Dicionário Histórico de Termos da Biologia

Compendio de Botanica. Tomo primeiro

BROTERO, Felix Avellar

[Pág. Título] COMPENDIO DE BOTANICA , ou Noções elementares d'esta sciencia, segundo os melhores escriptores modernos, expostas na Lingua Portugueza Por FELIX AVELLAR BROTERO. TOMO PRIMEIRO.

Perfectio Botanices ab individuorum singulorum inter se affinium, eorumque identicorum characterum notitiâ essentialiter pendet. Necker. Physiol. Muscor.

PARIS. Vende-se em Lisboa, em caza de Paulo Martin, mercador de livros. M,DCC,LXXXVIII.
[p. iii]

AO ILLUSTRISSIMO E EXCELLENTISSIMO SENHOR D. VICENTE DE SOUSA COUTINHO, Do Conselho de S. Magestade Fidelissima, Seu Embaxador na Côrte de Versalhes, Senhor de Alva, etc. etc.

EXC.mo SENHOR,

Aindaque nam concorressem em V. Exc. o esplendor do emprego, a consumada pericia nos negocios politicos, e a gloria de illustres Ascendentes, bastara à grande humanidade para com os desgraçados, o agradavel acolhimento que costuma fazer â todos os seus Compatriotas, os generosos sentimentos com que se digna favorecer os homens de Lettras, às quaes V. Exc. faz tanta honra, bastaram muitas outras admiraveis virtudes, que ornam o espirito de V. Exc. para dar-lhe hum nome preclaro, recommendavel à [p. iv] posteridade, e digno das homenagens de todos os sabios. Dezejara ser assaz feliz para achar em meus talentos hum obsequio adequado a tam bellas qualidades: mas sendo V. Exc. servido de acceitar o que présentemente lhe faço na dedicaçam dos fructos do meu trabalho sobre a Sciencia dos Vegetaes, permittirà hum fraco testemunho à minha gratidam, augmentarà o numero das demonstraçoens de benevolencia, com que costuma acolher tudo o que o zelo e amor do bem publico fazem emprehender, e protegerà ao mesmo tempo huma Sciencia, cuja utilidade he bem reconhecida pela frequencia com que he applicada à Medecina, Agricultura, e Artes.

DE V. EXC. O mais affectuoso e reverente servo, Felix Avellar Brotero.

[p. v]
PROLOGO.

Quæso, ne hæc legentes, quoniam ex his spernunt multa, etiam relata fastidio damnent, cum in contemplatione naturæ nihil possit videri supervacuum, Plin.

A Botanica como todas as mais partes de Historia natural sam hoje em toda a Europa summamente cultivadas pelo muito que sam uteis ao progresso dos conhecimentos humanos, e às commodidades da vida social. O estudo botanico reune à sua utilidade hum superior grao de agradavel, a immensidade dos entes vegetativos, que de contino renovam a face da Terra, sendo hum dos mais bellos e amenos expectaculos, que nos prezenta a natureza, hum vastissimo campo, em que os olhos de hum attento observador encontram a cada passo maravilhas sem numero variadas, objectos de profundas meditaçoens, que engrandecem o espirito, e o elevam athé à firme persuasam de hum Deos, Autor do Universo. Grandes homens tem cultivado este campo com cuidado, e os seus trabalhos fizeram que os conhecimentos botanicos, algum dia tam limitados e confusos, tem adquirido huma nam pequena extensam e clareza. Conhecemos hoje mais da metade das plantas do globo terrestre, e temos prezentemente muitos methodos ou systemas, e muitas obras elementares de Botanica tanto em latim, como em quasi todas as linguas modernas da Europa.

Entre nòs contudo os principios desta Sciencia tem sido athe agora somente conhecidos em latim, e daqui resulta que todos os que ignoram esta lingua, ou tem fracas luzes della, ficam privados de adquirir as noçoens de huma Sciencia, que [p. vi] muitas vezes em razam do seu estado lhes sam absolutamente necessarias.

Dezejando pois obviar este obstaculo, e facilitar geralmente o estudo dos vegetaes entre nos, cuidei de escrever o prezente Compendio fundado nos tractados dos melhores Botanicos modernos e nas minhas proprias observacoens, o qual, segundo me parece, poderà ser util nam so aos que ignoram a lingua latina, mas ainda aos que a sabem e tem ja alguns conhecimentos em Botanica.

