publicado no seculo XV, e fizeram-se tentativas de destribuiçoens methodicas.
Trago ou Bock foy dos modernos o primeiro, que emprehendeo de dispor os vegetaes
em Methodo; mas o seu plano differe muito pouco do modo destributivo que tinham
seguido Dioscorides e Theophrasto, e se pode dizer que elle somente renovou as
ideas destes antigos Botanicos. Lonicero, Dodoneo, Lobel, Clusio, Dalechampio,
Zaluziano, e muitos outros seguiram igualmente quasi o mesmo plano methodico dos
antigos. A grandeza, duraçam, lugar de nascimento, qualidades, virtudes Como se collige 1.º de huma de suas cartas escritas a Fabricio, em
que diz: Columna teve as mesma ideas em 1616, e inventou alguns termos
relativos as partes da fructificaçam. Jungio, que faleceo em 1657,
seguio tambem, que sem classes, generos e especies o estudo dos
vegetaes seria difficillimo e sem limites. Todos os Botanicos desde
Clusio athe J. Bauhino seguiram a doutrina de Gesnero e Fabio
Columna, dispondo muitas especies de plantas debaxo do mesmo nome
generico, tal como o de Iris, Narcizo, Salgueiro, &c. mas sem
determinar os generos, nem seguir regra alguma para os limitar.
Morison em 1655 tentou de os estabelecer menos vagamente, e o mesmo
fez Ray em 1682 (seguindo as ideas de Jungio), e Rivino em 1590; mas
todas as tentativas destes botanicos foram demasiadamente
incompletas, e Ray nam deixou de reconhecer os grandes defeitos dos
caracteres dos generos que tinha publicado, emendando-os pelos de
Tournefort, que foy na verdade o primeiro, que assignou a todas as
especies conhecidas caracteres genericos assaz plausiveis fundados
em boas regras methodicas, na opiniam dos melhores Methodistas.
André Cesalpino, celebre professor de Piza, foy o primeiro que imaginou huma
destribuiçam toleravel quanto à propriedade das partes fundamentaes das suas
divisoens, e porisso mereceo o titulo de primeiro Systematico entre os
Botanicos.
Valendo-se do seu descanço e da facilidade de comparar e observar, que lhe
offereciam os jardins botanicos da Italia fundados no seu seculo
Joaquim Jungio, Allemam, foy dos primeiros que adoptaram as ideas de
Cesalpino; mas os calamitozos tempos da Allemanha, em que viveo, nam lhe
permittiram de publicar hum melhor Methodo, postoque merecesse de ser
reconhecido pelo primeiro Botanico dogmatico em razam dos muitos sabios
aphorismos, que estabeleceo em Botanica
Em 1680 Roberto Morisono, Escossez, sendo professor de Botanica em Oxeford publicou huma Historia geral de plantas com pequenas figuras gravadas em cobre, na qual seguio as ideas de Cesalpino debaxo de huma nova forma, dividindo o seu Methodo em 18 Classes fundadas no fructo, corolla, e partes do habito externo. Este Methodo foy com razam censurado de ter mao nexo, e a clave mal feita, e nam sei que fosse seguido mais do que por Bobart, que o completou publicando o seu terceiro volume depois da morte de Morisono.
Em 1682, Joam Rai, theologo Inglez de grande engenho e erudiçam, publicou a mais
extensa Historia do reyno vegetal que se tinha visto, comprehendendo 18655
plantas entre especies e variedades. Os trabalhos desta vasta Obra nam [p. xxxvi] foram dirigidos sò à Medicina, como era costume, mas a tudo o que podesse
ser util à vida humana, e Rai foy com effeito o primeiro depois de Plinio,
que se esforçou paraque a Botanica fosse estudada, como huma parte da
Historia natural
Christovam Knaut no seu Tractado geral das plantas de Halla na Saxonia, publicado em 1687, tentou de seguir hum novo plano destribuindo as dictas plantas em 17 classes fundadas principalmente na corolla, e fructo, e subdivididas em 62 secçoens pela fructificaçam e habito externo, mas o seu Methodo foy com razam notado de ser summamente composto e difficil.
Pedro Magnol, professor da Universidade de Mompelher, imaginou tambem hum novo
plano de destribuiçam, que alguns consideram como a primeira tentativa do
Methodo natural. Porem o seu intuito nam foy de investigar o Methodo natural,
mas tam somente mostrar que haviam familias nam menos nos animaes do que nos
vegetaes, e que ellas se deviam caracterizar nam puramente pela
fructificaçam, mas por todas as demais partes, porque nenhuma dellas era
accidental, e que em todas se deviam [p. xxxvii] indagar as affinidades ou relaçoens possiveis de semelhança
Paulo Herman, professor de Botanica em Leyde, seguio as ideas do Cesalpino debaxo de huma nova forma, e dividio as 5600 plantas, de que tractou em 2J Classes fundadas principalmente nas differentes sortes de fructos ou sementes cobertas e descobertas, subdividindo as dictas Classes em 82 secçoens pela disposiçam das flores, e pela corolla e fructo. O seu Methodo he complicado; elle foy seguido de Rudbeck e Zumbach que o aperfeiçoou e imprimio no anno de 1690.
Augusto Quirino Rivino, professor de Botanica em Leipsik, tractou de descobrir
hum Methodo mais facil e mais conforme aos principios systematicos do que nenhum
dos seus predecessores. Elle dividio o pequeno numero de plantas, que conhecia,
em 18 classes fundadas principalmente nas relaçoens da corolla, e subdivididas
em 91 secçoens relativamente ao fructo, figura do calys e corolla, situaçam, e disposiçam ou falta das flores. Este
Methodo publicado pouco a pouco desde o anno de 1690 athe 1696, nam he tam
regular, como alguns pensaram; porquanto vemos que o seu Autor considerou na
clave das suas Classes nam so a regularidade e irregularidade da corolla e
numero das suas petalas, mas ainda a perfeiçam das flores, e a sua disposiçam.
Elle foy contudo durante alguns annos o mais seguido em Allemanha;
Koenig, Welsch, Heucher, Gemeinhart, Hebenstreit, e Hecher o adoptaram nos
seus tractados de plantas; Kramer, Christiano Knaut
José Pitton Tournefort, que tam destinctamente orna o numero dos grandes
Botanicos da França, foy de todos os seus contemporaneos e predecessores o que
mais aperfeiçoou a [p. xxix] Botanica systematica. Persuadido de que todos os Methodos seriam sempre
demasiadamente imperfeitos em quanto as suas infimas divisoens, ou generos, nam
fossem melhor determinadas, cuidou de lhes dar huma nova forma e fez para este
fim hum grande numero de observaçoens tanto em França como em diversos paizes
estrangeiros, ajudado da munificencia do seu Soberano e pessoas ricas. Concluio
esta difficil empreza no anno de 1694, no qual introduzio em Botanica muitos
principios sábios, e sobre elles fundou hum Methodo que foy reconhecido por
claro, conciso, e facil. Destribuio neste Methodo 10146 plantas (especies ou
variedades) em 22 classes, dividio estas em 122 secçoens, e subdividio as dictas
secçoens em 696 generos. As suas classes foram deduzidas, 1°. da grandeza e
duraçam, ou da consideraçam das plantas como hervas ou arvores; 2° da presença ou nullidade
da corolla e da flor; 3°. da disposiçam das flores, ou das relaçoens de
simplices e compostas; 4°. do numero das petalas da corolla; 5°. da figura
regular ou irregular da corolla
Aindaque Tournefort nam tivesse pensado em traçar hum plano, capaz de classar
adequadamente todas as plantas do globo terrestre, o que elle julgava
impossivel em qualquer destribuiçam systematica, contudo o seu systema tanto
pela novidade dos generos como pela sua facilidade obteve huma grande
acceitaçam, e nelle se alistaram durante alguns annos todas as especies e
generos, que se descobriram
Passados alguns annos depois da publicacam do systema de Tournefort appareceram
alguns outros, que nam sendo nem mais faceis nem mais perfeitos nam lhe poderam
usurpar a maior acceitaçam. Boerhaave, celebre professor de Botanica, Chimica, e
Medicina, publicou em Leyde no anno de 1710 huma divisam de seis mil plantas em
84 Classes, considerando-as relativamente à sua grandeza, duraçam,
fructificaçam, e habito externo: subdividio as dictas classes em 104 secçoens ou
ordens fundadas na substancia e figura das folhas, do calys, corolla, sementes, e tronco, no numero das petalas, capsulas
e sementes; na situaçam das flores e germe; e em fim nos organos sexuaes das
flores, que elle empregou tambem algumas vezes para caracterizar os generos.
O seu Methodo foy huma combinaçam dos systemas de Cesalpino, Rai, Herman,
e Tournefort, e por ser muito difficil e complicado foy apenas seguido na
sua escola e por Emsting e Morandi
Em 1720, Pontedera nas suas dissertaçoens, em que descreveo 272 especies novas de plantas, negando os seus sexos [p. xliii] em geral, imaginou de emendar às imperfeiçoens do Methodo de Tournefort, e augmentou as suas 22 classes athe 37, considerando-as debaxo das mesmas relaçoens, e alem disso segundo a presença ou nullidade dos gomos; mas elle nam chegou a pôr em execuçam o seu plano systematico, nem o applicou aos diversos generos de plantas.
Trinta e tantos annos depois da ediçam do Methodo de Tournefort, Carlos
Linneo, sabio Naturalista Sueco
A noticia dos sexos das plantas nam tinha sido inteiramente desconhecida aos antigos Gregos e Romanos; nos escritos de [p. xliv] Herodoto, Aristoteles, Theophrasto, Dioscorides, e Plinio achamos provas disso, como ja disse fazendo mençam destes Autores; mas as suas ideas a este respeito foram obscuras, conjecturaes, e nam fundadas em conhecimentos anatomicos das flores. Demais disso, ainda estas mesmas ideas parecem ter sido limitadas às palmeiras e de alguma sorte às figueiras; porquanto se bem que attribuiram sexos a muitas outras plantas, isso nam foy mais do que por hum mero motivo de destinçam estabelecida humas vezes na força ou fraqueza dos individuos, outras vezes na maior ou menor perfeiçam dos seus fructos, na maior ou menor efficacia das suas virtudes.
Em toda a idade media athe quasi ao seculo passado, a doutrina dos sexos das
plantas foy muito incerta e indeterminada, nam tendo os botanicos outras
noçoens della mais do que as dos antigos, donde procederam muitas falsas
destinçoens, que lemos nas obras dos autores desses tempos
A frequencia de ver das sementes de hum so individuo nascer masculinos e
femininos, isto he, hum esteril outro fructifero, devia necessariamente conduzir
a comparar os vegetaes com os animaes no modo de produzirse, e a investigar cada
vez mais este curioso objecto. Com effeito nam tardou muito tempo que o Dr.
Nehemias Grew
A opiniam de Grew foy adoptada por hum grande numero de Botanicos. Malpighi
seu contemporaneo nam contribuio pouco para a confirmar
Linneo completou em fim a doutrina dos sexos, e lhe deo toda a extensam, de que
ella era susceptivel, compilando a seu favor todos os argumentos de que se
tinham servido os seus predecessores, ajuntando algumas novas observaçoens, e
fundando nella hum novo Systema, que em razam disso denominou sexual.
Publicou este Systema no anno de 1787 e o dividio em 24 Classes
estabelecidas relativamente ao numero, ponto de apego, proporçam, adunaçam,
situaçam, e occultaçam dos estames; subdividio cada huma destas Classes em
differentes Ordens deduzidas do numero dos pistillos, do numero, adunaçam e
situaçam dos estames, e da figura do fructo
Este systema teve no principio pouco séguito
No parecer de Adanson os generos de Linneo sam mais proprios dos systemas artificiaes fundados na fructificaçam, do que dos que sam estabelecidos em outras partes, e do que do Methodo natural, em cujos generos os caracteres devem ser tirados de todas as partes das plantas; outros contudo tem pensado que elles sam mais proprios do Methodo natural do que dos artificiaes ou ao menos do que systema do Sexual, porquanto dizem, que todos os Autores, que athe agora tem feito tentativas do Methodo natural, desuniram incomparavelmente muito menos dos generos de Linneo, do que seria precizo desmembrar, se todas as especies citadas no Systema [p. lii] sexual fossem destribuidas nas Classes e Ordens, a que rigorosamente pertencem conforme as leys do dicto systema.
Nam obstante todos os defeitos, que se censuraram nas differentes divisoens
desta destribuiçam systematica, ella nam deixou contudo de ser adoptada por
hum grande numero de Autores Botanicos, e de vir a ser hoje a mais seguida
na Europa
No anno de 1738 Linneo publicou outro plano systematico, ao qual deo o nome de Methodo Calycino, por ser destribuido em 18 Classes deduzidas principalmente das relaçoens do calys; mas elle nam completou a execuçam deste Methodo por lhe ter preferido o primeiro fundado nos organos sexuaes.
No mesmo anno publicou huma terceira destribuiçam dos vegetaes, com o titulo de Fragmentos do Methodo natural.
Esta destribuiçam continha entam 746 generos em 65 divisoens, que elle
denominou Ordens naturaes sem lhes dar titulos alguns; mas em 1751 na ediçam
da sua Philosophia Botanica augmentou os dictos generos athe ao numero de
1026, e as suas Ordens a 68, dando-lhes differentes nomes tirados das obras
dos seus predecessores, ou imaginados por [p. liii] elle algumas vezes com bem pouca propriedade
Os trabalhos de Linneo em Botanica nam se limitaram somente a fazer huma
revolucam nos generos, e a formar com elles novas destribuiçoens; elle
publicou hum grande numero de novas observaçoens e de tractados de plantas
de muitos paizes, simplificou a nomenclatura dos vegetaes, inventou alguns
termos technicos, emendou e fixou os antigos, e estendeo os dogmas de
Botanica
Adriano Royen, professor de Botanica na Universidade de Leyde, deo no anno de
1740 hum plano de destribuiçam de 2700 plantas com o nome de Preludio do
Methodo [p. lv] natural, dividido em 20 classes relativamente ao numero das cotyledones,
partes da fructificaçam, disposiçam das flores, e substancia herbacea ou
pétrea (porque no seu tempo ainda se nam tinham excluido de Botanica
Alberto Hailer, na sua Enumeraçam das plantas da Suissa impressa em 1742, e
das de Gottinga publicada em 1753 fez tambem huma nova tentativa do Methodo
natural, destribuindo duas mil especies, que descreveo, em 13 Classes
Francisco Sauvages, Medico de Mompelher, deo em 1743 o projecto de hum Methodo fundado nas differentes relaçoens das folhas, o qual, a pezar da reforma que o dicto botanico nelle fez em 1751, he muito defeituoso, principalmente pela razam das suas divisoens conterem de ordinario plantas que lhes nam convem com propriedade.
Everardo Wachendorf imprimio no anno de 1747 hum catalogo, das plantas do jardim botanico de Utrech, no qual citou quasi quatro mil especies simplesmente com as phrases de Linneo, e destribuidas em 16 Classes principalmente pela fructificaçam. Este botanico he contado no numero dos que fizeram tentativas sobre o Methodo natural; mas as divisoens do Methodo, que elle imaginou, pela maior parte nam sam [p. lvii] naturaes, e os seus titulos de ordinario sam viciosos pela sua demasiada extensam.
O Methodo geral publicado pur Lourenço Heister em 1748 contem 35 Classes fundadas na fructificaçam, habito externo e grandeza arborea ou hebracea; subdivididas em 93 Ordens relativamente ao sexo das flores, à sua disposiçam e das folhas, numero das petalas e sementes. Este Methodo parece ter sido trabalhado sobre o de Rai, e he mais facil do que elle.
Joam Gleditsch deo no anno de 1749
M. Duhamel no seu Tractado das arvores e arbustos, que se cultivam em França sem estufas, impresso em 1755, cuidou de combinar o Systema de Linneo com o de Tournefort, e destribuio as mil especies, de que fez mençam, em tres Classes relativamente aos sexos, e ao numero das petalas. Elle deo ainda na mesma Obra mais dois outros Methodos, hum composto de sette Classes estabelecidas na substancia e figura do pericarpo, e na substancia, figura, e nudez das sementes; outro de quatro Classes fundadas na figura, situaçam, e duraçam das folhas. O intuito de M. Duhamel foy de facilitar, o mais que lhe foy possivel, o conhecimento das plantas de que tractou, considerando-as nestes tres Methodos relativamente ao estado da florecencia, da frutescencia, e do [p. lviii] periodo em que ellas se acham sem, flor nem fructo, e so com folhas: elle conhecia muito bem, que todos os Methodos artificiaes sendo mais ou menos defeituosos, o seu primeiro Methodo nam podia ser livre de defeitos, e lhe ajuntou por esse motivo os dois outros para supprir às suas imperfeiçoens. Hum semelhante plano he digno de ser imitado, e o seria ainda muito mais, se M . Duhamel lhe tivesse ajuntado hum quarto Methodo ou Catalogo, no qual as plantas, que citou, se achassem dispostas em familias naturaes.
M. Adanson, sabio Botanico da Academia de Sciencias de Paris, no seu Tractado das
Familias de Plantas publicado em 1763 seguiu hum plano do Methodo natural
inteiramente diverso dos que tinham imaginado os seus predecessores. Elle
destribuio as 18 mil plantas (especies e variedades) conhecidas athe ao dicto
anno, em 1615 generos, a que chamou linhas de separaçam primarias e bem
assignaladas pela natureza. Assignou a cada huma destas Familias e generos o
seu caracter particular deduzido da fructificaçam e habito externo, porque
no seu parecer os verdadeiros caractéres genericos naturaes, ou proprios das
divisoens do Methodo natural devem ser tirados de todas as partes dos
vegetaes, vistoque ha algumas, que sam mais essensiaes para este fim em
certas Familias do que as da fructificaçam, como por ex. sam as folhas na
familia das Estrelladas e Leguminosas, e a disposiçam das flores nas
Labiadas. Nam estabeleceo clave alguma às 58 familias, a que limitou o
reyno vegetal conhecido, pensando que era muito difficil, e mesmo impracticavel,
reduzir as familias naturaes a huma boa clave classica, por falta da
generalidade competente de notas caracteristicas. Em lugar de clave dispoz as
dictas familias por huma serie gradativa, começando pelas dos vegetaes menos
perfeitos, e encadeando-as [p. lix] humas com outras conforme as affinidades, com que ellas lhe pareceram ter
sido approximadas pela natureza. Este Methodo nam deixa de ter bastantes
imperfeiçoens, como o seu mesmo Autor confessa; muitos dos caracteres dos seus
generos e familias sam incompletos, e precisam de ser correctos (este defeito
contudo nem sempre deve ser attribuido ao Autor, elle procede muitas vezes das
omissoens dos seus predecessores ou das estampas e descripçoens incompletas, que
elles publicaram, e que M. Adanson seguio, sendo-lhe impossivel de tudo
verificar); algumas plantas referidas às familias das dicotyledones sam
monocotyledones; algumas familias parecem desligadas, outras tem transiçoens
muito arbitrarias e mesmo improprias, como he por ex., a dos Pinheiros aos
Musgos, que o Autor poz no fim de todas as suas gradaçoens methodicas; outras
nam tem a sufficiente uniformidade de caracteres nos seus generos para merecerem
o nome de naturaes; em fim algumas plantas podem referir-se a duas familas
vizinhas, sem que nota alguma caracteristica decida mais a favor de huma do que
de outra. A pezar destes e outros defeitos, o Methodo de M. Adanson nam deixa de
ser muito mais bem trabalhado nas familias naturaes do que os dos seus
predecessores; elle chegua-se muito mais ao Methodo natural, e pode servir de
grande soccorro aos que se occupam na sua investigaçam. M. Adanson publicou alem
disso na mesma obra hum grande numero de reflexoens sabias sobre a Botanica
dogmatica e methodica, que o dam bem a conhecer pur hum botanico erudito e
profundo. Eu adoptei neste Tractado muitas das suas ideas, todas as vezes que as
achei conformes ao que me tem ensinado o estudo de muitos annos subre os
vegetaes, porque nem sempre me pareceram bem fundadas. Algumas das suas
assersoens relativas às partes da [p. lx] fructificaçam das plantas denominadas Cryptogamicas discordam muito das
minhas observaçoens e das do Dr. Hedwig de Leipsik
O Dr. Antonio Luiz de Jussieu, celebre Botanico da Academia de Sciencias de
Paris, em duas Memorias prezentadas à dicta Academia nos annos de 1773 e de
1774, indicou hum novo plano methodico universal, e nelle adoptou a nomenclatura
de Linneo, e quasi geralmente os seus generos, reduzindo-os a 92 Familias
estabelecidas em differentes relaçoens collectivamente tiradas de todas as
partes das plantas, e dispondo as dictas familias conforme as suas affinidades
em huma serie methodica, começando pelas dos vegetaes menos perfeitos, como
tinha feito M. Adanson. Elle nam seguio contudo as ideas deste Botanico nem as
de Linneo a respeito da clave [p. lxi] classica das familias naturaes; porquanto persuadido de que nellas haviam
algumas relaçoens geraes e invariaveis capazes de servir de base para
estabelecela, reduzio as do seu Methodo (que considerou como naturaes) a huma
clave de 14 Classes fundadas principalmente na privaçam ou numero das
cotyledones das sementes, e no mediato ou immediato apego dos estames ao calys, receptaculo, ou pistillo. Mas esta clave tem
algumas imperfeiçoens e he muito diffcil na practica: o titulo de
acotylédones (ou sem cotyledones) dado a todas as Cryptogamicas, às Nayades
e Parasitas he improprio e desmentido pela natureza; nestas duas ultimas
familias ha algumas plantas
Por evitar de ser prolixo, nam faço aqui mençam de alguns outros Methodos modernos, relativos às plantas de differentes paizes do Globo, como o do Dr. Allioni sobre as plantas do Piemonte, o de Oeder sobre as de Dinamarca, o do Cavalheiro de la Mark sobre as da França, o do Lord Bute sobre as da Gr. Bretanha, o de Thunbergio sobre as do Japam, nem os de outros, que se [p. lxiii] acham indicados no nosso Catalogo dos Autores Botanicos: todos estes Methodos nam sam outra coiza mais, do que combinaçoens ou correcçoens dos precedentes, de que tenho summariamente tractado.
Alem dos Methodos universaes, e geraes, tem havido ainda alguns outros
denominados parciaes, e relativos a huma so Classe ou Familia de plantas; taes
sam por ex. os de Dillenio, Michelli, Gledits, Batarra, e Bladts sobre os
Fungos; os de Dillenio, Michelli e Hedwig sobre os Musgos; os de Monti,
Michelli, e Schenzer sobre as Gramas; os de Morison, e Artedi sobre as
Umbrelladas; e os de Vaillant, e Pontedera sobre as Compostas. Alguns publicaram
Tractados particulares de hum genero infimo, que pelas numerosas especies, que
contem, parece constituir huma Familia, como por ex. Klein, Donati, e Gmelin do
Fucus ou Alga, Burman do Geranto, e Haller do Alho. Muitos emprehenderam
viagens nam so pela Europa, mas por todos os lugares do Globo, aonde ha
colonias de Europeos, e,aonde o commercio e navegaçam lhes franquea a
entrada
Das destribuiçoens dos entes do reyno vegetal, que athe agora se tem
publicado quer sejam denominadas Systemas ou Methodos artificiaes
" A Botanica, diz hum celebre Naturalista moderno
Taes sam os passos, que tem dado a Botanica, e o seu estado actual nos
differentes paizes da Europa. O seu progresso entre nos tem sido ora
proporcionado e em parte superior ao das outras Naçoens Européas, ora mais
lento. No tempo, em que a Lusitania esteve debaxo do dominio dos Romanos,
lemos nos antigos Autores
A restauraçam das lettras tendo feito mudar em Portugal o plano de estudos,
Theophrasto, Dioscorides e outros antigos, que tinham tractado dos vegetaes,
começaram a ser melhor interpretados do que o tinham feito os Arabes e os que
athe esta famosa epoca haviam adoptado as suas ideas; a nossa Universidade tinha
na Botanica (que entam se ensinava) professores tam instruidos como as melhores
da Europa. Com intuitos de commercio e de engrandecimento do Estado,
acompanhados da paxam de investigar, descobrimos novos paizes navegando
pelos mares meridionaes da Africa e India athe à China, e fomos à proporçam
que os conhecemos dando à Europa tanto em Geographia como em differentes
partes de Historia natural
Se o mesmo plano de estudos, e a mesma instrucçam se houvesse sustentado e
promovido entre nos, a Botanica e outras Sciencias e artes deveram certamente
aos Portuguezes hum explendor progressivo; mas differentes circumstancias assaz
expressas na nossa Historia se opposeram a isso. Cahimos debaxo do poder de
Hespanha, e fomos durante muitos annos com pezados grilhoens sopeados e
enfraquecidos; fomos, depois de os ter felizmente espedaçado, obrigados a
soster longas guerras; e em quanto as artes e Sciencias floreciam entre os
estrangeiros, e estes se serviam ainda mesmo de nossas terras
Os primeiros tempos pacificos foram empregados em reparar os danos, que
principalmente a Politica e armas de Hespanha nos tinham causado; mas nam se
pode remediar a todos; a degenerada situaçam das lettras prevaleceo, e as
Sciencias nam poderam ser ainda geralmente reformadas. O Ceo tinha destinado
esta gloriosa empreza a hum dos mais illuminados Soberanos que tem occupado o
throno Portuguez, o Senhor D. Joseph I.: no seu reynado a reforma do bom [p. lxxiv] gosto em Litteratura foy seguida pela das Sciencias. Inclytos sabios
estrangeiros foram chamados para professar algumas dellas entre nos, e elles nos
introduziram subitamente aos mais essenciaes conhecimentos, que a Europa,
durante a nossa decadencia, tinha nellas alcançado. A Botanica nam podia
deixar de merecer a attençam de hum Princepe
Por terminar este Epitome historico da Botanica ajuntarei somente as reflexoens
seguintes. O reyno vegetal he huma fonte inexhaurivel de novos conhecimentos,
hum thesoiro copiosissimo de preciosidades. A estructura infinitamente variada
dos entes deste reyno, as combinaçoens de differentes principios, que constituem
a sua natureza, sam huma das mais bellas maravilhas da composiçam do Globo, que
habitamos. Nam ha vegetal algum, que nam mereça de occupar a attençam de hum
verdadeiro sabio; nenhum ha, por mais desprezivel que pareça, de que se nam
possa esperur alguma utilidade
Todos os corpos compostos, que existem no globo terreste, podem ser reduzidos
a tres grandes classes primarias, a que os Naturalistas chamam os tres
reynos da Natureza, a saber, o reyno mineral, vegetal, e animal.
No primeiro consideraõ-se as terras, pedras, e metaes, que se distinguem dos
entes dos outros dois reinos, pela rasaõ de naõ viverem, ou nam terem huma
organizaçaõ e contextura destinada às funçoẽs da vida, segundo o modo com
que fisicamente se entende esta palavra; as pedras e metaes naõ deixaõ sem
embargo disso de ter crescimento.
O segundo comprehende os vegetais (vegetabilia) ou entes organizados que
crescem e vivem, sem contudo serem dotados de sensibilidade, nem de potencia
locomotiva.
O terceiro contem os animais ou entes que crecem, vivem, sentem, e tem
potencia locomotiva; ainda que nas suas extremas gradaçoẽs (começando no
homem e quadrpedes) se achem alguns que parecem ter a sua sensibilidade e
faculdade [p. 2] locomotiva em hum grande embotamento e inatividade
A sciencia que tracta dos entes destes tres reynos he chamada Historia
Natural.
Quando so se emprega na consideraçaõ dos mineraes tem o nome de Mineralogia;
se so tracta dos vegetaes he chamada Phytologia ou Botanica (
A Botanica segundo o diverso modo com que tracta dos vegetaes pode ser dividida em Botanica applicada, physiologica, e pura ou fundamental. A applicada tracta do uso dos vegetaes tanto medicinal como economico, isto he, de todas as utilidades que o homem pode tirar dos vegetaes; donde resulta que todos os tractados de materia medica, de agricultura, das differentes madeiras, das tintas vegetaes, &c. naõ saõ outra coiza mais do que huma Botanica applicada. A Botanica physiologica tracta das funçoẽs vitaes e estructura organica dos entes do reyno vegetal, e para este fim se vale da anatomia, chymica, e physica; a patologia dos vegetaes, ou tractado das suas doenças, ainda que devera ser separada, he comprehendida ordinariamente tanto na Botanica physiologica como na pura, e ainda mesmo nos tractados de agricultura. A Botanica pura ou fundamental tracta do modo de destinguir hum vegetal de todos os mais, por meyo dos seus caracteres, ou sinaes externos, com certeza, facilidade, e brevidade. Ella he [p. 3] a que deve fazer o objecto deste tractado e della dependem as duas precedentes.
Ainda que o meu fim naõ he tractar neste epitome senaõ dos principios relativos á Botanica pura, naõ me parece contudo desacertado dar aqui algumas breves noçoẽs sobre a organizaçaõ ou estructura interna dos vegetaes por facilitar a intelligencia de alguns termos a ella respectivos, que se achaõ nas obras de Linneo e de muitos outros Botanicos.
Os vegetaes tanto pela sua organizaçaõ como pelas suas funçoẽs vitaes tem
huma grande analogia com os entes do reino animal; nascem, perecem,
reproduzem por sementes ou ovos vegetaes a sua mesma especie; continuaõ-na
taõbem por gomos, ramos cortados, e enxertias, circumstancias que se achaõ
igualmente em alguns animaes
O corpo dos vegetaes em geral consta de epiderme (epidermis) ou cuticula
exterior apegada á casca (cortex) produççoẽs assaz conhecidas; a ultima
lamina interna da casca, hum tanto mais compacta do que ella, [p. 4] he chamada livrilho ou alburno (liber, alburnum
O systema vascular dos vegetaes he menos conhecido que o dos animaes; a anatomia e observaçoẽs microscopicas tem contudo descoberto quatro sortes de vasos, a saber, os seivosos, proprios, aereos, e os utriculos. Os vasos seivosos (vasa sapacea) chamados taõbem fibras lenhosas e vasos lymphaticos contem a seiva, chamada vulgarmente agoadilha ou chorume (sapa, humor plantarum) que he hum fluido aquoso, sem cor, sem cheiro nem sabor. Ella passa por ser o succo nutritivo dos vegetaes, que se aperfeiçoa nos utriculos e alguns outros vasos delgados; ella se observa bem destinctamente nos ramos das videiras cortados na primavera; estes vasos correm longitudinalmente ao lado das tracheas, saõ fasciculados, cruzaõ-se algumas veses, outras veses desviaõ-se mutuamente, deixando entre si espaços cheyos de utriculos: podem-se observar bem destinctamente nas raizes das caneiras e lirios. Os vasos proprios (vasa propria) saõ taõbem fibras lenhosas e succosas como os precedentes, mas saõ em menos numero, contem Succos mais espessos, còrados, lacteos, vermelhos, amarellos, saborosos, cheirosos, &c. e delles dependem [p. 5] as qualidades proprias de cada vegetal; alguns physiologistas pensaõ que elles saõ analogos ao chilo e sangue dos animaes; elles estaõ dispostos circularmente á roda do axe do tronco, mas achaõ-se em maior numero na casca, e se podem observar nas euphorbias, celidonia, çarthamus lunatus, &c. Os vasos aereos, chamados ordinariamente tracheas (tracheœ) saõ tubos formados de huma lamina elastica, espiral, ou semelhante a hum arame enroscado á roda de hum vime. Achaõ-se em todo o corpo do vegetal, correm ordinariamente parallelas aos vasos seivosos, e parecem ter maior diametro ou calibre do que os outros vasos. Saõ destinados a conter o ar, ou pelo assim dizer, servem á respiraçaõ dos vegetas, e se observaõ rasgando com brandura transversalmente em duas partes as folhas da vide, roseira e escabiosa. Os utriculos (utriculi) chamados taõbem tecido cellular, ou parenchyma, (parenchyma) saõ huma espécie de saccos ovaes, esponjozos, de varia grandeza, situados transversalmente e occupando as malhas ou entrevallos que deixaõ entre si os vasos longitudinaes. Saõ destinados á elaboraçaõ dos succos nutritivos, achaõ-se em maior numero na casca do que no lenho; a medulla contem os maiores e naõ parece ser outra coiza mais do que hum montaõ desta substancia vesicular ou vesiculas membranosas que communicaõ entre si. Podem observar-se no sabugueiro, choupo, carvalho, &c, por meyo de hum microscopio. Os rayos medullares, muitas raizes, frutos, e algumas plantas marinhas parecem ser quasi inteiramente utriculos, segundo as observaçoẽs repetidas vezes feitas por muitos sabios physiologistas. Alem destes vazos ha taõbem nos vegetaes muitos outros [p. 6] destinados a secreçoẽs, e as differentes sortes de glandulas os indicaõ.
Nos vegetaes naõ ha coraçaõ nem circulaçaõ; o movimento dos seus succos he
chamado propulsaõ (propulsio), o calor, frio ou frescura alternados, ou a
acçaõ do ar ambiente sobre a lamina das tracheas parece ser a causa da
propulsaõ dos succos, ao menos ha grande probabilidade que a sua dilataçaõ e
condensaçaõ ajuda muito o jogo dos vasos.
Nestes naõ ha valvulas algumas; o que hoje he raiz em hum
bacelo por ex., se arrancamos e reviramos a planta, dentro de pouco tempo
virá a ser cume, tendo pelo contrario o antigo sido convertido em
raiz.
Os succos passaõ da raiz ao tronco pelas fibras internas do
lenho, vaõ athe às ultimas ramificaçoẽs vasculares das folhas e descem para a raiz pelos
vasos da casca, de modo que a raiz tira succos do tronco e este
da raiz; alem disto os ramos tiraõ taobem a sua nutriçaõ pelas
folhas, e as raizes pelas radiculas fibrosas ou capillares.
As folhas absorbem como a pelle dos
animaes, e em muitas plantas a maior parte da
substancia nutritiva lhes entra pelas folhas; segundo alguns physiologistas os vegetaes em geral
nutremse de dia pela via das folhas
e de noyte pelas raizes, e no inverno
aquellas plantas que nelle perdem inteiramente
as suas folhas so se nutrem pela
raiz.
O movimento da seiva e dos succos proprios tem lugar em todas as estaçoẽs do
anno, mas no inverno he mais lento.
Este movimento como ja indiquei he ascendente e descendente como se prova
pelas enxertias.
Se na primavera cortamos hum ramo das videiras ou hervas maleitas, o ramo
separado lança menos succos, e a sua effusaõ cessa e se esgota muito tempo
[p. 7] antes que a do ramo ou tronco cortado que communica com a
raiz; isto parece provar alem dos dois movimentos, que ha huma
especie de communicaçaõ da seiva descendente, e ascendente na
raiz, mas isso naõ obstante naõ merece o nome de
circulaçaõ, porquanto nos vegetaes naõ ha coraçaõ nem primeiro motor
intrinseco dos succos, nem valvulas em quaesquer dos seus vazos
As tracheas achaõ-se em grande numero nas folhas, ás quaes por isso mesmo alguns Botanicos chamaraõ bofes dos vegetaes. Os orificios destes vazos aindaque se reconheçaõ em ambas as duas faces das folhas, numa dellas sempre saõ em menor numero do que na outra. A observaçaõ tem mostrado que a substancia aeriforme, que dellas exhala durante a noyte, he muito nociva, ao mesmo tempo que de dia exhalaõ outra, com que se purifica a atmosphera: nellas parece residir a irritabilidade da sensitiva, e de outros vegetaes, cujas folhas e flores se contrahem por estimulos externos.
Nas enxertias quaesquer que sejaõ, tanto de garfo como de escudo, flauta, entalhe, &c. os succos passaõ do enxerto ao enxertado, e do enxertado ao enxerto alternativamente em rasaõ da anastomose, ou reuniaõ dos vazos de hum e outro. Esta reuniaõ he [p. 8] tanto mais duravel quanto mais perfeita; a sua perfeiçaõ consiste na grande analogia do garfo com o tronco enxertado, ou na grande affinidade de organizaçaõ e dos succos. O garfo deve vir a ser hum tronco do enxertado, e porisso quanto maior for a dicta affinidade tanto mais depressa, e firmemente se encorporará com elle, e tanto mais tempo viverá.
Os vegetaes, assim como os animaes, tendem todos naturalmente a reproduzir-se.
Toda a sua vegetaçaõ se dirige a este fim, chamado ordinariamente fructificaçaõ,
que tem principio nas flores e acaba no fructo. O grande numero de vegetaes
relativamente á sua fructificaçaõ he reduzido a duas grandes classes, a saber, a
plantas perfeitas, e plantas imperfeitas, (plantae perfectae aut imperfectae.)
As perfeitas saõ aquellas em cujas flores se observaõ estames, ou pistillos, ou
ambos estes dois organos; as imperfeitas saõ aquellas que rigorosamente fallando
naõ tem estes organos, ou se os tem naõ saõ bem apparentes á vista nuã, de sorte
que a sua fructificaçaõ tem lugar por hum modo differente do das plantas
perfeitas; saõ as que Linneo classou na sua Cryptogamia, e as que os
physiologistas chamaõ plantas microscopicas. No tempo da florecencia das plantas
perfeitas, as observãçoẽs dos modernos descobriraõ em suas flores hum coito
summamente analogo ao dos animaes, e reconheceraõ que nellas haviaõ genitaes de
dois sexos, envoltos em certos tegumentos, a que daõ ordinariamente o nome de
calyz ou corolla segundo as circumstancias. Os
genitaes masculinos saõ chamados estames, e os femininos pistillo, o qual se
acha ordinariamente no centro da flor, como se observa bem destinctamente [p. 9] em huma açucena. Cada estame he composto de duas partes inferior e
superior, a primeira tem o nome de filete, e a segunda ou superior que
termina o filete he chamada anthéra.
O pistillo consta, em hum grande numero de flores, de tres partes, a saber,
germe, estylete, e estigma; o germe he a parte inferior do pistillo, ou o
fructo recêm nascido e nelle se achaõ ja as sementes
Nas plantas imperfeitas naõ se conhecem a olhos nûs os organos sexuaes; o microscopio os tem feito descobrir em algumas, mas ha outras em que nenhum observador ainda mesmo com este instrumento os tem podido devisar athe agora, nem me parece que existaõ. He certo contudo que todas daõ sementes; os cogumelos, e o bolor podem, segundo a experiencia, ser semeados como as plantas perfeitas; quanto aos fetos e musgos as sementes saõ ainda mais bem conhecidas, e senaõ podem negar ainda mesmo aos limos, fucos, e outros generos de Algas, se bem que pareçaõ ser de huma forma exquisita em algumas especies.
Taes saõ em summa as principaes noções relativas á physiologia dos vegetaes. A
Botanica pura tractando, como disse, do modo de destinguir com certeza os
vegetaes huns dos outros, he o fundamento de todos os tractados de plantas de
qualquer sorte que sejaõ considerados. Ella se serve para este fim dos sinaes
caracteristicos que se achaõ em cada individuo do [p. 11] reyno vegetal, ajuntando, semelhantes com semelhantes, e separando os
dessemelhantes. Desta reuniaõ de plantas ou especies conformes em caracteres
resultaõ os generos infimos, que reunidos de novo, do modo que depois
exporei em seu lugar
Os systemas saõ com justo motivo considerados, como hum fio de Ariadnes no
immenso labyrintho vegetal; elles saõ hum grande soccorro da memoria, conduzem
ao conhecimento do nome da planta, e nos mostraõ se ella tem ou naõ sido
conhecida dos Botanicos que nos tem precedido. Os sinaes caracteristicos, que se
achaõ nas especies do reyno vegetal, saõ os meyos de que nelles se vale a
Botanica, como disse, para nos encaminhar a este conhecimento. Todos estes
sinaes saõ exprimidos por termos technicos, que reunidos formaõ o idioma
Botanico, cuja exposiçaõ he o principal objecto deste tractado. Antes de
Linneo os termos facultativos de Botanica, naõ tinhaõ huma accepçaõ taõ
determinada como hoje tem, elle a fixou em hum grande numero; e se bem que
alguns delles parecem ter ainda huma significaçaõ vaga e ambigua
A raiz he hum organo nutritivo apegado a terra
As raizes em geral constaõ de
cuticula, casca, lenho, e medulla. Ordinariamente humas saõ mais
delgadas do que o tronco, outras saõ consideravelmente mais grossas. Humas e
outras podem ser consideradas, ou como simplices ou como compostas. Toda
a raiz simples (simplex), he indivisa e naõ lança
ramificaçoẽs algumas nos lados do seu troço; pelo contrario a composta
(composita) lança muitos ramos ao longo do seu troço: para disto se
poder formar clara idea, he precizo reconhecer no commum das plantas
duas sortes de troços continuados hum com outro, a saber, o troço
descendente e ascendente.
O troço descendente das plantas (caudex descendens), em huma accepçaõ
extensa he qualquer raiz; em hum sentido estricto, he a
parte mais grossa [p. 14] da raiz, a que alguns chamaõ taõbem o troço materno, do
qual nascem lateralmente ramos, que lançaõ varias radiculas
1º. A raiz quanto á sua direcçaõ diz-se ser:
Horizontal (horizontalis), quando se estende transversalmente ou corre quasi parallela com a superficie da terra (como a dos lirios e escalracho.)
Reptante ou serpentante, (reptans, s. repens), se he horizontal e corre lançando radiculas em varias distancias (hortelan, e escalracho): diz-se ser estolhosa (stolonifera) quando lança estolhos; os estolhos (stolones) saõ troncos herbaceos, quasi nus de folhas, sem juntas, serpertantes, ou estrados (ajuga reptans hieracium pilosella), se estes estolhos saõ longos, daõlhes o nome de verdascas (flagella) como no morangueiro, e rubus saxatilis.
Perpendicular ou aprumada (perpendicularis), quando se encrava a prumo pela terra abaxo (a cenoira, e rabaõ.)
Obliqua (obliqua, inclinata), quando tem huma direcçaõ esguelhada, ou se encrava obliquamente ao horizonte ou superficie da terra (o cravo romano.)
[p. 15]2º. Quanto á sua divisaõ, e forma diz-se:
Ramosa (ramosa), quando he composta de muitos ramos lateraes que sahem do troço materno (a ortiga e muitas arvores): ella he ás vezes forquilhosa (dichotoma) dividindo-se quasi sempre em dois ramos como forcados.
Fibrosa (fibrosa, fibrata), quando consta somente de radiculas delgadas, e se diz capillar (capillacea, capillata, schirrata, comosa), se as radiculas saõ finissimas e bastas, como nas lentilhas d'agoa e alguns gramineos; filiforme (filamentosa, filiformis), se as dictas radiculas saõ como fios hum tanto grossos, como as da violetta e quejadilho. Alguns lhes daõ o nome de retiformes (retiformes), se ellas se enredaõ a maneira de rede.
Fusiforme (fusiformis), se he polposa, perpendicular, oblonga, adelgaçando pouco a pouco para a sua extremidade inferior, de modo que se assemelha a hum fuso (a cenoira e rabaõ). Turbinada (turbinata) quando he conica verticalmente, ou se assemelha a hum piaõ bailando (como alguns nabos).
Globosa (globosa), quando tem huma forma quasi espherica (ranunculus bulbosus). Pode ser tanto bolbosa como tuberosa.
Troncada (truncata, praemorsa), quando he simplez, e naõ termina em ponta, mas antes parece como retraçada ou cortada transversalmente (scabiosa succisa.)
Fasciculada (fascicularis, fasciculata), quando consta de partes carnudas, bolbosas, ou tuberosas approximadas, e adunadas na extremidade superior [p. 16] junto da base do tronco (orchis abortiva, ranunculus ficaria, paeonia). Alguns lhe chamaõ taõbem grumosa (grumosa), como sendo disposta por grumos quer sejaõ rentes quer dependurados, como nos ranunculos, anemones, e abrotea.
Apalmada ou digitada (palmata, s. digitata), quando consta de partes carnudas, lobadas, hum tanto comprimidas, quasi iguaes, e adunadas junto da parte superior de modo que representaõ os dedos ou gadanhos de alguns animaes (orchis maculata): quando tem tres lobulos daõ-lhe muitas vezes o nome de quasi apalmada (sulpalmata) (como a orchis latifolia). Todas estas raizes saõ bolbos bastardos.
Articulada (articulata), quando tem juntas de espaço em espaço (o escalracho), estes epaços entre as juntas saõ chamados entrenos (internodia); quando as juntas saõ hum tanto inchadas, a raiz tem o nome de geniculada (geniculata). Nodosa (nodosa), quando he carnuda e tem varias protuberancias (scrophularia nodosa). Alguns Botanicos daõ taõbem este nome ás raizes tuberosas da filipendula, e outras semelhantes, em razaõ das suas tuberosidades se assemelharem a nòs ou contas enfiadas.
Escamosa (squamosa), quando he guarnecida de tunicas ou producções
escamosas quer estas sejaõ obtusas quer pontudas, ou imbricadas, ou
distantes, ou finas e membranosas, ou cascos da consistencia da
raiz, e hum tanto succulentos (dentaria pentaphyllos).
Granulosa (granulata), consta de pequenos graõs hum tanto globosos, succulentos, de substancia compacta, aggregados, e rentes, ou quasi rentes com o tronco (saxifraga granulata). Estes graõs saõ pequenos bolbos bastardos.
Entre as raizes herbaceas
ordinariamente mais grossas do que o tronco ha humas a que se deo o nome
de tuberosas, e a outras o de bolbosas.
A raiz tuberosa (tuberosa) he a que consta de huma ou mais
tuberas (tubera); as tuberas saõ corpos carnudos, farinhosos, de varia
figura
A raiz bolbosa (bulbosa) he a que
Estes termos daõ-se taõbem aos bolbos novos, que nascem ao
lado dos antigos.
Na familia das orchideas as partes carnudas da
raiz saõ chamadas bolbos, e lhes costumaõ
dar os epithetos differenciaes de ovados, redondos, hum
tanto redondos, apalmados, hum tanto apalmados, rectos,
patentes, indivisos, globosos, comprimidos, flexuosos,
aggregados ou fasciculados, denteados, fibrosos, hum tanto
fibrosos, filiformes, &c. mas semelhantes producçoẽs so
merecem o nome de bolbos bastardos por participarem da
natureza farinhosa e tuberosa.
Taõbem senaõ devem por no numero das verdadeiras raizes bolbosas as dos
nabos, bryonia, golfaõ, paõ de porco, cogumelos, e as de
muitas outras plantas que saõ impropriamente denominadas
bolbosas.
3º. Quanto á duraçaõ a raiz diz se ser:
Annual (annua), quando perece com o seu tronco annualmente, devendo-se tanto ella como a sua especie propagar por meyo de sementes, tal he a do trigo, feijoeiro, &c. Esta sorte de raizes he indicada nas obras dos Botanicos com o sinal ☉︎. Biennal (biennis) quando vegeta no primeiro anno, no segundo o seu tronco fructifica, e ambos nelle [p. 20] perecem (tragopogon), ella he indicada com o sinal ♂. Vivace ou perennal (perennis), quando dura viva na terra mais de dois annos, lançando ou brotando de seus gomos troncos novos, como he a da hera terreste, a da violetta, &c.: he indicada pelo sinal ♃. Todas as raizes dos subarbustos, arbustos, e arvores saõ do numero das vivaces, como se entende facilmente, e porisso senaõ faz mençaõ desta circumstancia nas suas descripçoẽs; as raizes arbustivas (fruticosae), saõ indicadas por alguns autores com o sinal ♄ .
O tronco he o troço ascendente, ou a parte que se eleva immediamente sobre a raiz, destinado ao engrandecimento da planta, e a terminar pela fructificaçaõ.
Os antigos davaõ o nome de tronco (truncus) ao troço ascendente das plantas lenhosas, e o de caule ou talo (caulis) ao das herbaceas; mas hoje a palavra tronco está adoptada por hum termo geral de que o caule he huma especie, de maneira que se pode dizer com igual propriedade de termo, que o choupo tem hum caule lenhoso, como se pode dizer, que a alface tem hum caule herbaceo.
Em hum grande numero de troncos ha, como nas raizes, epiderme, casca, alburno, lenho, e medulla. Quando o tronco lança ramos lateralmente, a parte [p. 21] mais grossa, e media desde a base athe ao topo he chamada troço materno.
As especies de tronco saõ: caule, hastea, colmo, espique, e surculo
Linneo admitte taõbem como especies de tronco os peciolos das
folhas, os
peduncusos, e frondes; quanto aos peciolos naõ conheço razaõ
para lhes poder chamar troncos, ainda mesmo os que sostêm
folhas que daõ
flores e fructos como nas especies de gilbarbeira (ruscus),
e os excluo pelo mesmo motivo que elle excluio os ramos, a
que chama partes do tronco e naõ tronco.
Quanto aos pedunculos so pode haver duvida a respeito dos
radicaes, mas estes podem ser reduzidos ao numero das
hasteas.
As frondes nos fetos saõ parte do tronco, e naõ hum tronco;
so pode haver duvida quanto a alguns generos de Algas ou
especies de Lichen, Fucus, &c. que parecem ser
inteiramente frondes, mas os botanicos naõ decidiraõ ainda,
se ellas mereciaõ mais o nome de tronco que o de
raiz ou folha, assim como
senaõ decidio ainda se os fios dos limos e a lanugem do
Bissus saõ huma especie de tronco, apezar da analogia que
tem com o espique do bolor (mucor mucedo).
O caule (caulis) he huma especie de tronco ordinariamente guarnecido de
folhas
Quando o caule pertence a hum subarbusto, arbusto, ou arvore, quando elle he herbaceo
postrado ou reptante, algumas vezes fructifica sem ter folhas algumas, mas
nem porisso deve ser chamado hastea (como se collige da
definiçaõ que della dou); taes saõ algumas especies de
Euphorbia, Cactus, Ephedra, Stapelia, Asparagus e Cuscuta.
A hastea (scapus) he huma especie de tronco herbaceo ou levantado ou
obliquo, e inteiramente [p. 22] desguarnecido de folhas
O colmo (culmus) he huma especie de tronco proprio dos gramineos, e
plantas analogas a elles, como he o do trigo, caneira, junco, &c. em
humas plantas he occo, em outras esponjoso, ou geniculado ou sem nos,
com folhas ou sem ellas,
ramoso, ou simplicissimo, herbaceo ou arbustivo; em huma palavra, he
huma hastea ou caule a que os Botanicos quizeraõ dar o nome de colmo por
ser hum tronco dos grames, e plantas que lhes saõ naturalmente analogas
O espique (stipes) he huma especie de tronco proprio dos fetos e fungos;
nos primeiros he semelhante a hum peciolo, e nos segundos a hum
pedunculo radical ou hastea
O surculo (surculus) he huma especie de tronco proprio dos musgos, o seu troço he filiforme, guarnecido sempre de foliolos, ou de escamas persistentes e de varia forma; ás vezes he simplez, outras vezes ramoso, ora he reptante ou estirado ora levantado. Ha algumas especies de jungermannia, nas quaes o tronço he hum surculo, e nisto saõ verdadeiramente analogas aos musgos.
Toda a planta que tem tronco he denominada entronquecida (caulescens), e destronquecida (acaulis) senaõ tem tronco algum (carlina acaulis). Muitas [p. 24] vezes se da taõbem este ultimo nome às que tem hum tronco curtissimo, e quasi cozido com a terra
1º. O tronco em geral pode ser considerado segundo differentes relaçoẽs; quanto à sua duraçaõ e substancia diz-se ser:
Herbaceo (herbaceus), se naõ he lenhoso e perece annualmente (a chicoria, e o ranunculo).
Subarbusteo (suffruticosus), quando os seus ramos annualmente se seccaõ, e naõ tem gomos alguns athe a base, ou so a sua parte inferior junto della persiste viva, donde brota na primavera (a dulcamára, tomilho, gilbarbeira, salva, e alfazema). Este tronco he quasi lenhoso.
Arbusteo ou arbustivo (fruticosus), quando pertence a huma
raiz lenhosa, da qual todos os annos brotaõ muitos
troncos, que senaõ secçaõ nem morrem annualmente nem se elevaõ a altura
das arvores
ordinarias
Arboreo (arboreus), quando naõ perece durante muitos annos, tem hum troço lenhoso, e grosso, o qual se eleva altamente, nasce solitario e desacompanhado de outro, ou se tem outros ao seu lado [p. 25] que nascem da mesma raiz, saõ muito raros á proporçaõ dos que brota huma raiz arbustiva; taes saõ por ex. os do ulmeiro, pinheiro, choupos, &c. Quando as arvores se elevaõ athé a altura da estatura humana pouco mais ou menos, alguns autores costumaõ dar-lhes, o nome de arbusculos (arbuscula), para as destinguir das arvores summamente elevadas.
Compacto ou mociço (solidus), que naõ he tubuloso, nem consta de huma substancia porosa, encortiçada, e balofa, nem tem huma medulla esponjosa, mas antes mal se lhe pode divisar a medulla (o acipreste, e oliveira).
Esponjoso (inanis, s. spongiosus), quando consta de huma substancia balofa e esponjosa, ou tem huma larga medulla esponjosa (o milho e o sabugueiro).
Repleto (farctus), quando he compacto, ou esponjoso, de modo que se lhe naõ divisa tubo algum (o acipreste e sabugueiro).
Tubuloso (fistulosus, s. tubulosus), quando he occo como hum canudo (o phellandrium aquaticum, conium maculatum, e a cebola.)
2º Considerado quanto à sua medida diz-se ser:
De meya pollegada de alto (unguicularis, semiuncialis, s. unguem longus); de
huma pollegada de alto (uncialis, s. pollicaris); de pollegada e meya de
alto (sesquiuncialis); de maõ travessa de alto (palmaris, palmum longus); de
hum palmo (dodrantalis, dodrantem longus); de sette pollegadas (spithameus);
de hum pé (pedalis); de desasette pollegadas, ou de hum covado natural
(cubitalis); do comprimento de hum braço, ou de vinte o quatro [p. 26] pollegadas (brachialis); de huma braça, ou de seis pés (orgyalis). Quanto
á sua grossura diz-se ser: da grossura de hum cabello ou da duodecima parte
de huma linha (capillaris); de huma linha de diametro ou da duodecima parte
de huma pollegada (linearis); de duas, tres linhas, &c. de largo; de
meya pollegada, de huma pollegada de largo, &c. Todas estas medidas se
podem augmentar á proporçaõ da altura e grossura do tronco, dizendo-se por
ex. ser de trez, oito, vinte braças de alto, &c. Todas ellas se devem
entender na razaõ de pouco mais ou menos, vistoque as plantas
relativamente a ellas variaõ muito, segundo o terreno, clima, lugares
mais ou menos abrigados, &c.
3º Quanto á direcçaõ he denominado:
Levantado (erectus, arrectus), quando he quasi perpendicular ao plano da terra, ou forma com elle quasi hum angulo recto (o verbasco): he o contrario de obliquo, postrado, e voluvel.
Direito (rectus, strictus), quando he impertigado, sem tortuosidades algumas, e forma com o plano da terra hum angulo recto (o junco, e o helianthus altissimus). He hum tronco perfeitamente levantado, e alem disso he opposto ao caule tortuoso, fraco, e a quaesquer outros que tem curvaturas.
Fraco (laxus, flaccidus, debilis), quando por ser delgado ou de flexivel contextura bambolea, e abana facilmente em varias direcçoẽs.
[p. 27]Rijo (rigidus), he firme, naõ bambolea facilmente, e tem huma tezidaõ hum tanto elastica de maneira que se o curvamos, se levanta immediatamente (algumas junças).
Obliquo ou esguelhado (obliquus), quando esta posto de esguelha, apartando-se quasi tanto do plano da terra, como da linha perpendicular ao dicto plano (lathyrus aphaca).
Remontante ou realçado (ascendens), quando sendo primeiramente obliquo, postrado, ou parallelo á terra se revira para cima em arco (vicia cracca, viola canina).
Reclinado (reclinatus, declinatus, inclinatus), quando levantando-se primeiramente hum tanto de es guelha começa a descahir para a terra, prolongando-se em arco, ou formando huma curva assaz aberta; mas a sua ponta fica levantada de maneira que figura quasi hum postrado 𝆗 (convolvulus tricolor, potentilla aurea).
Incurvado (incurvatus, inflexus), quando se levanta direito e arquea na parte superior (juncus inflexus).
Acenoso (nutans), quando tem a ponta dobrada para baxo, ou dependurada perpendicularmente (juncus filiformis).
Postrado ou estirado (procumbens), quando em rasaõ da sua fraqueza jaz deitado horizontalmente sobre a terra, sem contudo nella lançar raizes (o murriaõ, a parietaria lusitanica, a semprenoiva.)
Descahido (decumbens), quando primeiramente se eleva hum pouco, e depois cahe sobre a terra, onde alastra mais ou menos (o serpaõ).
Estolhoso (stoloniferus), quando sahindo da [p. 28] primeira raiz, em mais ou menos distancia, lança novas raizes na terra, e neste lugar brota dois ou mais estolhos (o morangueiro, violetta, e ajuga reptans).
Sarmentoso (sarmentosus), quando lança muitas varas nodosas (chamadas sarmentos), as quaes tocando na terra, ou corpos vizinhos, nelles arraigaõ pelas suas juntas (a videira, legacam, e clematis vitalba).
Reptante ou serpentante (reptans, repens) quando he postrado, longo, mais ou menos ramoso, e lança amiudo sobre a terra varias radiculas (a potentilla, e a lysimachia nummularia). Se este mesmo caule em lugar de ser estirado sobre a terra trepa, e engatinha pelas arvores, paredes, ou rochas altas, aferrando-se a ellas por meyo das suas numerosas raigotas lateraes, daõ-lhe o nome de raigotoso (radicans) taes saõ os caules da bignonìa radicans, cissus quinquefolius, &c. A hera humas vezes he reptante, outras raigotosa; donde resulta que estes dois termos indicaõ a mesma coiza em differentes lugares.
Articulado (articulatus), quando tem juntas destribuidas de distancia em
distancia
Tortuoso (flexuosus), quando he ondeado ou como colombrino, formando nas juntas ou lugar dos gomos pontas angulosas, e alternadas ora para hum ora para outro lado (o legacam, e dulcamára).
Trepador (scandens), quando trepa pelos corpos vizinhos que encontra, segurando-se nelles por meyo de suas raigotas (se he raigotoso ou sarmentoso) ou de suas gavinhas, ou dos peciolos das folhas (a hera, ervilheira, madresylva, videira, e clematis vitalba). Quando elle chupa a substancia da planta em que se segura ou por meyo de suas radiculas, ou de qualquer modo que seja, daõ-lhe o nome de parasito (parasiticus) como he o da hera e cuscuta. Se elle se enrosca á roda dos corpos vizinhos, prolongando-se sempre espiralmente, daõ-lhe o nome de voluvel ou encaracolado (volubilis), e o dizem ser encaracollado á direita, (dextrorsum, s. contra motum solis) se a primeira rosca inferior começa pela banda direita, da direita para á esquerda ou do poente para o nascente (o feijoeiro, e a verdeselha); encaracollado à esquerda (sinistrorsum, s. secundum motum solis), se a sua primeira rosca segue huma direcçaõ contraria á precedente (o luparo, madresylva, e norça preta). Para podermos determinar estas direcçoẽs he precizo suppormo-nos estar dentro das roscas com a cara para o sul.