No principio do primeiro Volume tracto da origem, progresso, e estado actual da Botanica, e dou humas breves noçoens da physiologia e anatomia dos vegetaes. Explico depois os termos technicos mais usados na descripçam das partes relativas ao seu habito externo e fructificaçam, sem desprezar contudo os que dizem respeito à sua habitaçam. Passo na parte seguinte a fazer mençam do que me pareceo ser sufficiente para entender qualquer systema botanico e suas partes, como tambem da theoria critica, que devem saber os que se proposerem de formar esta sorte de destribuiçoens methodicas. Ajuntei a esta parte alguns exemplos de practica sobre a descripçam das especies, por querer facilitar hum trabalho, que considero como base dos Methodos, e o mais digno dos principaes cuidados de todo o Naturalista Botanico. Termino o volume com algumas reflexoens sobre as virtudes, propriedades, e usos dos vegetaes em geral, e com hum capitulo sobre o modo de fazer hum hervario.

No Segundo Tomo exponho o systema de Linneo, e dou huma idea geral da sua praxe, por ser hoje o mais seguido na Europa, e o que se adoptou na nossa Universidade. Esta exposiçam em alguns lugares he muito mais ampla do que ordinariamente se costuma dar; porquanto tive o cuidado de nada omittir do que as minhas proprias observaçoens e as de [p. vii] outros botanicos modernos me subministraram de mais interessante para illuminala. Ajuntei depois os sentimenots de muitos celebres Botanicos a respeito do mesmo systema para que o Leitor tendo conhecido as suas engenhosas vantagens nam ignorasse os seus defeitos, e podesse estima-lo segundo o seu justo valor.

As difficuldades, que encontram os que começam a cultivar a Sciencia botanica, seram diminuidas por meyo do Diccionario immediatamente adjuncto; e a fim de que o prezente tractado fosse ainda mais proveitoso, ajuntei tambem no fim deste segundo Tomo hum catalogo dos principaes autores botanicos, hum sufficiente numero de Estampas tiradas das obras de Linneo e outros modernos para clara intelligencia de muitos termos, hum index dos nomes usuaes Portuguezes de plantas, os quaes se acham nos livros escritos na lingua nacional, e em Grisley, Pisam, Marcgrave, Rheede, Rumphio, etc, com os nomes latinos genericos e triviaes, a que correspondem segundo o systema de Linneo; outro em fim dos termos technicos Portuguezes.

Cuidei de distribuir todas as partes do primeiro Tomo o mais methodicamente que me foy possivel, nam me querendo por ora desviar muito do plano que costuma seguirse hoje nas escolas de Botanica. Nam posso contudo deixar de confessar que este plano nam he o que mais me agrada, e espero algum dia de o mudar, se poder chegar a publicar os Elementos de Phytologia, que preparo em latim.

Na traducçam dos termos latinos segui os nossos Diccionarios, e me aproveitei de algumas palavras dispersas pelas nossas Provincias, que senam acham ainda em Diccionario algum; muitas vezes fui obrigado a formar novas do latim, como faziam os antigos Romanos do Grego, e como fez Barnades em Hespanhol, Lée em Inglez, Dalibard e La Mark [p. viii] em Francez, etc. Talvez serei em algumas notado pelo vulgo; mas pouco importa; todos os termos que formei tem o cunho Portuguez, e foram innovados segundo o genio da Lingua; demais disso as linguas das Sciencias sam hum puro effeito da convençam dos sabios, e nam poderam jamais ser a linguagem do vulgo, que nam as estuda e so as conhece athe hum certo ponto: a necessidade de explicar com clareza, concisam, e propriodade huma infinidade de ideas, que elle nam tem, farà sempre em todas as Sciencias termos barbaros aos seus ouvidos, e indespensaveis aos sabios ou aos que sam nellas iniciados.

Depois de ter vendido o Manuscripto da prezente Obra, achei acertado acerescentarlhe algumas notas para lhe dar o complemento necessario, e nam receyo actualmente de assegurar que sem embargo de ser hum Compendio, o Leitor nam acharà tractado algum elementar de Botanica mais completo de quantos se tem athe agora publicado.

[p. ix]
DISCURSO PRELIMINAR Sobre a origem, progresso, e estado actual da Botanica.

O Estudo dos vegetaes he tam antigo como a especie humana, ella parece ter sido obrigada a adquirir ideas particulares destes entes antes de todos os mais conhecimentos da natureza. Se consultamos a Sagrada Historia, ella nos presenta o primeiro homem no meyo de hum delicioso jardim, nutrindo-se de hervas

As folhas da bananeira (Musa paradisiaca, Lin.), planta propria dos climas do Tigre e Euphrates, e a cujos fructos alguns autores antigos chamaõ figos, foraõ provavelmente as que Adam empregou para fazer o sayotte com que se cobrio; ellas saõ de huma sufficiente solidez e algumas tem cinco pes de comprido e huma largura proporcionada; os fios tirados do corpo da planta podiaõ facilmente ser empregados para cozer as dictas folhas. Milton contudo foy de parecer que as folhas com que Adam e Eva se cobriraõ foraõ as da figueira de Bengala; mas isto he menos verosimil, visto que ellas tem, quando muito, oito pollegadas de comprido e tres de largo.

e fructos de arvores, e usando das folhas de hum vegetal por primeiro vestido; ella nos declara expressamente que esta sorte de alimentos fora a so indicada pelo Eterno ao primeiro par da especie humana

Dixitque Deus: ecce dedi vobis omnem herbam afferentem semen super terram & universa ligna, quæ habent in semetipsis sementem generis sui ut sint vobis in escam. (Genes. Cap. I.) Et comedes herbas terræ. (Genes. Cap. 3.).

, e nos da a entender que as primitivas geraçoens anteposeram durante muitos seculos o uso da comida vegetal ao da animal

Naõ achamos no Genesis hum so lugar expresso de que os homens usassem de alimentos animaes nos seculos antediluvianos; esta permissaõ so lhes foy dada depois de Noé ter sahido da Arca, quando Deos lhe disse: Et omne quod movetur, & vivit erit vobis in cibum: quasi olera virentia tradidi vobis omnia. Alguns autores contudo pensaõ que tendo o homem sido formado naõ menos herbivoro do que carnivoro, como se collige da suta estructura maxillar, o uso simples de alimentos vegetaes naõ podia durar tanto tempo, e que o caracter sanguinario de Cain e d'alguns dos seus descendentes os conduziria facilmente a provar das victimas, e seguir o exemplo dos animaes carnivoros.

. Segundo os sentimentos de [p. x] hum grande numero de autores da antiguidade pagaan, os costumes dos primeiros homens eram simples, meigos, e innocentes; elles nam sabiam ainda o que era ver com indifferença correr o sangue tanto dos seus semelhantes como o dos animaes, antes pelo contrario o seu coraçam tinha horror a isso; a experiencia nam lhes havia ainda ensinado a arte da caça e pesca; as hervas e fructos da terra eram por conseguinte os seus usuaes alimentos
Panis erant primis virides mortalibus herbæ. Ovid Fast. L. 4. Cum hontines pastoriciam vitam agerent, neque scirent etiam arare terram.... ut ex arboribus, ac virguliis decerpendo glandem, arbutum, mora, pomaque colligerent ad usum. Varro de Re rust. L. 1. 2. Alguns philosophos da antiguidade naõ se contentaraõ meramente de seguir esta opiniaõ, elles foraõ de parecer que o homem tinha sido formado para se nutrir somente de vegetaes, e que elle devia respeitar a vida de todos os animaes; estes sentimentos passaraõ mesmo a ser hum artigo de Religiaõ entre algumas naçoens, e delles vemos ainda hoje alguns restos na India.
, modo de vida que continuaram durante muitos annos, errando em bandos pela face da terra, e apenas lhe ajuntaram o uso dos lacticinios fornecidos por alguns animaes, que tinham chegado a tirar do estado bravio, e rebanhar.

Mas os alimentos nam foram o unico motivo, que obrigou os primeiros homens a familiarizar-se com os vegetaes; as suas enfermidades deram ainda novas razoens para isso, e nam menos forçosas. He verdade que a historia e antigos Poetas