4º Quanto á figura diz-se ser:
Cylindrico ou roliço (teres, cylindricus), quando [p. 30] se assemelha a hum rolo, naõ tendo angulos alguns (a tulipa, e pinheiro); quasi cylindrico (subcylindricus), quando se approxima quasi á figura de hum rolo (allium molly); semicylindrico (semiteres) se he plano de huma banda e convexo da outra, ou como a metade de hum rolo partido longitudinalmente (allium ursinum).
Comprimido (compressus), se he hum tanto chato de duas bandas em todo o seu comprimento, ou parece como esmagado nos dois lados oppostos (poa compressa, potamogetum compressum).
Bigumeo (anceps), quando tem dois angulos oppostos hum tanto affiados, assemelhando-se á folha de huma espada de dois gumes (a milfurada); se os dois gumes saõ hum tanto embotados, diz-se digono (digonus).
Anguloso (angulatus), se tem tres ou mais angulos. Segundo o numero dos
angulos, diz-se ser triangular, quadrangular, de cinco, seis, ou muitos
angulos (tri- quadr- quinq- sex- mult- angularis
Segundo o numero dos lados planos que tem, diz-se ser: de tres, quatro, cinco lados, &c. [p. 31] (tri-quadri-quinqueter, &c. ou taõbem tri-quadri-quinquelaterus, &c.)
5º. Considerado quanto á sua superficie diz-se ser:
Folheado ou folhoso (foliatus, s. foliosus), quando he guarnecido de folhas; he usado em oppoziçaõ differencial do seguinte.
Esfolhoso (aphyllus), se naõ tem folhas algumas, como a cuscuta e algumas especies de euphorbia e cactus.
Nû (nudus), quando he destituido de folhas, escamas, estipulas, pesos e outras excrecencias. Este termo so se usa relativamente, nas descripçoẽs das especies que naõ tem folhas, &c. comparadas com as que as tem. Diz-se quasi nû (subnudus), quando he quasi inteiramente falto de folhas.
Envaginado (vaginatus), quando he cingido pela base das folhas ou da dos seus peciolos, de modo que parece em parte enfiado numa bainha (os lirios, o trigo, e muitos outros grames).
Escamoso (squamosus), quando he guarnecido de folhetos como escamas, e hum tanto distantes (lathraea squamaria, tussilago anandria).
Imbricadamente folhudo ou imbricadamente escamoso (imbricatus), quando he coberto de folhas, folhetos ou escamas imbricadas, isto he, dispostas humas sobre outras como telhas (tussilago farfara).
Encortiçado (suberosus), quando a sua casca he branda, elastica, toda cortiça ou semelhante a ella na qualidade (o sobereiro, e passiflora suberosa).
Gretado (rimosus), quando tem no exterior da sua casca muitas gretas abertas irregularmente.
Entunicado (tunicatus), quando a sua casca he [p. 32] coberta de differentes membranas applicadas humas sobre outras.
Lizo (laevis), quando a sua superficie he por toda a parte igual, sem tuberculos, gretas, riscos, regos nem cavidades algumas (o sayaõ).
Estriado ou riscado (striatus), quando tem longitudinalmente muitos riscos na superficie da sua casca; estas estrias saõ superfiçiaes, e mais ou menos distantes (genista tinctoria).
Regoado (sulcatus), quando tem longitudinalmente regos, ou riscos largos e profundos na sua casca (a milfolha, e aipo).
Glabro (glaber), quando a sua superficie naõ tem escabrosidades nem pelos
alguns, mas he liza ou polida (a abrotea, e cebolla alvarran)
Escabroso (scaber), quando he salpicado de certas producçoẽs glandulosas, pequenos tuberculos ou pontos asperos ao tacto (o luparo, linho canamo, e amor de hortelaõ).
Echinoso (echinatus, muricatus), quando he nimiamente escabroso, e tuberculozo de modo que os tuberculos saõ hum tanto longos, agudos e rijos, mas muito pouco picantes (a ruiva dos tintureiros, a abobara menina, e muitas outras cucurbitaceas).
Cotanoso ou cotanilhoso (tomentosus) se a sua superficie esta coberta de hum cotaõ ordinariamente branco, finissimo, curtissimo, e de tal sorte tecido que os seus pelos mal se podem separadamente distinguir sem lente (a cineraria maritima).
Lanudo (lanatus), quando a sua superficie esta [p. 33] coberta de pelos longos, bastos, curvados, e tecidos huns com outros á maneira de huma tea de aranha, como visivelmente se conhece sem lente (na ballota lanata, e onopordum acanthium).
Peludo ou hirsuto (pilosus, hirsutus, s. hirtus)
Felpudo ou aveludado (villosus), quando tem pelos bastos, approximados, macios ao tacto, naõ entrelaçados, e assaz bem visiveis sem lente (o çumagre.)
Hispido (hispidus), quando he salpicado de sedas finas, hum tanto rijas, rectas, distantes mais ou menos entre si, e mui quebradiças (echium vulgare).
Ardentoso (urens), he hispido, mas as suas sedas saõ venenosas, e chamadas ferroẽs, em razaõ de que penetrando a pelle nua causaõ nella ardor e inflammaçaõ (a urtiga.)
Aculeado (aculeatus), quando tem aculeos, ou espinhos, bastardos, na sua casca (a sylva, e roseira).
Espinhoso ou abrolhoso (spinosus), quando lança do seu lenho abrolhos ou espinhos proprios (o pirliteiro, e o abrunheiro bravo).
[p. 34]Estipuloso (stipulatus), quando he guarnecido de estipulas (o martyrio, todas as especies de polygonum, e a maior parte das leguminosas.)
Alado (alatus, membranatus, membranaceus), quando he guarnecido de membranas, as quaes ordinariamente correm ao longo de seus angulos, ou elle seja chato quasi como huma folha, ou naõ (scrophularia aquatica, genista sagittalis).
Bolbifero (bulbiferus), quando dá pequenos bolbos, ou nas axillas de suas folhas, ou entre ás flores que produz (polygonum viviparum, ranunculus ficaria, e algumas especies de alho).
6º. Quanto á sua composiçaõ ou divisaõ diz-se ser:
Simplez (simplex), quando se prolonga athe á ponta quasi sem ramos, ou tem ramos rarissimos quer na parte superior quer nos lados (a açucena, e scabiosa succisa): simplicissimo (simplicissimus, integer), quando he inteiramente indiviso, prolongando-se sem ter absolutamente ramo algum (o alho, e paris quadrifolia).
O tronco he composto todas as vezes que merece de ter o nome de subramoso ou ramoso. O subramoso (subramosus), he hum tronco quasi simplez em razaõ de ter poucos ramos lateraes (as esporas, e aquilegia); o ramoso (ramosus), tem muitos ramos lateraes (a beccabunga, e sherardia arvensis). Diz-se ramosissimo (ramosissimus), quando tem ramos numerosissimos, subdivididos, e amontoados sem ordem (gallium saxatile, e thalictrum faetidum); se todo elle naõ parece outra coiza mais do que huma panicula, ou que todos os seus ramos formaõ huma [p. 35] panicula, daõ-lhe o nome de paniculado (paniculatus), como he o da saxifraga cotyledon.
Desvaricado (divaricatus), quando o seu troço elevado hum tanto acima da raiz começa a dividirse em muitos ramos longos, desviados ou do troço materno ou entre si em angulos obtusos (polygonum divaricatum, helianthus divaricatus).
Patente (patens), quando nascendo juntamente com outros muitos da mesma raiz se desvia delles em angulo agudo mui aberto. (Este termo he muitas vezes usado em lugar do seguinte). Derramado ou diffuso (diffusus), quando se divide em muitos ramos que formaõ entre si angulos quasi rectos (a fumaria, e hesperis tristis.)
Copado (fastigiatus), quando os seus ramos saõ approximados ou empilhados, chegaõ a igual altura, e formaõ huma copa anivelada, e fechada como huma moita (santolina chamaeciparissus).
Açarilhado (brachiatus), quando tem ramos oppostos, e o par superior cruza o inferior, como os braços de hum çarilho (a mercurial).
Forquilhoso ou forqueado (dichotomus), quando se divide sempre em dois ramos, em forma de forcado (valeriana locusta). Alguns o denominaõ triramoso (trechotomus), quando se divide sempre em tres ramos (o cardo penteador, e a verbena mexicana). A divisura ou ponta angular das divisoẽs do tronco forquilhoso he chamada bifurcaçaõ ou forqueadura (bifurcatio, s. dichotomia).
Vergonteado (virgatus), quando he delgado, fraco, flexivel, e se prolonga lançando muitas varinhas [p. 36] bastas, desiguaes, e da sua mesma qualidade ou fraqueza (artemisia campestris).
Prolifero (prolifer), quando he, pelo assim dizer, pontaramudo, lançando
ramos verticillados so na ponta, os quaes
saõ taõbem proliferos (como o pinheiro, e scabiosa prolifera
Diz-se em fim ser disticado (distichus), se tem ramos disticados; e esteiado (fulcratus), quando se esteia em seus ramos ou tem ramos esteiados: estes termos seraõ melhor explicados no artigo seguinte.
Os ramos (rami), saõ parte do tronco, ou o tronco mesmo dividido. Elles saõ nalgumas plantas taõ semelhantes ao troço materno do tronco que he difficil de os destinguir, e daqui procede que os Botanicos tem dado igualmente a huns e outros as mesmas denominaçoẽs differenciaes.
Dizem-se ser alternos (alterni), quando hum naõ tem outro fronteiro no mesmo grao de altura, e se seguem alternafivamente postos huns acima dos outros nos dois lados do tronco (herniaria glabra).
Oppostos ou fronteiros (oppositi), quando nascem aos pares, estando hum posto de fronte do outro na mesma altura do tronco (a mercurial). Este termo [p. 37] he synonymo de ramos açarilhados (decussati), se gundo a accepçaõ em que o tomaõ hoje, mas pode significar taõbem os ramos oppostos, que saõ disticados.
Disticados (distichi), quando saõ patentes ou horizontaes, tem o seu ponto de nascimento em differentes lugares, e se vaõ seguido nos dois lados do tronco dispostos á maneira dos dois renques das barbas de huma penna.
Verticillados (verticillati), quando mais de dois nascem das articulaçoẽs ou juntas do tronco; elles estaõ todos no mesmo ponto de altura, dispostos á roda do tronco como rayos de huma roda de sege (as especies de gallium, e de muitas outras analogas a este genero). Dizem-se verticillas dos tres a tres, quatro a quatro, cinco, seis, sette, oito a oito, &c. (terni, quaterni, quini, seni, septeni, octoni, &c.)
Levantados (erecti), quando formaõ com o tronco hum angulo muito agudo, ou saõ quasi perpendiculares (o acipreste, e esporas). Se saõ em grande numero e bastantemente approximados ou ao tronco ou entre si, dizem-se conchegados (coarctati).
Patentes (patentes
Desvaricados (divaricati), quando saõ esparraIhados, dispersos, sem ordem, e formaõ com o tronco ou entre si angulos muitos obtusos (xeranthemum annuum, cucubalus bacciferus).
[p. 38]Recurvados (deflexi), quando saõ hum tanto inclinados para baxo em arco, ficando a sua ponta mais baxa do que o ponto de apego.
Derreados ou pendentes (reflexi, penduli), quando à sua ponta pende para a terra, ou estaõ dependurados perpendicularmente (salix babylonica).
Requebrados (retroflexi, s. retrofracti), quando saõ desvaricados, recurvados, e tem differentes tortuosidades, parecendo como quebrados nas articulaçoẽs (asparagus retrofractus).
Esteiados (fulcrati), quando saõ de tal sorte recurvados que tocaõ na terra, e nella se esteiaõ; ou taõbem quando delles nascem outros que baxando à terra nella arraigaõ, e ficaõ como espécando os ramos de que nasceraõ (ficus indica, ficus benghalensis).
Compridos (longi), quando excedem em comprimento o troço materno do tronco donde nascem: curtos (breves), se saõ menores do que elle no comprimento.
As folhas (folia) saõ chamadas os organos do movimento das plantas, e na realidade saõ nos vegetaes as partes que mais se movem, e que mais contribuem ao movimento dos seus succos. Nascem da casca, e della lhes provêm os muitos vazos de que saõ compostas. Estes vazos saõ sufficientemente visiveis, e [p. 39] estaõ cobertos da epiderme, que he a continuaçaõ da epiderme da casca. As suas ramificacoẽs formaõ huma especie de rede, a que chamaõ tecido reticular (rete s. opus reticulare), cujas malhas saõ occupadas pelo tecido cellular ou parenchyma. Este tecido he bem claramente visivel nas folhas do choupo maceradas em agoa.
As folhas estaõ apegadas ou à raiz ou ao tronco ou aos ramos; humas vezes tem huma cauda mais ou menos comprida, a que chamaõ peciolo, que medea entre a sua base e o tronco ou ramo; outras vezes naõ tem peciolo alguim, apegando-se immédiatamente pela sua base ao tronco ou ramo; no primeiro cazo saõ denominadas pecioladas, e no segundo rentes. A parte, por onde se apegaõ ao peciolo, ou immediatamente ao tronco ou ramos (sendo rentes), he chamada base (basis), a extremidade opposta a esta tem o nome de ponta (apex). Ordinariamente as folhas tem duas faces, huma superior que olha para cima (pagina supertor, s. discus supinus), e outra inferior que olha para a terra (pagina inferior, s. discus pronus). E sua borda ou ourella tem o nome de margem (margo), e o espaço superficial que vay desde o centro athe á margem he denominado disco (discus); nestas faces consiste o que os Botanicos chamaõ superficie propria da folha, e se o disco he elevado, abatido, ou augmentado, chamaõ-lhe dilataçaõ do disco. Os vasos apparentes que se observaõ no disco das folhas tem o nome de nervuras e de veios; as nervuras (nervi), saõ vasos que correm longitudinalmente da ponta para a base mais ou menos curvados, e naõ se ramifiçaõ lateralmente. O mais grosso que se acha no meyo, e que he [p. 40] a continuaçaõ do peciolo tem o nome de nervura dorsal, fio do lombo da folha, ou espinhaço da folha (costa, rachis folii), ou de quilha (carina) se he elevado acima da superficie na face inferior da folha; as duas metades podem ser chamadas abas da folha (semidisci); ellas saõ as vezes huma mais curta do que outra na base, como se vê no ulmeiro. Os veios (venae), saõ vazos apparentes que se ramificaõ em varias direcçoẽs principalmente transversaes.
As folhas saõ consideradas naõ so
relativamente a estas circumstancias, mas ainda quanto à sua duraçaõ,
grandeza, situaçaõ, inserçaõ, direcçaõ, circumscripçaõ, sinuosidades,
angulos, lados, substancia, simplicidade, e compoziçaõ.
A duraçaõ he o tempo em que ellas subsistem apegadas á planta.
A grandeza consiste nas dimensoẽs de comprimento e largura, e he ou
absoluta ou relativa; a primeira consiste em huma medida determinada de
linhas, pollegadas, palmos, &c. e a segunda na extensaõ da sua
superficie comparada, com o comprimento dos seus peciolos, do tronco ou
das articulaçoẽs deste.
Na insersaõ naõ so se considera o ponto de apego da folha,
mas ainda o modo com que he apegada.
A situaçaõ he o modo com que as folhas so achaõ dispostas no tronco da planta.
A direcçaõ he a posiçaõ particular, em que se achaõ as folhas no tempo diurno
relativamente ao tronco, aos differentes polos da terra e sua
superficie, ou em fim, respectivamente á superficie d'agoa.
Na circumscripçaõ considera-se a figura da folha
circumscripta no disco, e he supposta inteira, precidindo-se dos
angulos, sinuosidades, margens e ponta.
Nas sinuosidades suppoem-se a folha dividida no seu disco, e
[p. 41] como tendo, partes nelle cortadas, ou na base, ou no topo, ou nos
lados, ou em qualquer parte que for.
Os angulos saõ partes da folha mais ou menos prolongadas ou
prominentes, e se suppoem a folha inteira e em huma posiçaõ
horizontal.
Os lados do modo com que os consideraõ os botanicos saõ os angulos
longitudinaes da folha, ou as esquinas que ella tem ao
comprido.
Na substancia entende-se a polpa entre as superficies.
A simplicidade da folha consiste em ser huma so em hum so
peciolo; considerada lateralmente as suas lacinias (laciniae) naõ chegaõ
a ser rasgadas athe á nervura dorsal do meyo para cima, e
ordinariamente o naõ saõ mesmo athe á base; naõ he articutada, e
considerando-a verticalmente, as suas lacinias naõ formaõ foliolos
perfeitos, nem he rasgada inteiramente athe ao cume do peciolo, mas taõ
somente athe certa distancia acima delle.
Pelo contrario a composiçaõ da folha consiste em ter muitas
em hum so peciolo commum; he rasgada por conseguinte inteiramente athe
ao topo do peciolo, ou lateralmente athe á nervura dorsal,
que nesta sorte de folhas he o
peciolo commum
Os antigos davaõ o nome de
folhas ainda mesmo ás petalas das flores.
Linneo fez huma destinçaõ entre folhas e frondes, e deo o nome de frondes (frondes) ás folhas dos fetos e plantas da
mesma ordem, ás folhas das
palmeiras, ás folhas aggregadas
de alguns aciprestes, e a algumas producçoẽs semelhantes a folhas, que se achaõ na ordem das
algas; mas naõ nos deixou huma definicaõ exacta em que se funde esta
differença
Linneo tractou das folhas considerando-as debaxo de tres grandes destribuiçoẽs, a saber, determinaçaõ, simplicidade, e composiçaõ; eu seguirei neste epitome estas mesmas divisoẽs.
A determinaçaõ das folhas comprehende as relaçoẽs caracteristicas deduzidas naõ da estructura, simplicidade, ou composiçaõ, mas do lugar e modo de insersaõ, da situaçaõ, direcçaõ, numero, grandeza ou medida, e duraçaõ.
[p. 43]1º Quanto á insersaõ, ou lugar e modo de apego, as folhas dizem-se ser: Seminaes (seminalia), saõ as primeiras que sahem immediatamente da semente germinada, e constituem a plumula ou gomo seminal, como se vê no feijaõ e trigo. Quando as sementes tem duas cotyledones, e estas tomaõ a apparencia de folhas, como se vê nas da abobara e rabaõ, so se lhes deve dar o nome de folhas seminaes bastardas.
Radicaes (radicalia), saõ as que tem o seu ponto de apego na raiz e naõ no tronco, nem constituem as folhas da plumula das sementes germinadas (a açucena, e dente de leaõ). Ellas saõ as vezes differentes na forma das caulinas, como se vê na campanula rotundifolia.
Caulinas (caulina), quando tem o seu ponto de apego no tronco (açucena, e campanula rotundifolia).
Rameas ou raminas (ramea), quando tem o seu ponto de apego nos ramos.
Axillares (axillaria)
Subaxillares (subaxillaria, s. sabalaria), quando [p. 44] tem o seu ponto de apego na axilla inferior, ou no angulo inferior que forma o tronco com o ramo (o murriaõ, e murujem.)
Floraes (floralia), saõ a mesma coiza que bractéas persistentes (o ouregaõ).
Pecioladas (petiolata), quando tem hum peciolo (a salva, e pereira); rentes (sessilia), se o naõ tem, como acima disse (a alface, e cynoglossa).
Arrodeladas (peltata, s. umbilicata), quando o seu peciolo se apega naõ à base ou margem, mas sim ao disco (as chagas, e conchello). O lugar a que se apega o peciolo nesta sorte de folhas he denominado o embigo ou copa da folha (umbilicus).
Innatas (adnata), quando saõ mais ou menos grossas, tem o diametro da base mais largo do que em qualquer outra parte do seu corpo, e estaõ apegadas ao tronco so peso centro da base ou juntamente pela parte superior della, de modo que a margem inferior da base fica sempre despegada (sedum acre, sedum sexangulare).
Adunadas (connata), quando duas folhas oppostas se achaõ apegadas pelas suas bases huma
à outra, e formaõ hum so corpo (o cardo penteador)
Coadunadas (coadunata), se tres ou mais se achaõ apegadas entre si pelas, suas bases.
Decurrentes ou decursivas (decurrentia), quando sendo rentes, a sua base se prolonga e corre mais ou menos pelo tronco abaxo, ou pelos ramos, formando [p. 45] huma especie de aza (a herva sancta, a consolda maior, e alguns cardos).
Amplexicaules ou abarcantes (amplexicaulia), quando saõ rentes, e a sua
base abrange de travez os lados do tronco (o meimendro, nabo, e thlaspi
arvense). Se a base das
folhas abrange so metade do ambito do tronco, ou naõ o
abarca todo, saõ denominadas semiabarcantes (semiamplexicaulia, s.
subamplexicaulia)
Perfolhadas ou enfiadas (perfoliata), quando o tronco ou ramo rompe e enfia o seu disco (a chlora, a perfolhada, a uvularia perfoliata).
Envaginantes (vaginantia), quando a sua base forma huma bainha ou tubo, que reveste em roda o tronco ou ramo (o milho, trigo e outros grames.)
2º Quanto á situaçaõ as folhas saõ denominadas:
Alternas (alterna), quando no mesmo ponto de altura do tronco ou
ramos naõ tem outras fronteiras, estando postas nos dois lados do
tronco humas acima das outras alternativamente e por gradaçaõ (o
linho, borragem, e perpetua)
Disticadas (disticha), quando tendo o seu ponto de apego differente e conchegado olhaõ todas [p. 46] somente para dois lados dos ramos ao longo delles, deixando a face superior e inferior hum tanto calvas (o abeto). Quando as folhas tem o seu ponto de apego somente nos lados oppostos, saõ patentes ou horizontaes, e se seguem exactamente em dois renques oppostos á maneira das duas alas de huma penna, saõ denominadas birrenqueas (bifaria), como saõ algumas especies de lycopodium.
Dispersas (sparsa), quando estaõ apegadas á roda do tronco sem ordem alguma (a açucena).
Bastas (conferta), quando estaõ apegadas á roda do tronco, sendo taõ numerosas e taõ estreitamente postas humas junto das outras, que apenas dei xaõ algum espaço dos ramos ou tronco que naõ cubraõ (euphorbia cyparissias, e linaria).
Fasciculadas ou enfeixadas (fasciculata), quando duas ou mais se achaõ juntas na base, nascendo de hum mesmo ponto lateral do ramo ou tronco, como em pilhas ou pequenos molhos (o larico, os pinheiros). Segundo o seu numero dizem-se: fasciculadas duas a duas, tres a tres, quatro a quatro, cinco a cinco, &c. (fasciculata bina s. gemina, trina s. terna, quaterna, quina, &c. (as especies de pinheiro.)
Imbricadas (imbricata), quando saõ levantadas e bastas, e jazem encostadas de sorte que cada huma cobre parte da outra seguinte, á maneira da disposiçaõ das telhas ou escamas de peixe (o acypreste, e algumas especies de sedum).
Confluentes (confluentia), saõ desadunadas, mas conchegadas na base humas ás outras muito estreitamente, e formando entre si angulos agudos.
Approximadas (approximata), quando medea [p. 47] pouco espaço entre os seus pontos de apego (o teixo): he o
contrario do termo seguinte, e se usa taõbem em lugar de bastas
123. Remotas ou distantes (remota, s. distantia), quando nascem bastantemente desviadas humas das outras (taxus nucifera, a videira, e o legacaõ.)
Oppostas (opposita), nascem aos pares, ostando duas huma fronteira á outra no mesmo ponto de altura, medeando o tronco entre ellas (veronica officinalis, e murujem).
Encruzadas (decussata), tem huma disposiçaõ adobadoirada, ou como os braços de huma dobadoira; saõ oppostas, o par superior cruza o inferior em angulos rectos, seguindo, sempre esta situaçaõ de modo que olhadas de alto a baxo prezentaõ quatro renques ou fileiras cruzadas (crassula tetragona); nioto se distinguem das oppostas, a quaes aindaque se cruzem, variaõ contudo na disposiçaõ do encruzamento.
Verticilladas (verticillata), quando tres ou mais se achaõ apegadas ao tronco ou ramos circularmente, no mesmo ponto de altura, ou na mesma junta (o loendro, ruiva dos tintureiros, e o amor d'hortelaõ). Dizem-se verticilladas tres a tres, quatro a quatro, cinco, seis, sette, oito a oito, &c. (terna, quaterna, quina, sena, septena, octona, &c.) Alguns lhes chamaõ taõbem estrelladas (stellata), quando se [p. 48] achaõ seis ou mais dispostas em verticillo, ou representando raios de estrella.
3º. Quanto á direcçaõ as folhas dizem-se ser:
Levantadas (erecta, arrecta), quando formaõ com o tronco hum angulo muito
agudo, ou se chegaõ bastantemente á perpendicular em razaõ de terem a
ponta pouco distante do tronco (o colchico). Direitas, irtas
(stricta, rectissima), saõ muito levantadas e naõ tem dobras nem
tortuosidades algumas
Rijas (rigida), quando saõ de huma consistencia firme ou de tezidaõ tal que naõ vergaõ nem dobraõ com facilidade (gallium uliginosum, iris spathacea).
Patentes (patentia), quando se desviaõ do tronco mais do que as levantadas, formando com elle hum angulo quasi recto (o arroz dos telhados, e o loendro.)
Patentissimas
Encostadas (appressa), quando tem toda ou quasi toda a sua face superior applicada ao tronco ou ramos (a bolsa de pastor, e o thlaspi arvense).
Remontantes ou realçadas (assurgentia), quando sendo ao sahir do tronco patentes se arqueam depois, e se erguem com a ponta para cima (mesembryanthemum stipulaceum).
Incurvadas (incurva, inflexa), saõ remontantes e junto da sua extremidade viraõ a ponta para o ramo ou tronco (mesembryanthemum calamiforme).
Recurvadas (recurvata, recurva), quando arqueaõ, e curvaõ a ponta para baxo, mas o lombo do arco, fica para cima, e mais alto do que o ponto de apego (mesembryanthemum loreum).
Reclinadas (reclinata, declinata, reflexa), quando se debruçaõ para baxo de esguelha, ou em arco rebitando algumas vezes a ponta par acima, mas tanto o lombo do arco como a ponta ficaõ mais baxos do que o ponto de apego (blitum virgatum).
Enroladas para fora ou revolutosas (revoluta), quando tem a sua margem ou ainda mesmo a ponta hum tanto enroladas para fora em espiral (cistus helianthemum, alecrim, e dianthus barbatus).
Involutosas ou enroladas para dentro (involuta), he o contrario do termo antecedente.
Pendentes (dependentia), quando estaõ dependuradas perpendicularmente com a ponta para a terra (hedysarum montanum).
Obliquas (obliqua), quando a sua base ou parte inferior está virada para o ceo, e a parte extrema se revira para o horizonte, de modo que ficaõ hum tanto torcidas (algumas especies de fritillaria).
[p. 50]Aversas (adversa), quando a sua face superior naõ esta virada para o ceo, mas sim para a banda do sul (amomum zingiber).
Verticaes (verticalia, s. obversa)
Resupinadas (resupinata), quando estaõ viradas do avesso, isto he, quando a sua face superior fica sendo inferior ou olha para a terra, e vice versâ, a inferior fica sendo superior e olha para o ceo (alstroemeria peregrina).
Summergidas (submersa, demersa), quando estaõ inteiramente mergulhadas, de modo que as suas pontas naõ chegaõ ao lume d'agoa (hottonia palustris, e ceratophyllum).
Fluctuantes (natantia, s. emersa), quando estaõ estiradas sobre a superficie d'agoa e nella andaõ fluctuando (o golfaõ, a menyanthes nymphoides, e trapa natans).
Radicantes ou raigotosas (radicansia, radicata), quando na ponta ou em qualquer parte do seu disco lançaõ raizes (saxifraga cotytedon, asplenium rhizophyllum).
4º Quanto ao numero as folhas dizem-se ser:
Huma sò, duas, ou tres no tronco da planta (unicum, [p. 51] duo, tria) poucas, muitas ou numerosas (pauca, plurima, s. numerosa.)
5º Quanto á grandeza ou medida:
Quando esta he absoluta tem as denominaçoẽs, que foraõ expostas no capitulo do tronco; quando he relativa ao tronco ou aos seus entrenós, dizem-se ser: compridas, compridissimas (longa, longissima), curtas, cortissimas (brevia, brevissima); vastas, mediocres, pequenas (amplissima, mediocria, parva).
6º. Quanto à duraçaõ dizem-se:
Decadentes (decidua), se cahem no fim do estio ou principio do outono: caducas (caduca), se cahem antes do fim do estio, ou duraõ muito pouco tempo na planta.
Persistentes (persistentia, s. perennantia), quando persistem na planta, durante o outono e inverno. Daõlhe taõbem o nome de sempreverdes (sempervirentia) por persistirem em todas as quatro estaçoẽs do anno, nem cahirem sem nascerem immediatamente outras novas (o azereiro).
1º. Quanto à circumscripçaõ dizem-se:
Orbiculares (orbiculata, orbicularia), quando saõ taõ largas como compridas, e as suas lacinias ou lados distaõ igualmente do centro (as chagas, e geranium fanguineum). Daõlhes taõbem o nome de redondas (rotunda, s. rotundata), quando se quer indicar que ellas saõ inteiras, e sem angulos alguns (a alface repolhuda).
[p. 52]Subrotundas ou quasi redondas (subrotunda), quando a sua figura he quasi orbicular; a differença consiste em serem hum tanto mais largas do que compridas, ou vice versâ, mais compridas hum quasi nada do que largas (veronica beccabunga, rhus cotinus).
Ovadas (ovata), quando saõ mais compridas do que fargas, tem a base redondeada, e se estreitaõ para a ponta (scabiosa succisa, gilbabeira, e prunus insititia): verticalmente ovadas (obverse ovata, s. obovata) saõ ovadas ás vessas, isto he, a parte mais larga redondeada està no topo, e a base he mais estreita (samolus valerandi).
Ellipticas ou ovaes (elliptica, s. ovalia), saõ mais compridas do que largas, e mais estreitas nas duas extremidades superior e inferior do que no meyo; as dictas extremidades saõ redondeadas (vicia sylvatica, mammea americana).
Oblongas (oblonga), quando o seu comprimento excede duas, tres, ou
mais vezes a sua largura (como nas azedas)
Parabolicas (parabolica), saõ mais compridas do que largas, e desde a base athe ao topo se vaõ estreitando, e tomando a forma semiovada (tetragonia expansa, marrubium pseudo-dictamnus).
Cunhiformes (cuneiformia), saõ mais compridas do que largas, e os seus dois lados se vaõ estreitando pouco a pouco da banda do topo athe a base, como huma cunha (a beldroega).
[p. 53]Espatuladas (spatulata), saõ quasi redondas na parte superior, mas da banda da base saõ mais estreitas o lineares, representando de algum modo humaespatula (a bonina, e o sempervivum canariense).
2º. Quanto aos angulos dizem-se ser:
Lanceoladas (lanceolata), saõ oblongas e estreitaõse do meyo para qualquer das duas extremidades, base e ponta, tomando a forma de hum ferro de rojaõ (a tulipa, e plantago lanceolata).
Lineares (linearia), saõ estreitas e conservaõ ao longo sempre a mesma largura, aindaque ás vezes se estreitaõ hum quasi nada nas extremidades (o teixo).
Acerosas (acerosa) saõ lineares, e persistentes (os pinheiros).
Assoveladas (subulata), saõ comparadas a hum ferro, de sovella, por
serem lineares athe ao meyo com pouca differença, e se irem depois
estreitando athe terminarem em huma ponta agudissima
Setaceas (setacea), saõ lineares, curtas muito, estreitas, mas contudo hum pouco mais largas do que huma seda (o espargo hortense): se saõ finas como fios ou cabellos chamaõ-lhes filiformes ou capillares (filiformia, s. capillaria); saõ mais compridas do que as setaceas.
Angulosas (angulosa), quando tem tres ou mais angulos. Segundo o numero dos angulos dizem-se: triangulares, quadrangulares, de cinco angulos, &c. ([p. 54] triangularia, quadrangularia, quinquangularia, &c) como saõ as da armoles hortense, do geranìum peltatum, &c.
Deltoides ou deltoidaes (deltoidea), tem quatro angulos, e os dois
lateraes estaõ menos distantes do angulo da base do que do angulo da
ponta (a salgadeira, e choupo) Linneo copiando este termo da descripçaõ que dá Dillenio
do Mesembryanthemum deltoides, deo aos principiantes
razaõ de se queixarem de ambiguidade, e muito
principalmente ainda por lhes assignar por ex. das folhas deltoides
huma trigumea imitada da dicta planta (vej. fig. 57,
Est. v.)
As fol. deltoides tem quatro lados e quatro angulos, e as
trigumeas so tem tres lados e tres cantos; por
conseguinte naõ merecem o titulo de deltoides.
Humas e outras saõ mal comparadas ao delta-maiusculo dos
Gregos, que verdadeiramente so se assemelha ás folhas
triangulares planas, e de lados integerrimos
rectos.
Rhomboidaes (rhomboidea), tem quatro lados parallelos iguaes, e quatro angulos, dois obtusos e dois agudos (chenopodium vulvaria, sida rhombifolia).
Trapeziformes (trapeziformia), tem quatro lados que naõ saõ nem parallelos nem iguaes (adiantum trapeziforme.)
3º. Quanto ás sinuosidades dizem-se ser:
Cordiformes (cordata), assemelhaõ se na forma a hum coraçaõ; saõ ovadas, e chanfradas na base, com os dois cantos posteriores redondeados (a ariflolochia, e norça preta). Verticalmente cordiformes (obcordata, s. obverse cordata), quando a ponta do coraçaõ esta apegada ao peciolo, e a chanfradura forma a extremidade superior da folha (os foliolos das folhas do trifolium arvense, e oxalis acetosella). Cordiformes afrechadas (cordato-sagittata) saõ ovadas, chanfradas na base, e tem os dois angulos posteriores agudos (polygonum fagopyrum.
[p. 55]Reniformes (reniformia), tem a forma de hum rim; saõ subrotundas com huma larga chanfradura na base, e sem angulos alguns (a asarabacca, e hera terreste).
Lunuladas (lunata, lunulata), figuraõ huma meya lua ou quarto
crescente de lua; saõ redondeadas no topo, chanfradas largamente na
base
Afrechadas ou sagittadas (sagittata), assemelhaõ-se a hum ferro de setta; saõ triangulares, chanfradas na base, e a chanfradura termina em dois angulos agudos (a verdeselha, azedas, e sagittaria sagittifolia).
Alabardinas (hastata), assemelhaõ-se hum tanto ao ferro de huma alabarda; saõ triangulares, chanfradas na base e nos dois lados, e os seus dois angulos inferiores saõ estendidos hum tanto para fora (a dulcamára, e rumex acetosella).
Auriculadas (aurita, auriculata), quando tem na sua base hum ou dois appendices, que as faz parecer orelheadas.
Violinas (panduriformia), assemelhaõ-se a hum tampo de viola ou violino; saõ oblongas, chanfradas nos dois lados, e ordinariamente mais largas na parte inferior (as folhas radicaes do rumex pulcher).
Fendidas (fissa), quando saõ rasgadas ou golpeadas como á thesoira áthe
ao meyo com pouca differença; as sinuosidades dos còrtes saõ de igual
largura, e as lacinias tem as margens rectas; segundo o numero dos
segmentos, dizem-se: fendidas em duas, tres, [p. 56] quatro, cinco, ou muitas lacinias (bifida,
tri-quadri-quinque-multifida). Quando os cortes penetraõ pouco alem
da margem, dizem-se incisas (dissecta, incisa), como as do
delphinium elatum, e os foliolos das folhas do tomateiro: alguns as denominaõ
incisas obtusamente ou agudamente, se as lacinias saõ obtusas ou
agudas; e duas vezes incisas, se as lacinias saõ taõbem golpeadas
Partidas (partita), quando saõ rasgadas quasi athe á base ou perto do topo do peciolo; segundo o numero dos segmentos, dizem-se: partidas em duas, tres quatro, cinco ou muitas partes (bipartita-tri-quadriquinque-multipartita).
Lobadas (lobata), quando saõ divididas athe ao meyo em segmentos distantes entre si, e de margens convexas (a videira, hera, e acer campestre): segundo o numero dos lobulos, dizem-se ser: de dois, tres, quatro, cinco lobulos, &c. (biloba-tri-quadri-quinqueloba), como saõ v. g. a passiflora rubra, cnemone hepatica, geranium peltatum, &c. Quando os lobulos saõ mal assinalados, dizem-se: lobadas obsoletamente (obsolete lobata).
Apalmadas (palmata), saõ comparadas a huma maõ aberta; dividem-se longitudinalmente athe quasi á base ou athe abaxo do meyo em segmentos hum tanto iguaes (o martyrio, bryonia, e figueira).
Pinnatifidas (pinnatifida), saõ divididas transversalmente em lacinias horizontaes oblongas, rasgadas [p. 57] athe quasi á nervura dorsal ou quilha (a bolsa de pastor, e centaurea calcitrapa).
Roncinadas (runcinata), saõ pinnatifidas, as suas lacinias tem a margem convexa da banda do topo, e quasi recta da banda do peciolo, saõ quasi iguaes athe a base da folha, e elevaõ as suas pontas obliquamente (o dente de leaõ).
Lyradas (lyrata), estas folhas ordinariamente saõ mixtas, sendo pinnatifidas na parte superior e pinnuladas na parte inferior; para terem este nome he precizo serem divididas transversalmente em lacinias, terem a terminal maior, e redondeada, ficando as demais distantes entre si, e diminuirem de grandeza á proporçaõ que se chegaõ para a base (erisymum barbarea, e geum urbanum).
Sinuosas ou sinuadas (sinuata), tem sinuosidades lateraes largas, ordinariamente redondeadas, naõ profundas, e alternadas com pequenas lacinias (o meimendro negro, o chenopodium botrys, e o carvalho roble). Quando as pontas, das suas lacinias saõ agudas, e se reviraõ para a banda do peciolo, dizem-se, sinuadas para traz (sinuata retrorsum); se as lacinias saõ lineares, denominaõ-se, sinuadas-denteadas (sinuata-dentata.)
Laciniadas (lacinata), quando saõ divididas variamente em lacinias, as quaes se subdividem taõbem indeterminadamente em outras formando muitas sinuosidades, que vaõ athe ao meyo do disco pouco mais ou menos (a verbena, o cardo corredor).
Esquarrosas (squarrosa) saõ divididas em lacinias [p. 58] levantadas e mutuamente encostadas humas às outras (aconitum piraenaicum)
Inteiras ou indivisas (integra, indivisa), naõ tem sinuosidades algumas no seu disco, e saõ oppostas a todas as precedentes; ellas saõ contudo susceptiveis de terem dentes e lacinulas crenadas (o marroyo). Integerrimas (integerrima) tem a extremidade da sua margem inteirissima, sem dentes, nem lacinulas crenadas algumas, e por conseguinte saõ oppostas às do artigo seguinte (o limoeiro, a murta, e gilbarbeira).
4º. Quanto á margem diz-se ser:
Crenadas (crenata), quando a sua margem he guarnecida de pequenas lacinias ou crenas (crenae), que naõ apontaõ nem para a base nem para o topo da folha, mas somente para o disco ou meyo della (a hera terreste, e betonica). Dizem-se obtusamente crenadas (obtuse crenata) se as suas lacinulas saõ redondeadas, ou embotadas; agudamente crenadas (acute crenata) se as lacinulas ou crenas saõ agudas: duas vezes crenadas (duplicato crenata), se as lacinulas maiores tem outras menores.
Serreadas (serrata), a sua margem tem lacinulas recortadas como dentes de huma serra, as quaes saõ pequenas pontas imbricadas humas sobre outras, apontando todas para o cume da folha (a ortiga). Quando as pontas dos dentes em lugar de olharem para o [p. 59] topo, apontaõ para a base da folha, dizem se, serreadas para traz (serrata retrorsum); se os dentes saõ mal assinalados ou saffados, denominaõ-se, obsoletamente serreadas (obsolete serrata); e duas vezes serreadas (duplicato-serrata) se os dentes maiores saõ serreados com outros menores, como se vê no ulmeiro, e sylva.
Denteadas (dentata), quando tem pequenas pontas ou dentes da mesma consistencia da folha, os quaes sahem horizontalmente da sua margem, ficando hum tanto distantes huns dos outros (o quejadilho, o blitum virgatum, e leontodon autumnale). Dizem-se denticuladas (denticulata), se os dentes saõ miudos ou curtissimos; alguns tomaõ taõbem este termo na accepçaõ de serreadas com dentes miudos distantes.
Espinhosas (spinosa), quando na margem somente, ou ainda mesmo na margem e disco tem espinhos ou pontas rijas, duras, e picantes que senaõ podem separar sem estrago da substancia da folha (o carrasco, o aquifolio, e acanthus spinosus). Dizem-se inermes (inermia), quando naõ tem espinhos, nem aculeos, nem producçaõ alguma picante.
Celheadas (ciliata), quando no fio da margem tem sedas ou pesos parallelos, dispostos como as celhas das palpebras dos animaes (o valverde, e sempervivum tectorum).
Repandidas (repanda), quando tem no fio da margem elevaçoes hum tanto convexas, alternadas com sinuosidades obtusissimas, ou quando tem torsuosidades semelhantes às que faz huma cobra rojando apressadamente (chenopodium glaucum, tropaeohum minus).
Cartilaginosas (cartilaginea), a sua margem he de [p. 60] huma consistencia cartilaginosa, differente da substancia da folha, sendo coriacea, secca e mais firme do que ella (saxifraga geum).
Laceradas (lacera), quando a sua margem he cortada em segmentos de differente forma e de differente grandeza (senecio hieracifolius).
Roidas (erosa) saõ sinuadas, e na margem tem ainda outras pequenas sinuosidades obtusas com lacinulas desiguaes, de modo que parecem como roidas (salvia aethiopis, chenopodium album).
Dedáleas (daedalea), saõ as que tem ondeaçoẽs, laceraçoẽs e sinuosidades raras; ou as que tem huma figura notavelmente bella e exquisita. As folhas resupinadas, e lindamente variegadas, da alstroemeria peregrina, as da chicoria, crespa, e as da saxifraga stolonifera saõ contadas no numero das dedaleas; mas este termo não he hoje usado por ter huma accepçaõ muito vaga.
5º As folhas consideradas relativamente ao topo dizem-se ser:
Obtusas (obtusa), quando saõ hum tanto redondeadas no cume (o arroz dos telhados). Obtusas com huma ponta (obtusa cum acumine) se a sua extremidade he obtusa e no meyo tem huma pequena ponta (jacquinia armillaris).
Chanfradas (emarginata), quando no seu cume tem huma chanfradura (oxallis acetosella): chanfradas obtusamente (obtusé emarginata) se as duas lacinulas lateraes da chanfradura saõ obtusas (hermannia alnifolia): chanfradas agudamente (acute emarginata) se as dictas lacinulas saõ agudas (pinus picea).
Despontadas (retusa), terminaõ numa sinuosidade [p. 61] obtusa, ou numa cavidade muito superficial (os foliolos das folhas da vicia sativa, as folhas do sempervivum canariense).
Troncadas (truncata), quando terminaõ numa linha transversal, como se lhes tivessem cortado transversalmente hum pedaço da extremidade anterior (liriodendron tulipifera). Troncadas posteriormente (posticé truncata), se as lacinias da base postas ao lado do peciolo saõ troncadas (convolvulus sepium, ou trepadeira).
Premorsas ou retraçadas (praemorsa), saõ muito obtusas, terminando em
pequenos incisos e chanfraduras disiguaes
Agudas (acuta), quando a sua ponta termina em hum angulo agudo (a verdeselha).
Pontudas (acuminata), tem a ponta aguda, e assovelada, isto he, a sua ponta he longa e se estreita pouco a pouco, como hum ferro de sovella (lamium album). Rijamente pontudas (cuspidata), quando a sua ponta he setacea, hum tanto rija, ou de huma consistencia mais firme do que a da folha.
Mucronadas (mucronata), quando tem no topo huma aresta ou pragana
curtissima, levemente picante, e persistente (gallium mollugo)
Gavinhosas (cirrhosa, s. cirrhata), quando terminaõ em huma gavinha (gloriosa superba).
[p. 62]6º. Quanto á superficie as folhas saõ denominadas:
Nuas (nuda), quando naõ tem pelos, nem sedas, nem glandulas, nem
excrescencias algumas (a hortelan). Este termo tem huma força
negativa, e para se poder entender o que nega, he precizo sempre
fazer attençaõ ao sujeito precedente ou subsequente
Glabras ou lizas (glabra, laevia) saõ nuas, e a sua superficie he liza, sem estrias, regos, nem desigualdade alguma (a tulipa, e abrotea). Este termo differe do precedente por ter huma signifiçaõ positiva, e alem disso por excluir as estrias, regos, riscos, e qualquer sorte de desigualdades.
Polidas (nitida) saõ summamente glabras ou taõ lizas que parecem ter sido polidas (tamus cretica, chenopodium murale, o limoeiro, e larangeira). Luzedias, ou brilhantes (lucida) reflectem mais a luz do que as polidas, e parecem como envernizadas (ferula canadensis, angelica lucida). Estes dois termos, como naõ differem senaõ em graos de intensidade, saõ muitas vezes usados hum em lugar do outro indifferentemente.
Còradas ou coloridas (colorata), quando tem outra cor mista com a
verde (amaranthus tricolor)
Nervosas (nervosa), quando tem cinco ou mais [p. 63] nervuras
Linheadas (lineata) saõ riscadas, mas as riscas naõ saõ nem profundas nem elevadas sobre a superficie, por serem mal assinaladas e apenas visiveis (euphrasia officinalis).
Estriadas (striata) saõ riscadas, e os riscos ou vincos saõ longitudinaes, parrallelos, superficiaes ou gravados muito pouco profundamente, mas assaz visiveis (ixia secunda).
Regoadas (sulcata), quando tem riscos, longitudinaes, parallelos, e profundamente gravados (gallium verum, digitalis ferruginea).
Venosas (venosa) o seu disco tem visivelmente muitos veios ramificados para os lados, e em toda a sorte de direcçoẽs (o loireiro, e norça preta). Desvenosas (avenia), quando naõ se lhes divisaõ veios alguns.
[p. 64]Rugosas ou enrugadas (rugosa), quando tem rugas, isto he, quando a substancia que está entre os veios naõ achando entre elles assaz espaço para se estender se vê obrigada a elevarse, e a formar rugas (a salva, e quejadilho).
Bolhosas (bullata), saõ rugosas em summo gráo; os veios contrahem-se estreitaõ-se de tal modo, que a substancia, contida entre elles se vé obrigada a formar balhas, ou empôlas, que se elevaõ sobre o disco, e saõ concavas por baxo (salvia ceratophylla).
Lacunosas ou fossulosas (lacunosa), tem varias cavidades ou fossulas no disco, e entre os veios; as suas convexidades estaõ na face inferior, como se vê nas frondes de algumas algas, lichen saxatilis, &c.
Pontoadas
(punctata, pertusa, perforata)
Vesiculosas (papulosa), quando a sua superficie esta coberta de
pequenas vesiculas
Mamillosas ou verrugosas (papillosa, s. verrucosa), quando a sua superficie tem verrugas, tuberculos, ou pequenos mamillos (a viperina).
Viscosas (viscosa), quando a sua superficie esta barrada de hum humor, naõ fluido, mas que se apega [p. 65] aos dedos com tenacidade á maneira de visco (senecio viscosus).
Escabrosas ou asperas (scabra, s. aspera), quando a sua superficie se acha salpicada de graõsinhos, ou pequenos tuberculos, que a fazem aspera (a pulmonaria).
Cotanilhosas (tomentosa), quando tem a superficie cotanilhosa (como a perpetua): humas vezes saõ cotanilhosas em ambas as faces, outras vezes so em huma, principalmente na inferior; quando o cotanilho he branco, como succede ordinariamente, daõ-lhes taõbem o nome de encanescidas (incana).
Felpudas (villosa), quando tem pêlos bastos, e macios (o çumagre): se os pelos saõ hum tanto ralos, e ao mesmo tempo finos, dizem-se: empubescidas (pubescencia), como saõ as do salgueiro.
Assetinadas (sericea), saõ quasi felpudas, os seus pelos saõ muito bastos, curtissimos, applicados postradamente huns aos outros, e luzedios, o que tudo concorre a dar á superficie huma vista assetinada (convolvulus cneorum, spiræa argentea, protea sericea & argentea).
Peludas ou hirsutas (pilosa, s. hirsuta), quando tem pelos compridos mais ou menos distantes entre si, como no hieracium pilosella, e juncus pilosus. Se os pelos saõ longos, parallelos, ou dispostos em pilha nalgumas partes da superficie na base ou topo, dizem-se: barbudas (barbata), como saõ as do asclepias vincetoxicum, e as do mesembryanthemum barbatum.
Lanudas ou lanugineas (lanata), tem pelos [p. 66] curvados e tecidos mutuamente, como fios de huma tea de aranha (stachys lanata).
Hispidas (hispida), quando tem sedas frageis, como as da viperina.
Ardentosas (urentia), quando tem ferroẽs venenosos, como as da urtiga.
Cerdosas (strigosa), quando saõ nimiamente hispidas ou tem cerdas,
que saõ sedas hum tanto rijas, hum tanto planas
Aculeadas (aculeata), quando no seu disco tem aculeos, ou producçoẽs grossas, rijas, duras, e picantes, pegadas aos veios e nervura dorsal (solanum mammosum).
7º Quanto á expansibilidade ou dilataçaõ do disco, as folhas dizem-se ser:
Planas (plana) se tem as suas duas faces chatas, parallelas huma á
outra em toda a sua extensaõ, ou contem entre as duas faces por toda
a parte igual substancia (a gilbarbeira, o alho, e cacalia
anteuphorbium
Canaliculadas (canaliculata), quando saõ compridas e tem longitudinalmente hum rego profundo, como huma bica ou calha, de modo que se approximaõ á forma de meyo cylindro (iris xiphium, aloe viscosa).
Concavas (concava), a sua margem he mais estreita do que o disco, ou naõ he proporcionada á extensaõ do disco de modo que este abate, e fica mais baxo do que a margem (marrubium pseudo-dictamnus, geranium peltatum).
Convexas (convexa), elevaõ-se athe ao centro do disco, e saõ o contrario das concavas, isto he, a sua margem he mais estreita do que o disco, e este se eleva para cima de modo que a margem fica mais baxa do que elle (hyacinthus muscari, martynia perennis).
Acapelladas (cucullata), saõ summamente concavas, ou sejaõ arrodeladas, ou tenhaõ os dois lados junto do peciolo encolhidos e conchegados; nesta segunda circumstancia abrem pouco a pouco da banda do cume, e representaõ deste modo a forma de hum capuz (o conchélo, e geranium cucullatum).
Franzidas (plicata), quando no seu disco tem pregas agudas, e alternadas, que chegaõ athe á margem, e se assemelhaõ às de hum leque quasi aberto (veratrum album, e alchemilla). Franzidas obtusamente (obtuse plicata, s. undata), se as suas pregas saõ obtusas.
Ondeadas (undulata), quando o seu disco junto da margem forma dobras alternadas ou ondeaçoẽs [p. 68] ora concavas ora convexas, de sorte que por este modo o espaço junto do ambito fica muito desproporcionado ao do centro (inula undulata e pulicaria, aletris capensis, mesembryanthemum cristallinum).
Crespa (crispa), saõ franzidas ou ondeadas desordenadamente na margem, e ainda mesmo no disco, de sorte que este fica sendo muito mais comprido do que a nervura dorsal da folha (malva crispa, e chicoria crespa). Estas folhas ordinariamente saõ consideradas como producçoes viçadas, ou monstruosas.
8º. As folhas consideradas quanto á substancia dizem-se ser:
Membranosas
(membranacea), saõ finas e naõ se lhes percebe entre as duas
superficies polpa alguma, e porisso as comparaõ a
membranas delgadas
Escariosas (scariosa) saõ aridas, esbranquiçadas, sonoras ao tacto, e comparadas á epiderme fina que se despega da casca de algumas arvores.
Bojudas (gibba, s. gibbosa), quando tem ambas as suas superficies convexas, em razaõ de huma grande quantidade de subtancia polposa (sedum acre, portulacca anacampseros, serracenia purpurea).
Roliças (teretia, s. cylindrica), quando na maior parte do seu comprimento saõ cylindricas ou semelhantes a hum rolo (o arroz dos telhados).
Semiroliças (semiteretia), quando saõ ao longo concavas de huma parte e convexas da outra: semicylindricas (semicylindracea), quando saõ planas de [p. 69] huma banda e convexas da outra à maneira de hum rolo partido ao meyo longitudinalmente (a cebola). Estes dois termos saõ contudo muitas vezes usados hum em lugar do outro indifferentemente.
Deprimidas (depressa), saõ succulentas ou polposas, e no seu disco ou face superior junto da base saõ mais delgadas e abatidas do que nos lados, de modo que parecem como esmagadas pelo tronco (sempervivum sediforme, cacalia repens).
Comprimidas (compressa), saõ succulentas ou carnudas, mas nos dois lados marginaes e longitudinaes oppostos saõ hum tanto esmagadas e chatas de modo que o disco fica hum tanto mais elevado e polposo (anthericum hispidum, juncus articulatus, mesembryanthemum stipulaceum, cacalia ficoides.) Peloque se vê que a depressaõ suppoem o disco concavo, e a compressaõ os lados marginaes esmagados.
Aquilhadas (carinata), quando ao longo e no meyo da face inferior tem huma quilha aguda, e na parte superior hum rego profundo longitudinal (a abrotea.)
Delgadas (tenuia), quando entre a pelle das superficies naõ tem
polpa notavel, mas antes saõ hum tanto finas, ou
como papel, ou como a grossura de pergaminho (canna indica).
Grossas, polposas, ou carnudas (crassa, pulposa, s. carnosa) saõ
oppostas às precedentes, nellas ha sempre huma polpa
notavel
Succulentas (succulenta), saõ mais ou menos grossas, e a sua polpa he molle e sumarenta; susceptivel de se poder esmagar facilmente entre os dedos (a beldroega, o sayaõ, e conchélo). Compactas (compacta), saõ carnudas mas a sua substancia naõ he sumarenta como a das precedentes nem esponjosa, mas sim firme, mociça, e hum tanto dura (a piteira, e herva babosa). Este termo usa-se as vezes taõbem em lugar de repletas.
Repletas (farcta), saõ carnudas, ordinariamente roliças ou semicylindricas, e o seu interior he todo cheyo de substancia ou seja succulenta, ou esponjosa ou compacta de modo que se lhes naõ divisa cavidade alguma (o arroz dos telhados). Tubulosas (tubulosa), saõ oppostas às precedentes, por serem occas (a cebola).
Linguiformes, ou alinguettadas (lingulata
Bigumeas (ancipitia), saõ comprimidas e tem dois gumes longitudinaes oppostos, e o disco entre elles elevado.
Ensiformes ou espadáneas (ensiformia), saõ bigumeas, com dois gumes afiados, e desde a base athe [p. 71] ao topo se vaõ pouco a pouco adelgaçando (a espadana, e os lirios).
Assoveladas (subulata)
Trigumeas (triquetra) saõ carnudas, tem tres faces planas e tres esquinas ou gumes; ellas saõ ao mesmo tempo assoveladas (mesembryanthemum pugioniforme, e butomus umbellatus).
Alfanjadas (acinaciformia), assemelhaõ-se a hum alfanje, ou chifarote; saõ carnudas, tem o gume ou borda inferior estreita, afiada, e arqueada para cima; a borda ou lado opposto he hum tanto largo, embotado, e quasi recto (mesembryanthemum acinaciforme). Nesta sorte de folhas podem-se distinguir tres esquinas (das quaes a inferior faz o gume) e tres faces, duas lateraes e huma superior opposta ao gume.
Dolabriformes (dolabriformia), em forma de hacha d'armas ou de huma especie de segura, de que usaõ os tanoeiros nos paizes do norte: saõ carnudas, obtusas, hum tanto redondeadas e comprimidas, mais dilatadas e afiadas de huma banda, com a base prolongada em huma especie de peciolo hum tanto roliço (mesembryanthemum dolabriforme).
Acutelladas (cultrata), assemelhaõ-se a hum cutello; saõ carnudas, hum tanto mais compridas do que largas, quasi lineares, afiadas de huma banda, quasi embotadas da outra e nella levemente curvas, hum tanto obtusas no topo e hum pouco estreitas na base (crassulla obvallata).
[p. 72]N. B. Os botanicos naõ podendo, sem embargo do grande numero de termos que tem estabelecido, dar ideas de todas às intensidades, graos, ou jogos com que a natureza capricha de escaparlhes na figura das folhas, se esforçaõ muitas vezes pelas pintar ao leitor do modo que lhes he possivel, usando para esse fim de dois termos reunidos por meyo de huma risca, e dando nisso a entender que a folha participa dos caractéres significados pelos dictos dois termos. Porem deve-se advirtir que elles naõ reunem senaõ os termos da mesma relaçaõ ou divisaõ, como por ex. os relativos aos angulos, sinuosidades, &c. porque os de relaçoẽs diversas saõ separados por meyo de virgulas. Pelo que dizem: folhas ovadas-lanceoladas, mas naõ dizem: lanceoladas-agudas, por serem termos de relaçoẽs differentes, e escrevem nesta circumstancia: folhas lanceoladas, agudas. Linneo diz que naõ he indifferente, quanto aos termos da mesma relaçaõ, de por hum ou outro primeiro; que quando a folha participa mais de hum caracter do que de outro, o caracter predominante deve terminar ou seguir a risca, em razaõ de que o nome posterior deve presentar a forma ou caracter principal da folha, servindo o primeiro somente de emendalo ou a denotar huma certa excepçaõ, como por ex. se as folhas tem estreiteza hum tanto igual, participando mais da figura linear do que da lanceolada deverse-ha dizer: folhas lanceoladas-lineares; pelo contrario se ellas saõ assaz largas no meyo e participaõ mais da figura lanceolada, se escreverá: folhas lineares-lanceoladas.
1º As folhas quanto á sua
composiçaõ dizem-se ser: compostas, recompostas, e
sobrecompostas.
Nesta destribuicaõ naõ deixaõ de haver algumas imperfeiçoẽs
Articuladas (arciculata), quando huma folha nasce do topo de outra, ou tem interiormente articulaçoẽs; (os exemplos que daõ ordinariamente saõ as especies, de salicornìa, e de equisetum, o juncus articulatus e nodosus).
Binadas (binata, s. geminata) o seu peciolo tem somente no cume dois foliolos sem gavinha alguma (zygophyllum fabago).
Ternadas (ternata, s. trinata), o seu peciolo commum tem no topo tres
foliolos (a sylva, morangueiro, e trevo)
Digitadas
(digitata), quando o seu peciolo tem no topo cinco ou mais foliolos
estreitos, como algumas especies de ranunculas
Apedadas (pedata), o seu peciolo divide-se no topo em dois, aos quaes pelo lado interno estaõ apegados alguns foliolos (helleborus niger, arum dracunculus).
Pinnuladas (pinnata), quando muitos foliolos estaõ apegados longitudinalmente aos dois lados de hum peciolo simplez e commum (o jasmineiro, e espongeira).
-Pinnuladas com impare (pinnata cum impari), saõ terminadas no topo em hum foliolo none ou desparceirado, posto no meyo dos dois ultimos (o ervanço, e freixo). Este foliolo dize-se rente (impari sessili), quando a sua base está apegada rentemente ao mesmo ponto de apego em que prendem os dois foliolos lateraes (glycyrrhiza echinata, agrimonia repens); peciolado (impari petiolato), quando entre a sua base e o ponto de apego dos dois foliolos lateraes medea hum pequeno peciolo, que he a extremidade do, peciolo commum longitudinalmente continuado (o alcaçuz, e agrimonia).
-Pinnuladas com gavinha (pinnata cirrhosa), quando em lugar do foliolo impare tem huma [p. 75] gavinha, que he a ponta do peciolo commum convertida na dicta cordinha (a ervilha, vicia sativa, e lathyrus pisiformis).
-Pinnuladas abrompidamente (pinnata abrupta, s. abrupté-pinnata), o seu topo he terminado por dois foliolos, no meyo dos quaes naõ ha impare nem gavinha, de sorte que o peciolo commum fica como decotado no ponto de apego dos dois ultimos foliolos (a fava, e aroeira).
-Pinnuladas oppostamente (pinnata opposité), quando os seus foliolos saõ oppostos, ou apegados defronte huns dos outros (o jasmineiro).
-Pinnuladas alternadamente (pinnata alterné), quando os seus foliolos estaõ postos huns abaxo dos outros nos dois lados do peciolo commum de sorte, que no mesmo ponto de apego naõ tem outros fronteiros (a fava, e fraxinella).
-Pinnuladas interrompidamente (pinnata interrupté), os seus foliolos saõ interrompidamente desiguaes, estando os menores postos successivamente entre os maiores (a filipendula, ulmaria, tomateiro, e agrimonia).
-Pinnuladas decursivamente (pinnata decursivé), quando as bases dos seus foliolos uniformes correm para baxo de huns para outros ao longo do peciolo commum, formando huma aba, a qual se estreita, e vay mingoando pouco a pouco á proporçaõ que desce de modo que junto do foliolo inferior fica extincta, ou quasi cofundida com o peciolo commum (a aroeira e melianthus maior). Quando as abas decursivas naõ se estreitaõ inferiormente, mas saõ taõ largas em baxo como em cima, ou mais largas na parte inferior, a [p. 76] folha he rigorosamente pinnatifida, e naõ pinnulada, e he por falta desta observaçaõ que estas duas sortes de folhas saõ ordinariamente confundidas.
-Pinnuladas articuladamente (pinnata articulate), quando o peciolo commum he articulado, e os foliolos partem das suas articulaçoẽs (fagara tragodes). Se nestas folhas se encontraõ abas decursivas, estas saõ mais estreitas em cima do que em baxo.
Quando as folhas pinnuladas
naõ tem foliolo impare, mas em lugar delle tem huma gavinha, e
constaõ ao mesmo tempo de foliolos oppostos
N. B. O numero dos foliolos pode variar na mesma planta segundo a cultura, em razaõ do terreno ser improprio, e por causa de differentes circumstancias que ás vezes se encontraõ ainda mesmo no chaõ que a planta naturalmente requer. Algumas vezes vem-se plantas que tem as folhas inferiores pinnuladas; ao mesmo tempo que as da parte superior do tronco saõ simplez, e vice versâ. Os foliolos e pinnulas das folhas compostas, recompostas, e sobrecompostas conforme as suas differentes figuras e relaçoes podem ser considerados, como folhas simplez, e ser descriptos com os mesmos termos. A sua posiçaõ algumas vezes naõ corresponde á das folhas, porque ha plantas que tem folhas oppostas ao mesmo tempo que os foliolos destas saõ alternos, e ha outras pelo contrario que tem folhas alternas, cujos foliolos saõ oppostos.
2º As folhas recompostas (decomposita) saõ duas vezes compostas; este nome compete naõ so a todas as folhas desta divisaõ, mas applica se geralmente a quaesquer folhas, ou frondes, cujo peciolo commum se divide huma ao vez em pequenos peciolos parciaes, cada hum delles gendo guarnecido de muitos foliolos, como saõ as das arruda, avenca, ranunculus arvensis, pteris atropurpurea, &c.
Bigeminas ou bigemeas (bigemina, bigeminata), saõ duas vezes binadas, o seu peciolo commum he dividido em dois parciaes como hum forcado, e cada hum destes sostem na ponta dois foliolos (mimosa unguis cati & mimosa bigemina).
Biternadas, ou duas vezes ternadas (biternata, s. duplicato-ternata), quando o peciolo commum se divide [p. 78] em tres parciaes, e cada hum destes sostem tres foliolos, ou quando hum peciolo sostem tres folhas ternadas (adonis capensis, epimedium alpinum).
Bipinnuladas, ou duas vezes pinnuladas (bipinnata, s. duplicato-pinnata), se o peciolo commum sostem folhas pinnuladas, ou se divide ao longo em outros peciolos lateraes menores, os quaes tem lateralmente muitos foliolos (athamanta libanotis, e a osmunda regalis).
3º Sobrecompostas (supradecomposita), daõ este nome naõ sò às folhas seguintes, mas a quaesquer outras cujo peciolo commum se divide mais de duas vezes em peciolos menores, cada hum delles sostendo muitos foliolos (spiræa aruncus, adiantum hexagonum, fumaria lutea).
Trigeminas ou trigeméas (tergemina, s. trigeminata, s. triplicato-geminata), saõ tres vezes binadas; o seu peciolo commum divide-se em tres menores parciaes, e cada hum delles sostem dois foliolos; as vezes os dois foliolos sitos na bifurcaçaõ saõ rentes (mimosa tergemna). Alguns admittem taõbem folhas tres vezes bigeminas (triplicato-bigemina), dizendo que nestas o peciolo commum se divide em tres menores, e cada hum destes em dois peciolos immediatos ou extremos sostendo cada hum dois foliolos, de modo que nesta sorte de folhas ha doze foliolos, e nas trigeminas so ha seis (ceratophyllum).
Triternadas ou tres vezes ternadas (triternata, s. triplicato-ternata), quando o peciolo commum se divide em tres menores, cada hum dos quaes sostem folhas duas vezes ternadas (aquilegia vulgaris, aralia spinosa.)
[p. 79]Tripinnuladas ou tres vezes pinnuladas (tripinnata, s. triplicato-pinnata), o seu peciolo commum sostem muitas folhas duas vezes pinnuladas (scabiosa, gramuntia).
O peciolo (petiolus) he o esteio ou pe da folha apegado a ella na sua base pela margem, e raras vezes pelo seu disco.
Algumas vezes he difficil de decidir onde começa, e onde termina o peciolo da folha, ou qual seja o lugar da base da folha; donde procede que alguns Botanicos em semelhantes circumstancias os admittem como peciolos bastardos ou improprios (petioli spurii).
Contudo geralmente fallando, e nas circumstancias em que o peciolo he bem distinctamente assignalado, pode-se considerar como simplicissimo (simplicissimus) todas as vezes que naõ se divide de modo algum em outros parciaes; o seu topo he o ponto onde elle se converte em nervura dorsal da folha ou dos seus foliolos rentes, como se vê nas folhas rigorosamente simplez, nas binadas, e algumas ternadas e digitadas. Peciolo simplez (simplex) he susceptivel de se dividir em peciolos parciaes curtissimos, e indivisos, os quaes sòstem hum so foliolo simplez; elle se observa nas folhas pinnuladas, apedadas, e nalgumas ternadas e digitadas; nas pinnuladas faz as vezes de nervura dorsal [p. 80] prolongando-se em linha recta athe ao topo da folha onde termina ou em huma gavinha, ou em hum peciolo parcial recto (como no alcaçuz), ou sostem hum foliolo impare rente, ou emfim termina abrompidamente ficando como decotado; às vezes he articulado no seu prolongamento, e no lugar da insersaõ dos foliolos; outras vezes indurece, e termina em huma ponta espinhosa como no astragalus tragacantha. Peciolo composto (compositus) divide-se em peciolos parciaes, que sostem nas suas pontas ou lados mais de hum so foliolo, como nas recompostas e sobrecompostas; estes peciolos secundarios saõ mais ou menos ramificados e sempre mais compridos do que os das folhas compostas. Peciolo commum (communis) he o que tem no topo ou nos lados muitos foliolos, ou muitos peciolos parciaes. Peciolo parcial (partialis) he o que nasce do peciolo commum; os peciolos parciaes às vezes saõ immediatos ao peciolo commum, outras vezes ramificaõse mais ou menos variamente; nesta circumstancia os ultimos saõ chamados immediatos, e os que medeaõ entre elles, e o peciolo commum tem o nome de mediatos.
O peciolo distingue-se facilmente do pedunculo , pela razaõ de que este he o esteio da flor. Elle he todo coberto da epiderme que lhe vem do tronco ou ramos, a que está apegado; divisaõ-se-lhe no seu [p. 81] interior varias sortes de vazos que se vaõ distribuir na substancia da folha. Observa-se muitas vezes junto do seu topo huma certa substancia mais esponjosa, e transparente do que no restante do seu corpo, e daqui se julga proceder a flexibilidade taõ necessaria aos diversos movimentos das folhas. Alem das relaçoẽs de simplicidade e composiçaõ, o peciolo pode ser considerado quanto à sua figura, grandeza, apêgo, direcçaõ, e superficie.
1º. Quanto á sua figura, diz-se ser:
Linear (linearis), se tem a mesma largura em todo o seu comprimento; elle he hum tanto chato em algumas folhas.
Alado (alatus) se he nos lados guarnecido de huma producçaõ membranosa ou folheacea, a qual ordinariamente se acha na sua parte superior (a larangeira).
Aclavado ou massudo (clavatus), he mais grosso da banda da sua ponta, ou junto da base da folha, de maneira que representa de algum modo a forma de huma massa (trapa natans).
Roliço (teres) he cylindrico, ou semelhante a hum rolo: semiroliço (semiteres) he semicylindrico, ou semelhante à metade de hum rolo partido longitudinalmente.
Adelgaçado (attenuatus), quando se adelgaça ou he comprimido junto da ponta (populus tremula)
Membranoso (membranaceus), he chato como huma folha ou como huma membrana, naõ tendo polpa sensivel entre as suas superficies.
Trigumeo (triquete) tem tres angulos ou gumes, e tres faces planas.
[p. 82]Canaliculado (canaliculatus), quando tem hum règo longitudinalmente na sua face superior (rubus idœus).
2º. Quanto á grandeza relativa ou comparada com o comprimento da folha, diz-se ser:
Curto (brevis), se a folha he sensivelmente mais comprida do que elle: curtissimo (brevissimus), se ella o excede summamente no comprimento.
Mediocre (mediocris), quando o seu comprimento he igual ao da folha, ou que a differença de igualdade he pouco sensivel.
Comprido (longus), se he evidentemente mais comprido do que a folha: compridissimo (longissimus), se o seu comprimento excede summamente o da folha.
Quanto á grandeza absoluta (vej. pag. 23, art. 2º)
3º. Considerado relativamente ao seu apego, diz-se ser:
Inserido ou conjuntado (insertus), quando se apega ao caule como por huma articulaçaõ, e ordinariamente forma angulos muito abertos com os ramos (as arvores).
Innato (adnatus), tem a base larga, e se apega taõ fortemente ao tronco ou ramos, que parece confundir-se com a sua substancia; naõ se pode arrancar sem se espedaçar a casca do tronco, o que naõ succede nos peciolos inseridos.
Decursivo ou decurrente (decurrens), quando a sua base se prolonga sobre o tronco ou ramos, e corre por elles abaxo.
[p. 83]Amplexicaule ou abarcantes (amplexicaulis), quando abarca com a sua base o tronco ou ramos.
Appendiculado (appendiculatus), quando tem na base alguns appendiculos, orelhas, ou producçoẽs folheaceas (dipsacus pilosus).
Envaginante (vaginans), quando com a sua base reveste e cerca o tronco ou ramos a modo de bainha.
4º. Quanto á direcçaõ, diz-se ser:
Levantado (erectus, s. arrectus), quando forma com o tronco ou ramos hum angulo agudissimo, chegando-se muito à poziçaõ perpendicular.
Patente (patens), quando forma com o tronco ou ramos hum angulo quasi recto.
Remontante (assurgens), quando ao sahir do tronco ou ramos he horizontal ou abaxa hum tanto, mas levanta-se depois com a ponta para cima, vindo assim a formar huma especie de arco.
Recurvado (recurvatus) he o contrario do precedente; ergue-se hum tanto em arco ao sahir do tronco, e se curva depois para baxo.
5º. Quanto á superficie, diz-se ser:
Nu (nudus) quando naõ tem pelos, nem glandulas, excrescencias, espinhos, nem sorte alguma de armas.
Glabro (glaber) se he nu, e a sua superficie he liza. Aculeado (aculeatus),
quando tem aculeos (a sylva, e roseiras). Espinescido (spinescens), se
tem espinhos muito raros e fracos, ou taõbem quando he rijo, endurecido,
e picante na ponta
Articulado (articulatus), se tem huma ou mais articulaçoẽs.
As partes accessivas das plantas a que Linneo dá
As estipulas saõ escamas, folhiços, ou appendices que de achaõ na base dos peciolos ou pedunculos. Ellas se observaõ nas roseiras, pereira, gallega, e outras plantas das classes Icosandria e Diadelphia; ha contudo algumas classes e familias que saõ inteiramente destituidas de plantas estipulosas, como por ex. as labiadas, borragineas ou asperifolias, estrelladas, [p. 85] cruciferas, liliaceas, orchideas, e quasi todas as compostas.
Aindaque as estipulas saõ ordinariamente descriptas com os mesmos termos que expûz no capitulo das folhas; naõ deixarei contudo de tractar aqui dos que mais frequentemente lhes saõ dados. Dizem-se ser:
Nullas (nullae), quando naõ existem na base dos peciolos ou pedunculos.
Solitarias (solitariae), quando huma somente se acha na base do peciolo (gilbarbeiras, e melianthus maior).
Emparelhadas (geminae), quando se achaõ duas a duas na base do peciolo (a pereira, e a maior parte das plantas que saõ estipulosas.)
Lateraes (laterales), quando estaõ postas nos lados do peciolo ou do pedunculo.
Extrafolias (extrafoliaceae), quando estaõ postas abaxo da folha ou do seu peciolo (a tilha, betula alnus, e as plantas da classe Diadelphia).
Intrafolias (intrafoliaceae), quando estaõ postas acima do ponto de apego do peciolo (a figueira, e amoreira).
Contrafolias (oppositifoliæ), quando estaõ situadas ao lado de folhas oppostas, ou estaõ taõbem defronte de hum peciolo.
Caducas (caducae), quando cahem primeiro do que as folhas.
Decadentes (deciduae), se cahem juntamente com as folhas.
Persistentes (persistentes), se persistem depois das folhas cahirem (as plantas da Diadelphia e Icosandria polygynia.
Espinescidas (spinescentes, s. spinosae), quando saõ [p. 86] duras, agudas, e picantes
Rentes (sessiles), se estaõ apegadas immediatamente ao tronco ou ramos, sem terem hum pequeno peciolo.
Innatas (adnatae), se estaõ apegadas ou adunadas na base do peciolo (roseira, e sylva). Soltas (solutae), quando estaõ despegadas do peciolo.
Dizem-se taõbem decursivas, envaginantes, assoveladas, lanceoladas, afrechadas, levantadas, recurvadas, patentes, integerrimas, serreadas, celheadas, denteadas, fendidas, &c. termos que ficaõ ja explicados no capitulo das folhas, com as quaes ellas tem huma grande analogia.
Consideradas quanto á sua grandeza saõ comparadas com o peciolo, ou
com a folha, no cazo que esta seja rente, e se dizem
ser: curtas, curtissimas, mediocres, compridas, e compridissimas
As gavinhas (cirrhi)
A gavinha diz-se ser: simplez (simplex), quando naõ se divide nem ramifica de modo algum.
Multifendida (multifidus), se acaso se divide em muitos ramos; bifendida, trifendida, &c. (bifidus trifidus, &c.) quando se divide em dois, tres ramos, &c.
Axillar (axillaris), se nasce da axilla formada pela base do peciolo ou pedunculo com os ramos: subaxillar (subaxillaris) se nasce abaxo da axilla.
Contrafolia (oppositifolius), quando no tronco ou ramos tem o ponto de apego fronteiro ao do peciolo.
Folhear (foliaris), quando nasce da substancia de huma
folha simplez ou composta (de ordinario nasce da
sua ponta.)
Nas folhas jungidas muitas
vezes em lugar de se dizer gavinha folhear, diz-se gavinha
polyphylla, diphylla, tetraphylla, &c. (polyphyllus, diphyllus,
tetraphyllus, &c.) isto he, gavinha de muitos foliolos, de dois,
de quatro, &c.
Peciolar ou terminal (petiolaris, s. terminalis), quando nasce do topo do peciolo prolongado, como nas folhas jungidas.
[p. 88]Peduncular (peduncularis), se nasce do pedunculo ou do pe que sostem a flor.
Encaracollada para dentro (convolutus), se a sua ponta se annela ou enrosca inclinando-se para a banda de dentro do tronco ou ramos.
Encaracollada para fora (revolutus), quando se enrosca em huma direcçaõ opposta á precedente, ou forma meyos anneis para a banda de fora do tronco. Alguns taõbem as denominaõ encaracolladas á direita, ou à esquerda; mas todas estas sortes de annelado saõ muito sojeitas a variar.
Debaxo do nome de glandulas os Botanicos comprehendem em geral ora certas excrescencias ora certas cavidades, que se achaõ no exterior dos vegetaes, e lhes tem dado os nomes de tuberculos, mamillos, verrugas, graõsinhos, utriculos, vesiculas, callos, pontos, fossulas, pustulas, cicatrizes, pòros, &c. de que fallarei, quando tractar da glandulaçaõ relativa ao habito externo.
As glandulas (glandulae), de que prezentemente devo fazer mençaõ saõ
certos graõsinhos de formas differentes, que se observaõ
principalmente nas folhas e
producçoẽs analogas a ellas.
Estas excrescencias parecem, como muitas outras, ser destinadas a
certas secreçoẽs; humas saõ assaz visiveis sem lente, e outras
precizaõ de microscopio ou lente para bem se poderem destinguir; as
primeiras saõ somente as que se devem [p. 89] empregar por sinaes caracteristicos; mas como Linneo naõ deixou
de tractar taõbem das segundas para intelligencia de
As glandulas dizem-se: peciolares (petiolares), quando se daõ no
peciolo da folha (o martyrio e noveleiro); estipulares
(stipulares), quando se daõ nas estipulas; bracteares (bracteares),
se nas bracteas; pedunculares (pedunculares), se nos
pedunculos; capillares (capillares), se nascem dos pelos, ou estaõ
unidas a elles
Folheares (foliares, s. foliaceae), quando se daõ nao folhas; as vezes estaõ na base (como na abobara cabassa ou carneira); outras vezes nos dentes (como no salgueiro e amendoeira); outras emfim no dorso da folha, nas nervuras, ou em qualquer das duas faces. Algumas vezes estas glandulas saõ hum tanto concavas (concavae.)
Rentes (sessiles), se naõ tem pedicello algum que as sostenha (o noveleiro e salgueiro): apedicelladas (stipitatae), se saõ sostidas por hum curto pésinho (o martyrio).
Milheares (mileares), quando saõ muito bastas e vistas ao microscopio se assemelhaõ aos graõs de milhaan ou milho miudo.
Globulares (globulares), assemelhaõ-se a graõs de escomilha.
[p. 90]Lenticulares (lenticulares) se tem a forma de huma lentilha.
Naviculares (naviculares), assemelhaõ-se a hum baixel ou navetta.
Tubulares (tubulosae), assemelhaõ-se a hum tubo.
Copolinas (cupulares), saõ hum tanto semelhantes a copinhos ou tigellinhas.
Assovelladas (subulatae), saõ lineares na parte inferior, e se estreitaõ para a ponta como hum ferro de sovella.
Vesiculares (vesiculares), assemelhaõ-se à pequenas vesiculas ou
bolhas miudinhas cheyas de ar
Encadeadas ou enfiadas, (catenulatae), saõ globulares e postas humas immediatamente depois das outras, como contas enfiadas.
Utriculares (utriculares), quando vistas com o microscopio
Debaxo do nome de trichismo (trichismus)
O cotanilho (tomentum), he huma especie de excrescencia vegetal, que consta de fios enleiados huns com os outros, taõ conchegados e taõ curtos, que so com huma lente se podem bem destinguir. O cotanilho ordinariamente he branco (as folhas do alemo).
Fêlpa (villus), he huma especie de excrescencia que consta de véllos macios, conchegados, distinctos visivelemente, e curtos. Vê-se nos ramos e folhas do sumagre, e nos fructos verdes do marmelleiro logo depois da florescencia, e nesta circumstancia lhe chamamos carépa, que se alimpa depois com o crescimento; a carépa contudo em alguns outros fructos parece ser hum misto de felpa e cotanilho. Os vellos fazem a surperficie aveludada, e ás vezes assetinada.
Pelos (pili), saõ excrescencias capillares, destinctos visivelmente, hum
tanto distantes entre si, mui flexiveis, ordinariamente mais compridos
do que os vellos, e sempre mais rudes ao tacto (a pilosella, a herniaria
hirsuta, e o juncus pilosus). Daõlhes o nome de barbas, quando saõ
dispostos em pilhas ou fasciculados (mesembrianthemum barbatum)
Laan ou lanugem (lana, s. lanugo), he huma excrescencia, que consta de fios bastos, curvados, compridos, e tecidos como huma tea de aranha (as especies de onopordon.)
Sedas (setae), saõ excrescencias cylindricas, e [p. 92] levantadas, que differem dos pelos por serem hum tanto mais grossas, e por serem rijas, inflexiveis, e quebradiças (echium vulgare).
Cerdas (strigae), saõ excrescencias setaceas, mais
rijas do que as sedas, picantes, e hum tanto chatas
Celhas (cilii) saõ qualquer sorte de pelos ou sedas que se achaõ postas no fio marginal das folhas ou das producçoẽs folheaceas (o saiaõ, e lichen ciliaris).
Pegamaços (hami) saõ arestas, praganas curtas, ou sedas simplez, que
tem hum so gancho na ponta, ou que terminaõ em huma ponta aguda e
curvada (o fructo da agrimonia, o calyz
da bardana).
Algumas vezes as sedas ou arestas terminaõ em duas, em tres, ou mais
pontas curvadas, e susceptiveis de se pegarem aos vestidos como os
pegamaços; estes ganchos ou denticulos curvados saõ por alguns
autores chamados glochins (glochides), semelhantes aos que se daõ
nas praganas do trigo e cevada; mas ordinariamente o termo de
glochins he dado ás sedas curtas que terminaõ em dois ganchos: se
terminaõ em tres, chamaõ-lhes triglochins (triglochides)
Em geral as sedas e alguns pelos, segundo as [p. 93] observaçoẽs que se tem feito com lentes, e ainda mesmo a olhos nûs, saõ denominados: simplez, ramosos, cylindricos, pyramidaes, gancheados, glandulosos, forquilhosos, bifendidos, em forma de machadinha, estrellados, plumosos, fasciculados, articulados, nodosos, caudatos, em forma de aspersorio, &c.
Assim como o Autor da natureza deo aos animaes armas para sua defeza, assim taõbem, dizem os Botanicos, as deo ás plantas a fim de que os animaes menos as offendessem e estragassem.
As armas dos vegetaes saõ ordinariamente reduzidas pelos Botanicos a tres especies, a saber, ferroẽs, aculeos, e abrolhos ou espinhos do lenho.
Os ferroẽs (stimuli) saõ huma especie de sedas mais ou menos compridas, com huma ponta finissima venenosa, que fere a pelle nua, sem effusaõ de sangue, e nella causa subitamente inflammaçaõ com pruido (a ortiga, malpighia urens, e jatropha urens). Elles tem grande analogia com os ferroẽs das vespas, e abelhas.
Aculeos (aculei), ou espinhos corticaes, saõ producçoẽs lenhosas mais
grossas, rijas, e duras do que as sedas, e cerdas, agudas, picantes
com effusaõ de sangue, apegadas á casca da planta e naõ ao lenho,
podendo-se arrancar ordinariamente sem grande estrago da parte da
planta a que jazem afferradas; taes gaõ os que se achaõ no caule das
sylvas e roseiras
Abrolhos ou espinhos do lenho (spinae), saõ producçoẽs lenhosas, e agudas, que nascem do lenho e naõ meramente da casca, que tem fibras summamente prolongadas de modo que formaõ huma substamcia continuada taõ intimamente, que senaõ podem arrancar sem grande estrago da parte donde nascem; daõ-se no tronco e ramos, como se vê no pirliteiro, restaboi, limoeiro, e abrunheiro bravo; nas folhas, como no zimbro, alcaxofas, e cardos; no calyz, como no cardo sancto; nos fructos, como no abrolho, e datura ferox.
Quando os aculeos, ou ainda mesmo os espinhos do lenho se dividem na base ou acima della em duas ou tres pontas, daõlhes o nome de garfins bicuspides ou tricuspides, e o de forquilhas bidenteas ou tridenteas (furcae bifidae, s. trifidae). No cazo que se ramifiquem em quatro, cinco, ou mais pontas dizem-se: apalmados ou digitados (palmati-ae, digitati-ae), como se vê nas especies de berberis.
Os espinhos dizem-se ser: terminaes (terminales), quando se achaõ nas pontas dos ramos, folhas, &c.; axillares (axillares), se nascem nas axillas; calycinos (calicinae), quando se daõ no calyz, nos seus foliolos ou lacinias; folheares (foliares), se nascem nas folhas; simplices (simplices), se naõ saõ divididos; ramosos ou divididos (divisae, s. ramosae), se acazo se ramificaõ, principalmente na sua parte superior.
As bractéas (bracteae); saõ pequenas folhas, proximas ás flores, differentes das mais folhas da planta pela sua figura e as vezes taõbem pela sua cor (o til ou tilha, o rosmaninho, a coroa imperial, &c.). Algumas flores ou pedunculos saõ guarnecidos de huma so bractéa, outros saõ acompanhados de muitas.
Dizem-se: grandes ou pequenas (magna aut parvae), segundo saõ maiores ou menores do que as flores ou seus pedunculos.
Còradas (coloratae), se tem huma cor differente da verde (salvia horminum, e a alfazema).
Caducas (caducae), se cahem antes das flores: decadentes (deciduae), se cahem ao mesmo tempo que as flores: persistentes (persistentes), se persistem athe a madureza do fructo ou ainda mesmo depois delle ter cahido, o que he o mais ordinario, contribuindo isto taõbem a faze-las destinguir dos foliolos do perianthio.
Comosas (comosae, s. coma) quando saõ bastas, numerosas, e estaõ situadas acima das flores na ponta do tronco ou ramos (acoroa imperial, os ananazes, a alfazema, rosmaninho, salvia horminum, e fritillaria regia). Nalgumas destas plantas as bractéas saõ bastantemente grandes e copadas.
As bractéas tem ainda muitas outras denominaçoẽs em tudo semelhantes ás das folhas, com as quaes [p. 96] tem huma intima analogia, e porisso as omitto aqui.
O pedunculo (pedunculus) he a parte do tronco ou ramos que serve de esteio á flor, e a que chamaõ vulgarmente o pé da flor. Elle tem huma intima analogia com os ramos, e lhe daõ por esse motivo muitas das suas denominaçoẽs.
Diz-se ser: commum (communis), quando sostem muitas flores ou se divide em pedunculos parciaes.
Parcial (partialis), quando nasce do pedunculo commum ramificado; subdivide-se as vezes ainda em outros menores, a que chamaõ pedicellos ou pedunculos immediatos (pedicelli).
1º. Os pedunculos considerados, quanto ao lugar a que estaõ apegados na planta, dizem-se ser:
Radicaes (radicales), quando nascem immediatamente da raiz (a pilosella, potentilla anserina, e o paõ de porco). Estes pedunculos saõ curtos, sem folhas, e ordinariamente uniflòros; saõ a mesma coiza que hasteas simplices ou simplicissimas.
Caulinos (caulini), quando nascem do caule.
Rameos (ramei), se nascem dos ramos.
Peciolares (petiolares), se nascem dos peciolos (o hibiscus moscheutos, e algumas especies de turnera). [p. 97] Alguns daõ-lhes taõbem o nome de folheares (foliares) nesta mesma accepçaõ.
Gavinhosos (cirrhiferi, s. cirrhosi), quando lançaõ huma gavinha na ponta (vitis indica, cardiospermum). Alguns daõ-lhes taõbem este nome e o de voluveis, ou enroscados (volubiles), se elles se enroscaõ como huma gavinha.
Terminaes (terminales), quando se achaõ na ponta do tronco ou ramos (a tulipa, e o alfeneiro).
Axillares (axillares, alares), quando nascem das axillas das folhas ou ramos (a neveda).
Contrafolios (oppositifolii), se nascem fonteiros ao ponto de apego da folha (a videira, e dulcamára).
Lateraes ou laterifolios (laterales s. laterifolii) quando se achaõ apegados ao lado da base da folha, ficando esguelhados a ella (a borragem). Alguns daõ contudo o nome de lateraes aos que nascem nos lados do tronco ou dos ramos, e os oppoem aos terminaes.
Unilateraes (unilaterales), se tem todos o seu ponto de apego em hum mesmo lado, seja qual for a sua direcçaõ: segundinos (secundi), quando estaõ todos inclinados para a mesma banda, ainda que o seu ponto de apego naõ seja exactamente no mesmo lado.
Entrefolheaceos (interfoliacei), nascem nas axillas das folhas oppostas, mas seguem-se alternativamente (asclepias vincetoxicum).
Sobrefolheaceos (suprafoliacei, seu supini)
Extrafolheaceos (extrafoliacei), quando tem o seu ponto de apego hum tanto abaxo ou desviado do ponto da insersaõ da folha: em alguns cazos podem-se chamar subaxillares.
2º Quanto á sua situaçaõ, dizem-se ser:
Alternos (alterni), se acaso se seguem nos dois lados alternativamente do modo que expliquei fallando das folhas alternas. Oppostos (oppositi), quando na mesma altura se acha hum defronte do outro.
Dispersos (sparsi), saõ raleados, copiosos, postos em distancias desiguaes nos lados do tronco ou ra mos, sem guardar ordem alguma.
Conglomerados (conglomerati), quando pertencem a huma panicula apertada; saõ dispostos sem ordem, mas approximados estreitamente (os amaranthos).
Conglobados (conglobati), quando formaõ huma especie de globo; as umbrellas da angelica e algumas flores capitozas tem pedunculos bem visivelmente conglobados. Alguns botanicos usaõ contudo deste termo em lugar de conglomerados.
Capitosos (capitati), se sostêm flores dispostas em cabeça, como os de alguns trevos.
Espigosos (spicati), se saõ dispostos em espiga.
Paniculados (panniculati), se saõ dispostos em panicula: thyrsosos (thyrsiflori), se saõ dispostos em thyrso.
Corymbosos (corymbosi), se saõ dispostos em corymbo.
[p. 99]Fasciculados ou copados (fasciculati, s. fastigiati), se saõ dispostos em fasciculo.
Racimosos (racemosi), se saõ dispostos em racimo.
Umbrellados (umbellati), se saõ dispostos em umbrella.
Verticillados (verticillati), se saõ dispostos em verticillo.
3º Quanto ao numero, o pedunculo diz-se ser:
Simplez (simplex), quando se divide em rarissimos pedicellos; simplicissimo (simplicissimus) se he unifloro, naõ se dividindo em pedunculos alguns. Multifloro (multiflorus), se sostem muitas flores; unifloro, bifloro, trifloro, quadrifloro, &c se sostem huma, duas, tres, quatro flores, &c.
Composto ou ramoso (compositus, s. ramosus), quando se ramifica em muitos pedunculos parciaes.
Solitario (solitarius), se naõ tem outro ao seu lado no mesmo ponto de apego.
Dois a dois (gemini, geminati, bini), quando se achaõ dois no mesmo ponto de apego ou quasi ao lado hum de outro, e deste modo continuaõ nas mais partes do tronco ou ramos: neste mesmo sentido se dizem ser taõbem: tres a tres, quatro a quatro, &c. (terni, quaterni, &c.)
Numerosos (numerosi, multiplices), quando saõ em grande numero, ou sejaõ situados nas umbrellas e verticillos, ou ao longo dos ramos, receptaculos communs, &c.
4º Quanto a direcçaõ, dizem-se ser:
Encostados (appressi), quando em quasi todo o [p. 100] seu comprimento jazem encostados ao tronco ou ramos.
Levantados (erecti), se formaõ com o tronco ou ramos hum angulo agudissimo, estando muito pouco desviados delles.
Patentes (patentes), se formaõ com o tronco ou ramos hum angulo quasi recto: horizontaes (horizontales), se formaõ hum angulo recto com o tronco ou ramos.
Coarctados (coarctati), quando se achaõ muitos juntos, approximados, e quasi parallelos.
Resupinados (resupinati), quando sostem flores, que tem corollas resupinadas.
Acenosos (cernui, nutantes), quando em razaõ da sua debilidade, e pezo da sua flor se survaõ na ponta virando esta ou para a terra ou para a ilharga (o gyrasol, o geum rivale, e carduus nutans).
Fracos (flaccidi), quando saõ taõ debeis que basta o pezo da sua flor para os fazer curvar ou ficar pendentes.
Pendentes ou verticaes (penduli, s. verticales), quando estaõ dependurados perpendicularmente para a terra (convallaria polygonatum).
Recurvados (recurvati), quando se elevaõ hum pouco, e depois se curvaõ para baxo.
Remontantes (ascendentes), saõ hum tanto arqueados perto da base, e depois se indireitaõ levantando a ponta para cima.
Irtos ou rectos (stricti), quando naõ tem tortuosidades nem curvatura alguma.
Tortuosos ou ondeados (flexuosi, s. undulati), [p. 101] quando tem tortuosidades ou dobras alternativas, á maneira de huma espada columbrina (aira flexuosa).
Requebrados (retrofracti), quando saõ quasi pendentes, e tem articulaçoẽs angulozas, parecendo como quebrados.
5º Quanto á sua medida relativa, saõ comparados com a flor, e se dizem: curtos, curtissimos, mediocres, compridos e compridissimos. Quanto à sua medida absoluta, veja-se pag. 25, art. 2º.
6º. Quanto á sua superficie e estructura, dizem-se:
Roliços (teretes), se saõ semelhantes na forma a hum rolo: trigumeos (triquetri), se tem tres gumes agudos: trigònos (trigoni), se tem tres gumes hum tanto embotados: quadrigumeos (quadriquetri), se tem quatro gumes afiados: tetragonos (tetragoni), se tem quatro gumes embotados.
Filiformes (filiformes), saõ delgados e de igual grossura, semelhantes a hum fio de linhas ordinario.
Adelgaçados (attenuati, s. acuminati), quando se adelgaçaõ, para a ponta.
Engrossados (incrassati), quando engrossaõ para a ponta ou junto do caliz da flor: se junto da flor engrossaõ á maneira de huma massa, dizem-se: aclavados (clavati).
Articulados (articulati), se tem huma junta ou ainda mais geniculados ou nodosos (geniculati), se as juntas saõ tumidas á maneira de nòs.
Bracteados (bracteati), se saõ guarnecidos de bracteas: folhosos (foliati), se saõ guarnecidos de folhas: escamosos (squamosi), se tem escamas: segundo as [p. 102] producçoẽs que os guarnecem dizem-se ainda: espinhosos, aculeados, escabrosos, hispidos, cerdosos, peludos, felpudos, lanudos, cotanilhosos, &c.
Alados (alati, s. membranacei), se tem ao longo huma producçaõ membranosa a modo de aza: decursivos (decurrentes), se esta producçaõ se prolonga alem da sua base sobre o tronco ou ramos: involucrados (involucrati), se tem hum involucro.
Nûs (nudi), se naõ tem folhas, bracteas, escamas, membranas, nem pelos alguns: inermes (inermes), se naõ tem sorte alguma de armas ou espinhos.
Alguns os denominaõ ainda: estereis (steriles); se sostem flores abortivas, que naõ daõ fructo: ferteis ou fecundos (fertiles), se estas daõ fructo.
A disposiçaõ das flores chamada por Linneo inflorescencia (inflorescencia), he o modo com que ellas saõ apegadas aos pedunculos ou a qualquer parte do tronco.
As flores em geral ou saõ rentes ou pedunculadas; as rentes (sessiles), saõ as que estaõ apegadas ao tronco ou a qualquer parte da planta, sem terem pedunculo algum; as pedunculadas (pedunculati), saõ estejadas em hum pedunculo.
A disposiçaõ das flores sendo analoga á dos pedunculos, conhece-se claramente que ellas devem [p. 103] participar de hum grande numero de denominaçoẽs em tudo semelhantes, como por ex. saõ as de terminaes, lateraes, unilateraes, segundinas, dispersas, solitarias, duas a duas, tres a tres, levantadas, patentes, horizontaes, verticaes, acenosas, &c. termos que ficão explicados no capitulo precedente. As principaes disposiçoẽs das flores podem reduzir-se ás seguintes, a saber: flores compostas, aggregadas, espadiceas ou enrocadas, verticilladas, capitosas, espigosas, casulosas, amentilhosas, corymbosas, paniculadas, thyrsosas, racimosas, fasciculadas, umbrelladas, e cymosas.
A flor composta (compositus), he a que contem dentro de hum perianthio commum muitas pequenas flores rentes, pegadas à hum receptaculo commum dilatado lateralmente; as antheras dos seus flosculos saõ adunadas, e cada flosculo he sobraposto a huma semente (o gyrasol, a macella; as boninas, &c). Eu fallarei mais circumstanciadamente desta sorte de flores em outro lugar.
Aggregada
Espadicea ou enrocada (spadiceus), consta de muitos flosculos rentes ou pedunculados, nascidos de hum receptaculo commum oblongo, contido em huma espatha. Este receptaculo he chamado roca ou espadice (spadix); elle diz-se simplez (simplex) no pe de bezerro, em razaõ de se naõ ramificar, e ramoso [p. 104] (ramosus) nas palmeiras, por se dividir em alguns ramos.
Verticillada (verticillatus), he disposta em verticillo; o verticillo (verticillus) he huma pilha de flores rentes, ou pedunculadas; postas á roda do tronco em forma de annel, como se vê no marroyo branco, e hortelaan. O verticillo diz-se: rente (sessilis), se as flores que o formaõ naõ tem pedunculo; pedunculado (pedunculatus), se ellas saõ pedunculadas: involucrado (involucratus), se tem hum involucro: bracteado (bracteatus), se he acompanhado de alguma bractea: nu (nudas), se naõ tem involucro nem bractea alguma: basto (confertus), se os flosculos que o compoem estaõ, approximados densamente: raleado (distans), se os seus flosculos estaõ hum tanto distantes entre si: semicircular (dimidiatus), quando, os seus flosculos naõ formaõ á roda do tronco hum annel completo, mas somente metade delle.
Flor capitosa (capitatus), he a que representa huma especie de cabeça, ou que se acha conglomerada em cabeça (capitulum); esta consta de muitos flosculos densamente conchegados em huma forma mais ou menos globular. A cabeça de flores diz-se: globosa (globosum), se prezenta huma figura espherica, como na gomphrena globosa; hum tanto globosa (subrotundum), se tende hum tanto à forma espherica: semiglobosa (dimidiatum), se presenta meya cabeça, ou huma forma hemispherica, sendo bojuda de huma banda e plana da outra: folhosa (foliosum), se he acompanhada de folhas: bracteada (bracteatum), se he guarnecida de bracteas: nua (nudum), se naõ tem folhas nem bracteas.
[p. 105]Flor espigosa (spicatus), consta de muitos flosculos dispostos em espiga. A
espiga (spica) he huma flor congregada, que consta de muitos flosculos
alternos rentes ou com curtissimos pedicellos levantados. Os seus flosculos
saõ apegados a hum receptaculo commum oblongo, chamado carolim ou carolo
(rachis), como se vê na tanchagem, cevada, trigo, milho, e muitos outros
grames. A flor casulosa (flos glumosus), he verdadeiramente huma especie de
flor espigosa propria das gramineas, e he assim denominado pela razaõ de ser
hum casulo o caliz commum ou particular dos seus
flosculos. A espiga-diz se ser: simplez (simplex), quando consta de flores
solitarias, e o seu receptaculo commum naõ se divide em pedunculos nem
receptaculos menores, que formem pequenas espigas, (a tanchagem). Composta
(composita), quando o receptaculo commum se divide e lança pequenas
espiguettas (spiculae, s. spicillae), como se vê no joyo. Conglomerada
(glomerata), quando he composta ou recomposta, e que as suas espiguettas
estaõ muito apertadas e variamente amontoadas (a alpista, e dactylis
glomerata). Disticada (disticha), se os seus flosculos ou espiguettas estaõ
em dois renques oppostos (o bolebole). Segundina (secunda), quando os seus
flosculos estaõ apegados, e virados todos para shuma so e mesma banda
(nardus stricta). Ovada (ovata), se tem huma figura ovada (o bolebole).
Bojuda (ventricosa), se he tumida no meyo, e estreita nas duas extremidades
superior e inferior. Cylindrica (cylindrica), se tem a forma roliça em todo
o seu comprimento. Interrompida (interrupta), quando o pedunculo commum ou
receptaculo commum tem [p. 106] alternativamente alguns intervallos calvos de flosculos ou espiguettas (a
alfazema). Imbricada (imbricata), se os seus flosculos saõ imbricados
longitudinalmente
Flor amentilhosa ou caudilhosa (flos amentaceus), consta de muitos flosculos dispostos em amentilho ou caudilho (amentum) o qual he huma particular especie de espiga simplez, que consta de flores rentes, [p. 107] ordinariamente unisexuaes, acompanhadas de escamas, e pegadas a hum carolim ou axe commum que lhes serve de receptaculo; taes saõ por ex. os que se observaõ na nogueira, ortiga romana, junça, tabûa, choupo, salgueiro, sabina, pinheiro, acypreste, castanheiro, aveleira, &c. Os amentilhos nascem ordinariamente de gomos e o seu carolim he filiforme; quando elles tem hum carolim grosso e escamas lenhosas, huma forma conica, e produzem somente flores femininas, daõ-lhes o nome de pinhas (coni, s. stobili), como no pinheiro e acypreste. O amentilho diz-se; escamoso (squamosum) se tem escamas; nû; se he desfituido dellas; laxo (laxum), se tem escamas hum tanto abertas, como no carpinus e betula; cylindrico, na aveleira e nogueira; oblongo, na nogueira; imbricado, no pinheiro, aveleira, e junça: as suas escamas saõ arrodeladas (peltatae) no acypreste, e participaõ ainda de muitas outras denominaçoẽs semelhantes ás das folhas, dizendo-se ser: concavas, ovadas, lanceoladas, planas, &c.
Flor corymbosa (flos corymbosus), he diaposta em corymbo. O corymbo (corymbus), he huma disposiçaõ de flores aniveladas, os seus pedunculos tem differentes pontos de apego, elevaõ-se gradualmente quasi todos a mesma altura, formando angulos agudos entre si (a milfolha, achillea aggeratum, e chrysanthemum corymbosum). O corymbo he simplez (simplex), se os pedunculos naõ se dividem; composto (compositus), se elles se dividem em muitos outros menores.
Flores paniculadas (flores paniculati), saõ dispostas em panicula. A panicula (panicula), he huma ramificaçaõ vaga e dispersa, na qual os pedunculos [p. 108] communs, e parciaes saõ notavelmente mais compridos do que as flores e fructos (a caneira, o milho painço, e gypsophylla paniculata). A panicula diz-se: diffusa (diffusa), quando os seus pedunculos parciaes saõ esparralhados e divergem entre si; contrahida ou coarctada (coarctata), se os dictos pedunculos estaõ muito conchegados e quasi parallelos. Ella tem ainda muitas outras denominaçoõs, que se entendem facilmente e ficaõ ja explicadas principalmente no capitulo do tronco, e ramos.
Flores thyrsosas (flores thyrsosi, s. thyrsoidei), saõ dispostas em thyrso. O thyrso, ou ramilhete (thyrsus), he huma especie de panicula contrahida, de forma ovada e conica, que se assemelha muito bem aos nossos ramilhetes compridos (syringa vulgarìs, aesculus hippocastanum, tussilago petasites). O thyrso diz-se ser o folhoso (foliatus), se he acompanhado de folhas; bracteado (bracteatus), se tem bracteas; nu (nudus), se naõ tem foliolos nem bracteas.
Flores racimosas (flores racemosi), saõ disposta em racimo. O racimo ou cacho
(racemus), he huma disposiçaõ de flores com pedunculos curtos, penden tes, e
ordinariamente apegados a hum axe ou pedunculo commum (a videira, azereiro,
uva espim, sylva, groselheira, &c. O racimo diz-se ser: simplez
(simplex), se o ramo ou pedunculo commum sò tem pedunculos indivisos (o
azereiro, e phytolacca); composto (compositus), se os seus pedunculos,
parciaes saõ divididos (a videira, e sylva)
Flores fasciculadas (flores fasciculati), saõ dispostas em fasciculo. O fasciculo (fasciculus); he huma pilha de flores longas, levantadas, parallelas, approximadas, copadas ou elevadas á mesma altura, e de curtos pedunculos (dianthus barbatus, silene armeria).
[p. 110]Flores umbrelladas (flores umbellati), saõ dispostas em umbrella
Flores cymosas (flores cymosi), saõ dispostas em cymeira. A cymeira ou
umbrella bastarda (cyma, s. umbella spuria), he huma disposiçaõ de
flores, cujos pedunculos primarios nascem do mesmo centro, e depois se
ramificaõ irregularmente e sem ordem
A natureza segundo as leys, que lhe foraõ dadas, prezenta-nos todos os annos
nas flores hum extenso quadro summamente variado e agradavel. Se
exceptuamos os polos sempre gelados, os seus proximos [p. 113] climas, e os profundos mares
Daqui procedeo a origem de hum certo numero [p. 114] de termos, que se achaõ em suas obras dados ás flores, e igualmente às plantas, a que saõ relativas, os quaes se podem reduzir principalmente aos seguintes.
Flores de inverno (flores hybernales, s. brumales), saõ as que desabotoaõ ordinariamente durante o inverno. Algumas plantas cryptogamicas, e a rosa, de todos os mezes saõ deste numero, algumas dos paizes meridionaes da America, e Africa transplantadas na Europa taõbem florecem durante o inverno nas estufas.
Flores da primavera (vernales, s. verni), saõ as que desabotoaõ nos mezes desta estaçaõ; taes saõ por ex. as dos salgueiros, quejadilho, amendoeira, pereira, damasqueiro, narcizo, &c. As plantas, exoticas dos climas frios, e das montanhas transplantadas em nossos pardins ordinariamente taõbem florecem na primavera.
Flores do estio ou veraõ (aestivales, s. aestivi), saõ as que desabotoaõ durante o veraõ, como saõ por ex. as da althéa, malva, feijoeiro, saudade, milfolha, meloeiro, &c.
Flores do outono (autumnales), saõ as que desabotoaõ durante o outono, como v. g. o colchico. As plantas da America septemptrional, principalmente as que saõ vivazes transplantadas em nossos jardins taõbem florecem nesta estaçaõ.
As vigilias ou tempo de vela das flores contem o espaço que medea entre o seu
abrimento e a reclusaõ, quer seja durante o dia, quer de noyte; pelo
contrario o somno das flores (somnus florum), he o espaço que medea desde a
sua reclusaõ athe ao seu abrimento. O abrimento de huma flor (apertio
floris), [p. 115] he o ponto de tempo em que ella se abre
Quanto ao tempo de vela ou de somno, as flores saõ denominadas diurnas ou
golares (diurni, s. solares)
Flores meteoricas (meteorici), saõ as que naõ tem hora determinada de abrir-se, e de se fechar, porquanto o abrimento e reclusaõ saõ desordenados em razaõ da sombra, humidade, seccura, e maior ou menor pressaõ da atmosphera; o martyrio por ex que costuma abrir-se ao meyo dia em tempo claro, naõ se abre senaõ às tres horas quando o ceo està espessamente nublado.
Flores tropicas (tropici), saõ as que se abrem todos os dias constantemente de manhaan, e se fechaõ quasi [p. 116] ao sol posto, mas o tempo de vela he maior, ou menor á proporçaõ que os dias augmentaõ ou diminuem.
Flores equinoxiaes (aequinoctiales), saõ as que se abrem todos os dias em huma hora certa e determinada, e se fechaõ taõbem em huma hora certa, de modo que o seu tempo de vela he todos os dias igual ou quasi igual.
ASSIM como todos os animaes tendem naturalmente à sua reproducçaõ, da mesma sorte os vegetaes á proporçaõ que crescem se encaminhaõ ao estado de fructificaçaõ, e tanto que fructificaraõ, ou perecem dentro de breve tempo ou cessaõ de crescer no lugar que deraõ o fructo, sendo-lhes precisos novos gomos para poderem lateralmente prolongar-se. Donde se collige que a fructificaçaõ (fructificatio) he huma parte transitoria em que termina o vegetal dentro de hum certo periodo de tempo, destinada a dar principio a novos entes da sua espécie. Ella consiste essensialmente na flor e fructo: a flor he hum a parte da fructificaçaõ, que no seu estado completo e perfeito consta de organos sexuaes envoltos em tegumentos; a sua essensia consiste em ter anthera ou estigma . O fructo he huma parte da fructificaçaõ que succede á flor, e consta ao menos de huma semente, na qual consiste a sua essensia. As partes da flor segundo Linneo saõ o calyz, corolla, nectario, estame, e pistillo; as do fructo saõ o pericarpo, semente, e receptaculo. Eu tractarei de todas estas partes segundo a ordem que seguio o predicto Botânico, e começarei prezentemente pelas que saõ relativas á flor.
[p. 118]O CALYZ e corolla saõ os tegumentos dos organos sexuaes, ou para me explicar segundo o modo de alguns sexualistas, o calyz he o thalamo nupcial das flores, e a corolla a rica armaçaõ delle. Cesalpino pensava que o calyz era hum prolongamento da casca e a corlla huma prodcçaõ do livrilho ou alburno.
As flores nem sempre saõ acompanhadas destes tegumentos; quando huma flor
tem calyz e corolla hé chamada completa
(flos completus) e incompleta (incompletus) se lhe falta algum dos
dictos
A natureza naõ poz limites certos entre o calyz e
corolla, e daqui procede que os Botanicos tem differentes opinioes
relativamente á denominaçaõ destes tegumentos; huns querem que o tegumento
immediato aos organos sexuaes deva ser chamado corolla em todas as
circumstancias, e por conseguinte todas as vezes que a flor tem hum so
tegumento [p. 119] daõ-lhe o nome de corolla; outros seguem em parte este parecer, e em
parte a cor, á qual daõ a preferencia. Linneo vendo que algumas corollas
se tornaõ verdes, e alguns calyces saõ bastantemente corados, estabeleceo a
differença entre o calyz, e corolla na
posiçaõ dos estames, dizendo que estes nas flores descalycinas e muitas
completas saõ alternos com as petalas ou lacinias da corolla ficando
situados entre as suas aberturas, que nas descorolladas pelo contrario
saõ fronteiros aos foliolos ou segmentos do calyz, ficando encostados ou postos defronte delles, como se
pode observar no cardo penteador, cerejeira brava, coentro, sabugueiro,
consolda maior, alchemilla, potamogeton, e muitas outras plantas das
classes Terandria e Pentrandria
O CALYZ (calyx), no maior numero de flores heo tegumento externo dos organos sexuaes, de cor verde ou menos corado do que a corolla (o jasmim, cravo, e goivo). Deraõ-lhe este nome por se assemelhar n'algumas flores a hum copo, como se vê nas labiadas, leguminosas e muitas outras.
Linneo admittio sette especies de calyz, a saber, [p. 120] perianthio, involûcro, casûlo, amentilho, espatha, trunfa, e volva. Antigamente so o primeiro tinha o nome de calyz, e com effeito os mais mereciaõ antes ser chamados calyces bastardos (calyces spurii).
O PERIANTHIO (perianthium) he huma especie de calyz immediatamente contiguo à corolla ou aos organos sexuaes (o alecrim, cravo, arvore do paraiso, &c.) O perianthio pode ser taõbem contiguo a outro (como na malva), a huma corolla ou a muitas, como no gyrasol; quando elle recobre muitos flosculos, estes ou saõ rentes ou quasi rentes, Nas flores casulosas e amentilhosas o calyz ordinariamente naõ he circular; a estructura escamosa, paleacea e outras circumstancias relativas à sua forma poderaõ contribuir a destinguilo do perianthio. Os foliolos do perianthio quando muito so aturaõ athe à madureza do fructo, e isto poderà contribuir a fazelos destinguir das bracteas, que ordinariamente duraõ mais tempo, e as vezes mesmo se convertem em folhas. Nas flores compostas os foliolos saõ ordinariamente chamados escamas (squamae), principalmente se saõ imbricados, como nas perpetuas. Se na flor naõ ha perianthio, como na tulipa e açucena, daõ lhe o nome de nullo (nullum).
Diz-se: perianthio da fructificaçaõ (perianthium fructificationis), quando
contem ou enserra os estames e o germe; nesta circumstancia sempre esta
immediatamente sottoposto ao germe (a sylva, peonia, morangueiro, masva,
jasmineiro craveiro, faveira, &e.) Perianthio da flor (perianthium
floris), se em si contem os estames sem germe
Perianthio superior ou sobreposto (superum), he o que se acha posto sobre o germe ou tenrinho fructo, como o da romeira, pereira, e outros muitos perianthios da flor.
Perianthio inferior ou sottoposto (inferum), he o que cinge a base do germe ou tenrinho fructo, como saõ os perianthios da fructificaçaõ e do fructo.
Commum (commune)
Parcial ou particular (proprium, S. partiale), he [p. 122] relativo a hum flosculo contido em hum perianthio, commum, ou a
qualquer flosculo congregado, rente ou quasi rente (a saudade, e
gyrasol)
Calyculado (auctum, s. calyculatum), quando tem na sua base huma serie de
escamas ou foliolos curtos, differentes delle, e que constituem quasi
hum segundo calyz menor ou calyculo
(calyculus)
Unico (unicum), quando a flor tem hum so, como v. g. o alecrim: simplez (simplex) he unico, naõ calyculado, nem dobrado nem triplicado (sida). Este termo parece ser synonymo do precedente; Linneo contudo deo-lhe mais extensa significaçaõ, e o applicou ainda para denotar hum calyz quasi inteiro, de foliolos naõ imbricados, quasi do mesmo comprimento, ou adunados na base, como o da tagetes, bellis, e o calyz interior da crepis.
Dobrado ou triplicado (duplex, geminum, triplex), quando
Caduco (caducum), se cahe logo que a flor desabotoa, como o da papoila, e epimedium.
Decadente ou simulcadente (deciduum), se cahe juntamente com a corolla, como o da uva espim, mostarda, e outras flores da Tetradynamia.
Persistente (persistens) se persiste athe à madureza do fructo, como o da salva, alecrim, e outras flores da Didynamia.
Polyphyllo (polyphyllum), se consta de muitas escamas ou foliolos destinetos na base (a alface). Monophyllo (monophyllum), quando he de huma so peça ou inteiriço na base, ainda que seja partido ou fendido (a salva, romeira, pereira, pimentaõ, &c.); de dois foliolos (diphyllum) na papoila, celidonia e fumaria; de tres foliolos (triphyllum), na tradescantia e ranunculus ficaria; de quatro foliolos (tetraphylhum) na couve, e goiveiro; de cinco (pentaphyllum), no linho; elle diz-se ser ainda de seis, sette, oito, nove, dez foliolos, &c. (hexa- hepta- octo- ennea- decaphyllum, &c.)
Fendido (fissum), se he monophyllo, e rasgado athe ao meyo pouco mais ou menos, e as sinuosi dades entre os segmentos saõ lineares ou de igual largura; segundo o numero das lacinas diz-se ser: multifendido (multifidum), fendido em duas, tres, quatro, cinco lacinias, &c. (bi-tri-quadri-quinquefidum, &c.); se as lacinias saõ curtas ou marginaes, daõ-lhes. o nome de dentes, e se diz por conseguinte denteado (dentatum s. ferratum); segundo o numero destas curtas lacinias diz-se ser: denteado de muitos dentes (multidentatum), de dois, tres, quatro, cinco dentes, &c. (bi-tri-quadri-quinquedentatum, &c.)
[p. 124]Partido (partitum), he monophyllo e dividido athe abaxo do meyo ou quasi athe à base; segundo o numero das lacinias diz-se ser; multipartido (multipartitum), bipartido (bipartitum), tripartido (tripartitum), quadripartido (quadripartitum), partido em cinco, seis lacinias, &c. (quinque-sexpartitum, &c.)
Inteiro (integrum), he monophyllo sem ser fendido, nem partido em lacinias algumas.
Celheado (ciliatum), se os seus foliolos ou lacinias saõ celheadas
Tubuloso (tubulosum), se he roliço e occo (a neveda e hortelaan).
Infunado (inflatum), quando he concavo, e parece soprado como huma bexiga (a herva traqueira).
Levantado (erectum), se os seus foliolos ou lacinias saõ levantadas (jasmim).
Patente (patens), quando as suas lacinias ou foliolos saõ abertos largamente, ou formaõ com o pedunculo hum angulo obtuso pouco desviado do angulo recto.
Reflexo (reflexum), quando a extremidade dos seus foliolos ou lacinias se curvaõ hum tanto para traz, ou para baxo.
Igual (aequale), quando os seus foliolos, lacinias ou dentes saõ iguaes: desigual (inaequale); se elles saõ desiguaes (cistus).
Curto (abbreviatum), se he mais curto do que a corolla, ou do que o seu tubo, ou unhas das petalas: comprido (longum), se he mais comprido do que ella.
[p. 125]Globoso (globosum), se tem a forma globosa (a perpetua e bardana); aclavado (clavatum), quando se prolonga engrossando pouco a pouco, e reprezenta a forma de huma massa (silene).
Troncado (truncatum), se ne sua parte superior parece como decotado: obtuso (obtusum), se os seus foliosos ou segmentos saõ obtusos; agudo (acutum), se elles saõ agudos; as vezes diz-se taõbem agudo ou obtuso na base.
Espinhoso (spinosum), se tem espinhos (a calcitrapa, e cardo sancto); aculeado (aculeatum), se tem aculeos (a bringela).
Imbricado (imbricatum), se consta de foliolos ou escamas imbricadas (o gyrasol, milfolha, e alface).
Esquarroso (sguarrosum), se tem foliolos ou escamas imbricadas, desviadas, e abertas entre si principalmente nas pontas (conyza squarrosa)
Escarioso (scariosum), se tem foliolos ou escamas membranosas na margem, aridas, e sonoras quando às tocamos com a unha (a perpetua, e jacéa).
Turbinado (turbinatum), se he verticalmente conico tendo a forma de hum piaõ bailando (moluccella)
Involucro (involucrum), he huma especie de calyz remoto da flor , como se ve na cenoira, bisnaga, e pulsatilla.