Vej. Entre outros Hesiodo e Ovidio.
, nos dam sublimes ideas das primitivas geraçoens, e parecem em certo [p. xi] modo eximilas de recorrer a medicamentos, quando nos dizem, "que os trabalhos do homem eram entam pouco pezados; que a sua alma nam era atormentada de cuidados; contentava-se com pouco, nam conhecendo a ambiçam de cabedaes, de honras, nem ainda de hum nome glorioso; o luxo nam o intibiava, nem o tedio seu socio inseparavel o consomia; a sua força e robustez nam eram estragadas pela intemperança nem por sorte alguma de excessos, com que depois se viciaram as sociedades; em fim que os seus dias, sostidos pelo vigor e contentamento durante numerosos annos, se passavam claros e serenos athe se apagarem por huma gradual decadencia na decrepitez". Porem ainda que concedamos grandes vantagens às primeiras idades, nam se pode duvidar que a constituiçam do homem, em qualquer tempo que for, por mais vigorosa e imperturbada que pareça, esta sujeita a ser desordenada por causas internas e, externas: alem das feras, e muitos outros entes perigosos, elle teve e tera sempre hum grande numero de inimigos que temer nas
Naõ consta que tenha havido athe agora povo algum civilizado, ou selvagem, em que deixassem mais ou menos de haver contendas sanguinarias ou entre si ou contra seus vizinhos: nos vemos ainda dissensoẽs mais ou menos fortes entre irmaõs, e familias que vivem nas cidades policiadas, e apezar dos innocentes costumes attribuidos às familias primitivas, naõ deixamos de ver na primeira hum dos mais funestos exemplos das paxoẽs humanas.
paxoens dos seus semelhantes e nas suas proprias
Naõ so quanto ao moral, mas ainda quanto ao physico, sendo assaz conhecido pela experiencia que a colera, medo, tristeza ou alegria demasiadas, e outras paxoẽs podem causar na economia animal desordens consideraveis, e ainda mesmo funestas.
.
Tinha sido cometido à dor e à doença, e em todos os periodos da sua vida esteve e estarà sempre exposto a soffrer: he evidente que apenas sentisse qualquer perturbaçam nas funçoens da sua organica economia, devia queixar-se, e que o instincto da propria conservaçam o forçaria a buscar alivio por meyo do [p. xii] que ora o acazo, ora a experiencia pessoal ou de seus semelhantes lhe podesse suggerir. Alem das suas proprias paxoens, a intemperie do ar, a variaçam das estaçoens, e os alimentos arriscados a ser de maos fructos ou de plantas venenosas podiam facilmente causarlhe doenças internas, que requeressem por conseguinte os soccorros da Medicina; as feridas, contusoens, hemorrhagias, deslocaçoens, e outras enfermidades externas exigiam os da Cirurgia. No rude estado, em que se achavam estas artes nos primitivos tempos, os soccorros, de que a enferma constituiçam humana precisava, deviam necessariamente ser buscados nos vegetaes, como entes que lhe eram entam os mais familiares; e com effeito lemos na historia que na mais remota antiguidade a arte de curar as feridas e outras molestias consistia no uso de differentes hervas: tal he ainda hoje a condiçam de muitas naçoens selvagens, nas quaes se podem em muitos respeitos estudar as primitivas.

Nos seculos antediluvianos o pequeno progresso, que o espirito humano fez nas artes, foy sempre a par com o conhecimento dos vegetaes. Se consideramos as primeiras famílias na vida pastoril ou errando em bandos, nam se pode negar que esse estado fosse favoravel a hum semelhante conhecimento; ellas eram entam obrigadas a converter differentes plantas em cabanas, para se reparar das chuvas e injurias da atmosphera, e à proporçam que mudavam de lugares se viam precisadas a fazer tentativas de novas producçoens vegetaes para nutrirse e curarse, guiadas ora pela semelhança das que jà conheciam, ora pelo instincto

O instincto dos animaes, aindaque limitado a suas absolutas precisoẽs e susceptivel de pouco progresso, parece às vezes ser superior ao juizo dos homens; estes se serviraõ delle com felicidade em algumas occasioẽs naõ so para fazer escolha de alimentos, mas ainda para reconhecer as virtudes de alguns vegetaes. Plinio foy de parecer que o caõ tinha ensinado a vomitar o homem.
dos animaes. Se consideramos as mesmas familias [p. xiii] ja formando naçoens, hum tanto instruidas na agricultura
O primeiro Lavrador, segundo lemos no Genesis - foy Cain: Cain fuit agricola & terrem etiam arare primus excogitavit. Os Egypicos, que se jactavaõ de ser os mais antigos povos da terra, e descender de Entes Divinos, veneraraõ a Isis como inventora da cultura do trigo e cevada, e ao Arabe Osiris por lhes ter primeiro ensinado o uso do arado e agricultura. Os antigos Gregos e Romanos pertendiaõ que a agricultura succedera a vida pastoril, em que as primitivas geraçoẽs se occuparaõ durante muitos seculos; e criaõ que fora Ceres quem a ensinara na Grecia depois de ter vindo do Egypto; outros contudo seguiraõ que Buzyges ou Triptolemo fora o que a estabeceo entre os Gregos.
, no modo de edificar moradas, de trabalhar metaes, e em outras artes, nam podemos igualmente negarlhes hum certo progresso em Botanica, vistoque todas estas artes suppoem ideas previas dos nomes e habito externo de hum numero determinado de vegetaes nellas empregados.
Mas nos nam sabemos athe que grao de perfeiçam chegaram as ideas botanicas que entam houveram: seja qual fosse o seu adiantamento, ellas parecem ter sido puramente traditivas; as observaçoens, que cada familia errante ou cada povo entam fazia sobre novas plantas venenosas
As mesmas plantas venenosas podiaõ ainda nesse tempo ser aproveitadas para hervar as settas e outros usos vingativos, da mesma sorte que as vemos hoje empregadas entre as naçoens selvagens.
, innocivas ou uteis, eram gravadas na sua memoria, e communicadas à sua posteridade juntamente com as que os seus progenitores lhes tinham transmittido.