Diz-se ser; universal (universale), se esta situado na, base dos rayos de huma umbrella univeroal (a cenoira, bisnaga, e cardo, corredor): parcial (partiale), [p. 126] quando acompanha a base dos rayos de huma umbrella parcial (salsa, coentro, cerofolho); chamaõ-lhe: involucello (involucellum), ou pequeno involucro parcial, se tem poucos foliolos curtos, como nas euphorbias e buplevrum; proprio (proprium), se acompanha o pedunculo da flor de huma umbrella parcial, ou ainda o de huma so flor, como na pulsatilla.
Semicircular (dimidiatum), se acompanha somente metade do topo do pedunculo que sostem a umbrella, faltando na outra metade (o coentro, e aethusa).
Polyphyllo (polyphyllum), se consta de muitos foliolos, como na canafrecha, e peucedarium; momophyllo (monophyllum), se consta de hum so foliolo, he inteiriço na base, e acompanha o pedunculo circularmente (a pulsatilla); de dois, tres, quatro, cinco, seis foliolos, &c. (di-tri-tetra-penta-hexaphyllum, etc.) como se ve nas euphorbias e umbrelladas.
Casulo (gluma), he huma especie de calyz
As escamas ou folhiços paleaceos, de que consta o casûlo, saõ chamados
valvulas (valvulae, s. valvae); ellas saõ de varia forma e estructura,
planas, concavas, aquilhadas, assoveladas, iguaes, desiguaes, &c. O
casûlo, em razaõ do numero das valvulas de que he composto, diz-se ser:
univalve (alvis), se [p. 127] consta de huma so (o joyo); bivalve,(bivalvis), se consta de duas (o
trigo e milho): trivalve (trivalvis), se consta de tres (o escalracho,
milhaan, e milho painço); multivalve (multivalvis), se consta, de muitas
valvulas ou mais de trez (a uniola, as maçarocas de milho
Unifloro (uniflora), se inclue somente hum flosculo como o milho painço, a alpista, e milho ordinario: biflora (biflora), se contem duas flores (a avea, e aira) trifloro (triflora), se contem tres flores (algumas especies de trago) multifloro (multiflora), se contem muitos flosculos, ou mais de tres (o joyo, e bolebole).
Corado (colorata), se a sua cor he differente da verde das folhas (melica papilionacea, briza eragrostis).
Glabro (glabra), se naõ tem pelos, nem celhas, nem sedas algumas: peludo, lanudo, felpudo, celheado e hispido, se as suas valvulas constaõ de producçoẽs proprias a merecer estas denominaçoẽs (vej. o § Do trichismo e hispidez).
Aristado (aristata), se as suas valvulas tem praganas (o trigo tremez): desaristado (mutica), se ellas saõ destituidas, de praganas (o escalracho, e milho).
A pragana (arista), he hum fio mais ou menos comprido, hum tanto rijo, e apegado a alguma das valvulas do casulo calycino ou corollino das gramas. Diz-se ser: terminal (terminalis), quando tem o seu ponto de apego na ponta das valvulas: dorsal [p. 128] (dorsalis), se he apegada ao dorso da valvula, isto he, à sua parte externa e convexa: direita (recta), se naõ tem tortuosidade, nem curvatura alguma: recurvada (recurvata), se acaso se dobra em arco para fora retorcida: (tortilis) quando na sua base he torcida como huma corda, de que temos exemplo na avea, balanco, &c: articulada ou geniculada (articulata, s. geniculata), se tem alguma articulaçaõ ou nó (stipa).
Amentilho (amentum), segundo Linneo he hum calyz
formado do receptaculo commum ou carolim filiforme, guarnecido de escamas
paleaceas, e originario de hum gomo. Eu ja fallei do amentilho como huma
especie de espiga
Espatha (spatha), he huma especie de calyz que se rasga ao alto indeterminadamente; de ordinario he membranosa, rugoza, arida, e contem flores pedunculadas, ou flores espadiceas, ou ainda mesmo huma so corolla de tubo longo, (a cebola, alho narcizo, pè de bezerro, açafraõ, e palmeiras).
He univalve ou monophylla (univalvis, s. monophylla), quando consta de huma so peça que se raaga de ilharga (o narcizo, e pe de bezerro): bivalve ou diphylla (bivalvis, s. diphylla), quando he rasgada em duas partes ou em dois foliolos (as palmeiras): Mediada (dimidiata), se he monophylla, aberta e concava, como a metade de hum ovo cortado ao [p. 129] alto, e guarnece a fructificaçaõ somente com a parte inferior: imbricada (imbricata), como nas bananeiras.
Trunfa (calyptra), he huma especie de calyz
membranoso, acapellado, posto immediatamente sobre a
fructificaçaõ dos musgos chamada anthera, urna, ou capsula (o
polytrichum, e bryum)
Volva (volva), he huma membrana que cobre os cogumelos e algumas outras plantas da familia dos fungos, susceptivel de ser lacerada. Pode ser considerada, ou como completa, ou como incompleta; a completa he a que cobre, e envolve como huma bolsa todo o corpo tenro dos fungos; ella se rompe em pedaços pela parte de cima, quando o individuo se acha assaz vigoroso para sahir á luz e entrar no seu forte crescimento, ficando quasi toda apegada a sua raiz ou à base do espique, e alguns restos ao umbraculo. A volva incompleta he a que somente cobre parte do individuo; daõ-lhe taõbem o nome de veo (velum); observa-se na face superior e inferior do umbraculo dos cogumelos, e continua athe ao espique, ao qual humas vezes se afferra, outras vezes somente se encosta sem contudo se apegar a elle. Quando depois de rota fica rodeando o espique em forma de calça, daõ-lhe o nome [p. 130] de annel (annulus), como se ve no agaricus campestris). A volva incompleta e o annel parecem merecer mais propriamente o nome de casyz do que a completa, que tem ordinariamente huma grande analogia com as cascas das sementes.
A volva em geral diz-se: grossa (crassa), se he hum pouco polposa; delgada (tenuis), se acazo se assemelha a hum papel fino; tearanhea (araneosa), se he fina e se assemelha no seu tecido a huma tea de aranha; radical (radicalis), quando esta situada junto da raiz, ou parece ser huma continuaçaõ da cute da raiz; multipartida (multipartita), se acazo se rasga em muitos segmentos, ordinariamente he radical; patente (patens), se he multipartida e os seus segmentos saõ muito abertos; nulla (nulla) se naõ existe. O annel diz-se; remoto (remotus se fica distante do umbraculo no tempo que este abrio; approximado (approximatus), se no dicto tempo jaz conchegado ao umbrgeulo; caduco (caducas) se cahe logo que a volva incompleta se rompe; persistente (persistens), quando rota a volva persiste aferrado ao espique. Elle se diz ainda; amarello, alvadio, &c. segundo as suas differentes cores.
A corolla (corolla), he hum tegumento dos organos sexuaes da flor immediatamente contiguo a elles, e de ordinario mais corado e mais delicado [p. 131] do que o calyz; tal he por ex. a do jasmim, açucena, rosa, cravo, &c.
Quando a flor naõ tem corolla diz,se despetaleada ou descorollada, como já expuz, e nesta circumstancia a corolla he denominada nulla (nulla); como v. g. nas flores femininas dos carvalhos e aveleiras.
1º Quanto à divisaõ:
A corolla ou he de huma so pera e inteiriça na base, ou consta de duas ou mais peças assaz destinctas na base; no primeiro cazo dizse: monopétala (monopetala), e no pegundo petaleada ou polypétala (polypetala)
Na corolla monopetala em geral podem se considerar duas partes, a superior chamada orla (limbus) e a inferior, pela qual ella se apega, denominada base (basis); esta parte inferior muitas vezes he cylindrica, e nesta circumstancia daõ-lhe o nome de tubo (tubus), como se vè no alecrim, jasmineiro e colchico. A orla humas vezes he inteira, outras vezes he fendida ou partida, e neste segundo cazo os segmentos saõ chamados lacinias (laciniae), como no jasmim, congossa, borragem, &c.
As peças ou foliolos còrados de que consta a corolla petaleada saõ chamados petalas (petala); em cada huma destas pode se em geral suppor duas partes, a superior larga, aberta e dilatada tem o nome de lamina (lamina), e a inferior estreita, e aguda [p. 132] na extremidade he chamada unha da petala (unguis) como saõ as que se vem nas petalas do cravo, goivo, &c.; as vezes a unha da petala he curtissima como nas rozas e rainunculos; outras vezes observa-selhes huma base larga, que mal merece o nome de unha, e porisso alguns lhes chamaõ petalas rentes (sessilia).
A corolla petaleada, segundo o numero das suas petalas, diz-se ser: de duas, trez, quatro, cinco, seis, sette, oito, nove, dez, ou muitas petalas (di- tri- tetra- penta- hexa- hepta- octo- ennea- deca- polypetala.)
Na familia das gramineas a corolla, ou casulo corollino em lugar de petalas diz se ter valvulas (valvulae), que saõ certas escamas paleaceas, concavas, approximadas immediatamente ao germe, como se ve no trigo, e centeyo. Ordinariamente saõ duas, e as vezes persistem e ficaõ servindo de casca à semente, como se vè na cevada.
Fendida (fissa), quando he rasgada em lacinias athe ao meyo ou menos (o quejadilho)
Partida (partita), quando he rasgada em lacinias athe abaxo do meyo ou quasi athe à base (a semprenoiva, e borragem); diz-se partida em muitas lacinias (multipartita), bipartida, tripartida, quadripartida, &c. (bi-tri-quadripartita, &c.).
[p. 133]2º. Quanto à direcaõ diz-se ser:
Levantada (erecta), quando tem as suas petalas, valvulas, ou lacinias levantadas, isto he, formando hum angulo agudissimo com o estylete supposto prosongado rectamente (o colchico, e cevada.)
Patente (patens), se as suas petalas, valvulas, ou lacinias formaõ hum angulo quasi recto com o estylete supposto prolongado no centro rectamente (a papoila); patentissima (patentissima), se ellas formaõ hum angulo recto com o estylete.
Plana (plana), quando as suas petalas ou lacinìas saõ planas, e nella naõ
ha tubo
Concava (concava), quando tem a sua orla concava.
Recurvada (reflexa, recurva), as suas petalas ou lacinias tem a ponta curvada para traz ou para fora (o espargo); revolutosa (revoluta), he hum grao de mais, tem as petalas ou lacinias recurvadas, e quasi enroladas (algumas especies de lilium).
Incurvada (incurva, s. inflexa), as suas petalas ou lacinias tem as pontas curvadas para dentro, isto he, para a banda do centro da flor (o funcho).
Resupinada ou revirada (resupinata), he labiada ou quasi labiada, e os seus labios estaõ postos às vessas, de modo que o inferior se acha no lugar onde devera estar o superior, e vice versâ, (o manjericaõ, alfazema, e rosmaninho.)
[p. 134]3º Quanto ao ponto de apego.
A corolla ou he apegada ao calyz (calyci inserta), como na roseira e romeira, ou ao receptaculo (recentaculo inserta), como na papoila, cravo e rainunculo.
Sottoposta ou inferior (infera), quando se acha posta debaxo do germe, como na açucena, e cebola: sobreposta ou superior (supera), se esta apegada á parte superior do germe, como no narcizo.
Innata ao calyz (calyci adnata), se està pela sua face inferior intimamente adunada ao calyz (a abobara, pepino, e outras cucurbitaceas.)
4º. Quanto à superficie, e margem diz-se ser:
Lanuda (lanata), se tem lanugem (hyacinthus lanatus).
Felpuda (villosa), se tem felpa (menyanthes).
Barbuda ou hirsurta (barbata, s. hirsurta), como no, hypericum bacciferum.
Celheada (ciliata), na arruda, e chagueira.
Glabra (glabra), se naõ tem pelos alguns (narcizo).
Denticulada de dois, tres, quatro, cinco dentes, (bi-tri-quadri-quinquedentata), como saõ as corollulas das flores compostas, v. g. as da alface, bonina, macella, gyrasol, &c.
Crenada ou crenulada (crenata, s crenulata), se tem na margem crenas ou crenulas
4º Quanto à proporçaõ entre as suas partes, diz-se ser:
Igual (aequalis), quando as petalas, ou lacinias (se he monopetala), saõ todas de igual grandeza e tem todas a mesma figura, como saõ as cruciformes, roseira, pereira, jasmineiro, borragem, quepadilho, consolda maior, &c.
Desigual (inaequalis), quando as suas petalas ou lacinias (se he monopetala) tem todas a mesma figura, mas differem na grandeza, ou comprimento (o butomus, o epilobium angustifolium, e latifolium, e as corollas que se achaõ no rayo da umbrella do coentro.)
Regular (regularis), no sentido em que este termo se toma ordinariamente,
huma corolla regular he a mesma coiza que huma corolla igual
Irregular (irregularis), se as suas petalas, labios, ou lacinias saõ de differente forma e juntamente de diversa grandeza (o geranium papilionaceum, o amor perfeito, aconito, salva, orchideas, labiadas, e leguminosas.
A corolla he taõbem comparada com o calyz, e na falta deste com o pistillo ou estames, e se diz ser: curta, mediocre, comprida, pequena, grande, &c; mas por evitar equivocaçoẽs, o melhor será declarar sempre as partes comparadas, e dizer v. g.: corolla mais comprida do que o calyz, igual ao calyz, mais curta do que o calyz, mais comprida do que os estames, &c.
5º. Quanto à forma a corolla diz-se ser:
Rodada ou arosettada (rotata), figura quasi huma roda ou rosetta de espora; he monopetala, sem tubo notavel, partida em lacinias planas, e muito abertas (a borragem, morriaõ, e verbasco).
Campanulada ou acampainhada (campanulata, seu campaniformis) he petaleada ou monopetala, bojuda, sem tubo, e assemelhada a huma campainha [p. 137] ou choca (a tulipa, verdeselha, campanula, e abobara.)
Afunilada (infundibuliformis), assemelha-se a hum funil; a sua orla tem huma forma turbinada, e termina em hum tubo (a ipomaea, a mirabilis, e herva sancta.)
Cyathiforme (cyathiformis), parece assemelharse a hum copo de calyz; tem hum tubo cylindrico, a orla concava e hum tanto dilatada; taes saõ segundo alguns Botanicos as corollas da buglossa, cerinthe consolda maior, cynoglossa, quejadilho, pulmonaria, &c; mas Linneo reduz estas sortes de corollas ào afuniladas, e às vezes às campanuladas.
Asalveada (hypocrateriformis), assemelha-se de algum modo às nossas antigas salvas de prata; he monopetala, tem hum tubo cylindrico, e a orla plana e muito aberta (o jasmim, e congossa).
Labiada (ringens,
rictiformis, labiata), he monopetala tubulosa, e tem a orla dividida em
dois labios
Rosacea (rosacea), tem cinco petalas regulares concavas, com unhas curtissimas apegadas ao calyz (as roseiras bravas, pereira, e sylva).
Malvacea (malvacea), tem cinco petalas cordiformes com as unhas adunadas (a malva, althea, & outras malvaceas.)
Liliacea (liliacea), tem seis petalas regulares, como a tulipa, açucena, coroa imperial, e outras plantas liliaceas.
Cravinosa (carvophillata), tem cinco petalas regulares, unguiculadas, e as vezes apegadas junto da base (as cravinas, murujem, herva traqueira, &c.) O germe nas flores que tem esta corolla vem a ser huma capsula.
Cruciforme (cruciata, s. cruciformis), tem quatro petalas regulares, unguiculadas, com as laminas patentes, e dispostas em cruz (a couve, goiveiro, e nabo).
Papilionacea ou borboleta (papilionacea), foy assim chamada pela compararem a huma borboleta voando, he irregular, e consta de quatro petalas unguiculadas, a superior he chamada estendarte (vexillum e està mais ou menos levantada, estendida, e encostada anteriormente às outras tres
Gomilosa (urceolata), tem a forma oval ou quasi oval, de modo que se assemelha quasi a huma jarra ou gomil; he bojuda no meyo, e se estreita depois na parte superior e inferior (a basella, e hyacinthus muscari).
Globosa (globosa), tem huma forma quasi espherica (o lirio dos valles, e a escrophularia).
6º. Quanto à composiçaõ diz-se ser:
Simplez (simplex), se pertence a huma flor simplez. A flor simplez (flos simplex), he rigorosamente a que dentro de hum calyz naõ contem muitos flosculos (o meimendro, a salva, e o jasmim). Os floristas chamaõ flor simplez ou singella à que tem sò huma ordem de petalas, e a oppoem à dobrada e polypetala, mas os Botanicos so chamaõ flor simplez aquella, cujo calyz, corolla ou receptaculo naõ saõ communs a muitos flosculos, e Linneo a oppoem à flor composta, aggregada, umbrellada, cymosa, amentilhosa, casulosa, e espadicea.
Corolla composta (composita), he a totalidade das corolullas de muitos
flosculos contidos dentro, de hum perianthio commum, rentes, e com antheras adunadas
Corolla universal (universalis), he a totalidade das corollulas de
muitos flosculos relativos a huma umbrella universal (o coentro, salsa,
canabraz, e canafrecha
Corolla propria ou parcial (propria, s. partialis), he a que merece propriamente o nome de corolla, e pertence a cada hum dos flosculos da corolla composta ou da universal: daõ-lhe taõbem o nome de corollula ou de pequena corolla (corollula), principalmente quando he relativa a huma corolla composta.
A corolla composta e a universal constaõ de disco e de rayo; o disco (discus), he todo o espaço que vay desde o rayo exclusivamente athe ao centro; o rayo (radius), na corolla composta, he a sua parte mais externa immediata aos foliolos, escamas, ou lacinias do perianthio commum; na corolla universal das umbrelladas o rayo he a ultima ordem dos flosculos, que se achaõ na circumferencia da umbrella universal (o gyrasol, bonina, perpetua, salsa, e coentro).
Corollula ligulosa, ou corolla propria aligulada (p. ligulata), he a que
pertence a hum flosculo da flor composta
Corollula tubulosa, ou corolla propria tubulosa (p. tubulata, s. tubulosa), tem na parte inferior hum tubo, e a sua orla he campanulada, e terminada em cinco denticulos ou cinco lacinulas; estas corollulas algumas vezes saõ afuniladas, e outras vezes as suas lacinulas saõ desiguaes. As corollulas tubulosas achaõ-se na maior parte das flores da classe Syngenesia, e se podem observar nas da macella gallega, losna, gyrasol e perpetua.
Corolla composta ligulosa (c. ligulata)
Corolla composta tubulosa (c. tubulosa, s. discoidea)
Corolla composta radiada (c. radiata), quando as corollulas do rayo saõ ligulosas, e as do disco tubulosas (o gyrasol e bonina). Esta sorte de corolla he irregular, ou difforme; o termo de difforme [p. 143] contudo da-se taõbem ás corollas compostas tubulosas da centaurea, por terem no rayo flosculos com corollulas de forma differente.
Corolla universal radiada (un. radiata), quando as petalas externas dos floculos do rayo da umbrella universal differem das internas, e das mais dos flosculos do disco, sendo mais alongadas (o coentro, e canabraz). Estas corollas saõ taõbem chamadas difformes (difformes).
Corolla composta uniforme (c. uniformis), os seus flosculos tem todos corollulas da mesma forma, e proporçaõ, sendo ou todas tubulosas, ou todas ligulosas (a macella gallega, e a alface).
Corolla universal uniforme (un. uniformis), todos os seus flosculos tanto do disco como do rayo tem petalas da mesma forma e proporçaõ (a salsa, e funcho).
7º Quanto à duraçaõ a corolla diz-se ser:
Murchosa (marcescens), quando se murcha, engilha, e fica depois da florecencia, durante algum tempo, apegada ao fructo (as campanulas, orchideas, e algumas cucurbitaceas.)
Caduca (cuduca), se cahe pouco tempo depois da flor ter desabotoado, ou antes dos estames cahirem e da fecundaçaõ estar completa (videira, actaea, thalictrum).
Decadente (decidua), se cahe juntamente com os organos sexuaes, ou logo depois da fecundaçaõ (a papoila, tulipa, e a maior parte das flores).
Persistente (persistens), se dura e acompanha o fructo athe à sua madureza (o golfam, e helleborus).
[p. 144]8º. Quanto à cor.
A cor das corollas he ordinariamente desprezada pelos Botanicos modernos
N. B. As flores participaõ de hum grande numero de denominaçoẽs proprias
das corollas, sendo, ordinario achalas decriptas nos autores com os
nomes de flores
O nectario (nectarium) segundo Linneo, que introduzio este termo em Botanica, he hum [p. 145] appendice da corolla ou hum orgaõ accessivo à flor, destinado à secreçaõ do mel, ou a contêlo; mas este termo nem sempre he usado no rigor da sua definiçaõ, antes tem sido applicado a alguns appendiculos das flores, os quaes naõ servem nem à secreçaõ de succo algum nem a contelo, e parece ter huma accepçaõ assaz vaga e illimitada: porquanto vem-se muitas vezes nas flores varias singularidades accessivas, glandulas, poros, globulos, tuberculos, denticulos, rayos, pilares, escamas, ou pequenas valvulas, fossulas, producçoẽs em forma de esporaõ, de grinaldas, de capello, de coroa, de copo, funil, campainha, de estrellas, de labios, cruzes, &c. que tem recebido o nome de nectarios, por se querer cortar de hum golpe todas as difficuldades, que podiaõ haver na definiçaõ de todas estas partes assaz dessemelhantes entre si naõ sò quanto à sua forma, mas ainda quanto ao seu numero, posiçaõ, e ponto de apego.
O nectario diz-se ser: calycino (calycinum), quando he relativo ou appenso ao calyz, como na chagueira.
Corollino ou petalino (corollinum, s. petalinum), se he adunado ou relativo à corolla ou suas petalas, como na linaria, violetta, rainunculo, narcizo, coroa imperial, açucena, orchideas, &c.
Estaminaceo ou dos estames (staminaceum), se he relativo aos filetes ou antheras dos estames, como na fraxinella, e adenanthera.
Pistillaceo ou do pistillo (pistillaceum), se he relativo ao pistillo, principalmente ao germe, como no goiveiro, jacintho, &c.
Receptaculaceo ou do receptaculo (receptaculaceum), [p. 146] se he relativo ao receptaculo ou apegado a, elle, como no conchello.
Esporaûdo ou rostrado (calcaratum, s. rostratum), quando tem a forma do esporaõ das aves ou do seu bico, e he occo (como o das chagas, esporas, aquilegia, violetta, &c.); humas vezes he agudo outras obtuso.
Acapellado (cucullatum), se he concavo e se assemelha a hum capuz (o melindre).
Tortigòrne (cornutum), se he concavo e tem huma cauda aguda recurvada (o acònito).
Coroniforme (coroniforme), se tem a forma de huma grinalda, ou coroa, como no martyrio.
O calyz e corolla de que tractei nos dois capitulos precedentes saõ meramente tegumentos, e ornato dosorganos essensiaes às flores, isto he, dos estames e pistillo. Os modernos persuadidos por experiencias repetidas de que estes delicados organos eraõ destinados aos amores das plantas consideraraõ huns como genitaes masculinos, e outros como femininos. Os estames (stamina) a que elles chamaõ genitaes masculinos saõ verdadeiramente huma viscera destinada à preparaçaõ do pó fecundante, e da aura seminal nelle contido. Na situaçaõ mais natural os estames estaõ postos entre a corolla e o pistillo, como se observa bem claramente numa açucena. A sua origem he supposta em geral ser a mesma que a [p. 147] da corolla. Podem ser considerados ou como completos ou como incompletos; no maior numero de flores saõ completos, isto he, constaõ de duas partes differentes huma superior e outra inferior, a superior he chamada anthera e a inferior filête. O filete he ordinariamente semelhante a hum delgado fio, e serve de esteio à anthera, que he quasi sempre mais grossa do que elle. A anthera acha-se de ordinario na ponta do filete, às vezes contudo succede ser rente, (sessilis), e o filete nullo; nesta circumstancia o estame he incompleto, como se vè na aristolochia. Commumente os estames saõ ferteis (fertilia); mas nalgumas flores, os filetes naõ sostem anthera alguma, ou somente tem huma anthera enfezada, mal apparente, e que naõ medra; nesta circumstancia os estamẽs saõ denominados estereis ou castrados (sterilia, s. castrata), e saõ taõbem incompletos: semelhantes estames rarissimamente saõ contados pesos systematicos sexualistas na classificaçaõ das plantas, em que se observaõ.
Os filetes (filamenta), podem ser considerados.
1º Quanto ao seu número.
Porem antes de fallar do numero dos filetes devo advertir, que os
systematicos sexualistas contaõ o numero dos estames pelo das antheras, quer
estas sejaõ fileteadas quer rentes
O numero dos filetes e estames differe segundo as diversas classes, e às vezes nos mesmos generos de plantas. Na valeriana rubra ha hum so; dois no jasmim; tres no trigo e lirios; quatro iguaes na saudade, e tanchagem; quatro com dois mais curtos no marroyo e digital; cinco soltos com cinco antheras adunadas no gyrasol; cinco soltos inteiramente na madresylva e coentro; seis de igual altura ou de altura indeterminada no alho e açucena; seis com dois mais curtos na couve e goiveiro; sette no aesculus hippocastanum e alguns geranios de Africa; oito nas chagas e semprenoiva; nove no loireiro; dez na olaya, arruda e cravos; doze ou mais no sayaõ, euphorbia e beldroega; dezaseis na tormentilla; vinte emco ou mais na amexieira; trinta ou mais na gingeira; numerosos apegados ao calyz na romeira e sylva; numerosos apegados ao receptaculo nos rainunculos, e peonia, na qual se tem contado athe trezentos.
2º. Quanto a superficie, forma, e direcçaõ, dizem-se ser:
Capillares (capillaria), se saõ delgados como hum cabello em todo seu comprimento (como no trigo).
Filiformes ou cetaceos (filiformia), se acazo se assemelhaõ a hum fio de linhas delgado (a verbena, e espargo).
[p. 150]Planos (plana) se saõ delgados, largos, e chatos (o golfam.)
Cunhiformes (cuneiformia), se tem a forma de huma cunha, como no thalictrum.
Assovelados (subulata), se saõ lineares e aguçados na ponita como o ferro de huma sovela (a abrotea, couve, e tulipa).
Espiraes (spiralia), saõ enroscados espiralmente (o feijaõ, e hirtella).
Chanfrados (emarginata), saõ tricuspides ou terminados em tres denticulos e duas chanfraduras, como saõ os do alho.
Recurvados (recurva, reflexa), se saõ inclinados com a ponta para fora, como na gloriosa.
Parallelos (parallela), quando se elevaõ de modo que medea igual distancia entre elles desde a base athe ao topo (o goiveiro, a digital, e muitas outras labiadas e cruciferas).
Felpudos (villosa), se saõ cobertos de felpa, como algumas especies de verbasco.
3º Quanto ao ponto de apego ou situaçaõ, os estames tem merecido grande attençaõ de alguns systematicos modernos, e com effeito a sua insersaõ subministra os mais invariaveis caractéres geraes, que se conhecem em Botanica.
Os filetes ou estames dizem-se ser: apegados à corolla (corollae
inserta), se a sua base jaz apegada ao tubo, fauce, orla ou qualquer
outra parte da [p. 151] corolla (o jasmim, salva, alecrim e ordinariamente as flores
monopetalas)
Apegados ao calyz (calyci inserta), como na pereira, gingeira, sylva, salicaria, e muitas outras da classe Icosandria, e da ordem natural, a que Linneo chama Calycanthemas.
Apegados ao receptaculo (receptaculo inserta), he o mais ordinario
nas flores
Apegados ao pistillo (pistillo inserta), como nas orchideas e algumas da
classe monandria. Na aristolochia os estames, que consistem nas antheras
rentes, saõ taõbem apegados ao pistillo
Dizem-se: fronteiros ou oppostos ao calyz (calyci opposita), quando se achaõ postos defronte das lacinias ou foliolos do calyz, como na ortiga.
4º. Quanto à proporçaõ dizem se ser:
Iguaes (aequalia), se todos tem o mesmo [p. 152] comprimento; desiguaes (inaequalia), se huns saõ mais compridos do que outros.
Compridissimos (longissima), se excedem bastantemente no comprimento a corolla (ou o calyz, se ella falta); curtissimos (brevissima), se sãõ bastantemente mais curtos do que a corolla (ou do que o calyz nas despetaleadas).
Reclusos (inclusa), quando naõ sahem fora da fauce do tubo da
corolla, como no jasmim, rosmaninho, e sideritis: exclusos (exerta),
quando sahem fora da fauce da corolla, como na carvalhinha
A antheras (anthera), he a parte essensial de qualquer estame, e huma capsula que encerra em si o pó fecundante.
O pò fecundante (pollen, s. genitura), que se julga ser a substancia espermatica dos vegetaes, he huma materia farinhosa, cujos graõs miudissimos saõ cobertos de huma membrana finissima vesicular na qual he contida a aura seminal ou halito elastico (aura seminalis, fovilla, s. halitus elasticus), que no momento da rotura da dicta membrana se diz entrar pelo estigma, e fecundar os ovos vegetaes ou tenrinhas sementes. As observaçoẽs microscopicas asseguraõ que estes graõs saõ mais ou menos globulosos, que elles saõ reniformes nas antheras do [p. 153] narcizo, echinosos nas do gyrasol, arrodelados e denteados na malva, e que a sua membrana he enrolada nas da borragem; elles saõ bem destinctamente visiveis nas antheras da mirabilis. A castraçaõ das antheras, feita de proposito, a florecencia do golfam e d'outras plantas aquaticas acima do lume d'agoa, a esterilidade que resulta em razaõ das chuvas ensoparem o po das antheras, a inclinaçaõ do estigma para às anteras e destas para o pistillo se elle he curto, e muitas outras experiencias e, observaçoẽs provaõ sufficientemente que o po, que as antheras contem em si, merece com bastante propriedade o nome de substancia fecundante, que lhe deraõ os sexualistas.
A capsula da anthera he simplez e univalve em hum grande numero de flores por conter huma so cellula (loculas); isto naõ obstante ha muitas que saõ compostas de duas, tres, quatro e muitas cellulas separadas por hum partimento assaz vizivel (bi-tri-quadri-multiloculares); na ortiga, na leontice e epimedium saõ bivalves e de duas cellulas; no colchico quadrivalves; e no milho, chagas, e tulipa tem quatro cellulas. Estas capsulas differem no modo de abertura (apertura, s. dehiscencia); ordinariamente rasgaõ-se por huma ilharga, as vezes debaxo para cima, como no epimedium e leontice, outras vezes pela ponta, como no milho, tomateiro, e galanthus, e emfim ha outras que so se abrem pela base, como as do teixo.
As antheras saõ soltas ou desadunadas (distinctae) na tulipa, açucena e maior parte das flores; adunadas, (connatae, s. coalitae), no gyrasol e flores syngenesias.
[p. 154]Innatas (adnatae), quando se achaõ apegadas ao sado do filete como no asarum, costus e paris.
Lateraes (laterales), se estaõ encostadas ao filete pelo lado interno (acanthus, e ballota).
Levantadas (erectæ), quando tem a sua base apegada à ponta do filete (o tomateiro e oliveira); ellas conservaõ esta denommaçaõ ainda quando saõ convergentes (conniventes), como na pulmonaria, ou quando saõ recurvadas (reflexae), como no goiveiro.
Versateis ou vacillantes (incumbentes, S. versatiles), quando estaõ apegadas pelo meyo do seu comprimento à ponta do filete de modo que bomboleaõ com o mais leve zephyro (a açucena, trigo, joyo e outras gramas.).
Didymas ou bilobadas (didymo), se tem duas protuberancias que reprezentaõ dois nos encostados ou duas ginjas apegadas (como saõ as da amexieira, gingeira, rainunculo, scrophularia, mirabilis, &c.)
Globosas (globosae), se tem a forma hum tanto espherica, como no coentro, acelga e sabugueiro.
Oblongas (oblongae), saõ muito mais compridas do que largas (a açucena, e trigo).
Bifurcadas (bifurcae, s. utrinque bifarcae), se tem duas pontas em cada extremidade (o trigo, e centeio).
Afréchadas (sagittatae), no açafraõ e loendro; angulosas (angulato), na tulipa tetragonas ou de quatro cantos embotados (tetragonae) no milho, choupo, e coroa imperial.
Bigornes (bicornes), saõ bifendidas superiormente terminando em duas pontas levantadas (a urze.)
Assoveladas (subulatae), saõ lineares e aguçadas (como no goiveiro, e açucena.)
[p. 155]N. B. Linneo dà taõbem o nome de antheras à fructificaçaõ capsulosa dos musgos, e as denomina operculadas (operculatae), ou tapadas com hum operculo, &c; eu fallarei mais extensamente destas producçoẽs no artigo da classe cryptogamia.
O pistillo (pistillum), he huma viscera na qual se acha o principio do novo fructo, e os organos destinados a receber a substancia que o deve fecundar. Os sexualistas suppoem nesta viscera os organos genitaes femininos, e a consideraõ composta de tres partes, a saber, de germe, estylete, e estigma, os quaes se podem ver bem claramente numa açucena. O germe (germen), he a parte inferior do pistillo ou o fructo recêm nascido antes de ser fecundado; contem o principio das sementes e os organos proprios para receber a sua fecundaçaõ e nutriçaõ; e na sua posiçaõ mais natural està situado no centro da flor, com à base apegada ao receptaculo da fructificaçaõ. O estylete (stylus), he a parte do pistillo que medea entre o estigma e o germe. O estigma (stigma), he a parte superior e extrema do pistillo. Os sexualistas reconhecendo huma grande analogia entre estas partes, e às dos animaes, compararaõ o estigma à tuba de Fallopio e vulva, o estylete a vagina, e o germe ao ovario; assegurando segundo as suas observaçoẽs que o estigma se acha sempre [p. 156] humido ou rociado em razaõ de huma lympha genital que nelle se separa.
O germe tem recebido hum grande numero de denominaçoẽs que saõ, quasi as mesmas que as do pericarpo ou fructo, e porisso as omittirei aqui. Dizse ser: sobreposto (superum), quando se acha situado sobre o receptaculo da fructificaçaõ e incluido na corolla, ou calyz (a açucena, e carvalho); sottoposto (inferum), se esta situado debaxo do receptaculo da flor ou posto debaxo da corolla, como no narcizo, asarabacca, e melaõ; pediculado (stipitatum, s. pedicellatum), se està posto sobre hum pequeno esteio ou receptaculo continuado no centro da flor, como na alcaparra, e martyrio.
1º Quanto à situaçaõ ou ponto de apego.
O estylete esta sempre apegado à superficie do germe; ordinariamente acha-se situado no seu topo, como na açucena e quasi em todas as flores, e por esta razaõ senaõ faz mençaõ desta circumstancia nas suas descripçoẽs: na alchimilla està apegado junto da base do germe, e ao lado delle na lachnaea, como taõbem na roseira, sylva e outras plantas da Icosandria polygynia.
[p. 157]2º Quanto ao numero.
O numero dos estyletes depende da divisibilidade ou indivisibilidade da sua base, no que deve haver grande attençaõ, visto que o numero dos pistillos de huma flor ou flosculo he contado pelo dos estyletes, em que saõ fundadas muitas ordens do systema de Linneo. Diz-se que ha hum estylete na flor todas às vezes que nella existe desacompanhado de outro algum, e he indiviso ao menos junto da sua base. Na açucena temos exemplo de hum sò simplez, e nos lirios de hum so curtissimo e tripartido, o cravo e coentro subministraõ exemplos de dois; vemos tres nas azedas e matyrio, quatro no espinafre, cmco na pereira, conchelo e linho, seis no butomus, damasonium e stratiotes, sette no septas, oito na phytolacca octandra, nove no empetrum, dez na nevrada e phytolacca decandra, doze no alisma cordifolium e sayaõ, muitos ou mais de doze na sylva, morangueiro, &c.: as vezes montaõ a mais de cem nos rainunculos e sagittaria.
3º. Quanto a forma diz-se ser:
Mais grosso na parte superior (superne crassior). no martyrio, e açucena.
Aclavado (clavatus) no leucoium vernum.
Colunar ou cylindrico (cylindricus) na malva.
Setaceo (setaceus) no carvalho.
Filiforme (filiformis) no milho.
Capillar (capillaris) no poterium, e azedas. Elle se diz ainda ser assovelado, anguloso, &c. (subulatus, angulosus, etc.)
[p. 158]4º Quanto à duraçaõ.
Os estyletes saõ ordinariamente decadentes, isto he, cahem logo depois da florecencia com as mais partes da flor; algumas vezes contudo saõ murchosos (marcescentes), por se engilharem e durarem apegados algum tempo ao novo fructo fecundado; e naõ he raro de os ver persistentes (persistentes), principalmente nas cruciferas ou plantas da Tetradynamia.
5º Quanto à proporçaõ, o estylete he comparado com os estames, e as vezes com os tegumentos da flor.
Diz-se ser: compridissimo (longissimus) no milho, escorcioneira, e campanula.
Curtissimo (brevissimus) nos lirios e alfeneiro.
Mais grosso do que os estames (staminibus crassior), na açucena; mais delgado do que os estames (staminìbus tenuior), na cebola.
Do comprimento dos estames (longitudine staminum, s. staminìbus aequalis) na pereira, e alface.
6º. Quanto à direcçaõ diz-se ser:
Levantado (erectus) na açucena.
Remontante (ascendens) no trevo, ervanço e outras leguminosas.
Inclinado para a banda (declinatus) na veronica.
7º. Quanto a divisaõ diz-se ser:
Fendido em duas, tres, quatro, cinco e muitas lacinias (bi - tri - quadri - quinque - multifidus), como no eupatorium, campanula, cleonia, geranìum, e sida.
[p. 159]Forquilhoso (dichotomus), se he dividido em dois ramos, e cada ramo consta de duas lacinias (à patagonula).
Quando o estigma he rente, por naõ estar sostido por estylete algum, neste cazo o estylete he denominado nullo (nullus), como na papoila, e golfam.
O estigma existe na flor ao mesmo tempo que os estames, e o seu estado
de vigor he quando a anthera se rompe, e vibra o po
fecundante.
Nalgumas fores da syngenesia, em que falta o estigma, o germe aborta,
e o mesmo succede se o cortamos de proposito pela operaçaõ, a que os
sexualistas daõ o nome de castraçaõ (castratio)
1º. Considerado quanto ao numero.
Quando os estigmas saõ rentes os sexualistas costumaõ por elles contar o numero dos pistillos. Na aristolochia e tulipa ha hum so rente, dois rentes na peonia e atraphaxis spinosa, tres rentes no sabugueiro, quatro rentes no aquifolio e potamageton cinco rentes ou mais na caltha, muitos rentes nos rainunculos. Quanto ao numero dos que saõ estyleteados, ou sobrepostos a hum estylete, vê-se hum na açucena, dois no jasmim, tres nas campanulas, quatro na cleonia, cinco na pereira, &c. &c.
[p. 160]2º. Quanto a direcçaõ diz-se ser:
Enroscado (convolutum), no açafraõ: recurvado (revolutum, s. recurvum), no cravo e alface.
Virado para a esquerda (sinistrorsum, flexum) na silene; virado para a direita (dextrorsum flexum), como na herva traqueira, mas estas direcçoẽs variaõ muito.
Obliquo (obliquum), na violetta e loireiro: patente (patens), na coroa imperial e muitas malvaceas.
3º Quanto a divisaõ.
Diz-se ser: fendido em duas, tres, quatro, cinco, seis ou muitas lacinias (bi- tri- quadri- quinque- sex- multifidum) segundo o numero dos pequenos
4º Quanto a forma diz-se ser:
Capillar (capillare), na azeda e tabûa: filiforme (filiforme), como os que se vem na ponta dos estyletes taõbem filiformes das maçarocas de milho, e na malva.
Capitoso (capitatum), se he crasso, e tende à forma globosa (o martyrio); globoso (globosum), na videira, larangeira, e quejadilho.
Redondo (orbiculare) na congossa, e uva espim.
Ovado (ovatum) na genciana.
Obtuso (obtusum) no tomateiro, tojo, e murugem. [p. 161] Agudo (acutum) na cebola; troncado (truncatum) na abrotea, e lathræa.
Cordiforme (cordatum), no cumagre.
Deprimido obliquamente (obligue depressum) no trovisco, e actæa.
Chanfrado (emarginatum), na pulmonaria e cynoglossa.
Arrodelado (peltatum, s. clypeacum), se he redondo plano ou hum quasi nada concavo por cima, e hum tanto convexo por baxo, como o da papoila e golfam. Este mesmo estigma diz-se taõbem as vezes ser rayado ou estriado (radiatum, sive striatum), quando tem rayos ou estrias, que partem do centro para a circumferencia, como se vè nas predictas duas plantas.
Apincellado (pinicilliforme), quando se assemelha a hum pincel (poterium).
Coroniforme (coroniforme), nalgumas especies de urze, e de pyrola.
Anguloso (angulatum), se tem tres ou mais angulos: triangular (triangulare) na açucena: trilobado (trilobum) na tulipa.
Cruciforme (cruciforme), se tem quatro lacinias encruzadas (o choupo, e penaea).
Gancheado (uncinatum) na violetta.
Canaliculado (canaliculatum) no colchico, e bulbocodium).
Concavo (concavum) na aristolochia; perforado (perforatum), he huma especie de concavo (o amor perfeito).
Bilaminoso (bilamellatam), se consta de duas laminas longitudinaes (o gergelim).
Plumoso (plumosum) no rhubarbo, trigo, e muitas [p. 162] outras gramas; empubescido (pubescens) no ulmeiro e milho; felpudo (villosum, s. barbatum) nas leguminosas.
Petaliforme (petaliforme, s. foliaceum), nos lirios.
5º Quanto à proporçaõ.
Os estigmas saõ comparados, ou com o estylete quando este existe na flor, ou com o germe quando saõ rentes; assim dizem-se ser: iguaes ao estylete ou do seu comprimento, como na beldroega; mais compridos ou mais curtos do que elle, curtissimos ou summamente pequenos; compridissimos ou summamente grandes; mais largos do que o germe, &c. As vezes saõ taõbem comparados huns com os outros, na mesma flor, como v. g. os dois da ajuga, na qual se diz, que o inferior he mais curto do que o superior.
6º Quanto à duraçaõ.
Os estigmas em hum grande numero de flores, passada a florecencia, cahem ou juntamente com os estyletes ou da superficie do germe; as vezes saõ murchosos (marcescentia), ficando juntamente com os estyletes apegados ao novo fructo fecundado, durante algum tempo; outras vezes saõ persistentes (persistentia), ficando athe à madureza do fructo, como na papoila.
O fructo (fructus), consiste em huma ou mais sementes fecundadas, e nutridas sobre o seu proprio receptaculo athe ao estado de plena madureza, quer sejaõ cobertas quer descobertas. Quando consta de sementes cobertas o fructo, e o vegetal que o dà saõ denominados angiospermos (angiospermi), e gymnospermos (gymnospermi) se as sementes saõ descobertas. No primeiro cazo o fructo tem alem das sementes hum pericarpo, e no segundo as sementes saõ nuas, e o pericarpo he nullo (pericarpium nallum). Mas definir o que he rigorosamente hum pericarpo, assignar regras para o reconhecer, e para o distinguir sempre dos tegumentos proprios das sementes, dizer quando elle he nullo, ou quando as sementes saõ nuas, naõ he taõ facil como ordinariamente o daõ a entender as obras elementares de Botanica. Todas estas circumstancias requerem hum grande numero de novas obserraçoẽs e talvez muitos seculos se passaraõ ainda sem que se conheca huma sabia theoria pela qual se reduzaõ todos os fructos a hum certo numero de classes bem caracterizadas, e com denominaçoẽs adequadas; tanto he difficil de reconhecer as leys da marcha variada, que a natureza segue por entre o immenso labyrintho dos entes!
Os antigos Gregos e Romanos, e depois delles as naçoẽs modernas deraõ ordinariamente aos fructos [p. 164] nomes differentes, ou o nome da planta que os produzia, sem cuidar de os reduzir a limites certos nem a generalidades, taes saõ por ex. os de azeitona, maçaan, pera, ameixa, marmello, pecego, amora, pepino, melaõ, milho, cevada, trigo, &c. &c. Este modo de nomear os fructos naõ podia agradar aos Botanicos pela razaõ de naõ ser definido nem generalizado, o por conseguinte improprio para poderem delle tirar notas fundamentaes de caracteres genericos; elles cuidaraõ pois de os reduzir a hum certo numero de nomes geraes, dividindo os primeiramente do modo que acima disse em fructos gymnospermos, e angiospermos, e subdividindo depois estes ultimos em hum pequeno numero de especies. Estas divisoẽs, e subdivisoẽs estaõ contudo ainda bem longe da perfeiçaõ que exige huma generalidade conforme à natureza dos fructos; ellas foraõ reformadas por Linneo, e na verdade de todas as theorias que temos a respeito dos fructos a deste sabio he a mais adequada às leys systematicas; como he hoje a mais geralmente seguida, cuidarei quanto me for possivel de me conformar com ella, e começarei pelos fructos angiospermos, ou que consistem em sementes cobertas.
O pericarpo (pericarpium), he considerado pelos
Botanicos, como hum tegumento accessivo, em que se achaõ envolvidas
as sementes que delle devem sahir depois do estado de plena
madureza; e segundo [p. 165] os Sexualistas he
Taes saõ as noçoẽs, que me pareceraõ ser em geral mais adequadas para fazer conhecer a natureza do pericarpo; quando tractar das suas especies, e das sementes, cuidarei de naõ esquecer-me do que poder contribuir a illuminalas; contudo naõ posso deixar de confessar ingenuamente que restaõ ainda a este respeito algumas difficuldades, que so hum genio feliz e ajudado de mais observaçoẽs, do que temos athe ão prezente, poderà vencer.
As especies de pericarpo, segundo Linneo, saõ oito, a saber, capsula, siliqua, vagem, follilho, drupa, pomo, baga, e pinha, mas esta ultima especie so se deve contar no numero dos pericarpos bastardos, porque as escamas de que consta saõ humaespecie de calyz persistente, e naõ foraõ jamais parte do germe do pistillo.
A capsula (capsula), he huma especie de pericarpo concavo, que se costuma abrir por partes certas e determinadas, como v. g. a da campanula, reseda, meimendro, cravo, tulipa e açucena. Nalgumas plantas he molle, ou succulenta, noutras he dura, as vezes he grossa outras vezes delgada. Ha fructos que constaõ de huma so capsula, outros constaõ de duas, tres, quatro, cinco, ou muitas, de que temos exemplos nas esporas, peonia, estaphisagria, rhodiola, aquilegia, e sayaõ.
Ha capsulas em que se podem destinguir quatro partes, a saber, valvulas, cellulas, partimento, e pilar; as valvulas (valvulae), saõ as
A capsula diz-se ser: univalve (univalvis), se consta de huma so valvula, e se abre na sua madureza, ou so por huma sutura lateral como nas esporas, ou por furos abertos nos lados ou extremidades (pori), como na campanula, e papoila, ou pelo topo como na reseda: bivalve (bivalvis), se consta de duas valvulas como na genciana; trivalve (trivalvis), na tulipa e violetta; quadrivalve (quadrivalvis), na panaea; de cinco valvulas (quinquevalvis), no evonymus americanus; de seis valvulas (sexvalvis), na stellaria; de muitas valvulas (multivalvis), se tem mais de seis valvulas.
Diz-se ser: de huma so cellula (unilocularis), se naõ tem interiormente partimento algum ainda que conste de valvulas, como no cravo, esporas, quejadilho, e violetta; de duas cellulas (bilocularis), no [p. 171] meimendro e herva sancta; de tres (trilocularis), na açucena; de quatro (quadrilocularis), no cyonymus europaeus; de cinco (quinquelocularis, na pyrola; de oito (octolocularis), no linum radiola; de dez (decemlocularis), no linho; de muitas cellulas (multilocularis) como na nymphaea.
Dicòcca (diccoca, s. bicocca), se tem duas cellulas bojudas, e cada huma contem huma so semente (a mercurial); tricocca, (tricocca), no ricinus e euphorbias; quadricocca (quadricocca), no evonymus europaeus; polycocca (polycocca), se tem muitas cellulas bojudas, com huma so semente em cada huma.
Didyma ou bilobada (didyma), se tem duas protuberancias semelhantes a
duas ginjas apegadas huma à outra (veronica biloba, e outras
congeneres)
Circumcidada (circumcisa), quando tem huma sutura circular e horizontal, ou parece ter sido golpeada transversalmente de modo que a sua parte superior representa huma tampa (o meimendro, beldroega, murriaõ, tanchagem, e amarantho).
Prismatica (prismatica), se tem a forma de hum prisma, ou tem muitas faces planas e lineares (camnanula speculum veneris).
Echinosa ou aculeada (echinata, s. aculeata), se he guarnecida de espinhos (no tribulus, datura ferox e castanheiro).
Infunada (inflata), quando parece huma bexiga cheya de vento (como o cardiospermum). A maior [p. 172] parte do espaço interno destas capsûlas naõ he occupado pelas sementes.
N. B. As capsulas que foraõ calyz ou corolla so devem ser consideradas como bastardas; taes saõ por ex. os ouriços, do castanheiro.
Siliqua (siliqua), he huma especie de pericarpo oblongo, bivalve
A siliqua diz-se ser: torosa (torosa, s. torulosa), se consta de torulos (toruli), ou elevaçoẽs bojudas circularmente, alternadas com entrevallos estreitos ou gorgilos (o rabaõ); quando tem muitos torulos, e quebra pelos gorgilos ou entrevallos estreitos daõlhe, o nome de articulada (articulata), como no raphanus raphanìstrum: tetragona (tetragona), se tem quatro esquinas (erysimum) comprimida (oompressa), quando parece mais ou menos esmagada em ambas as faces do seu disco (o goiveiro).
A silicula diz-se ser; redonda (orbiculata), na clypeola; cordiforme (cordata), no lepidium sativum; verticalmente cordiforme (abcordata), na bolsa de pastor; lobada (lobata), na biscutella; lanceolada (lanceolata), na isatis tinctoria; globosa (glabosa), na crambe maritima; e hum tanto globosa (subrotunda) no bunias.
Vagem (legumen), he huma especie de pericarpo bivalve mais ou menos oblongo, com duas suturas, e com as sementes apegadas so à da parte de cima (o tremoço, fava, feijaõ, ervilha, e outras leguminosas)
A vagem he redondeada (rotundatum), no astragalus); linear ou da mesma largura ao longo [p. 174] (lineare), na galega; roliça (teres), no lotus; rhomboidal (rhombeum), no restaboy; turgida (turgidum), quando he concava, vesiculosa, e quasi todo o seu espaço interno he occupado palas sementes, como no ervanço e restaboy; infunado (inflatum), quando he concava, vesiculosa, e a maior parte do espaço interno naõ he occupado pelas sementes, como na colutea arborescens; encaracolada (spirale, s. cochleatum), na medicago polymorpha; retorcida (contortum), na medicago sativa; articulada (articulatum), no hedysarum; torulosa (torulosum, s. isthmis interceptum), quando tem torulos que parecem estar articulados ou adunados huns aos outros nos gorgilos (isthmi), que saõ os entrevallos estreitos entre os torulos (como, no scorpiurus).
Follilho (folliculus, s. conceptaculum), he huma especie de pericarpo
concavo, de huma so cellula oblonga, e ordinariamente de huma
Drupa (drupa), he huma especie de pericarpo [p. 175] sem valvulas nem suturas, carnudo
Pomo (pomum), he huma especie de pericarpo sem valvulas, polposo, e que
contem no centro, ou interior huma capsula (a pera, maçaan, e melaõ). O
pomo he taõbem chamado fructo de pevide, mas esta denominaçaõ he vaga,
por convir taõbem a al gumas bagas. Diz-se ser: turbinado
(turpinatum), na pera; globoso (globosum), na maçaan;
umbilicado (umbilicatum), quando tem no topo hum embigo
(umbilicus fructûs), isto he, huma cavidade que foy receptaculo da
flor, e he ordinariamente guarnecida do calyz persistente, como na maçaan e pera.
A capsula interna differe, segundo os diversos generos de plantas, no
numero de suas cellulas; no pepino consta de tres, na pera tem
cinco, e na romaan nove
Baga (bacca), he segundo Linneo, huma especie de pericarpo sem valvulas,
polposo, e que contem de ordinario sementes dispersas no bagulho (semina
nidulantia), como a uva, murtinhos, uva espim, e groselha. Naõ obstante
ser inteira e naõ ter val vulas, pode contudo ter cellulas, e diz-se
ser: de huma so cellula, de duas, tres, quatro, &e. (uni- bi- tri-
quadrilacularis, &c.). Se tem huma so semente diz-se ser:
monosperma (monosperma), e lhe daõ taõbem o nome de acino
Linneo fallando das bagas em geral diz, que humas saõ proprias, outras
bastardas ou improprias; que huma baga propria era hum pericarpo
tornado fructo succulento, e que a
bastarda podia ser qualquer outra parte do fructo; depois dá por
exemplo das bagas improprias humas succulentas,
outras seccas, formadas pelo calyz,
corolla, receptaculo, sementes, arillo, nectario, capsulas, follilhos, vagens, e pinhas
Os termos de bagas seccas, e de drupas seccas naõ mereciaõ de ser
usados em Botanica, elles saõ oppostos ás ideas que se tem
ordinariamente das bagas, e dos fructos de caroço, servem de
confusaõ aos principiantes, e de ambiguidade ainda aos que ja estaõ
adiantados
Pinha (strobilus)
A semente (semen), considerada no seu estado de
perfeiçaõ, e plena madureza, he hum ovo vegetal
A essensia da semente consiste em ter huma plantula seminal, ou
principio germinativo fecundado; as suas propriedades podem ser
reduzidas às circumstancias de constar de cotylédones, tegumentos,
hilo, e terminar todo o augmento vegetativo do ponto medullar, a que
ella ou o seu receptaculo estiveraõ apegados
Pela razaõ de ter huma plantula seminal fecundada, as sementes naõ sò
se destinguem das estereis, mas ainda dos gomos e bolbos
Todas as plantas que naõ saõ mulinas (hybrida) podem
Os tegumentos proprios da semente (tegumenta), são a substancia membranosa,
que constituia parte dos ovulos do pistillo antes da fecundaçaõ, e
que depois della tomando mais forte consistencia
Na superficie do tegumento externo da semente ha sempre huma pequena
cicatriz mais ou menos apparente, a que chamaõ hilo ou empigo da semente
(hilus, s. umbilicus seminis); esta cicatriz he a parte por onde a
semente esteve apegada á cordinha umbilical, ou ao seu receptaculo
proprio, he o lugar por onde entrou a sua nutriçaõ, e por onde na
germinaçaõ costuma sahir a radicula; o embigo da semente he assaz
visivel no feijaõ, staphylea, cardiospermum, e ainda mesmo nos caroços,
e nozes; algumas vezes he corado como se vè nas favas. A cordinha
umbilical (funiculus umbilicalis), he hum pequeno [p. 190] fio ordinariamente curto, apegado por huma extremidade á semente
e por outra ao receptaculo proprio; a extremidade, que se acha
apegada á semente pelo hilo, continua athe á plantula seminal
servindo lhe de couductor da sua fecundaçaõ e nutriçaõ
Dentro da vesicula da semente ha duas partes de differente volume,
apegadas huma a outra; a maior occupa o lugar externo, e delle depende a
figura e grandeza da semente; a menor esta situada no meyo ou
extremidade da precedente e he o primordio de hum novo vegetal. A
primeira he chamada cotylédone
(cotylédon)
As cotyledones, em quanto naõ começa a germinaçaõ, servem juntamente com
os tegumentos de fomentar a plantula seminal contra os frios, e de
preservala de outras injurias externas; saõ de natureza mais ou menos
oleosa, e contem em si huma subtancia mucilaginosa propria para nutrir a
plantula no estado de germinaçaõ, em quanto ella naõ põde tirar da terra
os succos sufficientes para á sua firme subsistencia; esta substancia he
assaz analoga ao leite com que os animaes viviparos nutrem seus tenros
filhos, e porisso alguns physiologistas compararaõ as cotylédones com as
tetas dos dictos animaes, e lhes chamaraõ corpos mammarios. Grevv,
Malpighi, Bonet, e outros physiologistas convem unanimemente que ha nas
cotylédones hum grande tecido vasculoso, cujos vasos huns saõ destinados
à preparaçaõ dos dictos succos lacteos, outros a transmittilos à nova
plantula, a que estaõ apegadas. No tempo da madureza das sementes,
observa-se em cada huma dellas ou [p. 193] huma so cotylédone inteiriça
A semente pode ser considerada, ou como simplez, ou como composta: a
simplez he aquella, cujos tegumentos proprios envolvem huma ou mais
cotylédones com huma so plantula seminal, como v. g. as da maçaan,
alecrim, &c; a composta he a que tem dentro do seu tegumento
proprio externo duas ou mais sementes simplez, como v. g. a [p. 195] cerinthe
Quando o tegumento externo da semente he durissimo, lenhoso, grosso á
proporçaõ do tegumento [p. 196] interno e susceptivel de quebrarse em pedaços, quando o batemos
ou apertamos com violencia, a semente he denominada nóz ou carôço
(nux), como saõ v. g. as dos damascos e ginjas, os pinhoens,
avellaans, &c.
Quando na semente ha hum tegumento secco, especializado, e que senaõ
abre espontaneamente athe á germinaçaõ, nem o podemos separar sem
impedir ou causar dano á vegetaçaõ, da plantula seminal, deve ser
chamado arillo (arillus)
As sementes em geral saõ divididas em nuas e cobertas. Rigorosamente naõ ha semente alguma nua, cuja plantula seminal, e cotylédones naõ sejaõ envolvidas ao menos em hum tegumento; mas os botanicos costumaõ chamar sementes nuas (nuda), aquellas que tem somente tegumentos proprios, como as labiadas gymnospermas, umbrelladas, compostas, &c.; e cobertas (recta) aquellas que estaõ dentro de hum pericarpo.
As sementes saõ algumas vezes felpudas na base (basi villosa), ou
nella
O topo das sementes he muitas vezes guarnecido de differentes sortes
de ornatos, e producçoẽs a que se pode dar em geral o nome de
corutilho
A coroa (corona, s. coronula), he o calyculo [p. 199] superior persistente que rodea a borda do topo da semente, e humas vezes he enteiriço, outras vezes palheaceo ou denticulado, sendo composto de dois, tres, quatro, cinco, ou mais palhicos ou denticulos (a saudade, gyrasol, bidens, coreopsis, lagaecia, e catananche. As sementes que tem esta sorte de coroa, são as que se podem denominar rigorosamente coroadas (coronata).
O pappilho (pappus) he huma especie de penacho felpudo ou plumoso, que se
acha no topo das sementes e as faz voar (a alface, e escorcioneira).
Diz-se ser: pediculado (stipitatus), quando tem hum pequeno pe ou
esteio que o eleva, como na escorcioneira; rente (sessilis), se naõ
tem este esteio, mas está immediatamente posto sobre o topo da
semente como na serralha; peludo ou capillar (pilosus, s.
capillaris), se consta de felpa ou pelos indivisos (a alface,
serralha); plumoso (plumosus), se os pelos saõ divididos em outros
menores finissimos de modo que se assemelhaõ a huma pluma (a
escorcioneira); palheaceo ou aristado (palencens, s. aristatus),
segundo Linneo, se consta de palhas ou denticulos estreitos
Os denticulos e palhas saõ producçoẽs mais ou menos chatas, e agudas que se achaõ na borda do topo da semente, e constituem o que Linneo chama pappilho palheaceo.
A cauda das sementes (cauda), segundo Linneo he hum fio que se eleva,
ou sahe do topo da semente e parece ser ordinariamente a mesma coiza
que o estylete persistente e engrandecido, como na pulsatilla,
clematis, petiveria, e calycanthus
A pragana das sementes (arista), segundo Linneo parece ser qualquer longa cauda filiforme; mas segundo Boehmer he com maior propriedade o fio que termina o casulo persistente que fica servindo de tegumento a semente das gramas, como na cevada.
O rostro (rostrum), he a casca da sementei prolongada em forma assovelada, ou hum tanto conica (a agulha de pastor). As sementes que tem hum rostro saõ chamadas rostradas (rostrata).
Ala das sementes (ala), he huma producçaõ [p. 201] membranosa, que se acha no topo das sementes (cedrela, melampodium, triopteris). A ala contudo he naõ so propria do topo da semente, mas taõbem dos seus lados, e as sementes que se denominaõ aladas (alata), ou guarnecidas de membranas (membranis instructa, marginata, s. alata), ordinariamente tem as alas membranosas nos seus lados, ou à roda de si, como no pinheiro, endro, betula, laserpitium, ligusticum, goiveiro, &c.
O numero das sementes varia muito, e não se sabe muitas vezes qual he o que mais naturalmente daõ algumas bagas, drupas, pomos, e capsulas: contudo quando a maior parte das bagas e outros pericarpos de huma especie ou genero he observada dar hum numero determinado de huma, duas, tres, quatro sementes, &c. ou quando geralmente as dictas bagas e quaesquer outros pericarpos daõ muitas, naõ se deve jamais omittir esta circumstancia na sua descripçaõ. O mesmo deve entender-se a respeito das sementes nuas; nas labiadas e asperifolias por ex. como na hortelaan, alecrim, pulmonaria, cynoglossa, &c seria defeituoso deixar de fazer mençaõ das quatro sementes, que ellas tem ordinariamente.
Raramente costuma fazer-se mençaõ da grandeza das sementes, contudo comparaõ-se ás vezes com a flor ou pericarpo, e se dizem summamente grandes (maxima), como no coqueiro; muito pequenas ou muito miudas (minima, minutissima), como na campanula, urze, herva sancta, drosera, e orchideas.
A figura das sementes ordinariamente he constante, e merece o cuidado, de ser observada, e bem descripta. Ellas saõ globosas (globosa), nas ervilhas e [p. 202] mostarda; semiglobosas (hemisphaerica), no coentro; planas (plana), na açucena, e goiveiro; cordiformes (cordata), na medeola, e prenanthes; reniformes (reniformia), no alquequenje, feijaõ, e outras leguminosas; lunuladas (lunata), na elatine; rhomboidaes (rhomboidea), na alforva; encaracolladas (cochleata), na salsola; angulosas (angulata), se tem angulos ou esquinas; triangulares (triangularia) nas azedas e semprenoiva; quadrangulares (quadrangularia), no combretum; de cinco angulos (quinquangularia), na allionia; de seis angulos (sexangularia), na boerhaavia. As vezes achaõ-se nestes angulos algumas membranas que fazem as sementes ser aladas.
Quanto á superficie, as sementes dizem-se ser: lizas, ou glabras (laevia, s. glabra) no linho e alfarrobeira; ponteadas (punctata), no agrosthema, e alstroemeria; ciffradas ou assinaladas de ciffras ou lettras (characteribus notata), na rheedia; lanudas (lanata), no algodaõ, bombax, e reaumuria; rugosas (rugosa), no colchico, e acònito; escabrosas (scabra), na arruda, e nigella; estriadas (striata), no ammi, e athamanta; hispidas (hispida), na cenoira e geum; echinosas (echinata), na cynoglossa, myosotis, e caucalis. Quando a casca da semente he coriacea, ou cartilaginosa a semente tem a mesma denominaçaõ (callosum, s. cartilaginosum) (a laranja, irmaõ, pera, e melaõ). As sementes do lithospermum, avellaan e toda a casta de nozes ou caroços saõ chamãdas lenhosas (ossea, s. lignosa), em razaõ da dureza da sua casca.
A fertilidade das sementes he assaz notoria; as observaçoẽs tem mostrado
que de huma so semente [p. 203] de milho nascera huma planta, que num veraõ dera 2000 sementes, huma
de inula campana 3000, huma de gyrasol 4000, de papoila 32000, e de
herva sancta 40320. Alguns naturalistas saõ de parecer, em razaõ
destas
O receptaculo
Diz-se receptaculo da fructificaçaõ (receptaculum fructificationis), quando o
germe e os tegumentos da flor estaõ apegados a elle, como na açucena, cravo,
&c. Receptaculo da flor (recept. floris), quando as partes da flor estaõ
apegadas a elle, e naõ o germe, ou quando ellas estaõ sobrepostas ao germe,
como na abobara, melaõ, murta, hippuris, &c. Receptaculo do fructo
(recept. fructûs), quando tem apegada a si a base do germe
Receptaculo proprio ou parcial (proprium, s. partiale), he o lugar, a que
estaõ apegadas somente as partes de hum flosculo relativo, a hum
receptaculo commum, como na saudade
Receptaculo commum (commune), he o lugar, a que estaõ apegados muitos flosculos, e seus fructos approximados, como o do gyrasol, saudade, echinops, &c.
O receptaculo quanto á sua superficie diz-se ser: ponteado (punctatum), quando esta salpicado de pontos ou cavidades minimas, e he ao mesmo tempo nû (o dente de leaõ, e chrysanthemum); alveolar (alveolatum, s. favosum), quando consta de cellulas ou grandes cavidades hum tanto semelhantes às dos favos de mel, e nellas tem encravadas as sementes (onorpordum); felpudo (villosum), quando he guarnecido de felpa (o absinthio); peludo (pilosum), se tem pelos (a açafroa); sedeûdo (setosum), se he guarnecido de sedas (a bardana e centaurea); palheaceo (paleaceum), se he guarnecido de palhiços (palea), estes saõ humas pequenas laminas lineares, que se achaõ postas entre os flosculos (como na milfolha, almeiraõ, macella, &c.); nû (nudum), quando nelle senaõ achaõ vellos, pelos, sedas nem palhiços alguns (como no dente de leaõ).
Quanto à figura o receptaculo diz-se ser: plano (planum), na milfolha; convexo (convexum), se he quasi semigloboso, como na chamomilla; conico, [p. 205] (conicum) (na bonina, e macella). Elle se diz taõbem ainda ser concavo, assovelado, &c. (concavum, subulatum, &c.)
A naturalidade ou estructura natural das flores (structura naturalis), he segundo Linneo a que se observa na maior parte dellas, e he opposta a estructura singularizada. As flores de huma estructura naturalissima tem o calyz, e corolla divididos em igual numero de lacinias (ordinariamente cinco); o seu calyz he menos aberto, exterior, menor do que a corolla, e involve o receptaculo, ao qual ella está innata; cada hum dos seus filetes he guarnecido na ponta de huma anthera, postos entre a corolla e o pistillo, levantados, e iguaes no comprimento ao pistillo, quando os tegumentos da flor saõ levantados. O pistillo está posto no centro, o germe tem no topo, hum ou mais estyletes levantados, e terminados por estigmas. Cahidos os organos sexuaes, o germe torna-se em hum pericarpo sostido pelo calyz. O receptaculo he acompanhado do calyz, e inferior ou sottoposto ao germe.
A estructura singularizada (structura singularis), he a que se observa em muito poucos generos de flores, como he por ex. a do pé de bezerro, a da salva, adoxa, eriocaulon, magnolia, &c.
O sexo das flores he estabelecido nos organos da fructificaçaõ chamados
estames e pistillo. As flores, ou flosculos relativamente ao seu sexo, saõ
susceptiveis de quatro destinçoẽs principaes, a saber, de hermaphroditas,
masculas, femininas, e neutras. As flores hermaphroditas (hermaphroditi),
a que alguns chamaõ taõbem bissexuaes
Alem das quatro denominaçoẽs mencionadas, Linneo deo ainda ás flores os
nomes das classes do seu systema sexual, e lhes chamou monandras,
diandras, triandras, tetrandras, pentandras, hexandras heptandras,
octandras, enneandras, decandras, dodecandras, icosandras, polyandras,
didynamicas, tetradynamicas, monadelphas, diadelphas, polyadelphas,
syngenésicas ou compostas, gynandras, monoicas ou androgynas, dioicas,
polygamas, e cryptogamicas
Assim como entre os animaes nascem alguns com huma estructura differente em parte da ordinaria da sua especie, e que por isso lhes daõ o nome de monstros, do mesmo modo entre os vegetaes se encontraõ muitas vezes individuos, os quaes ainda que conservem parte da estructura, e habito externo da sua especie, se desviaõ contudo della em parte, principalmente na flor; e em razaõ disto os Botanicos lhes daõ igualmente o nome de monstros (monstra, seu plantae monstrosae).
Todas as flores viçadas e mutiladas (flores luxuriantes, et mutilati) saõ monstros. Nas primeiras os tegumentos dos organos sexuaes saõ de tal modo multiplicados, que as partes essensiaes da fructificaçaõ ficaõ mais ou menos destruidas; esta producçaõ por mais agradavel que pareça aos floristas, jardineiros, e a quaesquer pessoas em geral, he contudo considerada pelos botanicos como opposta a ordem natural, e como huma verdadeira degradaçaõ causada pela [p. 209] pela redundancia dos succos nutritivos. Nas mutiladas pelo contrario a falta de calor sufficiente e as doenças fazem faltar as partes, que alias costumaõ ter naturalmente sem que porisso outras augmentem.
Nas flores engrandecidas (flores grandificati, s. injuriantes) aindaque a corolla naõ degenera quanto ao numero das petalas ou lacinias, e postoque naõ falta, contudo como em razaõ dos succos abundantes vem a ser maior do que naturalmente devera ser, como se observa na galeopsis, prunella, Etc. semelhantes flores devem porisso ser contadas no numero das viçadas modicamente. No mesmo numero se devem taõbem contar as que tem hum calyz còrado fora do costume natural, como succede às vezes no quejadilho.
As flores, a que chamaõ verdadeiramente viçadas, saõ de tres sortes, a
saber, semidobradas, dobradas, e proliferas
A flor semidobrada (flos multiplicatus, s. semiplenus) he aquella, cuja
corolla tem mais ordens de petalas ou maior numero de lacinias do que
costuma ter naturalmente, conserva o pistillo e alguns estames, e dá algumas
sementes fecundas. O perianthio e involucro rarissimamente degeneraõ de
modo que cheguem a constituir huma flor semidobrada, e ainda que o calyz contra o natural costume possa mudar de
cor
A flor dobrada (flos plenus) propriamente tal he aquella, cuja corolla dobra
de tal modo, que todos os estames ficaõ convertidos em petalas ou lacinias.
O pistillo nestas flores ordinariamente ou he transformado assim como
os estames, ou apertado e suffocado de modo que fica esteril
A dobrêz (impletio), tem ordinariamente lugar nas flores petaleadas, como v. g. nas da maceira, pereira, pessegueiro, cerejeira, gingeira, amendoeira, romeira, murta, roseira, morangueiro, rainunculo, anemone, papoila, dormideira, craveiro, açucena peonia ou roza albardeira, tulipa, narcizo, jonquilho, violetta, chagas, goiveiro, malva, alcea ou malva da China, hesperis matronalis, hibiscus, caltha, anemone hepatica, aquilegia, nigella, agrostema coronaria, silene, lychnis, fritillaria, &c. Naõ deixaõ [p. 212] contudo de haver alguns exemplos de flores monopetalas sojeitas a dobrar como saõ por ex. as do jacintho, açafraõ, colchico, quejadilho, tuberosa, datura, &c.
As monopetalas dobraõ por meyo do augmento das lacinias, e as petaleadas pelo
augmento do numero das petalas, o qual se faz naõ so à custa dos organos
sexuaes mas ainda por meyo da transformaçaõ dos nectarios, como se vè nas
esporas, nigella, e aquilegia; a dobrez contudo desta ultima segundo se tem
observado pode ser de tres modos; 1º pela transformaçaõ total dos nectarios
em petalas; 2º pela transformaçaõ total das petalas em nectarios; 3º pela
dobrez dos nectarios, conservadas contudo as cinco petalas, e neste cazo os
espaços entre ellas ficaõ occupados cada hum por tres nectarios encravados
huns nos outros. No narcizo as vezes só os nectarios dobraõ, outras vezes
tanto dobraõ as petalas, como os nectarios. A saboeira de Inglaterra
(saponaria officinalis hybrida), os novelos ou rosa de Gueldres (viburnum
opulus globosum, s. roseum), e a peloria (antirrhinum linaria peloria),
subministraõ tres exemplos extraordinarios de dobrez. A primeira he huma
variedade da saboeira ordinaria com a corolla de cinco petalas
transformada em monopetala semelhante á da genciana
A semidobrez e a dobrez das flores pode ter lugar tanto nas que saõ simplez, como nas compostas. Huma flor simplez petaleada em estado de viço pode facilmente destinguir-se de huma polypetala natural pelo modo que ja expuz; ella se poderà taõbem destinguir de huma flor composta natural pela razaõ de ter somente o pistillo no centro ou naõ ter pistillo algum, como o rainunculo dobrado; nas flores compostas naturaes, como por ex. nas da alface e chicoria, cada flosculo tem o seu pistillo e estames.
As flores compostas, como ja expliquei fallando da corolla, ou saõ inteiramente ligulosas, ou inteiramente tubulosas, ou radiadas. Nas flores radiadas a dobrez pode ter lugar, 1º em razaõ dos flosculos tubulosos do disco tomarem a forma dos flosculos do rayo, como se ve nalgumas especies de gyrasol, cravo de defuncto, calendula, chrysanthemum, anthemis, matricaria, achillea ptarmica, centaurea cyanus, &c.; 2º quando conservados os flosculos do rayo, os do disco se alargaõ e alongaõ demasiadamente, e tem menos lacinias ou denticulos no seu orificio como se tem visto na serratula arvensis; 3º quando as coróllulas ligulosas do rayo se mudaõ em tubulosas, como se tem observado na bonina, matricaria, e cravo de defuncto. Nas flores compostas inteiramente tubulosas, como por ex. a macella gallega, he rarissimo haver dobrez, e quando existe, he semelhante á do 2º modo com que dobraõ as radiadas. Nas flores inteiramente ligulosas a dobrez so se conhece, e se distingue do estado natural pela razaõ de que os estigmas se alongaõ muito, os germes [p. 215] augmentaõ, saõ mais compridos do que o calyz e divergem, como se tem observado na escorcioneira, lapsana communis, e tragopogon pratense.
Huma flor composta radiada no estado de dobrez naõ deve ser confundida com as inteiramente ligulosas naturaes, como saõ a serralha, dente de leaõ, &c; estas flores tem todos os seus flosculos hermaphroditos, nas radiadas dobradas pelo contrario naõ há antheras em flosculos alguns, nem taõbem algumas vezes pistillos perfeitos. Tem se observado que se huma flor composta natural, como a bonina, cravo de defuncto, matricaria e chrysanthemum, tem no rayo flosculos com pistillos, os flosculos transformados do disco os conservaõ igualmente; mas se os do rayo naõ tem pistillos naõ os tem taõbem os flosculos viçados do disco, como acontece na dobrez do gyrasol, centaurea, e calendula.
Ha muitas familias de plantas que daõ constantemente flores sem dobrez
nem viço algum notavel, taes saõ por ex. as das ordens naturaes, a que
Linneo chama Inundadas e Holeraceas
A flor prolifera (flos prolifer), he a que lança de si outra flor ou
pequenas folhas; ordinariamente
he dobrada; no primeiro cazo he denominada flor prolifera de flores
(prolifer floriferus), e no segundo flor prolifera de foliolos (prolifer
foliiferus). A prolificaçaõ de flores he de dois modos, ou
originaria do centro ou dos lados; na do centro o pistillo brota de si outra
flor para cima posta sobre hum pedunculo, e tem lugar algumas vezes nas
flores simplez, como nos cravos, ranunculus tuberosus, anemone hortensis,
geum urbanam, rosa gallica, &c; na dos lados, o calyz commum brota de si muitas outras flores pedunculadas, e
tem lugar nas flores compostas e aggregadas, como na bonina, calendula
officinalis, saudade, e no hieracium falcatum proliferum de Gaspar Bauhino.
As flores proliferas de foliolos saõ raras, observaõ-se contudo
algumas vezes nas rozeiras e anemones
A prolificaçaõ (prolificatio) naõ so tem lugar nas flores, mas ainda nas umbrellas simplez e cymeiras, em razaõ destas brotarem de si outras contra o seu costume natural, do que temos exemplos no cornus suecica, selinum palustre, &c.
A flor mutilada (flos mutilatus), segundo Linneo
A Patria ou habitaçaõ das plantas (locus natalis, s. plantarum habitatio), he o lugar em que ellas costumaõ nascer sem soccorro algum de cultura, e he considerada pelos Botanicos debaxo das relaçoẽs de paiz, clima, sitio e terreno.
Pelo termo de paiz (regio) entendem imperios, reynos, provincias, e quaesquer destrictos proprios a certas especies de plantas.
Por clima (clima) os Botanicos entendem três sorte de dimensoẽs terrestres, a saber, latitude, longitude, e altura do lugar. A latitude he a distancia que vay desde o equador athe o polo artico ou antarctico, e comprehende noventa graos tanto da banda do norte como do Sul, o que faz a quarta parte do ambito da terra; e longitude he o ambito da terra, ou espaço de 360 graos, começando do meridiano da Ilha de Ferro athe ao mesmo ponto do dicto meridiano; a altura he a medida perpendicular que medea entre a superficie do mar e o cume de [p. 219] huma elevada montanha; ella se costuma calcular ordinariamente com o soccorro de hum barometro. A altura falha muito menos, do que a latitude e longitude, relativamente a reconhecer a semelhança das plantas, porquanto he bem notorio que muitos lugares que se achaõ na mesma latitude ou longitude daõ plantas inteiramente differentes, ao mesmo tempo que as das montanhas da Suissa, Lapponia, Brasil, Siberia, Pyreneos, Olympo, &c. saõ ordinariamente semelhantes.
Os principaes climas segundo os Botanicos saõ denominados.
1º O Indico (Indicum), que comprehende os lugares situados debaxo da Zona Torrida na Asia, Africa, e America, principalmente insulares e das costas maritimas aonde naõ ha vestigios de inverno, nem frios que condensem o ar da respiraçaõ de modo que o façaõ sensivel à vista; as plantas florecem neste clima pela maior parte duas vezes no anno em razaõ do calor continuado; em muitos lugares as chuvas duraõ alguns mezes, o que faz destinguir no anno somente duas estaçoẽs. Os vegetaes destes paizes ordinariamente brotaõ e reforçaõ nos jardins da Europa durante a primavera e outono, e enlangoecem no estio e inverno sem contudo perderem as suas folhas.
2º. Egypciaco e Arabico (Aegypiacum e Arabicum), comprehende os lugares aonde ha hum calor fervido e areas adentes, sobre as quaes senaõ pode andar descalço; nelles naõ chove durante a maior parte do anno, e dahi procede que o maior numero das suas plantas indigenas tem raizes bolbozas e tuberosas, [p. 220] por meyo das quaes se podem conservar sem agoa largo tempo.
3º. Austral (Australe), comprehende o espaço que vay desde a Ethyopia athe ao Cabo da Boa Esperança, e igualmente o reyno do Peru e grande parte do Brasil, aonde o calor he menos fervido do que no clima Indico. Como o estio deste clima tem lugar exactamente no tempo que corresponde ao nosso inverno, daqui procede que os vegetaes transplantados deste clima florecem na Europa ordinariamente perto do solsticio do inverno.
4º. Europeo meridional (Europaeum meridionale), comprehende Portugal, Hespanha, a França meridional, Italia, Hongria athe á Morêa, e o Archipe-lago. Alguns o dividem em clima do continente e insular, incluindo neste segundo as ilha Europeas do Mediterrano, nas quaes o calor he maior do que o da terra firme; outros ajuntaõ os climas da Syria, Media e Armenia, por acharem nelles as mesmas plantas que se daõ no clima meridional da Europa.
5º. Europeo septentrinal (Europaeum septentrionale), comprehende a Lapponia, Suecia, Dinamarca, Prussia, Allemanha, Suissa, Hollanda, Flandres, Inglaterra, e parte do norte da França.
6º Oriental (Orientale) comprehende o grande Continente da Asia septentrional, a Siberia e Tartaria desde os confins da Syria e Persia athe aos da China; as plantas deste clima florecem ordinariamente logo que a atmosphera começa a aquecer, como entre nos florecem as da primavera.
[p. 221]7º. Occidental (Occidentale) comprehende a America septentrional athe a Carolina, e igualmente o Iapaõ; as plantas deste clima florecem ordinariamente no outono.
8º. Alpino (Alpinum), he proprio das montanhas alpinas, que saõ as mais elevadas que ha no globo terrestre, cobertas de neve em varios lugares, aonde naõ ha primavera nem outono, mas sim hum longo inverno, e curto estio de dois mezes ou menos, como saõ os Alpes da Suissa, as Cordilheiras da America meridional, &c. As plantas deste clima nascem, florecem e fructificaõ dentro de pouco tempo.
O sitio (situs) he o lugar aonde costuma naturalmente nascer e nutrir-se qualquer planta, e he ou terrestre ou aquoso ou parasitico. As plantas aquaticas tem as suas raizes ordinariamente apegadas á terra, e o resto do seu corpo mergulhado n'agoa inteiramente ou em parte; ha contudo algumas, como v. g. os limos, lemna, ulva, certas especies de fucus, &c. que se nutrem dentro d'agoa sem terem contudo contacto algum com a terra, e ha outras que somente tem a raiz encravada em hum terreno humido ou ensopado em agoa e o resto exposto ao ar.
1º Sitios aquosos.
O mar, ou agoa marina (mare, s. aqua marina) he hum fluido aquoso naturalmente impregnado de sal commum; as plantas que se dão n'agoa do mar ordinariamente saõ destituidas de raizes, nutrem-se pelas suas porosidades, e naõ supportaõ jamais frios rigorosos nem os gelos do inverno (como o fucus, e ulva); daõ-lhes o nome de plantas marinhas (pl. marinae).
[p. 222]As prayas, e costas maritimas (littora, littorale solum, loca maritima), saõ lugares immediatamente proximos ao mar, cobertos pelas marés, açoitados das ondas e dos ventos, mais ou menos arenosos e salgados. As plantas que se daõ neste sitio contem alcali marino, saõ hum tanto succulentas, e aindaque a agoa salgada lhes he mais conveniente, naõ deixaõ contudo de se dar bem nas terras areentas; taes saõ por ex. as salgadeiras, a salsola, salicornia, crambe maritima, &c. Estas plantas saõ por alguns botanicos denominadas maritimas (maritimae).
As fontes (fontes), saõ mananciaes de agoa doce Ha fontes de
agoa salgada, e he bem facil de entender que regaõ plantas
que saõ de natureza semelhante á das
maritimas.
Os rios (fluvii), saõ largas e prolongadas correntes de agoa doce e fresca; a terra banhada d'agoa dos rios (solum fluviale) dá taõbem algumas plantas particulares, como v. g. o potamogeton, ranunculus aquaticos, &c.
As ribeiras, margens dos rios e das lagoas (ripae), saõ lugares cobertos de agoa na estaçaõ do inverno, & descobertos no tempo do estio; nellas costumaõ dar-se a salicaria, o lycopus europaeus, a lysimachia vulgaris, &c.
Pégos, lagos limpos (lacus, lacustre solum), saõ lugares que contem agoa pura, e profunda; o seu fundo naõ he lodoso, mas tem huma certa firmeza ou solidez; daõ-se nelles a nymphaea, subularia, isoetes, &c.
[p. 223]
Lagoas profundas, paûes, albofeiras
Tanques, charcos, fossos (stagna, paludes, palustre solum), saõ pequenas lagoas baxas, limosas, lodosas, que se seccaõ inteiramente no estio; daõ-se nelles a tabûa, lirios, junças, &c.
Alagadiços (inuadata loca), saõ terrenos alagados pelas chuvas do inverno, & que se seccaõ no veraõ; daõ-se nelles o arroz, canna de assucar, tamargueira, &c.
Pantanos, bréjos, tremedaes (loca uliginosa), saõ terrenos balofos, ensopados d'agoa pôdre, que naõ daõ feno, nem saõ proprios para searas; daõ-se nelles a ulmaria, quejadilho, valeriana dioica, &c.
2º Sitios terrestres.
Montes, oiteiros (montes, colles, solum montanum, s. collinum), saõ lugares elevados, na parte superior lavados dos ventos, sabulosos, e seccos; daõ-se nelles a carlina, arnica, &c.
Montanhas, serras nivosas (alpes, juga montium, solum alpinum), saõ os lugares mais altos da terra, que ordinariamente estaõ nevoados, cobertos de neve no cume (a qual em alguns se derrete inteiramente no estio, em outros jamais se acaba de derreter) asperos, lavados dos ventos, e sem arvores na parte [p. 224] superior; daõ-se nelles algumas especies de azedas, violetta, alchimilla, &c.
Rochas, penhas (rupes, rupestre solum), saõ lugares alcantilados, pedregosos, e aridissimos; daõ-se nelles a cymbalaria, aloe, mesembryanthemum, sedum, &c.
Campos, campinas (campi, campestre solum), saõ lugares incultos descobertos, seccos, e hum tanto asperos; daõ-se nelles a bisnaga, bonina, e muitas outras plantas ordinariamente herbaceas.
Prados (prata, pratense solum), saõ terras baxas incultas, valles humidos cobertos de plantas herbaceas viçosas, e serrados para que nelles naõ entre o gado no estio; daõ-se nelles o ranunculus acris, o lotus corniculatus, scabiosa succisa, escorcioneiras, trevos, e outras muitas plantas, que constituem o copioso feno que nos paizes do norte da Europa cortaõ no estio, seccaõ, e recolhem para sustentar os gados no inverno.
Pastos (pascua), saõ campina abertas com plantas destinadas a nutrir os gados, hum tanto sabulosas, e menos ferteis do que os prados; daõ-se nelles a prunella, euphrasia, &c.
Searas (agri, segetes, agreste solum), saõ terras lavradas em que se semeão legumes e sementes, de que se costuma fazer paõ; daõ-se nellas as esporas, joyo, verdeselha, hervinha, &c.
Alqueives (arva, arvense solum), saõ terras lavradias, que se deixaõ descançar algum tempo; nas terras alqueivadas costumaõ dar-se o raphanus raphanistrum sinapis alba et arvensis, o murriaõ, algumas especies de macella, o abrolho, a agulha de pastor, &c.
[p. 225]Jardins, hortas (horti, culta, solum hortense), saõ terrenos muito estercados, cavados, regados, e cultivados todo o anno; daõ-se nelles as ortigas, murujem, amor de hortelaõ, &c.
Esterqueiras (fimeta), saõ os lugares em que se accumulaõ os excrementos dos gados, misturados com alguns estragos de vegetaes; daõ-se nelles as ortigas, o estramonio, asperugo, &c.
Bordas dos caminhos (versurae), vallados e seves (aggeres, sepes) saõ considerados como lugares estercados, e o mesmo saõ as bordas das cazas, dos muros, ruas, praças e mercados (ruderata, ruderale solum), as plantas proprias destes lugares saõ por ex. a poa annua, erysimum officinale, lolium perenne, almeiraõ, tanchagem, &c.
Mattas ou arvoredos raleados (sylvoe, solum sylvestre), saõ lugares que constaõ de hum terreno sabuloso, duro, aspero, pouco fertil, sombrio, com arvores ralas, e de raizes á flor da terra; entre estas arvores daõ se algumas especies de urze, de hypnum, melampyrum sylvestre, &c.
Brenhas, espessuras, bosques densos (nemora, nemorosum solum), saõ lugares cobertos de hum matto alto e muito espesso, o seu terreno he humido, hum tanto balofo, naõ exposto aos rayos do sol nem aos ventos no estio, e juncado de folhas no inverno; as plantas que se daõ entre as arvores das brenhas florecem ordinariamente na primavera, saõ pallidas e de huma contextura fragil, como saõ v. g. a convallaria polygonatum, pulmonaria officinalis, paris, sanicula europaea, asarum, fumaria bulbosa, &c.
Matto baxo (fruteta, ericeta, virgulta, dumesa) saõ [p. 226] lugares duros e asperos, cobertos de arbustos ou arvores baxas, como saõ entre nos os tojaes, urzaes, &c.
Queimadas (ambusta), saõ os lugares, cujo matto foy destruido com fogo, a fim de os fertilizar com as cinzas dos vegetaes queimados, e de os dispor para pastos, ou searas.
3º Sitios parasiticos.
Os sitios parasiticos (loca parasitica), saõ o corpo de qualquer vegetal, ao qual huma planta parasita esta adunada, ou aferrada de modo que delle tira a substancia com que se nutre; estes lugares saõ humas vezes o tronco, e ramos das plantas lenhosas, como aquelles em que se vê o viscum, lichen, boletus, &c. outras vezes o tronco, ramos, e folhas de plantas herbaceas, como aquelles em que se da a cuscuta, e as vezes mesmo saõ as raizes, como aquellas a que estaõ apegadas a orobanche maior, e a lathraea clandestina.
Por terreno (terra, solum), os botanicos entendem a natureza do chaõ proprio a qualquer planta, e o destinguem ordinariamente em quatro sortes, a saber, arêa, argilla, greda, e terra vegetosa.
A area (arena), he hum composto de pequenos graõs seccos, duros, quarzozos, e desadunados; ella varia quanto a grandeza dos seus graõs, como se vê na area das empulhetas, na das escrivaninhas, na das prayas, e na area grossa a que chamamos saibro. Ordinariamente acha-se misturada com alguma das outras terras, e he neste estado misto de terreno que nasce e vegeta bem hum grande numero de plantas, como a canneira, pinheiros, urzes, digital, serpaõ, tojo, espargo, herva turca, &c.
[p. 227]A argilla (argilla), he huma terra unctuosa e de grande tenacidade quando humedicida, susceptivel de endurecer consideravelmente, e naõ faz effervecencia com os acidos; acha-se sempre misturada mais ou menos com outras terras, e lhe damos algumas vezes o nome de piçarra. Quando ella se acha misturada com huma boa porçaõ de cré, daõ-lhe o nome de marga (marga), e neste estado costuma servir para fertilizar as terras. Os terrenos argillosos saõ favoraveis á vegetaçaõ de hum grande numero de plantas, taes como os papoilas, verbascos, bolsa de pastor, &c.
A greda ou cré (creta), he huma terra arida, que se acha nos oiteiros seccos e pouco fecundos; quando he para faz effervescencia com os acidos; suppoem-se ter a mesma origem, que as pedras calcareas; acha-se ordinariamente misturada com outras terras, e neste estado he conveniente á vegetaçaõ da verbena, esferro cavallo ou ferradurina, da reseda, e muitos outros vegetaes.
A terra vegetosa (humus), acha-se por toda a superficie do globo terrestre em
mais ou menos quantidade, e deve a sua origem á descomposiçaõ dos vegetaes e
animaes. E sua cor varia em razaõ das terras, com que se acha misturada,
parece contudo que a mais pura he a que tem huma cor denigrida. He
summamente fertil
Do que tenho exposto athe aqui sobre a habitaçaõ natural dos vegetaes se
collige claramente, que differindo ella segundo os diversos climas, sitios,
e terrenos, toda a habitaçaõ artificial deve imitar as suas diversidade o
mais que for possível. A habitaçaõ artificial, de que fallo aqui, saõ todos
os jardins botanicos, em que ha hum grande numero de plantas exoticas, ou
aquaticas naturaes do paiz e de terrenos particulares, e que porisso mesmo
requerem os soccorros da arte para se poderem conservar. Estes soccorros
consistem
O Habito de huma planta parece naõ ser outra coiza, no rigor do termo, senaõ
a sua estructura considerada externa, e internamente durante o tempo da sua
vida; estructura, por meyo da qual ella differe de todos os individos de
diverso genero, diversa especie ou variedade, e se conforma pelo contrario
com todos os que pertencem ao mesmo genero, especie ou variedade, a que ella
he relativa. Esta estructura considerada exteriormente he a configuraçaõ, e
face externa das partes da planta presentadas aos nossos sentidos, sem
estrago anatomico, sem soluçaõ de continuidade, nem descomposiçaõ chymica:
considerada internamente he a sua organizaçaõ e constituiçaõ, em que se
comprehendem as partes organicas e constitutivas, escondida a nossos
sentidos pela continuidade de superficie, e sò patenteadas por meyo de
estragos anatomicos, roturas, e descomposiçoẽs chymicas. Estes dous modos de
considerar a estructura de hum vegetal indicaõ, que o seu habito devera por
conseguinte ser dividido em externo e interno, estabelecendo-se o primeiro
sobre [p. 231] tudo o que diz respeito à estructura externa, e o segundo no que respeita
somente á interna. Mas os Botanicos naõ costumaõ fazer estas differenças,
nem seguir este rigor, elles fazem so mençaõ do habito externo (habitus,
s. facies externa), e huns entendem por elle toda a configuraçaõ
exterior que hum vegetal prezenta á primeira vista, ou toda a razaõ de
semelhança e dessemelhança que elle tem com outros nas suas partes, sem
exceptuar as da fructificaçaõ, outros daõ o nome de habito externo
somente ás razoẽs de affinidade ou desconformidade, que os vegetaes tem
entre si em hum certo numero de partes, comprehendem promiscuamente no
habito externo algumas relaçoẽs, que rigorosamente so pertencem
TODOS os vegetaes que hoje existem saõ originarios ou de bolbos, ou de
gomos, ou de sementes; huns foraõ continuados
A disposiçaõ e forma das cotylédones no estado da germinaçaõ he chamada
cotyledonismo (placentacio, s. cotyledonismus); mas antes de tractar
desta disposiçaõ em particular he precizo advertir, que as sementes
humas saõ chamadas acotyledones (acotyledones), quando parecem constar
somente de corculo, por naõ serem nellas as cotyledones bem sensiveis,
como saõ as dos musgos
Nas sementes monocotylédones no estado de germinaçaõ a cotylédone fica sempre dentro do tegumento, consome-se, ou converte-se toda em alimento da tenra plantula, e por este motivo he que Linneo diz que as monocotyledones na germinaçaõ saõ rigorosamente acotyledones; a sua plumula consta de hum sò foliolo, e naõ ha por conseguinte mais do que huma so folha seminal, devendo-se considerar as outras immediatas, como folhas radicaes. No trigo, cevada, e todas as mais gramineas a cotyledone he furada pela [p. 236] plumula e radicula (perforata), e igualmente o tegumento, o qual vem por fim a ficar sem cotyledone, occo e exsucco; ella he unilateral nas palmeiras (unilateralis) e reductosa (reducta), na cebola.
Nas sementes dicotyledones no estado de germinaçaõ as duas cotyledones
contribuem para a preparaçaõ dos succos nutritivos da plumula e
radicula, e ordinariamente passaõ depois a ser folhas seminaes bastardas
O principio de vida, por meyo do qual se conservaõ perennemente as especies
vegetaes, reside na sementes, nos gomos, e bolbos. Alguns physicos pensaõ
que estes tres meyos de que se serve a natureza para perpetuar a vida
dos vegetaes saõ essensialmente a mesma coiza, e lhes daõ o nome de
gomos seminaes, radicaes, e caulinos: elles observaõ que em alguns
alhos, e ainda em algumas plantas Cryptogamicas a a natureza no lugar
onde costuma produzir flores, dá bolbos ou gomos os quaes reproduzem as
especies taõ perfeitamente como as sementes, que nas axillas das folhas ou ramos, lugar proprio dos
gomos, se vem algumas vezes bolbos decadentes, os quaes cahindo [p. 238] na terra reproduzem a sua especie, como os bolbos radicaes
ordinarios; que a estructura dos bolbos radicaes he summamente analoga à
dos gomos caulinos; que os gomos radicaes das plantas vivaces, e os
bolbos ordinarios saõ de huma natureza identica; que nalgumas sementes
como v. g. nas das nymphaea nelumbo se vem antes da germinaçaõ algumas
folhas perfeitas assim como
se observaõ nos gomos, e que se ha gomos floraes, ha do mesmo modo
taõbem bolbos floraes, como v. g. saõ os da tulipa
Os gomos (gemmae)
Os gomos da mesma sorte que os bolbos saõ hum verdadeiro abrigo contra os
rigores do inverno ao [p. 240] embryaõ que envolvem, e porisso Linneo lhes chamou com propriedade
invernadoiros (hybernacula)
Os gomos dizem-se terminaes (terminales), quando se achaõ situados nas pontas do tronco ou ramos: ordinariamente saõ solitarios, contudo na syringa vulgares achaõ-se dois a dois, e no aesculus pavia tres a tres.
Axillares (axillares), quando existem nas axillas, ou angulos formados pelo tronco e base das folhas ou seus peciolos, como se vê em hum grande numero de arvores.
Oppostos (oppositae), quando se achaõ dois no tronco ou ramos, fronteiros hum ao outro, e saõ ou peciolares (petiolares), como no buxo, medronheiro, freixo, loireiro, sabugueiro, madresylva, &c. ou estipulares (stipulares), como no rhamnus catharticus, e cephalanthus.
Alternos (alternae), quando estaõ postos nos dois lados do tronco ou ramos, gradualmente alternados, do modo que expliquei fallando das folhas alternas, e saõ ou peciolares (petiolares), como no salgueiro, nogueira, aroeira, &c. ou estipulares (stipulares, s. stipulaceae), como no choupo, ulmeiro, carvalho, figueira, amoreira, castanheiro, &c. ou peciolares com estipulas na base do peciolo (stipulaceo-petiolares), como na pereira, maceira, roseira, sylva, sorveira, &c.
Nullos (nullae), quando naõ existem na arvore ou arbusto.
Folheares (foliares, s. foliiferae), quando somente contem folhas, como os da figueira e betula alnus. Estes gomos saõ mais agudos do que os seguintes.
Floraes (florales, s. floriferae) quando somente contem flores, como os do damasqueiro, pessagueiro, [p. 242] amendoeira, &c. Estes gomos saõ hum tanto obtusos, e verdadeiros botoẽs, elles contem ou flores femininas como na aveleira e carpe, ou masculas como no pinheiro e abeto, ou emfim flores hermaphroditas como no ulmeiro, amendoeira, pessegueiro, &c. Ordinariamente succede que estes gomos daõ taõbem folhas, e porisso se lhes dá nesta circumstancia o nome de mixtos (communes, s. foliifero-floriferae.)
Ha muitas arvores, cujos gomos huns saõ folheares outros floraes, como o pessegueiro, ulmeiro, amendoeira, &c.; sabe se contudo pela observaçaõ, que os gomos folheares podem tornar-se floraes, e que estes podem taõbem vir a ser puramente folheares. Hum ramo de ulmo, de salgueiro, e de outras muitas arvores sendo plantado em huma terra competente naõ dará durante muito tempo mais do que gomos folheares, sem embargo de que na arvore, donde o cortaraõ, dava muitos gomos floraes, e os daria ainda, se nella estivesse. Os arbustos plantados em vazos, ou caxas daõ todos os annos gomos floraes e fructos, mas se os tiramos fora dellas, e os plantamos numa terra pingue, e á larga, naõ daraõ durante muito tempo senaõ gomos folheres; se os tornamos a metter em caxas ou vazos recomeçaraõ a dar, como dantes, gomos floraes e fructos. Hum ramo de huma arvore fructifera torcido, curvado, ligado ou privado de hum pequeno cincho de casa, mudará muitos dos seus gomos folheres em floraes, e por conseguinte dara fructos não somente mais depressa, mas taõbem em maior abundancia. Sobre esta observaçaõ fundaraõ os antigos a cultura das videiras, podando-as e empando-as, porque por meyo da poda a empa se diminue a [p. 243] seiva, e se modera o seu movimento nimiamente accelerado, que aliás nutriria a planta em demasia, e lhe faria viçar todos ou quasi todos os seus gomos floraes, tornando-os em folheares.
A palavra gomo tomada numa accepçaõ extensa comprehende, alem dos
gomos do tronco das arvores e arbustos os das suas raizes, os do tronco e
raizes das plantas herbaceas, aos quaes chamamos
Passado o inverno, e amornando-se a atmosphera, a seiva começa a ter maior movimento, faz inchar pouco a pouco os gomos, e se restabelece a vegetaçaõ, que os frios tinhaõ suspendido. Brotaõ emfim os gomos, e neste brotamento os botanicos observaõ que ha huma complicaçaõ nas folhas, a qual como invariavel naõ deixa de ser propria para se poderem tirar della caracteres habituaes, e lhe chamaõ folheatura dos gomos (foliatio, s. vernatio). He facil de observar esta complicaçaõ, se cortamos transversalmente com hum canivete os gomos brotados na raiz e tronco; em huns e outros as folhas saõ [p. 244] complicadas differentemente, o que foy a causa de lhes darem as diversas denominaçoẽs seguintes.
Involutosas (involuta), quando as duas margens lateraes de qualquer das folhas se enrolaõ para dentro na sua face superior, e formaõ duas pequenas volutas longitudinaes, como saõ as do choupo, violetta madresylva, maceira, tanchagem, urtiga, &c. Ellas saõ ou oppostas ou alternas segundo a situaçaõ, que depois vem a ter no tronco ou ramos.
Revolutosas (revoluta), saõ o contrario das precedentes; tem as suas duas margens lateraes enroladas para fora ou para a banda da face inferior, e formaõ duas pequenas volutas logitudinaes, como no alecrim, loendro, azedas, alfavaca de cobra, &c. Ellas podem ser ou oppostas, ou alternas.
Obvolvidas ou enganchadas (obvoluta), quando duas folhas se achaõ hum tanto dobradas, e cada huma dellas recebe na cavidade da sua dobra a metade da outra, de sorte que ficaõ logitudinalmente enganchadas, como se vê na salva, craveiro, escabiosa, &c.
Enroladas (convoluta), quando duas folhas se enrosçaõ huma na outra
Dobradas ao meyo (conduplicata), quando saõ dobradas em duas metades iguaes, e approximadas desde a sua nervura dorsal athe ao fio das magens, como na faya, aveleira, gingeira, roseira, sylva, [p. 245] potentilla, &c. Nas folhas compostas os foliolos saõ approximados huns aos outros desde o peciolo commum athe as suas pontas, como no freixo, çumagre, nogueira, &c.
Imbricadas (imbricata), saõ parallelas, encostadas a prumo humas ás outras, e as interiores menores, como no loireiro, nespereiro, gilbarbeira, alfeneiro, &c.
Acavalleiradas (equitantia) saõ conchegadas, e humas cobrem as outras de modo que as duas margens da folha exterior abarcaõ as duas da folha interior, e convergem sobre a nervura dorsal della, como nos lirios, junças, e algumas gramas. Estas folhas segundo a figura, que presentaõ juntas, saõ denominadas bigumeas ou trigumeas (ancipitia, aut triquetra).
Franzidas (plicata), quando tem logitudinalmente muitas pregas, como a malva, a althea, videira, alchimilla, &c.
N. B. A estas oito sortes de folheatura alguns botanìcos ajuntaraõ taõbem a das folhas reclinadas, e frondes circinaes que brotaõ das raizes, e devem ser observadas sem as cortar no periodo em que começaõ a romper á superficie da terra.
Folhas reclinadas (reclinata), tem as margens e disco coarctados ou engruvinhados, e formaõ huma especie de cabeça encurvada, para o peciolo, como as do acónito, anemone, &c.
Frondes circinaes (frondes circinales, s. foliatio circinalis), brotaõ de modo que ficaõ com a ponta, e [p. 246] divisoẽs lateraes encaracolladas. Estas frondes ou folhas quando o espique ou peciolo que as sostem começa a elevar-se hum tanto, figuraõ de algum modo hum bago de bispo, saõ proprias dos fetos e palmeiras.
A petaleaçaõ ou abotoaçaõ da corolla (aestivatio), he o estado de complicaçaõ em que ella se acha immediatamente antes de desabotoar. Diz-se valviforme (valvata), se as suas petalas presentaõ no dicto periodo huma configuraçaõ semelhante ás das valvulas de hum casûlo: inequivalve (inaequivalvis), se figura valvulas de diversa grandeza: retorcida (contorta), quando as petalas ou lacinias saõ torcidas entre si, como no loendro, congossa, &c. Ella tem ainda algumas denominaçoẽs semelhantes às da folheatura dos gomos, que facilmente se poderaõ entender pela explicaçaõ acima dada.
O tempo de vela das folhas
(foliorum vigiliae), segundo os botanicos, he o espaço, diurno em que
ellas tem as suas folhas
abertas, e o de sono pelo contrario he ordinariamente todo o espaço da
noyte.
Este estado de sono das folhas
(somnus foliorum), consiste em hum collapso ou mudança de posiçaõ, que
[p. 247] ellas costumaõ ter durante o tempo de vela.
Hum grande numero de plantas he susceptivel desta mudança nas suas folhas
As folhas neste estado de collapso saõ chamadas dormentes, e segundo as differentes posiçoẽs, que nellas se observaõ, receberaõ as denominaçoẽs seguintes, das quaes humas saõ relativas ás folhas simplez, outras ás compostas.
1º As simplez saõ denominadas:
Folhas dormentes convergentes, ou que se achaõ em collapso de convergencia (somnus connivens); saõ oppostas e tem as suas faces superiores conchegadas huma á outra taõ apertada, e regularmente, que parecem huma so folha; por esta posiçaõ resguardaõ das chuvas, e demasiada humidade da noyte os [p. 248] botoẽs das flores e os tenros gomos (a armoles hortense, e murujem).
Folhas dormentes recostadas, ou em collapso de recosto (somnus includens) saõ alternas, conchegadas ou encostadas ao tronco, e ficaõ cobrindo e abrigando os tenros gomos ou flores, que medeaõ entre ellas e o tronco (aenóthera biennis, sida abutilon, ayenia pusilla.)
Folhas dormentes ambientes ou em collapso de circuiçaõ (somnus circumsepiens) tem durante o dia huma posiçaõ horizontal, mas elevadas de noyte cingem a ponta do tronco, e formaõ humas com outras á roda delle huma figura afunilada (a mandragora, o estramonio, bidens tripartita, e malva peruviana.)
Folhas dormentes munitivas ou em collapso de munimento (sommus muniens); saõ ordinariamente as ultimas junto das pontas dos ramos ou tronco, guarnecidas de longos peciolos; durante o dia tem huma posiçaõ horizontal; mas inclinado-se ou arqueando de noyte para baxo formaõ á roda do tronco huma especie de abobada (impatiens noli me tangere, sigesbeckia orientalis, achyrantes aspera.)
2º. As compostas saõ denominadas:
Folhas dormentes dobradas ou em collapso de do bramento (somnus conduplicans), saõ dobradas a o meyo, isto he, tem os seus foliolos ou pinnulas com as faces superiores conchegadas, bem como as folhas de hum livro; so differem das convergentes em terem muitos foliolos approximados (as faveiras, [p. 249] o lathyrus odoratus, colutea arborescens, e hedysarum onobrychis.)
Folhas dormente involtosas ou em collapso de involuçaõ (somnus involvens), os seus foliolos convergem ou somente se tocaõ pelas pontas, e deixaõ entre as suas bases hum intervallo em forma de cavidade (a acetosella, alguns trevos, medicago polymorpha, lotus ornithopoides.)
Folhas dormentes divergentes ou em collapso de divergencia (somnus divergens), quando os seus foliolos ficaõ approximados pelas suas bases, mas com as pontas desviadas ou divergentes (o meliloto ou trevo de cheiro.)
Folhas dormentes dependuradas ou em collapso de precipicio (somnus dependens), os seus foliolos estaõ inclinados para baxo e como dependurados (lupinus hirsutus, hedisarum canadese, robinia pseudo-acacia, amorpha fructicosa.)
Folhas dormentes inversas ou em collapso de inversaõ (somnus invertens), os seus foliolos ficaõ inferiormente aoproximados dois a dois ao peciolo commum, e o mesmo tempo inversos, isto he, a sua face superior fica sendo interna e encoberta, ao mesmo tempo tempo que a inferior fica sendo externa (a canafistula).
Folhas dormentes imbricadas ou em collapso de imbricaçaõ (somnus imbricans), os seus foliolos saõ revirados como os das inversas precedentes, e alem disso ficaõ dispostos à maneira de telhas cobrindo todo o peciolo commum (a sensitiva, tamarindus indica, gleditsia triacanthos).
Por intorsaõ (intorsio, s. torsio) os Botanicos entendem as curvaturas, reviramentos, ou enroscamentos das partes dos vegetaes, e a denominaõ uniforme (conformis), se as dictas partes se curvaõ ou enrolaõ todas para a mesma banda, e difforme (difformis), se nem todas se curvaõ, ou quando se enrolaõ e curvaõ para differentes lados indeterminadamente.
Huma das principaes especies de intorsaõ he a volubilidade, ou enroscamento dos troncos e gavinhas, ora para a direita, ora para a esquerda, como ra expuz em seu lugar.
A intorsaõ pode ter taõbem lugar nas flores
Pode taõbem haver intorsaõ nos pistillos, como se vê na silene, cucubalus, spiraea ulmaria, e helicteres.
As espigas das plantas asperifolias, taes como a [p. 251] cynoglossa, heliotropium, myosotis, echium, &c. tem todas huma intorsaõ espiral na sua extremidade, em forma de voluta.
As fibras da base das praganas da avena, e stipa, as da cauda das capsulas do geranium, e das valvulas da capsula da impatiens, &c costumaõ formar longitudinalmente hum intorsaõ espiral semelhante á de hum fio torcido.
Debaxo dos nomes de glandulaçaõ, e escabrosidade (glandulatio, scabrities) os Botanicos comprehendem as excrescencias destinadas as secreçoẽs dos vegetaes, e muitas producçoẽs que fazem a sua superficie aspera, escabrosa. Ainda que muitas destas producçoẽs so diffiraõ levemente entre si, ellas tem contudo recebido bem diversas denominaçoẽs, as quaes se podem reduzir principalmente a quatorze, a saber: glandulas, verrugas, callos, pontos, graõs, visiculas, mamillos, tuberculos , utriculos, folliculos, poros, fossulas, pustulas, e cicatrizes.
As glandulas
(glandulae), segundo toda a extensaõ do termo, saõ qualquer excrescencia
ou porosidade superficial, que serve a alguma secreçaõ; mas huma
accepçaõ restricta, as glandulas saõ pequenas excrescencias
ordinariamente globulares, que se achaõ na superficie das plantas, e saõ
destinadas a filtrar e preparar os succos proprios da especie, a que [p. 252] pertencem; algumas saõ guarnecida de pelos, outras naõ tem pelos
alguns; humas saõ assaz viziveis à vista simplez, outras precizaõ de
lente para bem se destinguirem.
As que naõ precizaõ de lente saõ as mais proprias para notas
caracteristicas; daõ se nos peciolos das folhas como no martyrio, nas serraturas, ou
dente das folhas serreadas como
no salgueiro e amendoeira, nas antheras como na adenanthera, junto da
Verrugas (verrucae), saõ glandulas grossas e hum tanto chatas ou
concavas, com as que se vem nos peciolos das folhas do noveleiro, e ricinus
Callos (calli) saõ pequenas glandulas, pontos, ou globulos duros, contudo algumas vezes este termo he usado taõbem para significar a mesma coiza que cicatrizes ou fossulas superficiaes (pedicularis palustris, protea hirta, obliqua, &c.)
Pontos (puncta), saõ salpicos minimos glandulosos, taes como os que se vem nas flores da fraxinella. Este termo he taõbem usado para significar certas fossulas minimas dos receptaculos, como dos de dente de leaõ, e certos salpicos corados das folhas, como nalgumas especies de mesembryanthemum.
Graõs (granula, s. grana), saõ certas [p. 253] excrescencias globulosas, e callosas que se daõ nos tegumentos das flores da labaça, e outras especies de rumex.
Vesiculas (vesicula, papulae), saõ excrescencias cellulosas ou pequenas
bolhas coradas, e transparentes, que contem dentro em si alguns succos
proprios, como saõ as que se vem na superficie de huma laranja, e que
contem o seu oleo essensial
Mamillos ou tuberculos (mamilli, s. tubercula), saõ
pontos carnudos, pontudos, e ordinariamente mais largos na base, como os
do cactus mamillaris, e algumas euphorbias
Utriculos (utriculi)
Folliculos (folliculi) saõ excrescencias vesiculares que contem huma substancia aeriforme, elles saõ urceolares e semicirculares nas folhas da aldrovanda vesiculosa, hum tanto globosos e guarnecidos de duas pontas nas raizes de differentes especies de utricularia.
Poros (pori) este termo tem entre os Botanicos huma extensa significaçaõ, elles entendem por poros em geral certos meatos de differente largura e profundidade, que tem os seus orificios na superficie dos vegetaes; nelles comprehendem 1º. os poros finissimos, chamados taõbem vasos absorbentes, inhalantes, exhalantes, e tracheas; 2º. os poros largos da casca, como os que se vem na casca da cortiça, e nas cascas, da noz da amendoa, e outras semelhantes, que parecem antes merecer o nome de lacunas, fendas, buracos ou carcômas da casca, do que ser chamados pòros; 3º os poros fungosos, que saõ certos pequenos tubos ou alveolos que se vem bem destinctamente nos umbraculos dos boletos, e saõ considerados como organos relativos à fructificaçaõ destas plantas, 4º. os poros antherinos e estigmaticos, que se achaõ nas antheras e estimas das flores, como se vê nas antheras do tomateiro, e outras especies de solanum, e no estigma do amor perfeito; 5º os poros capsulares que saõ certos furos que se vem nas capsulas da campanula; 6º emfim, os poros excretorios ou glandulares, que saõ os que Linneo comprehende no [p. 255] artigo da glandulaçaõ, e os que por conseguinte pertencem a este capitulo; estes poros saõ certas pequenas cavidades superficiaes, que se observaõ nas folhas da urena lobata, e hibiscus tiliaceus, e na base dos peciolos do polygonum scandens).
Fossulas (fossulae, s. foveae), saõ pequenas cavidades excretorias, como v. g. as que se achaõ na base das petalas da coroa imperial, e outras especies de fritillaria.
Cicatrizes ou pustulas
Algumas glandulas e vasos superficiaes costumaõ naturalmente lançar de si hum humor viscoso ou glutinoso (viscositas, s. glutinositas); este humor he observado naõ so na casca do tronco e ramos, mas taõbem nas folhas, flores, e gomos, que em razaõ de serem lubrificados ou barrados por huma semelhante substancia saõ chamados viscosos. Como a preparaçaõ deste fluido pertence igualmente a vasos internos, e o costumaõ extrahir de muitas plantas por meyo de incisoẽs, pareceme ser mais proprio de tractar da sua natureza no capitulo seguinte.
Por succulencia (succulentia, s. lactescentia), os botanicos entendem a qualidade, e cor dos succos que vertem os vasos de huma planta, quando a ferimos ou quebramos.
Os succos das plantas dizem-se ser: aquosos (aquosi succi), quando naõ saõ corados e se assemelhaõ á agoa commua (a videira), lacteos (lactei, albi), se saõ da cor de leite, como nas euphorbias e papoila, amarellos (lutei), como na celidonia; vermelhos (rubri), como os do rumex sanguineus, e os dos ramos tenros do carthamus lanatus.
O succos preparados pelos vasos proprios dos vegetaes que sejaõ extrahidos por meyo de huma incisaõ artificial, quer derramados na casca por ex- sudaçaõ ou rotura, adquirem muitas vezes huma consistencia mais ou menos densa, e saõ chamados neste estado resinas, gommas, e gomas-resinas. As re- sinas (resinae), podem facilmente reconhecer-se, e distinguir-se das gomas pela razaõ de arderem rapidamente no fogo, e de se dissolverem em espirito de vinho e naõ em agoa, como saõ o pez, therebentinas, &c. A gomma (gummi), pelo contrario, naõ arde no fogo, e dissolve-se em agoa e naõ em espirito de vinho, como se vê na goma arabia e na das gingeiras e amexieiras; a goma-resina (gummi-resina), dissolve-se parte em espirito de vinho e parte em agoa, como se vê na que he extrahida da aloe.
O Sexo das plantas he fundado sobre o das suas flores, e por conseguinte
quasi todas as denominaçoẽs, que se costumaõ dar a estas relativamente ao
sexo, se podem com propriedade dar taõbem ás plantas que as produzem.
Pelo que as plantas dizem-se masculinas (plantae mares), quando daõ
somente flores masculas; femininas (feminae), se daõ somente flores
femininas; hermaphoditas (hermaphroditae), se daõ flores hermaphroditas;
monoicas (monoicae), quando no seu tronco ou ramos daõ flores humas
masculinas outras femininas, como o milho, melaõ, e abobara; dioicas
(dioicae), quando em dois individuos da mesma especie ha hum que dà
flores masculinas e outro femininas
Os modernos costumaõ dar o nome de hybridas, ou mulinas (hybridae) a certas
plantas, que procedem de duas especies diversas, assim como no reyno animal
os mulos procedem do coito do jumento e egoa, individos especificamente
differentes. Este effeito tem lugar nos vegetaes em razaõ de cahir o po
fecundante das flores de huma especie sobre o pistillo
das flores de outra; as sementes que provêm desta fecundaçaõ saõ as que
produzem as plantas hybridas
O viço dos vegetaes (luxariatio), he considerado por alguns botanicos ou como floral ou como habitual; o floral he relativo às partes da fructificaçaõ, e delle fallei jà em seu lugar; o habitual consiste na mudança que algumas causas occasionaes fazem nas partes da vegeteçaõ, isto he, em quaesquer partes que naõ saõ flor nem fructo, e como esta alteraçaõ tem lugar nas plantas da mesma especie e as faz variar, e degenerar costumaõ taõbem dar-lhe o nome de variaçaõ ou de degeneraçaõ (variatio, s. degeneratio); mas estes dois termos tem huma accepcaõ mais extensa.
O viço tem lugar ás vezes no tronco,quando as plantas vem a ser cespitosas
(cespitosae) lançando da mesma raiz em hum terreno pingue
muitos troncos, aindaque aliás no terreno que lhes he natural somente
lançaõ hum
A degeneraçaõ das plantas pode ter lugar de muitos modos, em razaõ da cultura, mudança de terreno, clima, idade, &c. A cultura naõ amansa menos as feras do que as plantas; ella lhes faz perder os seus espinhos, hispidez, e toda a sorte de pelos, amacia a aspereza dos seus succos, e adoça muitas vezes o amargo e acidez dos seus fructos; as plantas que cultivamos em nossos jardins, hortas, e pomares daõ disro huma clara prova; o estado inculto ou bravio era o seu estado natural; parecenos que lho melhoramos pelas enxertias e amanhos, e pensamos que degeneraõ todas as vezes que por falta da devida cultura [p. 261] tornaõ a ser bravas; mas na realidade aos olhos de hum sabio naturalista he huma verdadeira degeneraçaõ o que chamamos estado de melhoramento; huma amexieira, huma alcachofa hortense, ás quaes a cultura fez perder os seus espinhos, vivem degeneradas em quanto se conservaõ neste estado; mas logo que abandonadas á revelia da natureza recobraõ seus espinhos, devem ser consideradas como restituidas ao seu estado natural.
O terrenos differentes fazem muitas vezes que as folhas largas venhaõ a ser estreitas, que sejaõ glabras em huns e hispidas ou peludas em outros, e que os troncos tenhaõ differentes direcçoẽs. O clima naõ deixa taõbem de fazer degenerar as plantas quanto à sua duraçaõ, e as plantas que nos paizes quentes saõ vivaces, taes com as chagas, boa noyte, manjerona, ricinus, &c. transplantadas nos paizes frios vem a ser annuaes. A idade faz algumas vezes perder os aculeos e hispidez aos troncos, e as vezes mesmo lhes faz tomar huma forma arborea e mudar a figura de suas folhas, como se vê na hera.
O viço e degeneraçaõ podem fazer variar de muitos modos huma mesma especie, mas delles naõ resultaõ jamais novas especies, e he erro crer por ex. que a avea cortada antes da florecencia degenere de tal modo que no anno seguinte se converta em senteio, ou que o trigo em huma terra magra degenere em senteio, este em cerada, a cevada em joyo, &c. O corculo das semente he sempre huma plantula propria, segundo as leys da natureza, para continuar a forma especifica do ente que a produzio, porque aliás teriamos novas creaçoẽs; elle he formado [p. 262] da medulla da planta materna, ou de huma substancia similar de modo, que naõ pode perpetuar senaõ Individuos especificamente semelhantes aquelle a quem esteve apegado no tempo, em que foy gerado e nutrido. Do mesmo modo os ramos, gomos, e bolbos por mais variedades, que possaõ dar, sempre conservaõ os caracteres e essencia da sua especie, porque saõ della meros pedaços vitaes. Pelo que dizer, que hum ramo ou colmo de avea v. g. pode dar huma espiga com sementes de senteio, he querer mudar a natureza das vegetes e fingir chimeras.
Os differentes estados da atmosphera, os excessivos calores ou frios,
qualquer vicio notavel da transpiraçaõ, a obstrucçaõ dos vazos, a plenitude
e condensaçaõ dos succos, e as corrosoẽs e picadas dos insectos saõ as
principaes causas das doenças dos vegetaes (morbi). Ellas saõ taõ
numerosas que podiaõ formar o sujeito de hum bom tractado pathologico
Ferrugem (rubigo), he hum po da cor da ferrugem do ferro, que salpica as folhas ordinariamente na sua [p. 263] face inferior: he frequente nas gramas, na alchimilla, rabus saxatilis, e nalgumas especies de euphorbia, e de senecio.
Bolor (erysiphe), esta especie de doença consiste em hum bolor branco, composto de cabecinhas fuscas e rentes que salpicaõ as folhas, e se vê no luparo, e nalgumas especies de lamium, lithospermum, galeopsis e acer.
Cravagem (clavus), saõ pontas denigridas que se observaõ as vezes nas sementes do senteio e junças.
Fogagem (ustilago, uredo), he huma especie de carie das sementes de maneira que a planta, em vez de dar sementes, da huma farinha negra: observa-se muitas vezes nas espigas da cevada, avea, trigo e outras gramas, como taõbem nalgumas especies de escorcioneira, e tragopogon.
Crestamento do sol (aestus, s. aestuatio), quando saõ crestadas pelos grandes calores, e desmayaõ de tal sorte que ordinariamente perecem. Os antigos quando viaõ desmaiar huma planta e morrer por hum golpe de sol
Ensoamento (sitis), quando por falta de agoa ou de sufficiente humidade desmayaõ hum tanto, mas tornaõ a restabelecerse, sendo regadas, ou sobrevindo chuvas.
Friagem (pernio), quando saõ em parte crestadas do frio, ou feridas pelo granizo.
[p. 264]Geladura (congelatio), quando todos os seus succos saõ congelados, ou que o movimento destes he de tal modo estorvado e suspendido pelo frio, que morrem.
Marasmo ou atrophia (fames, marasmus, s. atrophia), quando por falta de terra, de succos competentes, ou qualquer outra causa emagrecem summamente ou perecem de magreza.
Corpulencia (polysarchia), quando engrossaõ mais do natural em razaõ dos demasiados succos, e nimia nutriçaõ.
Cancro (cancer), he hum grande inchaço causado pela extravasaçaõ dos succos, sem contudo rebentar a epiderme.
Plethòra ou plenitude (plethora), segundo alguns naturalistas he huma demasiada abundancia de succos de modo que se extravasaõ por meyo de algumas roturas da epiderme, o que constitue hemorrhagias mais ou menos consideraveis; as resinas, gomas, gomas-resinas saõ, segundo elles, especies de hemorrhagias vegetaes occasionadas por huma plenitude de succos.
Picadas, e ninhos dos insectos (morsus, nidique insectorum); esta casta de animaes naõ so mordem, e retraçaõ as plantas para com ellas se nutrirem, mas ainda para nellas deporem seus ovos, hum dos factos notaveis, a que os dirige o seu instincto: deste effeito resultaõ muitas excrescencias e desordens na estructura ordinaria das partes dos vegetaes que elles atacaõ, como saõ por ex. as galhas, ou bugalhos (gallae), que se observaõ nos carvalhos, salgueiros, &c. as quaes são certas excrescencias esponjosas com os ovos do insecto no centro; o bedegar da rosa de [p. 265] caõ (bedeguar) especie de novello resinoso e hirsurto; os follilhos (follicuti) como os que se vem nos ramos e folhas dos choupos, ulmeiros, &c; as escamaçoẽs (squammationes) como as do abeto, e salix rosea; e as contorsoẽs (contorsiones) como as do cerastium, veronica, lotus, &c. Os insectos causaõ taõbem algumas monstruosidades nas flores, fazendo-as dobrar, prolificar, &c como ja notei em seu lugar.
A grandeza ou medida (magnitudo, s. mensura), he como a notei, ou relativa ou obsoluta; a relativa he a largura, ou comprimento das partes dos vegetaes comparadas humas com as outras; a absoluta consiste nas dimensoẽs conhecidas, ou nas que saõ deduzidas das partes e estatura do corpo humano, que se reduzem as seguintes.
Hum cabello (capillus) he o diametro ou grossura de hum cabello, que se suppoem ser a duodecima parte de huma linha, e neste sentido as partes dos vegetaes dizem-se ser verdadeiramente capillares, (capillares) quando saõ da grossura de hum cabello.
Huma linha (linea), he a largura que costuma ter a raiz de huma unha, excepto a do dedo pollegar, e se suppoem ser a duodecima parte de huma pollegada: neste sentido a grandeza diz-se ser linhear ou de huma linha (linearis).
[p. 266]Huma unha (unguis), he o comprimento della, que se suppoem ser seis linhas ou meya pollegada, e neste sentido a grandeza diz-se ser de huma unha (unguicularis).
Huma pollegada (pollex, s. uncia), he o diametro do dedo pollegar ou taõbem o espaço que vay desde a sua ultima junta athe à ponta, que se suppoem ser doze linhas, e neste sentido a grandeza diz-se ser de meya pollegada (semiuncialis) de huma pollegada (uncialis, s. pollicaris), de pollegada e meya (sesquiuncialis, s. sesquipollicaris) de duas pollegadas, &c. (biuncialis, &c.).
Huma maõ travessa (palmus), he a largura de quatro dedos reunidos, excepto o pollegar, e se suppoem ser tres pollegadas; neste sentido a grandeza diz-se ser de meya maõ travessa, de huma maõ travessa, e de maõ travessa e meya (semipalmaris, palmaris, sesquipalmaris).
Hum palmo de craveira, hum palmo maior (dodrans), he o espaço que medea entre a extremidade do dedo pollegar, e a do minimo bem estendidos, o que se suppoem ser nove pollegadas, donde a grandeza se diz ser de hum palmo de craveira (dodrantalis).
Hum palmo bastado ou palmo menor (spithama), he o espaço que medea entre a extremidade do dedo pollegar, e a do dedo mostrador, seu immediato, bem estendidos, o que se suppoem ser sette pollegadas, donde a grandeza se diz ser de hum palmo bastardo (spithamea).
Hum pe (pes), he pouco mais ou menos o espaço que medea desde o sangradoiro do braço athe á bado dedo pollegar, o que se suppoem ser doze [p. 267] pollegadas, donde a grandeza se diz ser de meyo pe (semipedalis de hum pe (pedalis), de pe e meyo (sesquipedalis) de dois pés, &c. (bipedalis, &c.)
Hum covado natural (cubitus), he o espaço que vay desde o cotovelo athe a ponta do dedo grande, que se suppoem ser desasette pollegadas; a grandeza diz-se ser de hum, dois, tres covados naturaes, &c. (cubitalis, bicubitalis, tricubitalis, &c.)
Hum braço (brachium), he o espaço que vay desde o sovaco athe á ponta do dedo grande, o que se suppoem ser dois pez, donde a grandeza se diz ser de hum braço (brachialis).
Huma braça, ou a altura de hum homem (orgya, altitudo humana, s. hexapoda), he o espaço que vay da extremidade de huma maõ athe a da outra, estando os braços abertos, o que se suppoem ser seis pès, donde a grandeza se diz ser de huma braça (orgyalis, s. sexpedalis).
As cores dos vegetaes (colores), de que tracto presentemente neste artigo, naõ somente saõ as que respeitaõ ás partes da fructificaçaõ, aonde costumaõ ser infinitamente variadas, mas taõbem as que saõ relativas a toda a superficie de qualquer das suas partes. Os antigos consideravaõ as cores como huma das principaes notas do habito externo, com que [p. 268] se podiaõ destinguir as especies; Linneo criticou fortemente este sentimento, dizendo que se bem que ellas podiaõ servir para fazer destinguir as variedades, naõ subministravaõ caracteres seguros para estabelecer especies; alguns modernos contudo naõ admittem inteiramente este parecer, e pensaõ que elle he sojeito a excepçoẽs, como direi em outro lugar. Os differentes gráos de intensidade, com que a natureza còra as flores naõ se podem perfeitamente exprimir nem com vozes, nem com penna, e raras vezes ainda mesmo o pincel as bem imita. Alguns pensaõ que se podiaõ dar sufficientes idéas de muitas dellas, comparando-as com as cores fixas das substancias de que usaõ os pintores e tintureiros; este parecer podia ser adoptado se os Botanicos julgassem ser necessario empregar os nomes exactos das cores na descripçaõ de qualquer planta, mas commumente desprezaõ esta circumstancia, e porisso bastará fazer so mençaõ aqui das cores ordinarias, de que elles costumaõ usar algumas vezes, as quaes se podem reduzir ás seguintes.
Branco cor de leite (albus, niveus, s. lacteus), como as açucenas, jasmins, e ordinariamente as flores da primavera e bagas doces; esbranquiçado, alvadio (albicans, incanus), como saõ as folhas de algumas especies de verbasco.
De cor vidrenta ou de cristal (hyalinus, s. vitreus); cor d'agoa (aqueus, s. undulatus) estas cores observão-se muitas vezes nos filetes dos estames e no estylete do pistillo.
Cinzento (cinereus); cor de chumbo (plumbeus, lividus.)
[p. 269]Negro (niger); fusco, pardo (fuscus); fullo, baço (fullus); a cor negra observa-se muitas vezes nas raizes o sementes, mas he raro de a ver nos fructos e ainda muito mais raro na corolla.
Pallido (luridus); cor de pêz (piceus, ater).
Amarello (luteus); cor de enxofre (sulphureus, flavus); estas cores saõ proprias da maior parte das antheras, e das corollas das flores semiflosculosas de Tournefort, como taõbem de hum grande numero das que se daõ no outono.
Açafroado (croceus); cor de fogo (flammeus, fulvus).
Gris ou griseo (gilvus) cor de tejolho (testaceus).
De cor da ferrugem do ferro (ferruginens).
Vermelho (ruber); as flores do estio, e bagas azedas tem ordinariamente esta cor; vermelho cor de sangue (sanguineus); vermelho cor de carne, ou encarnado (incarnatus); escarlatino, cor de escarlata (coccineus, puniceus); cor de rosa (roseus).
Purpureo, cor de purpura (purpureus, phaeniceus, s. tyrianthinus); purpureo claro (diluté purpureus); purpureo escuro (saturatè purpureus, s. atropurpureus); roxo (violaceus, janthynus, caeruleo-purpureus).
Azul (caeruleus); azul celeste (cyaneus); estas cores saõ mui frequentes nas corollas.
Verde (viridis); verde cor de alho porro (prasinus); verdemar (thalassinus); verdenegro (atroviridis). A cor verde he propria da maior parte das folhas e do calyz; mas he rarissima na corolla.
Garço (glaucus, glaucinus, caesius); a cor garça participa da verde e da azulada, e porisso muitos a [p. 270] comparaõ com propriedade á cor da pedra preciosa chamada beryllo.
O cheiros das plantas (odores), de que faço aqui mençaõ saõ relativos
naõ sò as flores e fructos, mas taõbem às folhas, ramos, troncos,
raízes e a quaesquer partes vegetaes.
Todas as plantas rigorosamente fallando tem hum cheiro particular
As plantas ou saõ de hum cheiro suave e agradavel (suaveolentes), ou de hum cheiro pesado, fetido, e desagradavel (graveolentes); entre os cheiros suaves saõ numerados o fragante, o almiscarado e o aromatico, e nos desagradaveis saõ considerados o alliaceo, o hircoso, viroso, e nauseoso.
Cheiro fragrante (fragans), he agradavel sem contudo ser almiscarado nem aromatico; tal he por ex. o do jasmim, açucena, goivo e outras muitas flores; pode-se dar igualmente em todas as mais partes das plantas, como se vê na manjerona, ouregaõ, manjericaõ, segurelha, herva cidreira, alfazema, tomilho, serpaõ, &c.
Almiscarado (ambrosiacus) he forte, penetrante, e se assemelha hum tanto ao de almiscar, tal he o que se observa no geranium moschatum, malva moschata, chenopodium ambrosioides, &c.
Aromatico (aromaticus), he fragante ao olfacto e se da igualmente a conhecer o acto da mastigaçaõ; está sempre reunido com hum principio acre ou picante; tal he por ex. o cheiro da canella, cravo da India, e do Maranhaõ, da noz moscada, alcanfor, casca de laranjas, &c.
Cheiro alliaceo, ou de alho (alliaceus) he forte, misto com hum principio acre, proprio do alho ou evidentemente semelhante ao do alho; tal he o da cebolla e de todas as especies de alho, o da assa fetida, o do erisymum alliaria, &c.
Cheiro hircoso (hircinus) he forte, desagradavel, e se assemelha hum tanto ao cheiro fetido dos sovacos dos braços, a que alguns chamaõ catinga ou [p. 272] cheiro de bode; tal he o que se observa no geranium robertianum, e chenopodium vulvaria.
Cheiro viroso (teter, s. virosus) he fetido, desagradavel, sem contudo ser alliaceo nem hircoso, tal he por ex. o do cravo de defuncto, o do sabugueiro, o do opio, o de algumas especies de cotula e anthemis, o do linho canamo, do meimendro, dos cogumelos, &c. Elle se diz ser nauseoso (nauseosus), se he forte, e o olfacto o naõ pode supportar repetidas vezes, ou quando excita nausa, dores de cabeça, &c. tal he o da arruda, sisymbrium tenuifolium, do helleborro, datura, &c.
Os sabores das plantas (sapores), saõ summamente variados naõ so nas differentes especies, mas ainda na mesma especie, e no mesmo individuo. Os differentes terrenos, os sitios, e cultura daõ aos fructos da mesma especie gostos bem diversos; huma planta na idade tenra ordinariamente tem hum gosto differente do que tem na idade adulta; o sabor dos fructos differe quasi sempre do que tem o corpo da planta que o produzio, e ainda no mesmo fructo ha sabores bem diversos, como se vê na romaan, pessego e laranja, reconhecendo-se nos bagos daquella e no miolo dos caroços destes hum gosto bem differente do resto do fructo.
Rigorosamente fallando naõ ha no reyno vegetal planta alguma insipida, todas tem hum sabor herbaceo (herbaceus) mais ou menos perceptivel, mais [p. 273] ou menos occulto, segundo os sabores, com que se acha confundido. O sabor herbaceo na murugem v. g. he simplez ou dominante, e se assemelha ao sabor aquoso; nas acelgas e espinafres reconhece-se ser hum tanto composto de principios oleosos e salinos; contudo como as impressoẽs que semelhantes plantas causaõ sobre os organos do gosto saõ muito modicas, e se destinguem pouco das que causa ordinariamente a agoa, daqui procede dizer-se commumente que ellas tem hum sabor insipido ou aquoso (insipidus, s. aquosus), o qual he considerado como a primeira especie de sabor.
A segunda especie de sabor he o azedo (acidus), como o do limaõ, ginja, e groselha: nestes e outros semelhantes fructos o sabor acido esta sempre reunido com huma pequena porçaõ do austero, e nas cerejas, maçaans, amoras, &c esta mais ou menos enfraquecido pela substancia saccharina, que nellas constitue o sabor doce, misto com elle.
Austero ou estyptico (stypticus), he o que se observa nas galhas do carvalho, e na casca das arvores.
Acerbo (acerbus), he hum gosto composto de azedo e de estyptico
Doce (dulcis), he o que se acha na cana de assucar, na raiz do alcaçûz, no colmo das gramas, nos figos, tamaras, &c.: ordinariamente esta misturado [p. 274] com huma leve acidez, e as vezes taõbem com hum pouco de estypticidade, ou acrimonia, como no polypodio, avenca, feto macho, &c.
Salgado (salsus), he o que se observa em algumas plantas maritimas, como nalgumas especies de salsola salicornia.
Amargozo (amarus), ordinariamente esta confundido com o estyptico, acre ou aromatico; na genciana parece ser puro; no rhubarbo he misto com o estyptico; na casca de laranja e limaõ está misto com o aromatico; na curcuma junto com o acre; na assa foetida reunido com o sabor nauseoso; nas terebenthinas e outras substancias resinosas he denominado amargo-balsamico; na chicoria, almeiraõ, dente de leaõ e outras analogas daõ-lhe o nome de amargo-refrigerante, e o que se acha dentro dos caroços e nalgumas pevides he chamado por alguns amargo de amendoa.
Acre ou picante (acris), he o que se acha nos alhos, cebolas, agrioẽs, mastruços, pimentaõ, &c.; ordinariamente esta combinado com outros sabores; na curcuma por ex. esta misto com o amargo, na gengivre com o aromatico, e na polygala senega com o nauseoso.
Aromatico (aromaticus), he hum sabor acre misto com huma substancia de sensaçaõ fragrante; he mais ou menos puro á proporçaõ que o principio aromatico he mais ou menos dominante sobre o acrimonioso, e dahi procede que a canella tem hum sabor aromatico mais puro do que a gengivre. O sabor aromatico acha-se taõbem algumas vezes misto com o amargo, como se vê nas cascas de limaõ e de laranja.
[p. 275]
Nauseoso (nauseosus) he acre, misto com hum principio fetido ou
nauseoso
Em quanto o numero dos vegetaes geralmente conhecidos foy facil de reter de memoria, ou reduzido somente aos curtos limites de huma materia medica, naõ conhecemos que houvesse destribuiçaõ alguma, que merecesse o nome de systema ou methodo; tal foy o estado da Botanica entre os antigos Gregos e Romanos, e na idade media athe à restauraçaõ das lettras na Europa. Depois desta epoca o numero dos vegetaes conhecidos tendo consideravelmente augmentado, Cesalpino vendo claramente que sem huma disposiçaõ methodica senaõ podia adiantar o estudo dos entes do reyno vegetal, imaginou hum systema, com que os tirou do informe cahos em que jaziaõ; outros sabios seguiraõ depois o seu exemplo, e hoje os systemas em Botanica saõ de huma necessidade absoluta.
A Botanica no estado actual, em que se acha, naõ so costuma tractar dos termos technicos, que conduzem a fazer conhecer hum vegetal por meyo deste ou daquelle systema, mas igualmente ensina em geral o que he hum systema ou methodo Botanico, [p. 277] e como elle se costuma destribuir segundo as regras da boa critica. Estas relaçoẽs e partes didacticas parecem ser inseparaveis em qualquer bom tractado elementar desta sciencia; porque se hum verdadeiro Botanico naõ somente se deve achar em estado de poder entender todos os systemas relativos aos vegetaes, mas taõbem de poder traçar novos; a Botanica por conseguinte deve naõ menos empregarse no que contribue a comprehendelos do que a formalos.
Hum systema ou methodo em Botanica (systema, s. methodus) he hum corpo de doutrina composto de certo numero de generos supremos, e subalternos que conduzem gradativamente ao destincto conhecimento das especies vegetaes. Os generos supremos saõ chamados classes; os subalternos ordinariamente saõ dois, huns medios chamados ordens, e outros infimos denominados simplezmente generos; estes ultimos contem as especies, e estas as suas variedades. Em certo modo hum systema pode comparar-se
Mas para proceder com mais clareza, e dar ideas mais exactas dos systemas
Botanicos, devo advertir que todos os que athe agora se tem imaginado podem
ser reduzidos a tres sortes, a saber, systemas naturaes, artificiaes, e
mixtos de naturaes e artificiaes. No systema natural
O methodo synthetico he o que conserva mais as affinidades, e o que se chega mais à natureza, mas as suas divisoẽs saõ sujeitas a serem longas e difficeis; nos seus titulos parece haver falta de nexo, os caracteres dos generos parecem obscuros e confusos; as razoẽs de affinidade saõ tiradas de muitas partes, e jamais de huma so ou de poucas, donde resulta que elle so costuma agradar aos que estaõ ja adiantados em Botanica. O methodo analytico ou artificial he opposto à natureza, dissolve e sacrifica ás suas leys as affinidades, e as plantas de huma classe ou ordem natural se achaõ nelle misturadas com as da artificial ou arbitraria. Sem embargo disto, he o mais simplez e facil, serve de hum grande soccorro á memoria e conduz ao conhecimento das plantas por hum caminho plano e abbreviado. Por esta razaõ, e porque as suas divisoẽs genericas saõ estabelecidas sobre o exame de huma das partes das plantas, e agrada mais aos principiantes (que naõ gostaõ nem entendem ordinariamente as grandes combinaçoẽs de caracteres) sem deixar contudo de agradar taõbem e de ser bastantemente util ainda mesmo aos Botanicos consumados; mas para agradar a estes he precião que elle guarde exactamente as suas leys.
[p. 281]Ha taõbem huma sorte de distribuiçaõ analytica chamada synoptica (divisio
synoptica, s. synopsis), que consta de divisoẽs semelhantes ás ramificaçoẽs
das taboas genealogiças, mais ou menos longas, mais ou menos numerosas, sem
limites certos genericos, ou sem se limitarem a classes, ordens, generos e
especies, como as dos systemas ou methodos artificiaes ordinarios. Linneo
Todos os methodos e systemas que athe agora se tem imaginado em Botanica saõ mais ou menos defeituosos, e naõ me parece possivel que possa haver algum sem imperfeiçoẽs. Alguns Botanicos saõ de parecer que todos os entes do reino vegetal, que se achaõ proxima, ou remotamente dispersos sobre a face do nosso Globo, formao entre si huma cadea, e fazem parte de hum todo progressivo; que cada individuo pertence a esta cadea em geral, e ao mesmo tempo em particular a huma especie, as especies a generos naturaes, estes a familias naturaes, e que estas familias formaõ gradativamente hum todo encadeado que constitue à clave do verdadeiro methodo natural, em cuja investigaçaõ se devem occupar todos os botanicos, por naõ haver outro na natureza. Elles accrescentaõ que este methodo fora traçado pelo Autor da natureza, cuja profunda sabedoria vinculou todos os entes do universo huns com os outros, e cada hum delles com o todo; que se por ora o naõ podemos plena e perfeitamente perceber, o descobriremos quando tivermos as descripçoes de todas as plantas, que ha no [p. 283] globo terrestre; que prezentemente basta para nos convencer disto observar a gradaçaõ das plantas imperfeitas ás perfeitas, e os fragmentos do dicto methodo natural assaz bem reconhecidos nas familias naturaes das gramas, labiadas, leguminosas, umbrelladas, cruciferas, e algumas outras de que tractaõ os systemas naturaes, os quaes segundo elles naõ saõ outra coiza mais do que pequenos esforços que dirigem a descobrir o verdadeiro methodo natural. Contudo na opiniaõ de outros Botanicos semelhante methodo he o mesmo que a pedra philosophica: admittindo, dizem elles, que senaõ tenhaõ perdido especies nas vastas inundaçoẽs, volcanos e outras revoluçoes do nosso Globo, e que os entes do todo o reyno vegetal se achem encadeados huns com os outros, e cada hum delles com o todo, nem porisso podemos esperar de chegar a ter esse perfeito methodo denominado o unico da natureza; antes pelo contrario isso mesmo parece opporse a obtelo. Essa cadea, ou laço com que os entes vegetaes saõ viculados, naõ saõ outra coiza mais do que as suas affinidades; ora estas affinidades, seraõ sempre irremediaveis obstaculos á perfeiçaõ de qualquer methodo ou systema.
A progressaõ das affinidades, em qualquer me thodo que se pode idear, ou he synthetica ou anaIytica, em linha de ascenso ou de descenso: a progressaõ analytica naõ pode ter lugar em hum methodo natural, e a synthetica sera sempre insufficiente á sua perfeiçaõ. Na supposiçaõ dada, a natureza poz laços naõ equivocos entre todos os entes vegetaes: por conseguinte naõ poz balizas nas classes nem em generos alguns, e os seus limites seraõ sempre [p. 284] inconstantes. Se olhamos attentamente para cada hum dos caractéres das plantas de classes assaz analogaa entre si, e denominadas naturaes, vemos que posto que existem na maior parte dellas, faltaõ contudo em algumas, que saõ muito poucas as que tem todos os caracteres constantemente
O lepidium ruderale, e cardamine impatiens saõ classadas entre as plantas da familia das cruciformes, e contudo naõ tem corolla alguma; o teucrium, ajuga, e acanthus, que se achaõ entre as labiadas, tem a corolla de hum so labio.
As hortelaans, ainda que tem muitas notas caracteristicas da familia natural das labiadas, naõ se assemelhaõ a ellas ha corolla e estames senaõ imperfeitamente. A olaia e sophora que muitos grandes Botanicos contaõ entre as leguminosas naõ tem os estames adunados como ellas; o astragalus tem a vagem de duas cellulas, e a amorpha tem a corolla de huma so petala, sem embargo disso estes generos pertencem á familia natural das leguminosas, que costumaõ ter a vagem de huma so cellula, e a corolla de quatro petalas. Emfim, ainda mesmo entre as especies do mesmo genero dicto natural, ha plantas que differem bastante nas suas partes, principalmente quanto ao numero e sexo, como v. g. saõ as especies de lepidium, polygonum, phytolacca, cleome, mimosa, &c, &c.
Sem embargo de que este ultimo sentimento seja assaz provavel, contudo naõ se segue que devamos abandonar inteiramente o projecto de trabalhar em hum methodo natural o mais perfeito que nos for possivel. Todos os grandes Botanicos saõ deste parecer
Naõ se segue igualmente que devamos desterrar de Botanica qualquer sorte de systema artificial, e que devamos so occuparnos em fazer methodos naturaes que conduzaõ à perfeiçaõ do methodo dezejado. Os principiantes naõ podem passar sem hum systema artificial, elles naõ se embaraçaõ com affinidades, nem com gradaçoẽs naturaes, e so dezejaõ saber por meyo de poucas operaçoẽs o nome da planta, que encontraõ misturada com outros individios numerosos [p. 286] e de formas differentes. Pelo que sera sempre necessario nas escolas naõ empregar outra sorte de systemas para os introduzir ao estudo de Botanica. Os diversos systemas artificiaes foraõ a causa do progresso que tem feito a Bolanica; cada systematico foy obrigado a observar de novo todos os vegetaes ja observados, a verificar os caracteres conhecidos, e a forcejar por descobrir outros adequados ao seu systema; donde resultou que muitas partes e notas caracteristicas, que dantes tinhaõ sido desprezadas, foraõ bem descriptas, contribuiraõ para melhor fazer reconhecer as affinidades, e enriqueceraõ a Botanica. Os systemas analyticos asem de contribuirem para o adiantamento da Botanica seraõ sempre huns catalogos judiciozos e uteis, pela sua simplicidade, pela brevidade das suas gradaçoẽs, e por ajuntarem os materiaes destinados á construcçaõ de hum bom methodo natural, os quaes hum genio feliz enriquecido de observaçoẽs podera algum dia vir a por em execuçaõ; e ainda mesmo no cazo de termos hum bom methodo natural naõ deixaraõ de servir de ajudarnos juntamente com elle para achar os nomes das plantas com maior certeza e segurança. Eu naõ sou do parecer dos que dizem que basta que haja hum so systema artificial em Botanica, e que os Botanicos deveraõ cuidar em aperfeiçoar hum dos que existem e seguilo geralmente, abando nados todos os outros, por mais aperfeiçoado que seja hum systema artificial tera sempre seus lugares obscuros, seus lados fracos, e naõ sera izento de difficuldades. Nem sempre as partes, que vemos em huma planta, que queremos conhecer, saõ as que servem de fundamento ao systema que seguimos; as [p. 287] que nos podiaõ servir, muitas vezes naõ se achaõ em madureza, ou tem passado; contudo as dictas partes que vemos saõ assaz sufficientes em outro systema para nos fazer conhecer a planta. As notas caracteristicas de hum genero saõ muitas vezes assaz custosas de se perceberem por hum systema, ao mesmo tempo que os caracteres do mesmo genero saõ bastantemente claros e faceis em outro systema. Hum estame abortado, ou supranumerario basta para embaraçar os que usaõ de hum systema sexual, e naõ sabem valerse de outro; em summa, as difficuldades que se achaõ em hum systema podem vencerse com o uso de muitos juntos. Donde resulta, que sem embargo de que demos a preferencia a hum systema, naõ devemos deprezar os mais, principalmente se elles seguem exactamente as suas leys, e saõ formados segundo as regras da boa critica.
Todo o trabalho dos systematicos versa sobre a disposiçaõ, e sobre a denominaçaõ das partes que dispoem, como se collige do que expuz no capitulo precedente. Estas partes ou saõ genericas ou especificas ou variantes. As genericas que constituem as maiores divisoẽs de qualquer disposiçaõ systematica ou methodica saõ ordinariamente as classes, ordens, e generos infimos, e todas ellas saõ sujeitas ás mesmas leys methodicas com bem pouca differença.
[p. 288]
Huma classe (classis), no parecer dos Botanicos modernos, he hum
aggregado de muitos generos medios conformes nas partes da fructificaçaõ
As classes humas saõ naturaes outras artificiaes.
As naturaes saõ formadas syntheticamente, e constaõ de muitos generos
naturaes
As ordens, como subdivisoẽs das classes, devem seguir a sua formalidade
methodica; por conseguinte as das classes naturaes devem ser fundadas em
muitas notas caracteristicas, e as das artificiaes em huma so
Alguns Botanicos costumavaõ dividir em duas grandes classes primarias
todos os entes do reyno vegetal, a saber, em plantas herbaceas e
lenhosas, ou em hervas e arvores; mas a doutrina da fructificaçaõ fez
abolir esta sorte de distribuiçaõ primaria que parecia pertencer mais
aos troncos
Nos systemas artificiaes e mixtos quanto mais [p. 291] longas saõ as classes, tanto mais oppostas saõ á natureza, e difficultozas, como saõ por exemplo a Pentandria e Syngenesia do systema de Linneo, e porisso alguns Botanicos lhes preferem o uso das taboas synopticas que observaõ fielmente as suas leys methodicas. As ordens muito extensas taõbem saõ fastidiosas, e causaõ confusaõ em achar os generos infimos. Nos methodos puramente naturaes, as classes ou familias sendo muito numerosas, saõr notadas do mesmo defeito, e porisso os seus autores ordinariamente as reunem em outras artificiaes supremas e primarias, as quaes constituem a sua clave; mas elles deveraõ reflectir que os seus methodos saõ só proprios dos que estaõ ja adiantados em Botanica, e que podem por conseguinte muito bem passar sem esta clave artificial, que senaõ concilia com as suas leys methodicas, posto que sirva de facilidade.
Todas as ideas precedentes saõ relativas á disposiçaõ das classes e
ordens.
Quanto á sua denominaçaõ, devo advertir primeiramente que os nomes que ha
em Botanica podem ser reduzidos a duas sortes ou technicos ou
systematicos.
Os nomes technicos saõ os que servem para descrever todas as partes dos
vegetaes, elles devem ser immutaveis em todos os systemas, e formar a
linguagem da Botanica
Os nomes das classes saõ mais arbitrarios do que os dos generos infimos, e os das ordens saõ ainda mais arbitrarios do que os dos dictos generos e os das classes. Os nomes das classes e ordens saõ chamados mudos e os dos generos infimos, especies e variedades saõ denominados sonoros, pela razaõ de que naõ costumamos pronunciar os primeiros, mas taõ somente os segundos, quando fallamos de qualquer vegetal; dizemos v. g. pereira, açucena branca, salva officinal variegada, rainunculo aquatico capillar, mas jamais se disse, açucena branca monogynia hexandria.
Segundo a opiniaõ de quasi todos os modernos depois de Linneo, os nomes das classes, e ordens devem somente ser tirados d'alguma das partes da [p. 293] fructificaçaõ, e naõ do uso, virtudes, raiz, tronco, folhas, modo de florecer, &c; elles consideraõ por conseguinte como improprios os titulos de cordiaes, bolbosas, arvores, arbustos, hervas, succulentas, asperifolias, verticilladas, dorsiferas, corymbosas, &c. De mais disso naõ so devem ser tirados das partes da fructificaçaõ, mas devem taõbem ser fundados em huma nota caracteristica essensial, como saõ por ex. os titulos de cruciformes, siliquosas, papilionaceas, leguminosas, &c.
Cada classe deve ter hum so nome, e o mesmo se deve entender a respeito das ordens; este nome naõ deve ser longo ou muito composto, nem aspero ou difficil de pronunciar, mas harmonioso, e curto; taes saõ por ex os de rosaceas, labiadas, dipétalas, digynia, monandria, &c.
Alguns Botanicos costumaõ dar a huma familia ou classe natural o nome de
hum genero infimo mais conhecido na dicta familia ou classe, pondo o
dicto nome no plural, dizendo, V. g. as abobaras, as açucenas, as
malvas, &c. ou usaõ de hum termo derivado do nome dos, dictos
generos infimos, dizendo v. g. as cucurbitaceas, as liliaceas, as
malvaceas, &c.
Estes titulos saõ proprios dos methodos naturaes, e se achaõ as vezes
taõbem nos systemas mixtos
Eu podera tractar aqui ainda de muitas outras circumstancias relativas á boa disposiçaõ e denominaçaõ das classes e ordens; mas como as classes saõ consideradas como generos das ordens, as ordens como generos dos generos infimos, e por conseguinte sujeitas quasi em tudo às mesmas regras methodicas destes ultimos, o leitor entendera facilmente o que falta aqui pelo que direi no capitulo seguinte.
Os generos, como ja adverti, huns saõ superiores outros infimos; no capitulo precedente dei as noçoẽs geraes relativas aos superiores, restame illuminar estas noçoẽs por meyo de huma mais extensa theoria, ou pelas leys didacticas dos generos infimos, que devem fazer o objecto do prezente capitulo.
Hum genero infimo (genus), segundo alguns Botanicos he hum aggregado de especies conformes no mesmo caracter natural fundado na fructificaçaõ; mas como ha muitos generos infimos que constaõ de huma so especie, outros pensaõ que hum genero infimo naõ he outra coiza mais do que huma divisaõ systematica que comprehende debaxo de huma palavra e caracter, muitas especies de plantas conformes na fructificaçaõ, ou huma so de fructificaçaõ desconforme das especies vizinhas. Esta ultima definiçaõ naõ agrada contudo geralmente, querendo alguns que a conformidade ou desconformidade deve consistir naõ so na fructificaçaõ, mas nas mais partes relativas ao habito externo, e outros accrescentaõ que he improprio dizer que os generos infimos saõ huma divisaõ systematica, quando todos saõ huma obra da natureza, assim como as especies.
Todas estas ideas tem por objecto as duas mais famosas questoẽs debatidas em Botanica: 1º se os caracteres genericos devem somente ser tirados das [p. 296] partes da fructificaçaõ, excluidas todas as mais do habito externo? 2º. Se todos os generos saõ arbitrarios, ou se ha alguns que sejaõ obra da natureza, como são todas as especies?
Gesnero, Cesalpino, Columna e outros foraõ de opiniaõ que os generos somente
deviaõ ser estabele cidos sobre as partes da fructificaçaõ; Linneo seguio
este parecer, e a sua grave authoridade o fez seguir por hum grande numero
de modernos, mas nem todos adoptaraõ este sentimento, elles opposeraõ a esta
theoria o exemplo dos zoologistas, que no reyno animal omittem
ordinariamente os caracteres que a natureza poz nos genitaes, e julgaõ
sufficientes os que se deduzem dos outros organos. Opposeraõ demais disso
que os organos sexuaes e outras partes da fructificaçaõ dos vegetaes, a
que se dava a prerogativa, naõ lhes eraõ mais essensiaes do que aquellas
em que residia a sua vida, como a casca e medulla; que haviaõ muitas
plantas, principalmente cryptogamicas, em que as partes da fructificaçaõ
eraõ muito pouco apparentes, incommodas, e insufficientes para nellas se
estabelecer bons destinctivos genericos, os quaes pelo contrario se
achavaõ nas outras partes e que por conseguinte se devia recorrer a
ellas; que os caracteres habituaes bastavaõ muitas vezes sem a inspecçaõ
da flor para determinar a familia (a que pertencia hum individuo) e
algumas vezes taõbem o seu genero; que era muito util em hum methodo
natural, e em medecina reconhecer, as plantas sem flor, porque esta era
muito menos duravel do que as mais partes, e que por conseguinte os
caracteres fundados nestas partes valiaõ mais neste respeito [p. 297] do que os da fructificaçaõ; que naõ se devia desprezar parte alguma
dos vegetaes, porque todas contribuiaõ a fazelos reconhecer com mais
certeza; que a theoria da fructificaçaõ desprezadora do habito externo
Quanto à segunda questaõ, Linneo e outros modernos saõ de parecer que todos os generos saõ naturaes, que naõ saõ obra da arte, mas sim do Autor da natureza, que os formou nos primitivos dias do globo terrestre, e que por conseguinte senaõ devem deslacerar, ampliar, contrahir como cada hum quizer ou conforme a theoria de qualquer Botanico; daõ por ex. os generos ranunculus, acónitum, nigella, claytonia, passiflora, hybiscus, e outros semelhantes, que bem examinados parecem indicar que os vegetaes foraõ formados no principio huns segundo a forma dos outros. Esta opiniaõ tem contra si a autoridade de muitos celebres Naturalistas e Botanicos
Taes saõ as principaes reflexoẽs que se costumaõ de ordinario oppor ao parecer de Linneo, e dos que seguem que todos os generos saõ naturaes, mas ainda que dellas resuste que todos os generos tem limites arbitrarios, e que neste sentido naõ merecem rigorosamente o nome de naturaes, contudo como algumas vezes penetramos felismente as verdadeiras affinidades de hum certo numero de especies [p. 305] vegetaes, e formamos generos e familias de antes assaz analogos na sua estructura natural quando isto tem lugar parece me que semelhantes generos e familias podem conservar a denominaçaõ de naturaes em huma accepçaõ menos rigorosa, pela razaõ das suas especies terem entre si huma intima semelhança natural, reconhecida por todos os Botanicos.
Sendo os generos infimos huma divisaõ systematica, que comprehende, debaxo de hum caracter e palavra, huma ou mais especies, do modo que acima expuz, he precizo explicar o que os Botanicos entendem por caracteres genericos e as suas leys didacticas, sem desprezar as que respeitaõ às denominaçoẽs de cada genero.
O caracter de hum genero (character) he a sua definiçaõ, ou qualquer idea
geral deduzida de huma ou de muitas notas, capaz de bem o destinguir de
qualquer outro. Segundo Linneo ha quatro sortes de caracteres genericos, a
saber, o habitual, facticio, essensial e natural. O caracter habitual he
tirado das notas do habito externo, e exprime huma conformidade geral
nas partes vegetaes, que naõ dizem respeito à fructificaçaõ; os antigos
costumavaõ servir se desta sorte de caracter
AÇUCENA
Calyz. Nullo.
Corolla. De seis petalas, campanulada, e estreitada na parte inferior. Pecalas levantadas, encostadas humas as outras, com huma quilha obtusa no dorso, mais largas e mais patentes na parte superior as suas pontas saõ obtusas, grossas, e recurvadas para fora.
O Nectario: he hum rego longitudinal, que se acha gravado em cáda huma das petalas, do meyo para baxo.
[p. 308]Estames. Seis filetes, assovelados, levantados, e mais curtos do que a corolla. Antheras oblongas, e vacillantes.
Pistillo. O germe oblongo, hum tanto cylindrico o com seis estrias. O estylete cylindrico, e do comprimento da corolla. O estigma hum tanto mais grosso do que o estylete, e triangular.
Pericarpo. Huma capsula oblonga, e com seis regos; obtusa, concava, e trigòna, no cume; composta de tres cellulas, e tres valvulas, reunidas com pelos tecidos em grade.
Sementes. Saõ numerosas, encostadas em duas ordens, chatas, e semi circulares pelo lado externo.
N. B. As petalas em algumas especies tem as pontas nimiamente recurvadas de modo que ficam encaracolladas: O nectario em algumas especies he acompanhado de felpa, e em outras glabro.
[p. 309]Todos os caracteres genericos devem, segundo Linneo, ser tirados do numero,
figura, proporção e situaçaõ de todas as partes da fructificaçaõ. Quanto as
mais partes, que constituem o habito externo da planta, o seu parecer foy,
que postoque se deviaõ passar em silencio, mereciaõ sempre de ser bem
observadas e attendidas por naõ multiplicarmos os generos por leves causas,
e nos arriscarmos a fazer generos erroneos. Na formaçaõ dos caracteres
devemSe examinar em todas as especies anasogas todas as partes da
fructificaçaõ, ainda as mais miudas, e as que escapaõ á vista, ou precizaõ
de lente para serem observadas; devem se considerar as notas em que ellas
convem e desconvem, combinar a primeira especie com todas as mais, e todas
com a primeira, porque naõ ha caracter infallivel sem primeiramente ser
conferido e verificado em todas as especies. Na formaçaõ do caracter
natural devem-se somente mencionar as notas em que convem todas as
especies, e excluir como superfluas aquellas em que as dictas especies
desconvem; estas notas devem ser desertptas com termos technicos
A figura da flor he hum guia mais seguro, e mais digno de attender-se em
geral na formaçaõ dos generos do que a do fructo. Sem embargo de que os
antigos parecem ter feito maior cazo da estructura do fructo, contudo
todas as vezes que as flores convem, e os fructos differem (concorrendo
aliás todas as mais condiçoẽs requisitas) em hum certo numero de
especies, todas estas devem ser reunidas
As flores viçadas, monstruosas, e mutiladas naõ devem jamais ser fundamento de caracteres genericos, que sò devem ser tirados das flores naturaes. A prole, no cazo de prolificaçaõ, nos fara reconhecer o estado de viço; o calyz, e ultima ordem de petalas podem contribuir para dar-nos idea do estado de huma flor viçada, mas para melhor o reconhecer-mos sera precizo semear ou transplantar a planta viçada no seu terreno natural ou em hum chaõ magro. O calyz he menos sujeito a viço do que os estames e corolla, e os estames menos sujeitos a elle do que as petalas. O nectario, aindaque em algumas flores he sujeito a viçar, naõ deixa contudo de ser hum bom fundamento de caracteres genericos.
Pode haver huma nota singular commua a muitas especies, mas nem porisso se segue que devaõ sempre pertencer a hum so genero; pelo contrario, pode haver na maior parte das espocies de hum genero huma nota singular, que falte nas outras taõbem proprias do dicto genero, e naõ se segue porisso que se devaõ desmembrar, e com ellas constituir dois generos. [p. 313] Nestas circunstancias he precizo attender muito a analogia de todas as partes da fructificaçaõ, sem desprezar contudo o habito externo, e ter sempre presentes estas leys fundamentaes "que naõ se devem reunir plantas que convem so em poucas notas, sendo aliás muito dessemelhantes em todas as mais; nem taõbem que huma planta se deve separar das suas analogas em razaõ de huma nota, quando aliàs convem com ellas em todas as mais ou na maior parte."
No catalogo dos generos de huma ordem ou divisaõ systematica, deve haver cuidado de dispor proximos huns aos outros os que tem mais affinidade entre si, porque esta disposiçaõ naõ so facilita a achar os nomes das especies, mas presenta taõbem commodamente ao leytor as ideas de anologia, e encadeamento dos generos huns com outros, as quaes lhe saõ muitas vezes necessarias.
Tenho exposto em geral o que pertence às leys didacticas de huma disposiçaõ generica, restame tractar das que dizem respeito à denominaçaõ. Depois que hum Botanico descobrio ou formou hum genero, ou depois que observou que hum certo numero de especies convinhaõ no mesmo caracter natural, e por conseguinte pertenciaõ a hum so genero, segue-se imporlhe o nome. Este nome he chamado generico por ser geral e commum a muitas especies, ou idoneo a se lo no cazo que o genero tenha huma so especie; poem-se como titulo sobre huma descripçaõ generica ou caracter natural do genero, e se costuma taõbem pôr antes de qualquer nome trivial ou phrase especifica. Portanto todas as [p. 314] especies que convem no mesmo caracter generico, ou que formaõ hum so e mesmo genero, devem ter hum so e mesmo nome generico, e por conseguinte as que differem em genero devem ter hum nome generico differente.
Como o idioma universal, de que se servem os Botanicos, he o latino, o leytor entendera facilmente que eu somente me occuparei aqui em mencionar as regras relativas aos nomes genericos escriptos em latim, as quaes ce podem reduzir às seguintes.
Todo o nome generico genuino deve convir com igual propriedade a qualquer das
especies; a sua significaçam ou idea etymologica nam deve ser adequada a
humas especies e inadequada as outras congéneres: porisso os melhores nomes
genericos sam aquelles, cuja etymologia he desconhecida, ou cuja
significaçam nam allude á estructura, propriedades, usos vegetaes, &c.
mas so serve de conservar a memoria de alguma personagem benemerita
principalmente dos grandes Botanicos, e dos que se assinalaram em
protegelos, ou em promover a Botanica. Segundo Linneo os nomes genericos,
cuja significaçaõ envolve hum caracter essensial, ou hum destinctivo
habitual, podem ser considerados no numero dos melhores, taes como v. v.
o de adenanthera, e glycyrrhiza, o primeiro indicando o caracter
essensial de hum genero, cujas especies tem todas huma glandula nas
antheras, e
o segundo indicando o destinctivo habitual de outro, cujas especies tem
todas a raiz doce: mas na supposiçaõ
Donde se segue que senaõ devem usar nomes genericos fundados em
semelhanças das partes
O nome generico deve ser inteiro e naõ constituido por duas palavras separadas como v. g. dens leonis, porque esta separaçaõ he contraria á facilidade e simplicidade methodica. Linneo he de parecer que os nomes genericos substantivos saõ melhores do que os adjectivos, e que os diminutivos ainda que toleraveis naõ saõ os melhores, mas todos elles me parecem igualmente bons quando convem adequadamente a todas as suas especies, e guardaõ as mais leys necessarias.
Os nomes de arvore, herva, planta, vegetal, arbusto, e surbarbusto (arbor, herba, planta, vegetabile, frutex, suffrutex), como nimiamente geraes aos entes do reyno vegetal saõ improprios dos generos infimos, e se reunimos qualquer delles a outro termo como por ex. arvore da vida, herva de S. Ioaõ, arvore das açucenas, &c. (arbor vitae, herba S. Joannis, liriodendron, &c.) naõ ficaõ sendo menos improprios, como se collige do que fica acima dicto. Os nomes de siliqua, nóz, folha, espiga, tuberosa, bolbosa, e em summa qualquer termo technico naõ deve servir de nome generico, porque todos saõ destinados pela arte comente á descripçaõ das partes do genero e das suas especies. He pois huma regra geral que a significaçaõ de hum nome generico quer seja grego quer latino daõ deve ser equivoca, ou identica com as dos termos technicos, nem ainda com as que se empregaõ para indicar a habitaçaõ das plantas, e porisso os nomes v. g. phyllon, polyanthes, alpina, que querem dizer, folha, multifloro, indigena das serras geladas, saõ improprios de ser usados como genericos. Naõ se devem taõbem formar dos nomes technicos [p. 319] ajuntandolhes huma ou duas syllabas como v. g. terminalia.
Os nomes genericos naõ devem ser escritos com lettras gregas, mas latinas;
naõ devem ser longos, difficeis de pronunciar-se ou malsoantes, como v.
g. callophyllodendron, acrochordodendros, caráxeron, mas curtos
Segundo Linneo os nomes genericos que se achaõ adoptados naõ se devem mudar
por outros mais competentes ou melhores, porque todos os dias achariamos
ainda outros mais adequados e jamais cessariamos de innovalos, se tivessemos
autoridade para isso. Esta idea parece-me ser acertada quanto aos bons
nomes genericos, que hoje se achaõ adoptados, e que [p. 320] competem com igual propriedade a todas as suas respectivas especies;
mas quanto aos que saõ maos ou vierem a selo, naõ vejo razaõ forte que
empeça de mudalos, em hum bom systema de nomenclatura, que fixe os nomes
de todos os vegetaes
Cada novo genero deve ter hum novo nome; mas se for preciso partir hum genero antigo em dois ou mais, o nome do antigo ficará, ás especies mais conhecidas, medicinaes, ou ás que melhor competir a sua significaçaõ etymologica, e as de mais especies do dicto antigo genero seraõ destribuidas debaxo de outro nome generico ou formado enteiramente de novo, ou tirado da synonymia das dictas especies, que se devem sempre preferir no cazo que seja bom.
As especies saõ a subdivisaõ do genero, assim como esta subdivide a ordem.
Toda a especie (species) he huma forma vegetal creada nos primitivos dias da
terra pelo Deos da natureza, e conservada em successivas reproducçoẽs de
plantas hermaphroditas, monoicas, dioicas, ou polygamas sempre
essensialmente semelhante. Esta semelhança naõ deve ser tomada em hum
sentido exactissimo, e em todos os accidentes, mas somente na estructura
essensial, porquanto he sujeita a variedades ou a certas differenças
accidentaes e de pouca duraçaõ. Donde se deduz que tantas saõ as formas
essensialmente diversas que hoje vemos, quantas saõ as especies. Estas
formas foraõ dadas no principio aos primeiros individuos de cada especie
juntamente com certas leys generativas; em razaõ destas leys tem sido
conservadas athe agora e seraõ perpetuadas em quanto existir a prole dos
dictos individuos; ellas jazem, pelo assim dizer, potencialmente retractadas
na estructura intima do corculo das suas sementes; este corculo ou conserva
a sua estructura propria e força germinativa, ou naõ; se naõ conserva estas
condiçoẽs perecerá infallivelmente, e se as conserva dara o producto que se
achava retractado na sua intima estructura, isto he, hum individuo que tenha
a mesma forma da planta materna que o gerou. O terreno e algumas outras
causas [p. 322] externas poderaõ fazelo desviar hum pouco da forma costumada, mas elle
seguira sempre as leys da sua estructura essensial ou conservará sempre
sufficientes notas caracteristicas da sua especie original. Se huma
planta por ex. varia nos fructos ou divisaõ das folhas, a forma do tronco, flores, sementes,
&c. apontaraõ a especie a que elle pertence.
Donde resulta que podem haver muitas novas variedades, mas naõ especies
novas, nem
As especies tem seus caracteres, assim como os generos; estes caracteres saõ
chamados especificos: os dos generos devem, segundo Limneo, ser tirados so
das partes da fructificaçaõ, mas os das especies podem ser deduzidos de
todas as partes da planta. Os caracteres especificos saõ de tres sortes ou
essensiaes, ou synopticos, ou naturaes; os dois primeiros presentaõ em huma
phrase (posta depois do nome generico) as principaes notas constantes, pelas
quaes huma planta differe de todas as outras conhecidas no mesmo genero; o
ultimo contem em muitas phrases o de talhe exacto de todas as partes de huma
planta quer seja solitaria no seu genero, quer acompanhada de outras
congeneres conhecidas. O caracter essensial he fundado em huma nota
singular differencial, propria de huma so especie, e enunciada em duas
ou tres [p. 323] palavras, como v.g. tanchagem de hastea uniflora, betula de folhas redondas, e crenuladas;
quando se pode descobrir este caracter, deve-se extinguir o synoptico,
como mais extenso, e se nos o podessemos obter em todas as especies, a
sua brevidade, facilidade e certeza poriaõ certamente a Botanica no seu
summo grao de perfeiçaõ.
O caracter synoptico he fundado em huma aggregaçaõ de notas
destributivas, das quaes humas convem ás especies proximas, outras
differem dellas, mas achando-se reunidas em huma somente a fazem
destinguir de todas as mais congeneres conhecidas, como v.g. quando
dizemos: salgueiro de folhas
serreadas, glabras, ovadas, agudas, e quasi rentes. Vêse claramente
que este caracter he sempre mais extenso do que o essencial, mas quanto
menos extenso for, tanto melhor sera, contanto que a sua brevidade o naõ
faça ficar insufficiente, defeito que alguns Botanicos notaõ nalguns das
especies do systema de Linneo. Ordinariamente costuma ser annunciado por
doze athe quatorze vocabulos quando muito, e com effeito parece que este
numero he sufficiente aos caracteres synopticos ainda considerados na
sua maior extensaõ; porquanto supponhamos por ex. que hum genero he
vastissimo e consta de cem especies (o que he rarissimo); todas estas
especies por hum methodo synoptico seraõ quando muito divididas 1º em
duas vezes 50
As notas differenciaes, em que se costumaõ fundar os caracteres essensial e
synoptico, saõ tiradas do numero, figura, proporçaõ e situaçaõ das partes
constantes ou menos sujeitas a variar. As raizes podem subministrar
excellentes notas destinctivas, mas como ordinariamente senaõ podem metter
nos hervarios, e que para as poder observar he precizo sempre arrancar a
planta, o que senaõ deve fazer nos jardins, naõ devemos recorrer a ellas
senaõ no cazo urgente de naõ ter outros meyos de bem destinguir as especies,
como succede por ex. nas orchideas. Podemos, em lugar dellas, servirnos
dos troncos, ramos, pedunculos, peciolos, e principalmente das folhas, as quaes fornecem
ordinariamente as mais bellas, e naturaes differenças. Os gomos,
bolbilhos sobreradicaes, as armas, bracteas, estipulas, glandulas, e a [p. 328] inflorescencia ou disposiçaõ das flores podem taõbem dar-nos muitas vezes
excellentes sinaes destinctivos. O cotanilho, felpa e pêlos saõ
ordinariamente empregados nos caracteres synopticos como notas
concomitantes; ellas saõ contudo as menos seguras, porque costumaõ
falhar ás vezes em razaõ da cultura, terrenos e idade das plantas
A cor varia muito na mesma especie; a raiz da cenoira ora he
amarella ora vermelha ou branca; as do rabaõ radisio huma vezes he
branca outras denigrida; as folhas da mesma especie de aquifolio, buxo, persicaria,
amarantho papagayo, &c. ora saõ inteiramente verdes ora variegadas;
na faya, na alface e armoles hortense saõ ou verdes ou vermelhas, e nas
couves naõ deixaõ taõbem de haver exemplos de [p. 330] mudança de cor nas folhas.
Mas nenhuma parte be mais sujeita a variar de cor na mesma especie do que
a corolla passando ora a cores mixtas ora a cores simplez, de que temos
exemplos nos jacinthos, tulipas, rainunculos
Os cheiros como variaõ segundo os olfactos de differentes individuos, e naõ saõ susceptiveis de se poderem bem definir, naõ podem subministrar destinctivos claros das especies, nem ainda mesmo os que saõ denominados cheiros comparativos ou allusivos aos das plantas mais conhecidas; como v. g. ao do limaõ, herva doce, herva cidreira, cravo, canella, &c. Os sabores variaõ taõbem naõ so segundo os diversos organos gustativos, e idades de cada individuo, mas ainda segundo os terrenos e climas, e emfim podem ser adoçados e abrandados pela cultura: donde se collige que devem ser excluidos dos caracteres synopticos e essensiaes; demais disso as observaçoẽs gustativas saõ arriscadas, havendo algumas plantas, de que basta que hum modico succo toque a lingua para envenenar.
Os defeitos procedidos de enfermidade, mutilaçaõ, de viço ou monstruosidade em qualquer parte que se achem nas plantas saõ incapazes de poder servir de notas em caracter algum especifico; as flores dobradas, semidobradas, proliferas e mutiladas devem somente ser consideradas como notas naõ naturaes, que so podem caracterizar huma variedade de especie: alem disso as plantas, a que ellas pertencem, sendo originarias das especies naturaes, conservaõ sempre os sufficientes destinctivos da sua propria [p. 332] especie, e da mesma sorte que hum monstro naõ constitue especie entre os animaes, assim taõbem entre os vegetaes.
As virtudes e tisos diéteticos, medicinaes, e economicos, como naõ constituem partes das plantas, nao devem ser fundamento de caracteres especificos, ainida que possaõ entrar nas descripçoẽs historicas das es pecies; donde se segue que saõ erroneos todos os termos empregados nas phrases especificas destinados a indicar as virtudes e ussos, como v. g. purgativo, antiscorbutico, officinal, usual, venenoso, mortal, sadio, saudavel, dormideira, furioso, alimentar comestivel, bom para bassoiras, penteador, usado dos tintureiros, bom para tintas, &c., &c.
Os diversos climas, paizes e quaesquer lugares relativos á habitaçaõ das plantas, como sendo-lhes accidentaes, naõ podem subministrar boas notas especificas. Alem disso as plantas que se daõ em huma parte do nosso globo podem-se dar em outra; temos exemplos de muitas especies naturaes da Lapponia e Siberia, as quaes se achaõ igualmente no Canadá, outras que naõ saõ mais particulares á Europea do que á Africa, e outras emfim que sendo indigenas da Asia nascem naturalmente taõbem na America; as mesmas especies, que se daõ nas lagoas, achaõ-se ás vezes nas altas montanhas; ha algumas que se daõ tanto nos charcos como nos bosques, e outras que saõ raras em hum paiz e abundantes em outro. Os que vem huma grande collecçaõ de plantas de todas as partes da terra em hum jardim Botanico, ou em hum copioso hervario de plantas seccas ou estampadas, e dezejaõ descobrir o nome de huma planta [p. 333] ou estudala por hum systema, so se podem servir dos termos relativos à sua estructura, ficando-lhes indifferentes ou superfluos todos os que dizem respeito, á sua habitaçaõ. Donde resulta que os termos geographicos, e todos os que saõ relativos á habitaçaõ das plantas, naõ devem entrar em caracter algum especifico, e que por conseguinte saõ erroneos os de Africana, Europêa, Asiatica, Americana, occidental, oriental, austral, Portugueza, Hespanhola
Os tempos de crescer, e florecer, como sujeitos a mudar e accidentaes ás plantas, naõ podem ser fundamento de notas especificas, e por conseguinte se empregariaõ erradamente nos caracteres especificos os termos de serodeo, temporaõ, da primavera, outono, estio, inverno, de Março, Mayo, de todos os mezes, de huma hora, que florece de noyte, &c.
A grandeza absoluta, ou commensurativa das plantas he sujeita a variar muito segundo o terreno, clima, abundancia de succos, &c e porisso fornece notas pouco seguras; o gyrasol v. g. em hum terreno magro darà folhas da largura de maõ travessa, e em hum chaõ pingue dalas-ha de dobrada largura. Pelo contrario, a grandeza relativa, por meyo da qual as partes da mesma planta saõ comparadas humas com as outras, subministra notas assaz seguras, e se pode adequadamente empregar nos caracteres essensiaes e [p. 334] synopticos, pode-se por ex. caracterizar muito bem huma especie de lobelia, dizendo que ella tem pedunculos curtissimos e o tubo da corolla compridissimo. A grandeza allusiva, por meyo da qual huma planta he vagamente comparada com outra, naõ deve jamais ser empregada em caracter algum especifico; porque quando eu vejo huma especie he rarissimo que tenha huma perfeita idea da grandeza daquella a que se faz allusaõ, e que naõ vejo; demais disso pode succeder que eu naõ tenha conhecimento algum da planta, a que se faz allusaõ; peloque todos os termos fundados em semelhante grandeza saõ erroneos, como v. g. maximo, minimo; anaõ, gigantesco, altissimo; grande, pequeno; maior, menor, mediano; alto, baxo, de folhas largas, de folhas estreitas; de grandes flores, de pequenas flores; e emfim todos aquelles que saõ acompanhados dos adverbios mais, menos, muito ou pouco, como v. g. de folhas mais largas, de folhas mais estreitas, de caule menos grosso, de caule muito alto, de caule pouco alto, &c. Donde se collige taõbem que todos os graos de comparaçaõ de huma especie com outra em qualquer relaçaõ, que for da sua estructura naõ devem ser usados nos caracteres especificos, como v. g. se dissessemos folhas menos peludas, mais redondas, mais agudas, &c. Da mesma sorte todas as notas comparativas de huma especie com outra naõ devem jamais ser admittidas em caracter algum; ellas saõ obscuras, formaõ hum circulo vicioso de ideas, e suppoem ou que a planta a que se faz allusaõ he ja bem conhecida, o que ordinariamente naõ succede aos principiantes, ou que nasce junto da planta comparada, o que raras vezes [p. 335] tem lugar; peloque sempre sera vicioso dizer v. g. tasneira com folhas de serralha, clinopodio com face de ouregaõ, cirsio com raiz de helleboro, Adonis com flor de pampilhos, &c. Nem sera menos vicioso usar de diminutivos e das termimçoẽs em oide ou forme, como v. g. genciana gencianella, isto he, pequena genciana que se assemelha á grande, couve asparagoide ou asparagiforme, isto he, couve que se asselha na forma ao espargo.
Todos os termos empregados nas phrases especificas, ou destinados a exprimir as notas caracteristicas, devem ser claros, breves, e proprios naõ se de vem por conseguinte usar os figurados, como v. g. dizer urtiga morta ou fatua, em lugar de inerme, gentil por muito cheiroso, de flor ou de folha por flores ou folhas, &c. Saõ igualmente improprios todos os que saõ deduzidos de huma ordem numeral, como v. g. rainunculo primeiro, segundo, terceiro, &c. e os que exprimem o nome de alguma personagem como v. g. trevo de Gaston, narcizo de Tradescancio, &c., porque semelhantes nomes naõ daõ ideas de nota alguma que se acha na planta. Da mesma sorte os que saõ fundados em hypotheses, como v. g. dictamno verdadeiro, falso, ou bastardo, e os que daõ ideas vagas e muito arbitrarias, como v. g.. flores lindas, feas, &c. Nenhum adiectivo deve ser usado sem ter antes hum substantivo technico
Ha contudo alguns nomes compostos das particulas privativas latinas e,
in, ou do a priativo grego
Todos os termos assimilativos, isto he, destinados a exprimir
semelhanças, naõ devem ser usados nas phrases especificas, porque he
rarissimo que o asse melhado represente o seu simile perfeitamente, e
demais disso este fica muitas vezes sendo obscuro como v.g. se
dicessemos: folhas semelhantes
ás segures Romanas.
Devem-se contudo exceptuar os que se achaõ definidos ou geralmente
adoptados, e os que saõ decentemente
As phrases expressivas dos caracteres especificos devem ser postas depois
dos nomes generico e trivial, como v. g. Açucena branca, de folhas dispersas; corollas
campanuladas, e glabras por dentro. Naõ devem constar de termos
superfluos, como seriaõ por ex. os que indicassem todas as variedades, ou se
opposessem a ellas; nem ser taõ succinctas, que lhes faltem [p. 339] os termos sufficientes para bem caracterizar a especie. Ordinariamente
naõ se costumaõ pôr virgulas, nem conjunçaõ alguma entre os termos
adjectivos referidos ao mesmo substantivo em huma phrase synoptica ou
essensial, mas sera mais acertado virgular, e por no fim a conjunçaõ
copulativa, quando houverem muitos dos dictos adjectivos, como v. g.
Salgueiro branco, de folhas
lanceoladas,
pontudas, serreadas, e empubescidas por ambas as faces.
A conjunçaõ dis junctiva pode ter lugar no cazo que se devaõ indicar
ideas oppostas, como v. g (N.) de espigas rentes, ou pedunculadas: (N.),
de folhas inteiras ou
fendidas.
Quando se fizer mençaõ de partes differentes sera sempre acertado usar de
ponto e virgula, como v. g. Piteira Americana de folhas denteadas-espinhosas; com hastea
ramosa.
O parenthese naõ he admittido entre os termos das
Antes de Linneo as especies eraõ somente nomeadas com o seu caracter
synoptico ou essensial, posto immediatamente depois do nome generico; e em
razaõ disto todos os termos que nelles entravaõ, e ainda os mesmos
caracteres eraõ chamados nomes especificos (nomina specifica). Elle
conservou a mesma accepçaõ, e uso; mas vendo que naõ era possivel de
retelos de còr, e que eraõ sujeitos a mudança, descobertas novas
especies, imaginou de pôr entre elles e o nome [p. 340] generico hum termo
Quanto á disposiçaõ das especies, facilmente se entende pelo que tenho dicto neste capitulo, que as que tiverem mais affinidade entre si devem estar mais conchegadas.
Huma variedade em Botanica (varietas), he huma forma vegetal desviada accidentalmente, por alguma causa occasional, da forma primitiva creada de que he originaria; ou para o dizer mais breve, he a especie accidentalmente mudada depois da creaçaõ. Eu não incluo nestas definiçoẽs as variedades naturaes creadas, que consistem nos sexos, mas fallo taõ somente das variedades casuaes que tem havido, ha, e podem ter lugar nas reproducçoẽs das especies primitivas. As variedades naturaes creadas saõ huma estructura vegetal creada em tudo identica a outra, mas differente no sexo ou n'alguns accidentes. Suppondo pois, como he provavel, que o Autor da natureza creasse no principio n'algumas especies vegetaes os dois sexos individualmente separados, assim como nas especies dos animaes; as variedades naturaes creadas saõ por conseguinte taõ antigas como a sua especie; porquanto consistindo a especie nas partes da estructura em tudo identicas e commuas aos dois sexos, e sendo as variedades naturaes creadas fundadas nestas mesmas partes acompanhadas da differença sexual, estas so por abtracçaõ methaphysica e naõ por ordem de tempo se podem perceber separadas da sua especie. Mas na hypothese de que todas as especies, que saõ hoje dioicas, foraõ creadas hermaphroditas, e [p. 343] que huma causa occasional, alguns seculos depois da creaçaõ, as tornou dioicas, neste cazo a unisexualidade somente deve constituir huma variedade casual, e naõ na tural creada.
As variedades saõ taõ proprias do reyno vegetal, como do animal; porque assim
como vemos na mesma especie canina, caẽs d'agoa, de fila, perdigueiros,
galgos, sabujos, &c., &c. assim taõbem opservamos na mesma especie
de pereira, as que daõ peras bojardas, carvalhaes, flamengas, do conde,
gervasias, pardas, &c.; e notamos na mesma especie de murriaõ plantas de
flores escarlatas e outras de flores azues. Todas estas variedades saõ
reputadas em hum e outro reyno por casuaes
Os Botanicos ordinariamente naõ costumaõ fazer mençaõ nos seus catalogos systematicos das variedades de cada especie, e apenas indicaõ algumas: elles pensaõ que jamais poderiaõ terminar os dictos catalogos, se emprehendessem de mencionar todas as variedades do reyno vegetal, e que ainda no cazo que fosse possivel terminalos, o estudo de Botanica ficaria summamente longo e fastidioso. Naõ negaõ contudo 1º, que se devaõ bem conhecer e conservar as que saõ uteis e agradaveis; 2º que se deva saber, destinguir o que he variedade do que he especie. Quanto ao primeiro artigo, deixaõ esse trabalho aos Autores que tractaõ da Botanica applicada às artes de pharmacia, de materia medica, horticultura, jar dinagem, e qualquer outra parte de agricultura, quanto ao segundo artigo confessaõ que sem a dicta distinçaõ se multiplicaria erroneamente o numero das especies, o que se opporia á clareza e brevidade methodica, que exige o estudo dos vegetaes; elles deraõ por conseguinte algumas regras tendentes a destinguir as variedades das especies, as quaes da mesma sorte que as que foraõ referidas no capitulo precedente, aindaque estaõ talvez bem desviadas da perfeiçaõ, a que hum mais profundo estudo da natureza as poderá conduzir, devem contudo ser presentadas aos que se daõ à Botanica, por naõ terem por especies entes, que dellas so differem levemente.
Todo o viço ou monstruosidade, que tem lugar no [p. 345] numero, figura, proporçaõ ou situaçaõ das partes de qualquer vegetal,
constitue huma variedade; e assim como no reyno animal hum monstro ou hum
eunucho somente saõ individuos imperfeitos da sua especie, assim taõbem o
saõ as plantas monstruosas e eunuchas, como as que daõ flores dobradas,
semidobradas, proliferas, e mutiladas. Todas as plantas enfermas,
mestiças, ou mulinas,
Reduzir as differentes variedades á mesma especie he hum trabalho algumas
vezes muito mais difficil do que ajuntar as especies debaxo do mesmo genero.
Muitas vezes basta o caracter da especie para fazer reconhecer a variedade;
mas ha algumas variedades que exigem muitas reflexoẽs e experiencia,
requerem hum attento exame de todas as suas partes, ainda as mais miudas, e
huma combinaçaõ destas com as das suas congeneres e às vezes com as das
especies do genero vizinho, para se poderem reduzir á especie de que emanaõ.
Ha algumas especies e ainda mesmo familias inteiras, em que os
individuos so costumaõ variar na raiz; ha outras, em que
elles variaõ nas folhas,
grandeza do tronco e ramos, na cor e pelos; e ha outras emfim, cujos
individuos somente soffrem mudanças nas flores ou fructos. Naõ se
devem jamais perder de vista as causas occasionaes; muitas plantas [p. 346] indigenas das montanhas, e que nessas costumaõ ter o tronco postrado, se
encontraõ muitas vezes em outros lugares differentes com o tronco levantado;
algumas amphibias saõ curvadas dentro d'agoa e levantadas fora della; o
rainunculo bolboso tem o tronco levantado, quando habita nas encostas dos
oiteiros expostas ao sol, e he pelo contrario reptante nos lugares humidos e
sombrios. Os sitios montanhosos fazem que as folhas inferiores sejaõ mais inteiras e as
superiores mais divididas; os lugares humidos fazem de ordinario fender
as folhas inferiores, e os
seccos as superiores.
Ha alguns terrenos que fazem as folhas rugosas, bolhosas, e franzidas; outros que lhes fazem
perder os pelos.
De todas as causas occasionaes a cultura he a que me parece contribuir
mais para à producçaõ das variedades; ella muda as folhas em crespas, ondeadas, e repolhudas, falas
maiores, abranda o seu amargor, e igualmente o acido e acerbo dos
fructos, torna-os succulentos de quasi exsuccos, e faz
perder os pelos aos troncos e ramos, a sua escabrosidade, e ainda mesmo
os seus espinhos. He precizo pois remontar a estas e outras causas
occasionaes para podermos, em cazo de duvida, decifrar huma variedade; se
conjecturamos v. g. ser a cultura e terreno a causa da mudança accidental da
especie, semeemos ou transplantemos a planta degenerada no seu terreno
natural, e veremos que abandonada ao estado inculto tornarà mais cedo ou
mais tarde à sua estructura e condiçaõ especifica. Esta experiencia he
necessaria algumas vezes relativamente áquellas variedades, que saõ
constantes em muitas geraçoẽs, e se continuaõ por sementes, de maneira
que parecem [p. 347] especies, como saõ v. g. as que daõ em nossos jardins e hortas flores
semidobradas, folhas repolhudas,
crespas,
Os Botanicos quando querem indicar as partes ou notas variaveis que
constituem as variedades de huma especie, costumaõ algumas vezes
mencionalas depois do caracter especifico vistoque as differenças
especificas
M. dos alqueives. Com folhas indivisas; caule estirado. Varia nas flores, sendo as suas corollas ora escarlatas, ora azues, e algumas vezes tambem variegadas de branco e purpureo.
Em lugar de dizer:
M. dos alqueives, com folhas indivisas; caule estirado; flores azues.
M. dos alqueives, com folhas indivisas; caule estirado; flores escarlatas.
M. dos alqueives, com folhas indivisas; caule estirado; flores variegadas de branco e purpureo.
Donde se vê que às notas variaveis devem ser pospostas ás especificas, no cazo que dellas se haja de fazer mençaõ. Os nomes que exprimem estas notas nas phrases especificas saõ por alguns Botanicos chamados variantes (variantia); mas para fallar com propriedade, o nome variante so me parece devera ser chamado aquelle, que se posesse depois do trivial, [p. 349] como v. g. seriaõ os termos verde, repolhuda, e murciana na nomenclatura seguinte:
Couve hortense verde.
Couve hortense repolhuda.
Couve hortense murciana.
He raro encontrar nos catalogos dos Botanicos systematicos esta sorte de nomes; elles so cuidaõ da nomenclatura dos generos e especies, e desprezaõ a das variedades, deixando a ao cuidado dos lavradores, horteloẽs e floristas, que segundo as suas differentes phantasias sabem dar nomes a todas as plantas que variaõ na grandeza dos troncos, nas folhas, e nas flores e fructos.
A descripçaõ das pantas ou he analytica ou historica. Descrever huma planta analyticamente he dar ideas expressivas do numero, figura, proporçaõ e situaçaõ de todas as partes, de que consta o seu caracter natural; descrevela historicamente he dar a descripçaõ analytica e alem disso tudo o que diz respeito à mesma planta, sem embargo de naõ ser parte constitutiva do seu caracter natural Botanico.
A descripçaõ analytica deve ser feita no lugar, em que a planta nasce e
habita naturalmente, e naõ nos jardins, aonde a cultura a pode fazer variar
ella abrange todo o estado progressivo da planta [p. 350] desde a sua germinaçaõ athe à madureza e quéda das sementes, sem
desprezar a menor parte do habito externo nem as minimas da fructificaçaõ,
que precizaõ de huma lente para bem se divisarem (o que succede poucas
vezes). Cada huma das dictas partes deve ser exposta com termos technicos, e
em paragraphos separados por evitar confusaõ. Quando observarmos alguma
variedade, notala-hemos no paragrapho da parte, a que ella for relativa.
Devem-se omittir as circumstancias que dizem respeito á physiologia,
e historia da planta, por serem consideradas como superfluidades nas
phrases de huma descripçaõ puramente analytica
Descripçam Analytica da Tilha da Europa
Germinaçam*********
Radicaçam. Raiz lenhosa, ramosissima, tortuosa, e de epiderme decadente; ramos cylindricos, terminados em radiculas capillares, tortuosas, e com algumas ramificaçoẽs.
Tronqueadura. Caule arboreo, cylindrico, ramosissimo, de casca grossa, porossa, coberta de huma epiderme estriada e gretada no troço annoso, mas glabra e liza no troço tenro; ramos patentes cylindricos, tortuosos de huma folha para à outra junto das extremidades, e salpicados de alguns pontos espalhados sem ordem.
Gomoscencia. Gomos alternos, covados, estipularesfolheares, formados de quatro ou cinco escamas ovadas, obtusas, levemente enroladas para dentro, e hum tanto carnudas na base; as duas externas saõ menores e desiguaes.
Estipulatura. Estipullas em quanto reclusas nos gomos saõ oppostas, ovadas, glabras, integerrimas, concavas, e involvem as folhas; depois do brotamento saõ extrafolheaceas, & caducas.
[p. 352]FOLHEATURA.
Folhas em quanto reclusas nos gomos ou no seu brotamento dobradas ao meyo, rugosas, unilateraes selpudas em ambas as faces; folhas adultas cordiformes, alternas, agudas, venosas, serreadas com serraturas desiguaes, glabras na face superior ou salpicadas de pêlos curtissimos e muito pouco apparentes, e felpudas nos veios maiores da face inferior e nas suas anastomòses.
Peciolos hum tanto cylindricos, lizos, mais curtos do que a folha, e dispostos nos ramos quasi disticadamente; o espaço que medea de huns a outros ou entre os seus pontos de apego, he mais curto do que a folha.
Inflorecencia
Bracteas lanceoladas, hum tanto obtusas, esbranquiçadas, integerrimas, cada huma adunada ao pedunculo commum desde o meyo athe a base, e igual no seu comprimento ao dicto pedunculo.
Pedunculos solitarios, laterifolios, mais compridos do que o pecioso,
filiformes, recompostos; os communs ou primarios tripartidos, os
secundarios lateraes taõbem ordinariamente tripartidos, e o medio [p. 353] indiviso, de modo que todos vem a soster sette flores
Flores racimosas, e elevadas quasi á mesma altura.
Fructificaçaõ.
Calys. Perianthio partido em cinco lacinias concavas, de cor aloirada, quasi da grandeza das petalas, e decadentes.
Corolla. De cinco petalas oblongas, obtusas, pallidas, e crenadas no cume.
Estames. Filetes numerosos, de trinta athe quarenta, assovelados, do comprimento da corolla, e apegados ao receptaculo. Antheras hum tanto globosas.
Pistillo. Germe hum tanto globoso e cotanilhoso. Estylete filiforme, e da altura dos estames. Estigma obtuso e pentágono.
Pericarpo. Huma capsula cotanilhosa, globosa pentagona, de cinco cellulas, e cinco valvulas coriaceas, as quaes costumaõ arbrtrse pela base.
Sementes. Solitarias e hum tanto globosas: saõ dycotylẽdones, e contem no centro o corculo guarnecido de hum asterisco de cinco lacinias quasi iguaes.
N. B. Ordinariamente quatro sementes abortam, de modo que a capsula fica sendo de huma so cellula e contem sò em si a unica semente, que costuma medrar.
[p. 354]
A descripçaõ historica de huma planta, ou segundo outros a historia
natural de huma planta comprehende alem da sua descripçaõ analytica, a
synonymia, etymologia do seu nome usual, habitaçaõ cultura, o tempo
vegetativo, o tempo de sono e vigilias das suas folhas e flores, a sua estructura interna ou
natureza considerada physiologica e chymicamente, os seus usos
mediornaes e economicos, e emfim a sua figura bem estampada.
He verdade que ordinariamente huma descripçaõ historica naõ contem todas
estas circumstancias, e se limita so em conter a descripçaõ analytica,
synonymia, habitaçaõ
A synonymia he hum aggregado de citaçoẽs dispostas em paragraphos
separados e successivos, nos quaes se indicaõ naõ so os diversos nomes,
caracteres synopticos, essensiaes, ou
A noticia da habitaçaõ das plantas he taõbem de grande utilidade; ella serve de indicarnos o lugar aonde as podemos ir buscar para os nossos herva rios, afim de conservarmos o claro conhecimento dellas em successivos tempos, mostra nos aonde as podemos ir colher para os differentes usos medicinaes e economicos, instrue nos sobre a qualidade do terreno que lhes he proprio (estabelecendo nisto o principal fundamento da agricultura), e emfim conven cenos que naõ ha na terra lugar algum inteiramente esteril, ou que taõ somente ha lugares estereis relativamente a esta ou aquella planta, mas naõ a todas. Donde resulta que na deseripeaõ historica de qualquer planta a noticia da sua habitaçaõ he absolutamente necessaria.
O tempo vegetativo inclue 1º o espaço de tempo em que a semente de huma
planta jaz debaxo da terra, desde o dia em que foy semeada athe áquelles
em que a plantula seminal, rebentados os tegumentos, brota fora delles,
e a sua plumula começa a apontar á flor da terra; este espaço he chamado
por alguns Botanicos tempo da germinaçaõ ou incubaçaõ das sementes
A noticia dos differentes oleos, leves, pezados, liquidos, concretos,
tirados por destillaçaõ ou expressaõ, a dos diversos saes alcalinos, do
sal commum, nitro, assucar, tartaro, acidos, differentes gazes, &c.
Os usos economicos e médicinaes naõ devem ser omittidos em qualquer descripçaõ historica por mais incompleta que seja a respeito de outras circumstancias; a Botanica deve a elles a gua origem, e desde os primitivos dias da especie humana athe hoje o estudo dos vegetaes foy sempre dirigido à sua utilidade. Eu darei algumas breves noçoẽs sobre estes usos no Capitulo XL.
Como a Botanica naõ pode demonstrar a fé dos caracteres por hum rigor
mathematico
Tendo exposto as circumstancias que saõ proprias de huma descripçaõ historica, resta-me actualmente dar hum exemplo della: servir-me-hei para este fim da descripçaõ que deo o Dr. Lettsom da arvore do Chá, a qual contem as principaes circumstancias de que fiz mençaõ, e me parece sufficiente para dar ao leitor clara idea do que he huma semelhante descripçaõ.
GERMINAÇAÕ .... ... ... .
RADICAÇAÕ . . . . . . .
TRONQUEADURA
GOMOSCENCIA. . .
ESTIPULATURA. Estipulas solitarias, assoveladas, e levantadas.
FOLHEATURA.
Folhas alternas, ellipticas,
obtusamente serreadas, com a margem recurvada entre as serraturas,
chanfradas no topo
Peciolos curtissimos, roliços na parte inferior, gibbosos, e chatos-canaliculados na parte superior.
INFLORESCENCIA.
Pedunculos axillares, alternos, solitarios, curvados, unifloros, engrossados, e estipulosos.
FRUCTIFICAÇAÕ.
CALYZ. Perianthio monophyllo, muito pequeno, plano, partido em cinco lacinias obtusas, redondeadas, e persistentes.
[p. 364]
COROLLA de seis petalas
Estames. Filetes numerosos (quasi duzentos)
PISTILLO. Germe globoso-trigono. Tres estyletes
PERICARPO. Capsula tricócca, tricellular, e aberta na sua madureza pelo cume em tres direcçoẽs.
SEMENTES solitarias, globosas, e angulosas no lado interno: cotylédones.
Os nomes triviaes que se costumaõ dar a esta planta saõ os de
Os autores que publicaraõ tractados, ou fizeraõ mençaõ desta planta
saõ numerosos, e entre elles ha alguns que a naõ viraõ jamais
Thea floribus hexapetalis. Hort. cliff. 204. Mat. med. 136. Amaen. acad. 7. p. 239 t. 4 Hill. exot. t. 22. Blackw. t. 352.
Thée. Kaempf. Jap. 603 t. 606.
Thée frutex. Bart. act. 4. p. 1. t. 1. Bont. Jav. 87. t. 88 Barr. rar. 128. t. 904.
Thé Sinensium. Breyn. Cent. 111. t. II2. Ic. 17 t. 3. Bocc. mus. 114. t. 94.
Cháa. Bauh. pin. 147.
Evonymo affinis arbor orientalis nucifera, flore roseo, Pluk. alm. 139. t. 88. f. 6.
Der braune Thee, oder Theebou. Linn. Pflanzensyst 4. p. 19.
Thea floribus enneapetalis. Hill. exot. t. 22.
Thea Sinensis. Blackm. t. 351. R.
Der grune Thée. Linn. Pflangzensyst. 4. p. 22.
Alem dos autores sobredictos ha ainda outros muitos, que tractaraõ
desta planta exotica, dos quaes
Johann. Petr. Maffeus rerum indicarum, libro VI, p. 108. et lib. Xll. p. 242. Ludov. Almeyd. in eod. opere lib. IV select. epist.
[p. 367]Petr. Jarric. tom. II. lib. II. cap. XVII.
Matth. Ric. de Christian. exped. apud Sinas, lib. I cap. VII.
Alois Frois, in relat. Japonicâ.
Nicol. Trigaut. de Regno Chinae, cap. III. p. 34.
Linscot. de Insulâ Japonicâ, cap. XXVI p.35.
Bernhard. Varen. in descriptione Regni Japoniae, cap. XXIII, p. 161.
Joh. Bauhin. Histor, univers, plantar. 1597, tom. III lib. XXVII. cap. I. p. 5. 6.
Alex. Rhod. Sommaire des divers Voyages et Missions apostoliques du R. P. Alexandre de Rhodes, de la Compagnie de Jésus, à la Chine et autres royaumes de l'Orient, avec son retour de la Chine à Rome; depuis l'année 1618 juoqu'à l'an 1653, p. 25.
Les Lettres curieuses et édifiantes des Jésuites.
Nicol. Tulpii. Observ. med. lib. IV cap. LX. p. 380. Leidae 1641, in-8.
Adam. Olearii. Persianische Reise-Beschreibung, lib. V cap. XVII. p. 599. in-fol. 1656. Hamburg, 1696, Amstel. 1666, in-4º.
Joan. Albert. Von Mandelslo, Morgenlandische ReiseBeschreibung, lib. I, cap. XI, p. 39. edit. 1656. Olai Wormii, Mus. lib. II. cap. XlV, p. 165.
Dionysii Joncquet, stirpium aliquot paulo obscurius officinis, Arabibus, aliisque denominatarum, per Casp. Bauhin. explicat. pág. 25. ed. 1612.
Simon Pauli. Comment. de Abusu Tabaci e herbae Thée. Strasburg, 1665. Lond. 1746.
Simon Pauli. Quadripartitum Botanicum, classe secundâ, pag. 44. Ibid, classe tertia, p. 493.
[p. 368]Wilhelm. Leyl. epistol, apud Simon Pauli in Comment. de Abusu Tabaci, &c. p. 15. 6.
Joann. Nieuzofs. Gezantschap an den Keizer van China, p. I22. a.
Erasmi Franciss. Ost-und West-Indischer wie auch Sines ischer Lust-una Stats-Garten, p. 291.
Oliv. Dappers. Beschryvinge des Keizerryts van Taising of Sina. Amstel. 1680, in-fol. p.226.
Athanas. Kircher, Chin. illustrata, edit. 1658.
Pechlin Theophilus bibaculus. Franckfort, 1684.
Le Compte's journey throug the empire of China. Lond. 1697, in-8. p. 228.
Joh. Ludov. Apinus, Obs. 70. Decur. 3. Miscell, curios. 1697. Andr. Cleyerus, Dec. 2. An. 4ti. p. 7. Dan. Crugérus, Dec. 2. Ann. 4ti. p. 141. Riedlinus, Lin. Med. Ann. 4ti. Dom. Ambros. Stegmamn, de Decoct. Theae vol. V p. 36.
Chamberlain's treatise of Coffee, Thea, and Chocolate. Lond. 1683. p. 46.
Sir Thomas Pope Blount's Natural History. Lond. 1693, in-8.
Philosophical Transactions, vol. III. Num. 14. Lond. I712.
Kaempfer. Amaenit Exot. Lemgov. I712. in-4. p. 618.
--------- Hystory of Japan by Scheuehzer. Lond. 2 vol. in-fol. Append. p. I e seg.
Labat. Nouveau voyage aux Iles de l'Amérique. Paris, 1721.
Short's Dissertation upon the nature and proprieties of Thea, &c. Lond. 1730, in-4.
Mason on the proprieties of thea.
[p. 389]Ancient accounts of India and China, by two Mahommedan Travellers. Lond., s. Harding, 1732.
L'Abbé Pluche. Le Spectacle de la Nature. Paris, 1732.
Du Halde Description générale historique, chronologique, politique et physique de la Chine, Paris, 4 vol. in-fol. History of Japan. Lond. 1735, 4 vol. in-8.
Casp. Neumann. Vom Thée, Coffee, Bier, und Wein. Leips, 1735.
Chambers' Encyclopaedia, tom. 2.
Astley's Collection of voyages. Lond. 1746, 4 vol. in-4.
Concorde de la Géographie. Paris, ouvrage posthume, 1754.
The good and bad effets of Tea considered, Anonymous. Lond. 1758, in-8.
Linnaei Amaenit. Acad. vol. VII. p. 241.
Neumann chemistry, by Lewis, 1759, in-4. p. 373.
Hanway's Journal of eight days journey. Lond. v. II. pag. 21.
Hart's Essays on Husbandry, p. 166.
Percival's Experim. and Medical Essays, in-8. p. 119.
Osbeck's Voyage into China, by Forster. Lond. 2 vol. in-8.
Young's Farmer's Letters. vol I. p. 299 et 202.
Tissot on diseases incidental to Litterary and Sedentary persons, by Kirkpatrick. Lond. 1769, in-12. p. 145.
Bomare Dictionnaire d'Histoire Naturelle. Paris, 1769.
Milne's Botanical Dictionary. Lond. 1770, in-8.
[p. 390]A primeira estampa desta arvore publicada
nas Memorias da Academia de Copenhague (Acta Haffniensias) sò nos dà
huma imperfeita idea della, por ter sido copiada de huma planta
secca. Boncio publicou depois outra, a qual aindaque gravada
sobre hum debuxo feito na India, aonde elle podia ter visto a planta, he
pouco melhor do que a precedente. A de Plukenet he mais natural, e a
de Breynio publicada depois della he ainda muito melhor; mas de
todas a mais exacta he a que publicou Kempfer
Naõ consta que a arvore do chá seja
cultivada [p. 391] senaõ na China e Japaõ
Este genero começou a introduzir-se na Europa, quasi no principio do
seculo passado, pela Companhia Hollandeza. Perto do anno de 1666
He bem certo contudo que antes do dicto anno ja se costumava tomar
chá nas lojas de bebidas de Londres; porquanto consta que no anno de
1660 se tinha posto hum tributo
Quasi no anno de 1679 Cornelio Bontekoe, medicou Hollandez publicou hum
tractado sobre o chá, caffé, e chocolate em Hollandez, no qual defendeo
zelosamente o uso do chá, negando que elle podesse causar detrimento ao
estomago, ainda que delle se tomassem no dia cem ou duzentas taças. Eu
naõ assegurarei, se interesses politicos foraõ causa de huma [p. 393] semelhante assersaõ; mas como o Dr. Cornelio Bontelkoe era physico
mór do Eleytor de Brandeburgo, e provavelmente gozava de grande
reputaçaõ, não se pode negar que o seu parecer naõ promovesse summamente
o uso do chá: com effeito a introducçaõ e gastos do chá augmentaraõ de
tal modo em Inglaterra, que no fim do seculo passado o seu uso era
commum em todas as classes do povo. Elle he presentemente taõ
extenso, que se diz que monta ao menos a tres milhoẽs de arrateis
cada anno
He provavel que o chá que os Hollandezes começaraõ a introduzir na Europa
foy comprado no Japaõ, visto que nesse tempo faziaõ hum grande commercio
no dicto paiz. Mas prezentemente o grande mercado do chá he a China,
e a provincia Fokien
De todos os autores, que tem tractado sobre o cultivo do chà, Kempfer merece principalmente a nossa confiança por ter escrito a este respeito no [p. 394] Japaõ, aonde o vio practicar. Elle nos diz, que os Japonezes naõ cultivaõ esta planta em vergeis ou campos particulares, mas somente na borda das suas terras, e sem destinçaõ de terreno. Como as sementes do chá contem huma grande quantidade de oleo, e em razaõ disso saõ sujeitas a adquirirem ranço, e se alterarem facilmente, costumaõ semear muitas juntas, desde seis athe quinze; tiraõ-nas dos vasos em que as tinhaõ mettido, e sem mais preparaçaõ nem escolha introduzem-nas na terra em hum buraco de quatro ou cinco pollegadas de profundidade; mas ordinariamente sò a quinta parte dellas succede germinar. Ellas vegetaõ depois sem mais trabalho algum; mas os lavradores, que tem mais industria, costumaõ todos os annos mondar as hervas ruins que nascem ao pe dellas, e lhes estercaõ a terra. Em quanto a planta naõ tem tres annos, as suas folhas naõ saõ proprias para se colherem, mas tanto que chegou a esta idade, as folhas saõ em grande abundancia, e as mais excellentes que se costumaõ apanhar. A sua estatura na idade de sette annos he a altura ordinaria dos homens; mas como entaõ dá poucas folhas, e cresce mui lentamente, cortaõ-lhe o tronco por baxo, e esta operaçaõ faz rebentar hum grande numero de renovos, os quaes daõ no estio seguinte huma tal saffra de folhas, que os donos ficaõ assaz bem compensados de seus trabalhos e da esterilidade dos annos precedentes. Alguns lavradores contudo esperaõ que ella tenha dez annos para lhe cortarem o tronco.
O chá he cultivado e preparado na China do mesmo modo que se practica no
Japaõ, segundo a [p. 395] noticia que temos de autores e viajantes fidedignos; mas como os
Chinas precizaõ de huma grande quantidade de chá, para poderem prover os
estrangeiros, e o interior do Imperio, naõ se limitaõ, como os
Japonezes, a guarnecer as bordas de suas terras com esta planta, mas
costumaõ cultivala por toda a parte, e formaõ com ella grandes vergeis.
Os valles, as ingremes encostas dos oiteiros, as margens e
ribanceiras dos rios, os lugares abrigados do vento norte, ou huma
exposiçaõ meridional, como se explicaõ os Botanicos, saõ os sitios
em que melhor se dá esta planta; ella naõ deixa contudo de poder
supportar as grandes variaçoẽs de calor e frio, poisque florece taõ
bem no clima meridional de Cantam
A colheita do chá he feita no Japaõ em certas estaçoẽs do anno por homens
assalariados para este fim, e costumados a este modo de vida. Elles
naõ apanhaõ as folhas ás
manchêas, mas somente huma á huma, e postoque este trabalho seja
fastidioso, cada hum delles naõ deixa contudo de apanhar no dia
desde quatro athe dez ou quinze arrateis.
Os differentes tempos, em que ordinariamente costumaõ colher as folhas no Japaõ, saõ tres
segundo Kempfer
I. A primeira colheita começa no meado da primeira lua antes do equinoxio da primavera, na qual começa taõbem o primeiro mez do anno dos Japonezes, periodo, que corresponde quasi ao fim do nosso mez de Fevereiro ou principio de Março. As folhas que se apanhaõ nesta colheita saõ chamadas Tsjáa Fiqui, ou chá moido, pela razaõ de serem reduzidas em po com hum moinho de maõ, e neste estado tomadas em agoa quente (vej. O S. 8.): ellas saõ colhidas muito tenras e poucos dias depois de terem brotado; saõ destinadas para os princepes, e pessoas ricas, que so as podem comprar por serem caras em razaõ da sua raridade, e daqui procedeo o darem-lhes taõbem o nome de chá imperial ou superfino.
[p. 397]Esta sorte de chá tem ainda outros nomes entre os Japonezes, deduzidos
dos principaes lugares em que elle se costuma colher, como por ex. os de
Tsjáa Udsi, Tsjáa Taque Saqui. O apanho das folhas he feito nestes lugares com hum
cuidado e aceyo extremo; eu darei aqui huma breve noticia do que se
pratica em hum dos dictos lugares, isto he, na aprazivel montanha de
Udsi. Esta montanha está situada no destricto de huma villa
maritima do mesmo nome, pouco distante da cidade de Miaco, e hé
reconhecida como o melhor terreno, e de clima o mais favoravel á cultura
do chá; em razaõ disto foy serrada de seves e cercada de hum largo fosso
para maior segurança. As arvores do chá estaõ plantadas nesta
montanha em fileiras regulares formando entre si passeios
agradaveis, e ha hum certo numero de pessoas empregadas annualmente
na sua custura, e aceyo.
Os homens que devem apanhar as folhas no espaço de algumas semanas, antes de começarem
a colheita, costumaõ absterse de toda a casta de alimentos
grosseiros, e de tudo o que pode contribuir a communicar algum mao
cheiro ou sabor; e quando as arrancaõ da arvore usaõ sempre de hum par de luvas finas
II. A segunda colheita he feita no segundo mez dos Japonezes, periodo que corresponde quasi ao fim de Março ou principio de Abril. Neste tempo ainda que algumas folhas naõ tenhaõ chegado ao seu pleno grao de crescimento, naõ deixaõ contudo de serem apanhadas promiscuamente com as perfeitas; separaõ-nas depois em varios sortimentos segundo a sua idade, grandeza e bondade; as mais novas saõ escolhidas com hum particular cuidado, e as vendem muitas vezes por chá imperial ou da primeira colheita. O chá desta segunda colheita he chamado pelos naturaes do paiz Tutsjáa, ou chá da China, por ser tomado de infusaõ á moda Chineza (§. 8.), e he vendido aos négociantes e tendeiros depois de ter sido dividido em quatro classes, ou sortimentos, cada hum com seu nome differente.
III. A terceira e ultima colheita he feita no terceiro mez dos Japonezes, que corresponde quasi ao nosso mez de Junho, tempo em que as folhas saõ numerosas e se achaõ no grao do seu completo crescimento. Esta casta de chá he chamado pelos natuares do paiz Bantsjáa; he o mais grosseiro, e destinado ao uso da plebe. (§. 8.)
Em alguns lugares os proprietarios costumaõ fazer somente duas
colheitas no anno, a primeira corresponde á segunda acima
mencionada, e a segunda á [p. 399] terceira; outros costumaõ fazer huma
Eu notei ja (§. 4.) que as arvores do chá se davaõ ordinariamente nas ingremes encostas dos oiteiros, e nas ribanceiras, aonde se corre risco, e ás vezes mesmo he impracticavel ir apanhar as folhas, aindaque sejaõ hum chá excellente. Os chinas em alguns lugares vencem esta difficuldade com hum singular artificio; elles sabem de tal modo irritar huma raça de macacos grandes que costumaõ habitar nestes despenhadeiros, que os animaes enfurecidos quebraõ os ramos das arvores do chá, e lhes atiraõ, com elles de raiva ou como em despique; estes ramos saõ pouco a pouco amontoados, e ultimamente delles se tira huma grande quantidade, de chá. Eu tenho visto este modo de apanhar o chá indicado em algumas pinturas chinezas, que reprezentaõ os methodos das colheitas e modos de curar o chá; alem disso hum homem fidedigno e curioso que ha muitos annos serve de capitaõ nas naos da Companhia da India e tem ido muitas vezes á China, me assegurou sinceramento que esta circumstancia era hum facto notorio naquelles paizes.
As colheitas do chá entre os Chinas saõ taõbem feitas em certas
estaçoẽs do anno
Terminadas as colheitas do chá, naõ ha familia alguma que deixe de ir aos templos dar graças ao Creador por hum semelhante beneficio.
Ha no Japaõ edificios publicos destinados à preparaçaõ do chá, e
estabelecidos com taes regulamentos que qualquer pessoa que naõ tem
as com modidades sufficientes nem a pericia necessaria para huma
semelhante operaçaõ costuma remetter a elles as folhas das colheitas de suas terras.
Estas cazas contem cinco athe dez ou vinte pequenas fornalhas de
quasi tres pés de alto, guarnecidas na bocca superior de huma larga
bacia de ferro
Esta operaçaõ he repetida duas, tres, ou mais vezes antes que o chá
seja guardado nos armazens, para que toda a humidade das folhas fique inteiramente
dissipada, e o seu enrolado senaõ desfaça de modo algum.
Em todas as repetiçoẽs, a bacia he menos aquecida, e a operaçaõ
practicada mais [p. 402] lentamente, e com maior cautella
Como as folhas do chá Fiqui (§ 5 e 8.) saõ ordinariamente reduzidas em pó antes de servirem nas bebidas; saõ taõbem por esse motivo as que entre todas precizaõ de ficar mais seccas. Algumas dellas, em razaõ de terem sido apanhadas muito pequenas e tenrinhas, saõ somente escaldadas em agoa quente, tiradas immediatamente, e postas a seccar, sem as enrollarem de modo algum athe de todo ficarem seccas.
A gente do campo costuma preparar as folhas das suas arvores do chá em caldeiras de barro
Para completar a preparaçaõ do chá, costumaõ, passados alguns mezes, tiralo dos vasos em que o tinhaõ mettido, e polo a seccar a hum fogo muito brando para o privarem de alguma humidade, que lhe tivesse ficado, ou que podesse ter adquirido.
O chá commum he guardado em boyoẽs de barro de bocca estreita; mas a melhor casta de chá, de que usa o Imperador e Nobreza, he mettido em boyoẽs de porcellana, ou de loiça da China. O chá Bantsjáa ou mais grosseiro he guardado pela gente do campo em cestas feitas de palha e em forma de [p. 403] barris, as quaes costumaõ dependurar no tectos das cazas junto da fresta por onde sahe o fumo, persuadidos de que esta situaçaõ naõ causa perjuizo algum ao chá.
Tal he o methodo de que se servem os Japonezes, segundo Kempfer,
relativamente á preparaçaõ do seu chá. Quanto ao chá da China, os
autores tractaõ mui superficialmente tanto da sua cultura como da sua
preparaçaõ. Le Compte
Segundo as pinturas chinezas, as quaes postoque toscas naõ deixaõ contudo de darnos ideas fieis, he certo que as arvores do chá habitaõ pela maior parte nos paizes montuosos entre altos rochedos, encostas ingremes, e em lugares às vezes inaccessiveis, e o trabalho que tem os chinas de fazerem varedas, de [p. 404] armarem palanques ou tranqueiras fixas, e de se servirem do furor dos macacos, indica que todos os dictos lugares daõ hum chá do mais excellente. Parece taõbem segundo as suas pinturas que as arvores do chá saõ ordinariamente da altura de hum homem ou pouco mais; os homens que apanhaõ as folhas naõ saõ jamais nellas representados sobre as arvores, e as varas de ganchos que lhes vemos nas maõs parecem serem destinadas somente para com ellas curvarem para si os ramos das arvores, que se debruçaõ sobre os ribeiros, rios, rochas e lugares inaccessiveis, e naõ para dobrarem os cumes ou ramos superiores das arvores, que se daõ nas planicies.
Elles escolhem e separaõ as folhas em differentes sortimentos depois de as terem apanhado, e as curaõ quasi do mesmo modo que practicaõ os Japonezes. Os operarios contudo enrolaõ as folhas mesmo sobre as bacias das estufas ou fornalhas dispostas em fileira, e semelhantes ás dos laboratorios de chymica ou das grandes cozinhas. Parece-me taõbem que as seccaõ muitas vezes, expondo-as ao sol estendidas em cêstas largas e de pouco fundo; depois de seccas separaõ com huma peneira as maiores das mais pequenas, e estas ultimamente do cisco e pò.
O mais fino e excellente chá he posto pelos chinas em vasos conicos,
semelhantes a hum paõ de assucar refinado, feitos de estanho ou
chumbo, e cobertos com aceadas esteiras de folhas de bambû, ou taõbem em caxas de pão
quadradas, forradas de huma lamina fina de chumbo, e alem disso com
folhas seccas e papel, e
neste modo he vendido aos estrangeiros.
[p. 405]
O chá commum he mettido em cestos, e despejado depois em caxas,
quando o vendem aos Europeos
Alem dos differentes sortimentos que se costumaõ fazer no tempo das
colheitas das folhas do chá,
como ja notei (§. 5.), as suas variedades saõ ainda summamente
augmentadas, segundo a bondade da sua preparaçaõ
I. Chá verde. 1º Chá imperial, ou superfino, o qual tem a folha grande e laxa, a cor hum tanto verde, e hum leve cheiro agradavel. 2º Chá Hytian, ou Hiquion, chamado entre nos chá Hyson, do nome de hum mercador da India que foy o primeiro que o trousse à Europa: as suas folhas saõ pequenas e enroladas apertadamente, a cor verde e azulada . 3º. Chá Singlo ou Sanglo, nome deduzido do lugar em que he cultivado.
[p. 406]II. Chá bohy. 1º. Chá Suchuen, ou Sutchon, a que os Chinas chamaõ
Saatyan ou Sutyan, communica huma cor verde amarellada a agoa, em
que he lançado de infusaõ
III. Chá em balas, differe dos precedentes pela sua [p. 407] forma, sendo feito em bolos, balas ou pilulas de diversa grandeza. 1º. Chá em balas grossas; o que tenho visto mais volumoso pezava duas onças, e lançado de infusaõ communicava a agoa hum gosto semelhante ao do bom chá bohy. 2º. Chá em balas miudas, he huma variedade de chá verde, chamado taõbem tiothé, e enrolado de modo que se assemelha na figura a huma ervilha. 3º Chá bombardeiro, he o mais miudo, e assim chamado por se assemelhar no volume quasi aos graõs da polvora bombardeira.
Os chinas preparaõ taõbem hum extracto de chá, e se servem delle como de hum excellente remedio nas fevres e outras muitas doenças, dando-o para excitar hum copioso suor, dissolvido em huma grande quantitade de agoa. Este extracto humas vezes he formado em pequenos bolos da largura de huma moeda de tres vintens em prata ou pouco mais, outras vezes em rolos volumosos.
Todas as variedades de chá procedem de huma so especie de arvore, como ja acima notei (§. I.)
Kempfer, que he deste parecer, attribue as differenças dos chás ao
terreno, cultivo da planta, à idade em que as folhas saõ apanhadas, e à sua preparaçaõ
Na Europa, como he bem notorio, o terreno, cultivo, e exposiçaõ tem huma
grande influencia sobre todos os generos de plantas; vemos muitas vezes
na mesma provincia, e ainda na mesma comarca ou destricto a mesma
especie ter huma differença evidente; esta differença deve ser ainda
muito maior no Japaõ e principalmente nas terras do continente da China,
aonde o ar he em algumas partes demasiadamente frio, em outras
temperado, e em outras nimiamente calmoso. Eu naõ deixo contudo de
pensàr que o methodo de preparar as folhas tenha alem disso taõbem bastante infiuencia sobre
as differenças dos chás.
Eu sequei as folhas de
algumas plantas da Europa segundo o modo acima descripto (§. 5.), e
posso assegurar que ellas se assemelhavaõ tanto às do chá exotico,
que as pessoas a quem dei a sua infusaõ a beberaõ sem a menor
suspeita.
Algumas das dictas folhas
conservaraõ bem o seu enrolado, e ficaraõ com huma taõ bella cor
verde como as do melhor chá verde estrangeiro; outras contudo que
preparei ao mesmo tempo assemelhavaõ-se mais às do chà bohy
O resultado destas experiencias podera servir de [p. 409] base de maiores indagaçoẽs a este respeito, que talvez algum dia viraõ a ser de grande importancia á naçaõ Ingleza.
Seria util cuidarmos em descobrir, se os Chinas antes de nos vender o
seu chá costumaõ usar de algum ingrediente ou preparaçaõ propria
para dar a cor
Alguns autores attribuem a cor do chà verde a huma efflorecencia das
laminas de cobre (S. 6.) em que suspeitaõ que as folhas foraõ curadas; mas esta supposiçaõ he
destituida de fundamento, porque o alcali volatil lançado em huma
infusaõ do dicto chá jamais pôde descobrir a menor porçaõ de cobre,
tornando-a azul
Nem os Chinas nem os Japonezes se servem do chà logo depois da sua
preparaçaõ; guardaõ-no ao menos hum anno, porquanto dizem que tomado
fresco ou antes de hum anno he narcotico, e sujeito a perturbar os
sentidos
O povo usa de hum chá inferior (S. 5.) fervido, e logo que amanhece o
poem ao lume numa caldeira cheia d'agoa, dentro de hum sacco, ou condeça
proporcionada, e bem apertada no fundo do vaso para naõ causar incommodo
ao vazar da agoa. O chá que costumaõ ferver deste modo he o bantsjáa (S.
5.) por ser composto de partes mais fixas, e que senaõ podem extrahir
plenamente por infusaõ. Esta he a sua bebida ordinaria, e na China do
mesmo modo, como indicaõ bem claramente as suas pinturas; porquanto
todas as pessoas que trabalhaõ ou dentro de caza ou no campo saõ
ordinariamente representadas com hum bule e chicaras ao pé de si
Depois da grande acceitaçaõ que entrou a ter o chá na Europa, os
botanicos naõ podiaõ deixar, tanto [p. 413] por curiosidade como por interesses do commercio, de fazer
investigaçoes por descobrir a planta que dava estas preciosas folhas, ou lhes substituir as
de outro vegetal, que com ellas mais se parecessem.
Simaõ Pauli, medico Dinamarquez, foy o primeiro botanico que
pertendeo ter descoberto na Europa a verdadeira planta do chà: tendo
aberto algumas folhas do chà
exotico, e observado que ellas se assemelhavaõ summamente às da
Myrica gale
O Padre Labat depois delle julgou taõbem ter descoberto na ilha da
Martinica
Muitos outros ainda julgaraõ ter descoberto a [p. 414] verdadeira planta do chá do oriente, mas todos estes descobrimentos
se acharaõ errados. A planta que mais se assemelha he a que Kempfer
chama Tsubaqui
A semelhança da forma das folhas, do gosto e cheiro fez que em alguns paizes lhe
substituiraõ as folhas de
differentes plantas da Europa, entre as quaes se contaõ as da salva,
murta, betonica, agrimonia, e muitas outras
As tentativas, que se tem feito para transplantar na Europa a arvore do chà, tem sido muitas vezes inefficazes ou pela razão de se terem mercado màs sementes, ou por falta de naõ se lhes saber conservar o seu principio vegetativo. Todas as vezes que ao sahir dos portos da China senaõ cuidar em obter sementes frescas, sans, maduras, brancas bem gradas, e humidas por dentro, todas as cautellas que depois se tomarem para as conservar seraõ superfluas.
Essas poucas de arvores do chà, que hoje temos na Europa, saõ devidas
principalmente a dois industriosos methodos de conservar as suas
sementes; hum consiste em as envolver em cera bella depois de bem
seccas ao sol, e outro em as metter mesmo envolvidas nas suas
capsulas dentro de bottes de estanho bem tapados
Contudo a pezar de todas estas cautellas, e das [p. 416] sementes serem boas, algumas vezes as suas partes não deixaõ de se
alterar na passagem do mar, e perder inteiramente a sua vis germinativa.
Peloque o melhor methodo consiste em as semear, depois de sahir de
Cantam, em huma boa terra balofa, e em cobrir as caxas com huma rede de
arame para que os ratos e outros animaes naõ as estraguem: as dictas
caxas naõ devem ser expostas a hum ar demasiado, nem postas em lugar, em
que sejaõ borrifadas da agoa do mar (sendo possivel.) Naõ se deve deixar
seccar nem endurecer a terra, mas de quando em quando se regará com agoa
doce ou da chuva; e depois que as sementes tiverem germinado, as
plantulas seraõ entretidas sempre humidas, e guardadas do sol ardente.
A maior parte das plantas do chà, que hoje temos em Inglaterra,
foraõ obtidas por este methodo; e aindaque algumas das novas plantas
pereçaõ no mar, contudo algumas escapaõ, e he provavel que por este
modo poderemos vir a ter as mais curiosas e uteis producçoẽs
vegetaes, em que a China tanto abunda
As tenras plantas do chà medraõ muito bem nos [p. 417] jardins dos suburbios de Londres, reclusas nos abrigadoiros ou
estufas brandas; algumas contudo supportaõ bem o ar livre no estio.
Os seus renovos saõ succulentos; as suas folhas tem huma bella cor de
verde escuro, e saõ do comprimento de huma athe trez pollegadas.
Provavelmente dentro de poucos annos poderemos por meyo dos seus renovos
multiplicar consideravelmente o numero destas plantas. Ha muitos
vegetaes exoticos, os quaes, assim como as constituiçoẽs humanas,
requerem hum certo periodo de tempo primeiro que se habituem ao novo
clima, ou sejaõ naturalizados; ha muitas plantas que no primeiro tempo,
em que foraõ introduzidas neste paiz, naõ podiaõ supportar os nossos
invernos e precizavaõ de abrigo, as quaes contudo supportaõ
prezentemente os mais rigorosos frios; as magnolias e muitas outras saõ
huma clara prova desta observaçaõ. Como os graos de frio em Pequim
excedem às vezes os deste paiz, como ja disse, pode ser que as arvores do chà
dentro de poucos annos venhaõ a supportar o nosso clima de modo que
emfim fiquem naturalizadas, e sejaõ hum artigo de commercio
Depois que o uso da infusaõ do chá foy geralmente adoptado na Europa, os
seus effeitos relativamente á saude deversificando segundo as
constituiçoẽs das pessoas, que a tomavaõ, deraõ occasiaõ a diffetes
opinioẽs. Huns por terem algumas vezes observado alguns maos effeitos no
seu uso se preoccuparaõ de tal sorte contra elle, que o desapprovaraõ
como geralmente pernicioso; outros pelo contrario tendo [p. 419] nelle reconhecido alguns bons effeitos o consideraraõ como geralmente
saudavel, e lhe attribuiraõ demasiadas virtudes. Esta contrariedade
de opinioẽs tem sido defendida por alguns Medicos
Ha contudo alguns medicos que evitando os dois extremos sobredictos admittem o seu uso, naõ deixando porem de reconhecer que elle algumas vezes he nocivo. Com effeito ha bastantes pessoas de differentes idades e temperamentos, que durante muitos annos, e quasi toda sua vida tomaraõ chà em abundancia sem sentir a menor indisposiçaõ; ao mesmo tempo que outras soffreraõ muitas incommodidades pelo terem tomado em grande quantidade.
Para fixar pois os limites dos bons e maos effeitos desta bebida, he precizo huma grande perspicacia e imparcialidade. He difficil de tirar conclusoẽs certas meramente das experiencias analyticas; as partes do chà que parecem produzir os effeitos oppostos mencionados saõ principalmente as mais grosseiras. Eu mencionarei aqui algumas experencias que fiz com todo o cuidado, mas naõ posso deixar de confessar ao mesmo tempo que ellas naõ nos indicaõ sufficientemente em que consista aquella propriedade relaxante [p. 420] e sedativa, ordinariamente taõ refrigerante e agradavel aos que usaõ da bebida da chà, nem de que proceda pelo contrario que algumas pessoas experimentaõ della taõ desagradaveis effeitos; a observaçaõ poderà melhor instruir-nos nesta difficultosa investigaçaõ.
Experiencia 1º. Tomei igual quantidade de huma forte infusaõ de chà verde
superfino, e de chà bohy commum, taõbem forte; tomei demais disso huma
semelhante quantidade do licor que me restou da destillaçaõ mencionada
na experiencia 3º*, e outra igual, de agoa simplez; metti cada huma
destas quantidades em seus vasos separados e nelles lancei duas oitavas
de carne de boy, que havia quasi dois dias que tinha sido morto. As
oitavas de carne, que tinha lançado n'agoa simplez, apodreceraõ
dentro de quarenta e oito horas, e as que tinha posto nas duas
infusoẽs de chà, e no licor que restou depois da destillaçaõ citada
naõ mostraraõ sinaes alguns de podridaõ senaõ quasi depois de
settenta horas
Experiencia 2º. Lancei nas infusoẽs fortes de todas as castas de chà
verde e bohy, que pude haver, iguaes quantidades de sal de ferro
(sal martis)
Experiencia 3º Sem embargo disto, como muitas vezes tinha observado que a bebida do chá, principalmente o verde de boa qualidade e bastantemente cheiroso, era notavelmente relaxante nas pessoas de huma constituiçaõ debil e delicada, tractei de proseguir as minhas investigaçoẽs, e para este fim:
--*-- Destillei em agoa simplez meyo arratel do melhor e mais cheiroso chà verde que pude haver, e obtive huma onça de agoa assaz cheirosa, transparente, e sem oleo algum, a qual sendo tractada com o sal de ferro, como expuz na Experiencia 2º naõ deo o menor indicio de astringencia.
--*-- A porçaõ do liquor aquoso, que tinha res tado da destillaçaõ sendo depois evaporada athe á consistencia de extracto, ficou com hum leve cheiro, e sabor muito amargoso, e astringente. A quantidade do extracto, que obtive nesta operaçaõ, pesou quasi cinco onças, e meya.
Experiencia 4ª. --*-- Injectei na cavidade do abdomen e membrana cellular de huma raan quasi tres drachmas da agoa cheirosa destillada, de que acima fiz mençaõ (Exp, 3ª --*--). Passados vinte minutos, huma das duas pernas da raan começou a sentir consideravelmente os effeitos da injecçaõ, e ficou inteiramente sem movimento nem sensibilidade alguma
--* *-- Injectei taõbem do mesmo modo em outra raan huma porçaõ do licor, que tinha restado depois da destillaçaõ do chà verde acima mencionada (Exper. 3ª); mas a injecçaõ naõ produzio effeito algum sensivel.
Experiencia 5ª --*-- Appliquei huma porçaõ da agoa cheirosa destillada (de que fiz mençaõ na Exper. 3ª --*--) aos nervos ischiaticos descarnados, e á cavidade do abdomen de huma raan. Dentro de meya hora as duas extremidades posteriores ficaraõ inteiramente paralyticas e insensiveis, e quasi huma hora depois o animal expirou.
--*-- Appliquei do mesmo modo a outra raan o licor que tinha ficado depois da destillaçaõ (mencionada na Exper. 3ª.); mas naõ observei effeito algum sedativo ou paralytico.
--***-- Appliquei taõbem às mesmas partes e nas mesmas circumstancias o extracto (mencionado na Exper. 3ª --**--) dissolvido em agoa; mas naõ lhe vi produzir effeito algum sensivel.
Segundo estas experiencias parece que os effeitos sedativos e
relaxantes do chà procedem principalmente do seu principio
fragrante, que se acha em grande abundancia especialmente em algumas
varredades de cha verde
Como as experiencias de que acima fiz mençaõ me naõ parecem por si sòs sufficientes para fixar com exactidaõ os saudaveis ou nocivos effeitos do chá sobre o corpo humano, serà precizo recorrer à observaçaõ, e nella procurar factos, que nos possaõ illuminar e conduzir a inferencias mais seguras respectivamente aos dictos effeitos.
[p. 404]O uso de tomar chá todas os dias, como huma agradavel bebida, faz esquecernos ordinariamente de indagar as suas propriedades medicinaes; eu cuidarei contudo de o considerar aqui em ambos estes respeitos. Das pessoas, que gozaõ de boa saude e saõ sadias, rarissimamente succede encontrar-se alguma que se queixe do uso do chà; ellas o consideraõ como huma excellente bebida, que as anima para o trabalho e as alenta depois delle. Tem-se visto algumas em hum e outro sexo que desde a sua infancia athé à velhice continuaraõ o uso do chà, sem delle receberem algum mao effeito, ou queixa que merecesse de ser-lhe attribuida. As pessoas contudo a quem isto succede saõ de ordinario sadias, fortes, de vida sobria, activa e laboriosa. Entre as que saõ menos fortes e menos robuctas ha algumas que se queixaõ do uso do chà, e lhes attribuem certas indisposiçoẽs; humas asseguraõ que depois de terem tomado chà ao almoço sentem huma certa perturbaçaõ de espiritos, e menos firmeza nas mãos para escrever e para outras occupaçoẽs, que nellas requerem huma exacta firmeza (este effeito contudo provavelmente so as incommoda pouco tempo); outras pelo contrario supportaõ bem o chà pela manhaan, mas quando o tomaõ de tarde confessaõ que elle lhes causa huma certa agitaçaõ, e as incommoda com hum tremor involuntario.
Ha muitas pessoas que apenas tomaõ huma so taça de chá, sentem immediatamente hum embrulhamento de estomago; ha outras, que depois de terem tomado esta bebida, sentem na regiaõ epigastrica, e bocca do estomago huma dor aguda, [p. 405] acompanhada de tremores geraes. Mas as constituiçoẽs tenras e delicadas saõ ordinariamente as que mais softrem do abundante uso do chà, sendo frequentemente attacadas de dores de estomago e intestinos, de affecçoẽs espamodicas, de huma grande agitaçaõ de espiritos, e pertubadas com o menor som ou estrondo; as suas ourinas saõ pallidas, claras, e em grande abundancia.
Os effeitos do chà seriaõ na verdade determinados com maior certeza, se as pessoas, que estaõ habituadas a tomalo em grande abundancia, naõ mostrassem tanta repugnancia em communicar-nos com exactidaõ as incommodas sensasoẽs que experimentaõ pelo seu demasiado uso, receando de serem notadas de imprudencia por continuarem a tomar huma bebida, que a experiencia lhes tem mostrado ser-lhes nociva.
Naõ deixamos contudo de saber com certeza que elle causa insomnolencia a algumas pessoas, que o tomaõ à noyte em grande quantidade. Para attribuirmos este effeito a agoa quente, era precizo sabermos se ella o produz nas mesmas pessoas ou em outras de semelhante constituiçaõ, e em semelhantes circumstancias; o que naõ esta ainda bem verificado; e de mais disso ainda mesmo nesse cazo o chà naõ deixaria de contribuir para o dicto effeito em grande parte. Naõ se lhe pode taõbem negar a propriedade de alegrar, alentar, e avivar os espiritos. Todas estas circumstancias parecem indicar que o chá contem [p. 406] hum principio activo, penetrante, e capaz de excitar promptamente a acçaõ dos nervos; nas constituiçoẽs summamente irritaveis esta acçaõ chega a tal grao, que causa sensasoẽs assaz incommodas e affecçoẽs espasmodicas; e nas menos irritaveis causa immediatamente hum certo prazer e satisfacçaõ, naõ deixando contudo de occasionar ao mesmo tempo huma certa tendencia para os tremores, e huma agitaçaõ, a que pouco falta para ser dolorosa.
As variedades de chà mais fino saõ mais sujeitas a causar estes effeitos; e he talvez principalmente por esse motivo que as mais baxas classes do povo, que usaõ do mais ordinario, saõ em geral as que soffrem menos incommodos desta bebida; digo, em geral, porque nellas naõ deixaõ de haver algumas pessoas, que hoje soffrem bastantes indisposiçoẽs occasionadas pelo dicto chá ordinario, que tomaõ copiosamente, e de ordinario assaz quente para melhor recrearem o seu gosto e olfacto, vindo por este modo a quantidade, e graos de calor a produzir nellas effeitos equivalentes aos que os chás finos causaõ nas pessoas ricas.
Naõ devo contudo deixar de expor aqui, que as infusoẽs de algumas plantas da Europa, como por. ex. as da salva, hortelaan, herva cidreira, e ainda mesmo as do alecrim e valeriana tem em bastantes pes, soas produzido algumas vezes effeitos semelhantes aos do chà, occasionando agitaçaõ de espiritos, flatulencia, dores espasmodicas, e outros symptomas que se observaõ nas pessoas summamente habituadas ao chá.
Todos os que tem observado attentamente o que as differentes variedades de chá verde fino obraõ em si e em outras pessoas, que costumaõ fazer dellas grande uso, creyo que naõ deixaraõ de admittir que nos dictos chas ha principios, que produzem effeitos assaz particulares. As diversas variedades de chá bohy sino naõ deixaõ contudo de influir taõbem sobre os nervos, de produzirem tremores, e de porem o corpo em tal estado durante algum tempo, que a mais leve coiza lhe causa perturbaçaõ.
Ha pessoas em hum e outro sexo, em que tenho observado que todas as vezes que tomaõ huma so taça de chá, costumaõ ser sempre incommodadas de grande anxiedade e oppressaõ, e que quando se achaõ em companhia de pessoas de sua amizade tomaõ por cendescendencia algumas taças de agoa quente com leite e assucar sem sentirem depois o menor incommodo.
Hum medico dos meus amigos, que juntamente com outros assistio no collegio de Edimburgo às experiencias acima mencionadas, me assegurou que todas as vezes que tomava pela manhaan huma pequena quantidade de chà fino, se sentia depois incommodado durante algumas horas, e se achava ao jantar sem vontade alguma de comer; qua pelo contrario todas as vezes que tomava chocolate ao almoço, passava bem, e se achava com boa vontade de comer ao jantar; que quando tomava de tarde huma so taça de chà, era incommodado do mesmo modo, e alem disso na noyte seguinte perdia tres ou quatro horas [p. 408] do somno costumado, que porem se acazo se achava em sociedade de amigos, e tomava huma taça de agoa quente com leite e assucar, naõ sentia depois a menor incommodidade.
Disse-me taõbem que o opio lhe causava quasi os mesmos effeitos que o chà, mas em maior grào; porquanto tendo-lhe huma vez succedido tomar huma dose de dissoluçaõ de opio naõ sentio a menor disposiçaõ para dormir, mas taõ somente huma certa anxiedade de estomago quasi semelhante a nausea.
Hum dos grandes Medicos practicos desta cidade me assegurou taõbem ter
observado algumas pessoas lançar escarros de sangue pela razaõ de terem
respido hum ar carregado do po de chà, no trabalho da mistura das suas
differentes variedades, a qual os ricos mercadores de chà mandaõ fazer
no fundo de suas lojas para contentarem os diversos gostos dos seus
freguezes. Com effeito os que saõ
Estas circumstancias parecem indicar que no chà alem da sua propriedade sedativa e relaxante existe huma substancia activa e penetrante, que naõ pode deixar de produzir effeitos singulares em certas compleiçoes.
[p. 409]Hum famoso corrector de chà desta cidade, depois de ter hum dia examinado mais de cem caxas desta mercadoria, sendo obrigado a tomar o cheiro, que cada huma das variedades continha, para poder julgar das suas qualidades, foy no dia seguinte attacado de huma vertigem violenta, dores de cabeça, espasmos por todo o corpo, e perda de falla e memoria. Com os soccorros da Arte pôde recobrar a falla e memoria athe hum certo grao, mas jamais as suas forças, que foraõ diminuindo pouco a pouco, athe ser attacado de huma paralysia parcial, e depois de outra geral, vindo em fim a ficar inteiramente enfraquecido e insensivel, em cujo estado morreo. Eu naõ me atrevo a decidir se estes effeitos devem ser attribuidos ao chá; he huma conjectura, que talvez outros accidentes identicos poderaõ vir hum dia a verificar.
Hum ajudante de certo corrector de chà desta cidade, depois de ter
examinado e misturado diversas castas desta mercadoria, foy durante
algumas semanas attacado varias vezes de dores de cabeça e de vertigens,
as quaes às vezes eraõ taõ fortes, que o faziaõ cahir, e em razaõ disso
era precizo que alguem o acompanhasse quando sahia. Fez-se-lhe em fim
huma copiosa sangria do braço, com que ficou aliviado, mas os alivios
naõ foraõ permanentes, porquanto immediatamente que tornou á sua
ordinaria occupaçaõ foy attacado da mesma molestia. A conselharaõ-lhe
emfim que recorresse à electricidade, o que fez com effeito, sendo lhe
os chòques electricos [p. 410] dirigidos á cabeça. No dia seguinte sentio bastantes alivios, mas no
outro dia depois começou a perder pouco a pouco o uso de seus membros
athe ficar insensivel, e a cahir subitamente em apoplexia, em cujo
estado acabou a vida. Eu o vi algumas horas antes da sua morte em hum
estado de insensibilidade, e naõ me atrevo a decidir se estes fataes
effeitos dovem antes ser attribuidos aos effluvios do chà do que à
electricidade; seja qual for a causa, hum semelhante facto merece
toda attençaõ da parte dos que practicaõ a Medicina
Hum moço de constituiçaõ delicada tinha em vaõ famado hum grande numero de remedios differentes pela razaõ do grande abatimento de espiritos em que o tinha posto a sua melancholia; nesta perigosa situaçaõ fuy chamado, e tendo reconhecido que elle era costumado a tomar chá copiosamente lhe acon selhei de se abster desta bebida. Tendo condecendido recobrou depois de pouco tempo a sua saude. Passadas algumas semanas, mandaraõ-lhe hum bello prezente de chá verde fino, que o tentou de tal modo, que nesse dia e no seguinte tomou delle huma grande quantidade. Com este regalo naõ so tornou a cahir na sua antiga melancholia e abatimento de espiritos, [p. 411] mas sentio alem disso perda de memoria, tremores, huma disposiçaõ a ser inquietado com as mais leves coizas, e hum grande numero de indisposiçoes nervosas. Tornei a ir visitalo, e reconheci immediatamente que todo o seu mal procedia do chà; elle goza prezentemente de huma perfeita saude, tendo-lhe cuidadosamente feyto o sacrificio de evitar o uso do chá, como lhe aconselhei.
Tenho observado em pessoas delicadas ainda outros exemplos de abatimento e indisposiçoes nervosas, que lhes duraraõ muitos annos, por naõ quererem seguir o conselho de habeis medicos, e que sem embargo do uso de muitos remedios naõ foraõ curadas senaõ quando os doentes se abstiveraõ de tomar a infusaõ do chá.
O meu fim naõ he criticar nem fazer o elogio do chá; o meu intuito he somente tractar desta substancia com toda a imparcialidade. Eu naõ tenho menos magoa em gaber que se achaõ neste exotico qualidades perniciosas, do que prazer em reflectir que elle serve á mesma hora de mimoso regalo a muitos milhoẽs dos meus compatriotas: as occasioẽs que elle dà a conversaçoẽs agradaveis, as innocentes associaçoes para que elle convida, e entretem sem precizaõ de bebidas espirituosas suggerem na verdade a hum coraçaõ social os mais gratos sentimentos. Mas he precizo ser justo; elle tem contra si naõ so a opiniaõ publica fundada em parte na experiencia, mas ainda muitos habeis escritores que o consideraõ ser a causa de muitas enfermidades graves; as [p. 412] indisposiçoẽs nervosas aindaque nem todas se julguem ser occasionadas pelo seu uso, diz-se contudo que todas saõ muito aggravadas por elle. Estas imputaçoẽs podem ser em parte verdadeiras, e merecem de ser examinadas com toda a candura.
Segundo a experiencia, as bebidas aquosas toma das quentes e em grande quantitade entraõ promptamente na corrente da circulaçaõ, e passaõ dentro de pouco tempo pelas ourinas ou pela transpiraçaõ ou augmentaõ alguma das secreçoẽs. Os seus effeitos sobre os solidos saõ de relaxar, e por conseguinte de enfraquecer; elles saõ proporcionados à quantidade que se toma da bebida quente, e se esta se substitue aos alimentos, os seus effeitos devem por conseguinte ser maiores.
Todas as infusoẽs de hervas obraõ ordinariamente do modo sobredicto; a do chà contudo tem estas duas particularidades, ella possue naõ so huma qualidade sedativa (Exp. 3º. 4º 5º), mas taõbem huma notavel astringencia (Exp. 2º), que serve de corrigir de algum modo a propriedade relaxante que se attribue a agoa quente, e talvez em razaõ da dicta qualidade astringente relaxa menos do que algumas infusoes de hervas, que tem hum leve cheiro aromatico com muito pouca ou nenhuma astringencia.
Portanto o chà que naõ he muito fino, nem to mãdo muito quente, ou em demasiada quantidade merece talvez de ser preferido a todas as infusoẽs vegetaes que conhecemos; e se bem se attender à sua energia em avivar os espiritos, ver-se-há que a nossa inclinaçaõ ao chà naõ procede meramente de luxo ou moda, mas sim de lhe acharmos huma [p. 413] superioridade à maior parte dos outros vegetaes no gosto e effeitos.
Passemos actualmente aos effeitos que causa este exotico nos paizes, de que he indigena, e aonde ha muitos seculos he geralmente usado. Quanto aos Japonezes naõ posso dizer nada, porque prezentemente temos muito poucas noticias desta naçaõ; quanto aos Chinas, sabemos que as infusoẽs dos chas finos e ordinarios saõ tomados por toda a sorte de pessoas e em grande quantidade; saõ a bebida ordinaria do baxo povo, assim como o arroz he o seu principal alimento; os grandes, e pessoas ricas usaõ igualmente desta bebida, mas comem carne, e boas iguarias.
Quanto às suas molestias conhecemos muito pouco, nem sabemos que influencia tenha o chà relativamente a ellas. O Dr. Arnot, honra da sua patria e profissaõ, medico summamente estimado dos Chinas, me escreveó de Cantam que fora o primeiro que chegara a persuadir os dictos povos a deixar-se sangrar nas suas infermidades
Antes do uso do chá, os almoços neste paiz eraõ ordinariamente mais substanciaes, como por ex. os lacticinios, os assados, &c acompanhados de cervejas, ou de vinhos das Canarias e fortes (entre pessoas ricas). Naõ se pode duvidar que semelhantes alimentos, e o exercicio que se costumava entaõ fazer deviaõ causar no sangue, e outros fiuidos animaes hum estado bem differente daquelle que produz o chà com hum pouco de leite ou nata, e paõ com manteiga.
O uso de tomar chà ao almoço, e ainda mesmo de tarde ordinariamente em grande quantidade, naõ podia deixar de contribuir para alterar a economia animal. Antes da introducçaõ deste exotico, os regalos que se faziaõ nas visitas de tarde eraõ bem differentes; nestas occasioẽs o que de ordinario se costumava presentar eraõ jeléas, pasteis de fruta, doces, [p. 415] assados, vinhos fortes, os de maçaans, a cerveja forte (denominada ale) e ainda mesmo os licores espirituoaos, que as vezes eraõ tomados em demasia, e com bastante danno.
Esta sorte de refeiçoẽs devia certamente entreter aquella natural diathése inflammatoria, e plenitude de sangue que resulta do grande vigor, como taõbem dispor para aquellas enfermidades que procedem de semelhantes causas. Peloque naõ he inadequado suppor que visto serem mais fortes os alimentos dos nossos antepassados e os seus exercicios mais athleticos, as suas molestias procediaõ taõbem mais ordinariamente do que hoje de plethora, e por conseguinte naõ me parece que haja causa mais geral e mais provavel, a que mereçaõ de ser attribuidos os effeitos da debilidade que temos referido, do que o chá.
Estas conjecturas sendo admittidas poderaõ guiarnos a determinar quando, e a que pessoas o uso do chà he saudavel ou nocivo. Elle parece ser proveitoso aquellas pessoas por ex, que saõ de natureza sanguie nea, em que ha huma diathése inflammatoria, ou que em razaõ do seu exercicio, afimentos, clima, ou em razaõ de todas estas circumstancias reunidas tendem a esta situaçaõ, servindo-lhes de relaxar a demasiada rigidez dos solidos, e de diluir a Iympha coagulavel do sangue (como lhe chama hum judiciozo autor)
Ha contudo idiosyncrasias, ou temperamentos particulares entre os sobredictos que merecem de ser exceptuados desta regra geral. Ha homens por ex. de temperamento forte, vigoroso, e que em tudo indicaõ huma excellente saude, aos quaes contudo poucas taças de chà bastaõ para causar agitaçaõ do mesmo modo que às mulheres hystericas; mas isto he pouco commum, elles ordinariamente supportaõ bem esta bebida, e com ella se alentaõ para o trabalho da mesma sorte que com as comidas mais substanciaes; nada os reforça mais depois de hum exercicio forte e continuado, de maneira, que para elles o chà he hum refresco igual e talvez o mais proveitoso de todos os que hoje estaõ em uso.
Se attendermos porem aos effeitos que pode causar o chà nas pessoas que se achaõ em hum estado de saude e vigor opposto, isto he, que saõ de huma constituiçaõ tenra, delicada, e enfraquecida, cujos solidos se achaõ debilitados, o sangue attenuado e aquoso, a vontade de comer perdida ou viciada, sem fazer exercicio ou se o fazem he impropriamente, em summa que saõ de huma disposiçaõ opposta à in flammatoria, veremos que o demasiado uso do chá naõ pode demar de contribuir para abater-lhes o resto das forças vitaes athe polas em hum estado perigoso.
Entre estes dois extremos ha muitas gradaçoẽs; sendo todas as coizas aliàs iguaes, o chà sera em geral mais ou menos proveitozo, mais ou menos nocivo à proporçaõ que os temperamentos se approximarem mais aos dictos dois extremos oppostos. Eu confesso naõ ter assaz experiencia nem talentos para poder ponderar todas estas gradaçoẽs; direi somente [p. 417] que huma grande quantidade de chá raramente pode ser proveitosa, a naõ ser tomada como medicamento, e depois de huma grande fadiga; que o chá naõ deve ser tomado muito quente, e que os chás mais finos principalmente o verde, como ja disse, saõ suspeitos de ser de peior qualidade do que os ordinarios ou medianos.
Segundo as experiencias e observaçoẽs que tenho referido he evidente, que o chá possue hum principio odorante volatil, o qual tende em geral a relaxar e enfraquecer o systema nervoso das pessoas delicadas, principalmente quando ellas o tomaõ quente e em grande quantidade. Eu tenho conhecido muitas pessoas de constituiçaõ delicada, que se abstiveraõ desta bebida com grande proveito (§. 17.), e outras que tendo-se abstido della reconheceraõ depois que isso lhes era prejudicial à sua saude, e tornaraõ a continuar o seu uso por naõ ter outra que lhe podessem substituir principalmente nos seus almoços.
Portanto as pessoas que naõ podem abandonar inteiramente esta bebida, e a consideraõ como o seu mimoso regalo, deveraõ ao menos tomala de hum modo mais seguro, deixando ferver o chá durante alguns minutos a fim de dissipar o seu principio odorante (Exp. 3º e S. 13.), que he o mais nocivo, e extrahir a parte amargoza, astringente e mais estomachica (Vej. as Exp. do §. 12) em vez de o preparar do modo ordinario por infusaõ.
Hum dos habeis medicos desta capital tendo observado muitas vezes os effeitos prejudiciaes do chá [p. 418] tomado por infusaõ, e tendo lido huma dissertaçaõ publicada em Leyde
O extracto do chá (Exp. 3ª --**--) pode ser com a mesma utilidade substituido às folhas. Eu tenho muitas vezes usado delle em lugar da infusaõ, dissolvendo-o em agoa quente, e me pareceo sempre ser hum excellente amargo estomàchico; por este modo se evitaõ em grande parte os effeitos relaxantes do chá, que costumaõ incommodar o systema nervoso, visto que a sua fragrancia se acha dissipada. Este extracto costuma vir da China na forma de bolos redondos, chatos, e de cor parda, e pezaõ quando muito duas oitavas cada hum; dez graõs dissolvidos em agoa quente saõ sufficientes para o almoço de huma pessoa. Elle pode ser feito mesmo na Europa sem grande despeza nem trabalho (Exp. 3º --**--)
As infusoẽs das flores de macella, ou de outro amargo estomachico tomadas depois do chá, saõ assaz [p. 419] uteis algumas vezes para impedir os seus maos effeitos relaxantes. Estas infusoẽs amargozas algumas vezes saõ muito mais proveitozas, quando se tomaõ frias.
Em todas as formas que os Chinas costumaõ usar do chà como medicamento estomachico, segundo refere Du Halde, he fervido durante algum tempo ou preparado de tal modo que o seu principio odorante volatil seja dissipado; he muito provavel que este costume, que me parece bem conforme ás experiencias que expuz (§. 12.), seja fundado em muitas observaçoẽs.
Os que conhecem bem a natureza humana costumaõ attribuir as inclinaçoẽs, que tem os homens aos vicios e virtudes, naõ so à educaçaõ e clima em que habitaõ, mas ainda aos seus alimentos e modo de vida; pelo que como a infusaõ do chà he usada ha muitos seculos entre os Chinas, naõ me parece desacertado dar aqui huma concisa idea dos costumes e caracter destes povos, como fiz a respeito das suas molestias.
Os Chinas saõ geralmente descriptos como homens incapazes de
supportar trabalhos duros, de forças mediocres, ou fracos,
comparados com os habitantes da Europa, e outros paizes; habeis em
algumas artes athe certo grao, mas sem terem dado athe agora provas
algumas de hum genio elevado em architectura civil ou militar;
pusillanimes, afeminados, [p. 420] summamente libidinosos, e deshonestos
Naõ seria certamente razoavel attribuir todas estas qualidades somente aos seus alimentos e modo de vida, ha muitas outras causas que concorrem para ellas; mas naõ deixa de ser provavel que todo o genero de vida, que tende a debilitar, contribue para augmentar as màs qualidades. Aonde naõ ha forças de corpo, os enganos e ardis occupaõ de ordinario o seu lugar, e este vicioso caracter fara tanto mais extensamente conhecer os seus effeitos, quanto menos for sopeado por bons principios; elle he commumente predominante tanto em hum estado de debilidade natural como adquirida pelo modo de vida. Eu sei muito bem que em algumas pessoas do sexo femineo ha huma probidade, fortaleza, e grandeza de alma nada inferiores às que se achaõ nos homens, mas duvido muito que isso seja commum.
Eu naõ me atrevo a decidir se o seculo actual nos presenta tantos exemplos de excellentes qualidades como os antigos, mas ao menos a opiniaõ geral he que nelle ha vicios que naõ deslustraraõ os da antiguidade. Se o uso geral do chá tende ou naõ a augmentar a disposiçaõ para alguns delles, pode na verdade ser hum problema em Medicina. Tudo o que tende a debilitar parece ordinariamente augmentar a sensibilidade do corpo; o mesmo homem por ex. que em estado de boa saude naõ estremece com o [p. 421] estoiro de huma peça de artilharia, sera summamente perturbado sentindo abrir derepente huma porta no, cazo que alguma molestia o tenha enfraquecido, ou posto em hum estado de debilidade afeminada; observamos taõbem que os dezejos naõ saõ sempre proporcionados ás forças do corpo, e que os mais fortes succedem ás vezes ter lugar, quando as forças do corpo se achaõ no maior abatimento
Segundo o que tenho exposto, naõ me parece acertado que os meninos, e geralmente todas as pessoas de tenra idade hajaõ de fazer uso desta bebida, Ella costuma enfraquecer-lhes o estomago, arruinarlhes as forças digestivas, e contribuir para causarlhes muitas molestias. He raro de encontrar exemplos de principios de molestias scrophulosas mais frequen temente do que na debil e pouco cadia prole dos habitantes das nossas grandes villas, aonde he notorio que os almoços e ceas constaõ ordinariamente so de chá e dos seus adjunctos usuaes. As melhores familias contudo começaõ prezentemente a fazer melhor es colha de alimentos, e entre algumas o chà he bastantemente desestimado em razaõ dos nocivos effeitos que nelle tem reconhecido. Elle naõ devera ser taõ [p. 422] usado, como he, nas mezas dos Mestres que tem estudantes porcionistas em sua caza, e os dictos Mestres deveraõ advirtir que se bem que o chà pode ter lugar em alguns convites, o seu continuado uso arruina ordinariamente a saude, às forças, e a constifuiçaõ da mocidade.
Tendo athe agora tractado do uso dietetico do chà, restame fallar dos seus usos medicinaes. O chá tem presentemente entre nos muito pouca consideraçaõ como medicamento, e ainda mesmo como hum brando diaphoretico he raras vezes mencionado nos nossos autores. Contudo a sua infusaõ naõ deixa de ser ao menos taõ proveitosa, como as de muitas outras plantas nos cazos em que he precizo diluir e relaxar para promover as mais finas secreçoes. Demais disso, he provavel segundo as experiencias mencionadas (S. 12), e observaçoẽs dos seus effeitos, que na composiçaõ do chá entra hum certo principio sedativo, naõ muito differente do que se acha nos nossos opiados; elle mitiga como os dictos opiados algumas oppressoẽs anxiosas que nos incommodaõ (e nestas circumstancias parece ser mais proveitoso do que as demais infusoẽs meramente aquosas), e, da mesma sorte que as mais pequenas doses de opio, impede às vezes o sono, pondo durante algumas horas os espiritos em hum desordenado movimento.
Todas as vezes pois que for precizo tomar infusoẽs em grande dose para excitar e entreter hum grande suor principalmente nalgumas indisposiçoẽs [p. 423] inflammatorias, se poderà usar bem adequadamente de huma decocçaõ, ou de huma forte infusaõ de chà; porquanto a virtude sedativa desta planta, ajudada da propriedade dilutiva da agoa quente, excitará o suor sem contudo estimular. Os Chinas, que costumaõ usar do chà como remedio em muitas doenças, daõ no ordinariamente em decocçaõ; mas a infusaõ feita com huma grande quantidade de chá fino vasada quasi immediatamente depois que o chá se lançou no bule para poder obter as suas partes mais subtis, e tomada quente parece dever ser preferida nos cazos em que se houver de tomar como hum a ttenuante ou relaxante.
Eu tenho dado varias vezes em hum vehiculo diluente o chá verde fino em substancia, e nelle observei quasi os mesmos effeitos, que na sua infusaõ. Trinta graõs desta sorte de chá reduzido em po, e tomados tres ou quatro vezes, mediando entre cada huma dellas o espaço de huma hora, ordinariamente relaxaõ os solidos, diminuem o calor e grande an xiedade, e produzem huma branda transpiraçaõ. Quando esta dose causa huma leve nausea, como succede de ordinario, excita melhor a transpiraçaõ, e naõ deixa de abrandar os symptomas que acompanhaõ as molestias inflammatorias. Quando a dose he dobrada, a nausea augmenta, e se costuma sentir huma dor e pezo desagradavel, durante algum tempo, na regiaõ do estomago, que passaõ ordinariamente com huma dejecçaõ laxativa.
Diz-se que a dor de pedra he huma doença assaz frequente na China e
Japaõ, e que os naturaes destes paizes suppoem que o chá tem huma
particular qualidade para obviar esta enfermidade. Elle pode na
verdade ser util para corrigir e amaciar a agoa
O chá, como ja mencionei (Exp. 1ª e 2ª) contem huma qualidade
astringente antiseptica; elle possue taõbem hum amargor assaz
sensivel, e assim como temos exemplos
Eu tenho muitas vezes observado algumas pessoas depois de exercicios
violentos e jornadas acharem-se bastantemente fatigadas, agoniadas,
sequiosas, e encalmadas, e experimentarem hum immediato alento depois de
tomarem humas poucas de taças de chá quente. Esta bebida he taõbem
hum diluente e sedativo agradavel nos cazos de abundantes ou
demasiadas comidas, em que o estomago se acha empachado, ha dores de
cabeça, e se sente o pulso elevado
Terminarei este tractado com algumas breves reflexoẽs sobre o uso economico deste exotico.
O luxo, ou superfluidades estrangeiras, que se tem introduzido
consideravelmente neste paiz, tem contribuido para muitas das
enfermidades nervosas, que actualmente saõ nelle taõ frequentes. O
excessivo uso dos licores espirituosos he huma das principaes
causas; mas este mesmo excessivo uso tem muitas vezes a sua origem
no do chá
Nem saõ estes somente os inconvenientes que resultaõ do uso geral do chá. O homem pobre, que mal ganha quotidianamente com que possa haver as necessarias commodidades da vida e bons alimentos, dezejando competir com os que tem maiores possibilidades, e imitar o seu luxo, desperdiça ordinariamente neste exotico os seus fracos ganhos, e com esta imprudencia vem a ficar privado dos meyos de poder comprar o sustento convemente para si e sua familia.
Eu conheço muitas familias pobres habituadas a este defeito, e sei que os seus filhos padecem varias indisposiçoẽs procedidas de indigestaõ, debilidade, e relaxaçaõ; alguns delles tem chegado emfim a hum tal gráo de debilidade, que se lhes entortaraõ os membros, tornaraõ, se pallidos, e acabaraõ a vida em hum estado de marasmo.
Estes effeitos naõ merecem tanto de ser attribuidos ás propriedades particulares do chá, como á falta de alimentos convenientes, dos quaes a gente pobre costuma privar-se antes do que passar sem o dicto exotico. Eu conheço huma pobre familia composta de may e varios filhos, aonde ha tal paxaõ pelo chá e taõ modicos ganhos, que as tres comidas diarias (almoço, jantar, e cea), constaõ regularmente so da infusaõ de chà, assucar, e hum bocado de paõ; este uso os tem quotidianamente enfraquecido, saõ magros, macilentos, e de huma debil constituiçaõ; alguns delles contudo, que por humanidade foraõ arrancados a esta perniciosa criaçaõ, gozaõ prezentemente de huma saude menos má.
[p. 427]
Hum dos nossos judiciosos autores
Segundo os calculos moderados, a quantidade de cha, que se gasta annualmente em Inglaterra, monta a tres milhoẽs de arrateis; e a experiencia domestica nos ensina, que com cada arratel de chá se consomem ao menos dez de manteiga. Donde resulta que a quantidade de manteiga que se gasta annualmente com este nocivo alimento (se he que se lhe pode dar o nome de alimento), monta a trinta milhoẽs de arrateis. Tem-se taõbem observado que para obter hum arratel de manteiga saõ precizas ao menos cinco canadas de leite. Admittido isto, e suppondo que huma canada de leite com paõ he sufficiente para o almoço e cea de tres jornaleiros, e que estas duas comidas constituem a metade do seu sustento, segue-se, que em razaõ do uso do chá este reyno naõ pode sustentar tanta gente como alias podera, se os seus habitantes vivessem de hum modo mais simplez.
Em todos os tempos o homem procurou sempre nos vegetaes meyos de restabelecer a sua saude, de se alimentar, de se reparar dos frios ou calmas, e de muitas outras precizoẽs; a necessidade e o acazo lhe fizeraõ reconhecer pouco a pouco as propriedades de alguns destes entes enteressantes; estas propriedades conservadas ou por tradiçaõ ou escritas chegaraõ emfim a servir de fundamento de tractados mais ou menos perfeitos segundo as differentes graos de progresso do espirito humano; sobre ellas fundaraõ os antigos Gregos e Romanos tractados de materia medica e de agricultura, e ainda hoje as propriedades dos vegetaes saõ as notas caracteristicas em que os autores de materia medica fundaõ as suas destribuiçoẽs methodicas
Os methodos botanicos, o lugar de habitaçaõ, os succos, nectarios, as qualidades de cheiro, sabor, e cores dos vegetaes e as suas analjses chymicas tem sido os meyos investigativos, de que os sabios se tem servido nestes ultimos tempos para indicar nelles a uniformidade e dessemelhança de virtudes, e estabelecer regras geraes a respeito dellas.
Os methodos, ou systemas botanicos saõ ou artificiaes, ou naturaes, como jà mencionei nos capitulos precedentes. Os systemas artificiaes, como sujeitos a leys nimiamente arbitrarias, e a reunir plantas ordinariamente differentes no habito externo, naõ podem, senaõ por acaso, offerecer divisoẽs genericas de plantas de uniformes virtudes; os methodos na turaes saõ por conseguinte os unicos que podem subministrar divisoẽs menos sujeitas a engano relativamente à dicta uniformidade. Linneo assignou pois a este respeito a regra seguinte: todas as plantas que sam do mesmo genero natural, sam tambem da mesma virtude; e as que sam da mesma familia ou divisoens naturaes, participam mais ou menos da mesma virtude
Muitos Botanicos modernos, principalmente, os que saõ apaxonados pelos methodos naturaes, pensaõ que naõ so senaõ devem desprezar as affinidades dos caracteres botanicos na investigaçaõ das qualidades e virtudes medicinaes das plantas, mas taõbem que ellas nos dirigem com segurança a substituir huma planta a outra em hum grande numero de familias naturaes. Linneo parece ter sido deste parecer, e nos deixou a este respeito na sua Philosophia Botaniça
As Gramineas (Graminea, Ordo Naturalis IV.)
As Estrelladas (Stellatae, ord. nat. XLVII.) saõ diureticas, como a ruiva dos tintureiros, amor de hortelaõ, asperula, galium, &c.
As Borragineas ou Asperifolias (Asperifoliæ, ord nat. XLl) podem servir de hortaliças, e saõ mais ou menos mucilaginosas e glutinosas, como a buglossa, borragem, e consolda maior.
As Luridas (Lurida, ord. nat. XXVIII.) saõ suspeitas de venenosas e narcoticas, como a belladona, stramonio, meimendro, mandragora, nicotiana, as solaneas, bringelas, e ainda mesmo os tomates. O pimentaõ he summamente acre.
As Umbrelladas (Umbellatae, ord. nat. XLV) quando vegetaõ nos lugares seccos saõ aromaticas, calefactivas, proprias para excitar o suor, ourinas, menstruos, leite, e dissipar as flatulencias, como saõ por. ex. o levisticum, assa faetida, angelica, imperatoria pimpinella, peucedanum, opopanax, galbanum, carvi, [p. 435] cuminum, daucus, meum, faniculum, &c; as que nascem em lugares aquosos saõ venenosas, como a cicuta, aenanthe, sison, phellandrium, e apium palustre; as suas virtudes residem nas raizes e sementes.
As raizes das plantas da classe Hexandria, que saõ inodoras, costumaõ usar-se em algums paizes como alimento, v. g. as da tulipa, tilium martagon, e ornithogalum; mas as que tem hum cheiro viroso saõ venenosas, como as da cebola alvarraan, jacintho narcizo, coroa imperial, leucojum, goriosa, e anthericum.
As Bigornes (Bicornes, ord. nat. XVIII.) saõ astringentes, como a urze, pyrola, vaccinium, e principalmente o arbutus urva ursi; em alguns paizes costumaõ comer-se as suas bagas acidas, como as do medronheiro, as do arbutus uva ursi, vaccinium uityr tillus e exycoccus, diospyros virginiana, e melastoma.
Os fructos polposos da classe Icosandria saõ usados como alimentos, taes saõ v. g. as maçaans, peras, marmelos, romaans, fructos do pirliteiro, as nesperas, sorvas, groselhas, pessegos, damascos, ameixas, ginjas e cerejas na familia das Pomaceas (Pomaceae, ord. nat. XXXVI.); os morangos, amoras de sylva, e bagas da roseira de caõ nas Senticosas (Senticosae, ord. nal. XXXV.); emfim os fructos da eugenia e psidium nas Hesperideas (Hesperideae, ord nat. XIX.)
As plantas da classe Polyandria ordinariamente saõ venenosas; como saõ o aconitum,
As Labiadas, ou Verticilladas (Verticillatae, ord. nat. XLII.) saõ aromaticas, nervinas, resolutivas, emmenagogas e dissipaõ os flatos, as suas virtudes residem nas folhas; taes saõ por ex. a segurelha, hortelaan, poejo, tomilho, ouregaõ, salva, alecrim, alfazema, rosmaninho, manjerona, manjericaõ, herva cidreira, &c.
As Cruciferas ou Siliquosas (Siliquosae, ord. natXXXIX) saõ acres, incisivas, detersivas e diureticas; como saõ os agrioẽs, a cochlearia, a armoracia, &c.; ellas perdem muito da sua virtude no estado de seccas, e porisso devem ser usadas em quanto verdes.
As Malvaceas (Columniferae, ord. nat. XXXVII.) saõ mucilaginosas, lubrificantes, embotaõ a acrimonìa dos humores, e saõ suppurativas em razaõ da sua virtude emolliente; taes saõ por ex. a malva, a althea, &c.
As Leguminosas (Papilionaceae, ord. nat. XXXII.) saõ excellentes para pastos ou alimento dos quadrupedes, como v. g. o trevo, medicago, trigonella, hedysarum, vicia, loeus, e lathyrus: as suas sementes saõ farinhosas e flatulentas, e servem de alimento aos homens e varios animaes, taes saõ principalmente as favas, ervilhas, feijoẽs, graõs, lentilhas, e chixaros.
[p. 437]As Compostas (Compositae, ord. nat XLIV.) saõ muito usadas em medicina, e commumente saõ amargosas, como sao v. g. o cardo sancto, a chicoria, o almeiraõ, o cardo mariano, a pilosella, o dente de leaõ, a losna, a matricaria, a chamomilla, as macellas, a tanasia, a balsamitta, eupatorium, achil lea ageratum, santolina, abrotanum, carlina, acmella, artemisia, &c.
As Orchideas (Orchideae, ord. nat. VII.) saõ aphrodisiacas, taes saõ principalmente a orchis bifolia, orchis morio, e o epidendron vanilla.
As Estrobilosas (Coniferae, ord. nat. LI.) saõ resinosas, e diureticas, como, saõ v. g. os pinheiros, o abeto, acipreste, sabina, zimbro, e juniperus lycia.
A Classe Cryptogamia contem muitos vegetaes suspeitos; os fetos tem hum cheiro desagradavel: os musgos do mesmo modo; das algas saõ rarissimas as que se comem, e muitas saõ purgativas; e os fungos saõ segundo Plinio huma perigosa comida.
Taes saõ em geral os sentimentos de Linneo sobre as familias naturaes; mas todas estas, generalidades saõ sujeitas a mais ou menos excepçoẽs, que seria prolixo expor aqui. Direi somente que os grãos das qualidades dos vegetaes variaõ infinitamente, e talvez à proporçaõ do numero dos individuos: nas Gramineas, por ex, as sementes cerealinas servem de alimento ao homem, mas que differença naõ ha entre o paõ de trigo e o de milho, e cevada? Quanto naõ differe o alimento do arroz do que fornece o paõ de trigo? Quanto naõ differem entre si os fructos polposos, que se usaõ como alimento? Que desigualdades naõ há algumas vezes entre as plantas [p. 438] aromaticas, amargosas, acidas, acres, e astringentes do meSmo genero? As vezes o principio nutritivo está separado de todo o veneno, como nas sementes cerealinas, outras vezes misto com hum principio amargozo ou combinado com huma substancia mais ou menos venenosa, como nalgumas solaneas e na mandioca; quanto naõ variaõ as quantidades dos principios saborosos, odorantes, e outras partes constitutivas de cada hum dos individuos vegetaes, e que variedade no modo, e circumstancias com que se achaõ combinados? Eu confesso ingenuamente a fraqueza das minhas luzes a este respeito; peloque deixo aos que se occupaõ de Materia Medica, e practica de Medicina o decidir athe onde seja justo o sentimento "de que se pode em algumas familias naturaes substituir humas plantas a outras."
O lugar de habitaçaõ dos vegetaes tem parecido taõbem a alguns botanicos hum
meyo de poder descobrir as suas incognitas virtudes. Linneo assignou a
este respeito a regra seguinte
Os succos lacteos das plantas saõ de ordinario hum indicio de màs
qualidades, e he por esse motivo que Linneo estabeleceo a este respeito
a regra seguinte
Linneo pertendeo ter achado nos nectarios hum meyo para poder taõbem
reconhecer as màs qualidades de algumas plantas, e estabeleceo a este
respeito o aphorismo seguinte; as plantas, que dam flores com hum
nectario destincto das petalas, commumente sam venenosas
O cheiro, sabor, e cores saõ os principaes meyos de que os medicos se servem
para conhecer as virtudes medicinaes de qualquer substancia vegetal. O
primeiro aphorismo a este respeito he, que todas as substancias vegetaes
insipidas, e inodoras tem muito pouca ou nenhuma virtuade em medicina
As operaçoẽs chymicas tem parecido a muitos sabios hum dos melhores meyos de
investigar as virtudes dos vegetaes; foraõ por conseguinte tractados por
expressoẽs, trituraçoẽs em agoa, infusoẽs em espirito de vinho ou agoa,
distillaçoẽs a fogo brando ou forte, e por todos os meyos que conduzem a
analysar os seus principios; a sua analyse tem dado a conhecer as suas
partes extractivas, gomosas, mucilaginosas, saccharinas, amilaceas,
resinosas oleosas, stipticas, aromaticas, e os differentes saes e terras,
que entraõ na sua composiçaõ. Naõ se pode negar que todos estes
conhecimentos reunidos com alguns dos que acima mencionei saõ
bastantemente uteis para nos fazer discorrer sobre a natureza dos
vegetaes com maior segurança do que os antigos discorriaõ; com estas
luzes podemos taõbem melhor do que elles julgar das suas virtudes; mas
quem attender bem ao muito que variaõ os acidos e alcalis mos
differentes vegetaes quanto à quantidade e qualidade, o muito que os
seus outros principios variaõ taõbem nas proporçoẽs, e saõ alterados
pelo fogo, a grande difficuldade, ou impossibilidade que ha algumas
vezes de obter os seus principios subtis e volateis, nos quaes contudo
consistem as suas principaes virtudes, naõ estranhara certamente a
asserçaõ de alguns grandes [p. 448] medicos
Depois do descobrimento do Dr. Ingen-Rouz
A idade, e o tempo em que as plantas e suas differentes partes devem ser
colhidas, e o modo de as [p. 449] seccar, e conservar para os usos medicinaes são circumstancias que
naõ devo passar aqui em silencio, viso que podem influir muito sobre as
suas virtudes
As raizes bolbosas e tuberosas devem ser colhidas na outono; quanto às
outras, muitos pertendem que devem ser arrancadas na primavera, logo que
começaõ a brotar folhas,
porquanto a seiva que conservaraõ e adquiriraõ no inverno he entaõ
elaborada e lhes dà hum grande vigor, sendo neste periodo succulentas, tenras, carnudas, e bem nutridas; quando pelo
contrario, no outono saõ duras, quasi exsuccas e nimiamente
enfraquecidas de terem nutrido o troço [p. 450] ascendente e suas partes.
He difficil de assignar regras geraes a este repeito, sendo certo que
quasi em todas as estaçoes do anno se podem colher boas raizes
Os troncos e ramos das plantas herbaceas devem ser colhidos junto do estado da florecencia ou quando elle começa; os troncos lenhosos devem ser cortados no inverno, ou fim do outono, de arvores que naõ sejaõ velhas, nem muito novas. A casca das arvores [p. 451] novas he melhor do que a das velhas ou de meya idade; as cascas que naõ saõ resinosas devem ser arrancadas no outono ou inverno, e as que saõ resinosas, na primavera, quando a seiva esta para se pôr em movimento, e que se podem facilmente arrancar do lenho.
Os gomos devem ser
O melhor tempo de colher as flores he quando começaõ a desabotoar, e antes da vibraçaõ do po das antheras: ha algumas em que se deve separar a corolla do calvz, visto que a sua principas virtude reside na corolla, como são por ex. as rosas, cravos, violettas, &c. mas nas labiadas deve sempre conservar-se o calyz junto com a corolla, porque nelle reside principalmente a virtude aromatica. As antheras devem ser colhidas antes da vibraçaõ do seu pò.
Os fructos ou pericarpos devem apanhar;se no estado de madureza, que naõ seja demasiada, como he a do [p. 452] periodo em que delles cahem as sementes; ha alguns fructos contudo que se apanhaõ verdes, e saõ assim usados em Medicina, mas saõ em pequemo numero ou huma pequena excepçaõ da regra geral.
As sementes devem ser colhidas gradas, e em plena madureza
Naõ basta so saber o tempo proprio da colheita dos simples, he precizo taõbem attender ao modo de os seccar e conservar. Ná desiccaçaõ ou modo de seccar as plantas o principal objecto he privalas da humidade redundante, a fim de as podermos guardar hum certo tempo para os usos de medicina. Alguns recommendaõ de as seccar á sombra, principalmente as que saõ aromaticas, para que menos percaõ do seu cheiro; mas a experiencia tem mostrado que quando as seccamos rapidamente ao sol, ou nas estufas, ellas conservaõ assaz bem o seu cheiro, propriedades, e muito melhor a suas cores; as que tem na sua [p. 453] composiçaõ muito pouco do principio resinoso, como v. g. as borragineas, veronica, e herva cidreira, perdem muito da sua virtude sendo seccas á sombra lentamente, e ficaõ denigridas, por causa da fermentaçaõ que nellas se estabelece, o que naõ succede quando saõ seccas promptamente ao sol ou numa estufa
Quando estivermos para seccar quaesquer partes vegetaes sera precizo antes mondalas das hervas inuteis, e separar as folhas velhas e fanadas; depois estender-se-haõ em cestas ou serapilheiras, de modo contudo que naõ fiquem amontoadas, e se exporaõ ao sol todo o dia, tendo cuidado de lhes mudar as superficies algumas vezes no dia, e de as retirar ao sol posto por causa da humidade da noyte; no dia seguinte tornar-se-haõ a por ao sol athe ficarem de todo seccas. Nas estufas ou sobre hum forno de padeira, em que [p. 454] successivamente se coze paõ, a dessiccaçaõ he mais rapida e melhor, por naõ ser interrompida; neste cazo as serapilheiras devem ficar penduradas, para que o ar possa circular livremente, o que naõ sera desacertado practicar taõbem, quando a dessiccaçaõ for feita ao sol.
As raizes, troncos lenhosos, e cascas requerem huma dessicaçaõ mais appressada, em razaõ de conterem mais humidade; quanto às raizes, he precizo antes de as por a seccar alimparlhes a terra com huma serapilheira ou lavando-as rapidamente, cortar-lhes as raigotas filamentosas, partilas longitudinalmente ou transversalmente sendo grossas, e depois polas enfiadas a seccar; as que saõ delgadas naõ precizaõ de se cortar. Ha algumas que costumaõ guardar-se mettidas em area ou terra, como as da althea, escorcioneira, e armoracia, a fim de as conservar frescas; mas deve se advertir que guardadas muito tempo neste estado saõ sujeitas a vegetar e endurecer, e nesta circumstancia devem rejeitar-se como muito pouco efficazes. As raizes bolbosas compostas de cascos, como v. g. a cebola alvaraan, saõ difficeis de bem se seccar ao sol; o melhor sera se parar os seus cascos e mettelos a seccar no banho maria, a querelos ter perfeitamente privados de humidade.
Os troncos, ramos herbaceos, e as folhas requerem huma dessiccaçaõ mais ou menos prompta, segundo saõ mais ou menos succosas. As plantas aromaticas saõ susceptiveis de huma rapida dessiccaçaõ; mas he precizo saber regular os graos de calor e proporcionalos á volatilidade dos seus principios odorantes, e à quantidade da humidade. Ellas perdem na verdade [p. 455] durante a dessiccaçaõ, huma pequena porçaõ do seu aroma, e immediatamente depois parecem ter pouco cheiro, mas passados alguns dias amollecem hum tanto e ficaõ bastantemente cheirosas; as que saõ seccas à sombra saõ hum pouco mais aromaticas; porem ficaõ mais humidas, e a sua humidade costuma destruirlhes a cor, e he pouco favoravel à sua conservaçaõ.
As flores costumaõ perder ordinariamente as suas cores na dessiccaçaõ, e para melhor lhas conservar he precizo, embrulhalas em papel e polas assim a seccar; deve-se-lhes conservar o calys, e arrancalo somente depois de passada a dessiccaçaõ, quando assim for necessario como nas violettas; os cravos, e rosas vermelhas parecem ser huma excepçaõ desta regra, porquanto so se costumaõ seccar as suas petalas, e ainda estas mesmas saõ antes privadas das unhas. Os fructos ordinariamente costumaõ por-se a seccar naõ muito maduros.
As sementes consideradas relativamente aos principios, e consistencia das suas cotylédones podem ser divididas em oleosas, farinhosas e resinosas; as oleosas propriamente saõ aquellas de que se pode tirar oleo por expressaõ, como v. g. as do melaõ, melancia, abobara, pepino, nogueira, amendoeiras, nabos, &c.; as farinhosas saõ as que naõ daõ oleo por expressaõ, e se reduzem facilmente em po ou farinha, como o trigo, cevada, milho, favas, ervilhas, tramoços, e outras da familia das gramineas, e das leguminosas; as resinosas saõ aquellas em que o principio resinoso he predominante. As sementes contem em geral menos humidade do que as demais partes das plantas, e porisso basta polas a seccar em lugar secco e hum [p. 456] pouco quente; as farinhosas
Quanto à conservaçaõ das plantas e suas partes, devem em geral ser preservadas de humidade e guardadas em lugares seccos; serà muito melhor metelas em frascos de bocca larga, ou vasos de argilla tapados com rolhas de cortiça, do que em bocetas forradas de papel; antes de se metterem nos dictos vazos devem ser sacudidas do pó, areas, e ovos dos insectos; os troncos, e ramos herbaceos, carregados de folhas, devem ter-se pendurados em cazas, aonde naõ haja humidade, nem demasiado calor. Ha muitos simples, que podem conservar-se muitos annos sem corrupçaõ, principalmente quando foraõ colhidos em annos favoraveis, mas os melhores em geral seraõ sempre aquelles que se renovarem todos os annos.
As sementes em geral conservaõ-se bem nos lugares seccos c frescos; as oleosas costumaõ nos lugares humidos germinar dentro de pouco tempo, e apanhar [p. 457] môfo, e nos lugares quentes adquirem ranço; porisso he necessario conservalas em lugares seccos e temperados; as farinhosas saõ sujeitas às mesmas alteraçoẽs nos lugares humidos, e nos quentes seccaõ-se demasiadamente porisso sera acertado de as conservar quasi do mesmo modo; as resinosas aindaque resistaõ mais tempo à humidade e se alterem menos com o calor, contudo o melhor sera conservalas em lugares temperados. Guardaõ-se embrulhadas em papel, em cabaços, saccos, frascos bem tapados, &c.
Para se poderem conservar para a vegetaçaõ e remetter a paizes remotos, sem que sejaõ alteradas nas longas viagens de mar, Linneo aconselha de as metter em hum frasquinho cylindrico de vidro tapado com huma rolha de cortiça envolta em hum boccado de pelle, e que depois disso se ponha este frasquinho dentro de outro hum tanto mais largo, havendo o cuidado de encher o espaço, que medea entre hum e outro, com hum misto feito de partes iguaes de sal commum, e sal ammoniaco com o quadobro de [p. 458] nitro, assegurando que desta maneira o calor naõ pode de modo algum chegar a penetralas. Alguns costumaõ cobrilas de assucar quando ellas tem hum pericarpo polposo; outros cobrem-nas de cera, e barraõ-nas depois com argilla amassada em huma dissoluçaõ forte de goma Arabia, embrulhaõ-nas emfim em hum encerado, e as remettem dentro de huma caxa ou barril. Alguns aconselhaõ taõbem de as cobrir de cebo ou de hum misto de partes iguaes de cera e cebo, quando saõ grossas, e sendo miudas, de as involver primeiro em argilla e depois em cebo, cera, &c.; a operaçaõ consiste em tomalas com huma pequena tenaz e mettelas em cera ou cebo que nade derretido na superficie de agoa quente, tirando-as immediatamente e lançando-as em agoa fria. A cera ou qualquer tegumento artificial, com que as sementes forem cobertas, naõ devem ser despegados, senaõ quando estas se quizerem semear; neste periodo raspar-se-haõ às mais grossas os dictos tegumentos com toda a cautella, e lavar-se-haõ as mais miudas em sabaõ e area fina, athe que a casca fique livremente exposta ao contacto do ar e capaz de embeber a humidade, e semear-se-haõ sem mais demora
Os que dezejarem ter mais extensas noçoẽs nesta materia podem consultar os Tractados seguintes.- Directions for bringing over seeds and plants from the East-Indies, by Ellis. Lond 1770. In-4. - Additional observations on the method of preserving seeds, by Ellis. Lond. 1774. in-4 - Avis pour le transport par mer des arbres, et des semences, par Du Hamel. - Traité de la conservation des grains, par le même. - Intieri della perfetta conservatione del grano. Deslandes, Recueil de differens traités de physique, pag. 91. - Plencitz Dissert. nova ratio frumenta aliaque legumina quamplurimis annis integra conservandi. Viennae. 1765.
As sementes destinadas à vegetaçaõ podem ser differentemente preparadas; estas preparacoẽs consistem em as macerar e amollecer em agoa, alcalis, saponaceos, substancias pingues, ou espirituosas; em as fertilizar por meyo de nitro de sal commum, ou por meyo da electricidade; em as curar das doenças, que as possaõ ter attacado, principalmente da fogagem, ou carie negra, por meyo de huma lexivia de cal viva e cinzas; e em as melhorar de algum modo para que o novo individuo que dellas nascer seja de melhor qualidade, &c. Vej. a este respeito Boehmeri Commentatio de plantarum semine.
Eu devera passar actualmente a tractar dos usos [p. 459] economicos dos vegetaes, mas como a extensaõ desta materia ainda mesmo tractada em geral me faria exceder os curtos limites de hum Compendio, deixala-hei aos que se occupaõ dos differentes ramos da Botanica applicada ás artes. Ninguem ignora que os vegetaes, alem dos usos que tem em Medicina, saõ empregados nos da Architectura civil, militar, e naval, subministraõ ao homem huma grande diversidade de alimentos e bebidas, nutrem muitos animaes que lhe saõ uteis, saõ a materia de que elle forma innumeraveis trastes domesticos, instrumentos, vasilhas, &c servem nas tinturarias, e manufacturas, em huma palavra saõ, como ninguem duvida, o fundamento da Agricultura, a mais preciosa de todas as artes
HUM hervario (herbarium) he huma collecçaõ de plantas seccas estendidas sobre
papel, ou nelle estampadas bem ao natural, e dispostas methodicamente. O
primeiro pode ser chamado hervario naturas e o segundo artificial, como he o
das plantas de França que M. Bulliard publicou e vay continuando. Hum e
outro saõ summamente uteis e necessarios a todos os que cultivaõ o estudo
dos vegetaes. Elles servem de nos fazer conservar por hum meyo commodo as
ideas das plantas, que ja temos observado, e nos conduzem com os systemas a
reconhecer sem hesitaçaõ os nomes das plantas, que jamais se tinhaõ
presentado vivas a nossos olhos. Alguns Botanicos preferem os herbarios
naturaes aos artificiaes; huns e outros tem suas vantagens e seus
inconvenientes; a maior parte das raizes, os fructos, e sementes, hum
grande numero de especies da familia do fungos, e plantas succulentas
Todos os que se propoem de estudar Botanica devem começar por fazer huma
collecçaõ de plantas seccas: depois de terem ajuntado hum certo numero
nas herborizaçoẽs
Ninguem deve esperar de poder conservar huma planta com toda a sua natural
belleza, seja qual for o modo de dessiccaçaõ que se haja de practicar;
porquanto ainda às mais bem dessiccadas perdem muito da sua fresca
apparencia. As dessiccaçoẽs, de que se servem os botanicos para conservar as
plantas no mais perfeito estado, que lhes he possivel, saõ feitas ou em area
ou por compressaõ. A dessiccaçaõ em area, attribuida a Joaõ Rodolpho
Camerario, consiste na operaçaõ seguinte. Lave-se huma sufficiente
quantidade de area fina afim de a privar de materias heterogeneas,
seque-se depois, e peneire-se para separar as partes grosseiras, de que
a lavagem a naõ pôde privar; feito isto, escolha-se para cada [p. 463] planta hum vaso de barro de forma e grandeza competente; escolha-se
taõbem a mais bella especie das plantas que se tiver ápanhado com flor,
em tempo secco e com hum tronco sufficiente: lance-se no fundo do vaso
huma pouca de area secca e quente e metta-se nelle a base do tronco da
planta destinada á dessiccaçaõ, sostentando-a com a area de modo que
nenhuma das partes da planta toque nas paredes lateraes do vazo,
continue-se a lançar area pouco a pouco athe cobrir a planta de maneira
que fique por cima della quasi a grossura de dois dedos de area; á
proporçaõ que esta se for lançando, ter-sehá o cuidado de estender os
ramos, folhas, e flores, sem
contudo as constranger, e de modo que fiquem na sua configuraçaõ, e
postura natural.
Concluido este trabalho, ponha-se o vaso em huma estufa de cincoenta
graos de calor ou pouco menos
Aindaque as plantas assim dessiccadas conservem bem a sua forma de maneira
que porisso alguns lhes chamaõ mumias vegetaes, contudo tem o defeito de
ficarem mais volumosas e quebradiças, do que as [p. 464] dessiccadas por compressaõ, e porisso este segundo meyo he
ordinariamente hoje preferido, principal mente por ser mais simples, e
capaz de conservar as cores
Depois que as partes da planta tiverem perdido a sua flexibilidade por meyo
das operaçoẽs feitas no papel pardo e papelloẽs, e que nos parecerem estar
seccas, passar-se-ha a dicta planta a huma folha de papel branco (n. 3º), e
se deixará ficar nelle ainda alguns dias a fim de perder completamente a
humidade, que nos pode ter escapado de perceber. Terminada assim a
dessiccaçaõ por-se há a planta em huma folha de papel branco competente
(n. 4º), e nelle se firmará o seu tronco, ramos, e ainda mesmo as folhas maiores, com fittinhas, ou
pequenas tiras estreitas de papel pegadas com colla de peixe
Tanto que se houver dessiccado do modo sobredicto hum certo numero de
plantas sufficiente para começar a fazer hum hervario, distribuir-se-haõ
me thodicamente, isto he, por-se-haõ todas as congeneres seguidas
successivamente
O vaõ, ou espaço interno do armario deve ter de altura cinco pés e dez pollegadas (medida de Paris), quasi dois pés de largo, e pouco mais de hum pé de fundo. Repartir-se-ha este vaõ em duas metades iguaes ao alto por meyo de duas taboas aprumadas, formar-se-haõ nas dictas duas metades vinte e quatro parteleiras por meyo de travessas ou taboinhas horizontaes da grossura de meya pollegada. No lado direito haveraõ onze parteleiras e dez travessas. Cada huma destas parteleiras he destinada a receber as bocetas de plantas relativas a cada huma das vinte e quatro classes do systema mencionado, e devem ter mais ou menos pollegadas de altura, segundo o menor ou maior numero de vegetaes que costumaõ ter as dictas classes. A sua destribuiçaõ e altura adequada deve ser da maneira seguinte.
[p. 469]Este armario sera fechado com duas portas correspondentes aos dois lados sobredictos, e em cada huma dellas se poraõ tantos lettreiros quantas forem as parteleiras do seu lado. Cada lettreiro deve conter o nome de huma das vinte e quatro classes do systema de Linneo, ser escrito com lettras bem legiveis, e collado exactamente defronte da parteleira, que deve conter a boceta notada com outro lettreiro semelhante.
Reclusas as pantas seccas nas bocetas, e estas nas parteleiras respectivas do
Armario construido do modo que fica exposto, naõ havera difficuldade alguma
em achar dentro de poucos minutos huma planta que dezejamos mostrar.
Supponhamos por ex. que quero mostrar a hum Botanico a Cleonia
lusitanica; se me esqueço da classe, consulto o Genera plantarum de
Linneo, e pelo index venho em continente a conhecer que esta planta
pertence á Didynamia; lanço por conseguinte a vista sobre os lettreiros
collados nas portas do armario
Fim do Tomo primeiro.