Depois da grande e lastimosa catastrophe dos povos do antigo Globo vemos Noé plantar huma vinha, e na tentativa com que descobrio o vinho, mostra ter conservado o espirito investigador dos usos dos vegetaes e seus productos, que tinha havido nos seculos antediluvianos. Nem se pode duvidar que na sua familia se salvasse huma grande parte das antigas tradiçoens botanicas, e que estas passassem depois igualmente aos seus vindoiros. O grande empenho de Rachel por obter huma [p. xiv] das mandràgoras, que Reuben tinha trazido do campo, provavelmente procedeo da persuasam em que ella estava da efficacia desta planta contra a esterilidade, o que suppoem por conseguinte noçoens estabelecidas das virtudes de alguns vegetaes. Os Egypcios, huma das mais antigas naçoens civilizadas, sam representados na historia como tendo vivido do Lotus (de que faziam huma especie de pam), e dos talos do Papyrus. A agricultura, a arte de embalsamar os cadaveres com substancias resinosas e aromaticas usada por este povo desde hum tempo immemorial, ocustume de expor os seus doentes à vista publica, a fim de que as pessoas que junto delles passassem lhes subministrassem os soccorros que para suas enfermidades reconheciam nos vegetaes, indicam claramente que as tradiçoens botanicas se tinham conservado no Egypto, e adiantado. Estas tradiçoens poderiam ter diminuido entre as naçoens menos cultas e entre os povos de vida errante, mas ellas nam podiam ser de todo extinctas, visto serem sumamente interessantes à sua subsistencia e à sua saude.

A historia nam nos assegura de que as tradiçoens sobre os usos tanto economicos como medicinaes das plantas passassem a ser escriptos nos primeiros seculos depois da horrivel catastrophe do diluvio. Parece contudo que a Botanica medicinal traditiva nam tardou muitos seculos depois da dispersam das gentes em ser escripta entre as naçoens civilizadas, principalmente no Egypto. Neste paiz as plantas efficazes sendo ja conhecidas em grande numero, os sacerdotes tractaram de redigir os seus nomes a huma certa ordem ou catalogo, e o depositaram nos templos. Os doentes começaram entam a recorrer a elles, como depositarios dos remedios proprios para suas enfermidades, e pouco a pouco a arte de curar com os vegetaes, a que todo o curativo das doenças estava entam limitado, veyo a ficar somente aos sacerdotes, e a fazer parte do seu sistema [p. xv] religioso. Elles tractaram quanto lhes foy possivel de adiantar os seus conhecimentos na Botanica medicinal; e com effeito ella foy entre os antigos Egypcios huma das artes mais cultivadas e honrosas. Hermes, a quem os Gregos chamaram Mercurio, e de quem a mercurial deriva o nome, foy hum dos mais antigos e famosos sabios nesta arte. A rainha Isis foy nella tam instruida e por meyo della fez curas tam admiraveis, que os povos depois da sua morte lhe erigiram templos, adorando-a como a melhor advogada nas suas enfermidades. Ella foy a que instruio a Horo ou o Apollo dos Gregos, ao qual elles attribuiram a invençam da Medicina. Esculapio

Este Esculapio viveo dois mil annos antes de Hjppocrates, e naõ deve ser confundido com o Esculapio dos Gregos, que dizem fora discipulo de Chiron o Centauro, e ter servido na expediçaõ Argonautica.
, discipulo do sacerdote Apis, ou Osiris, nam foy menos famoso, e chegou a ter honras divinas. Mas a sua botanica medicinal nam foy izenta das superstiçoens, que os sacerdotes lhe tinham misturado por motivos assaz conhecidos dos que sam versados na antiga historia do Egypto. Os sacerdotes eram nesse tempo os medicos que os doentes somente consultavam; haviam algumas doenças, como por ex. a lepra, epilepsia, peste, etc. que elles nam podiam curar pelos conhecimentos que entam haviam dos vegetaes; receando pois de perder seus creditos tractaram de persuadir aos enfermos que ellas eram sempre directamente enviadas por seus deoses irados, e que por conseguinte se devia recorrer à propiciaçam: projecto na verdade astuto para ganhar de huma parte o que temiam de perder de outra. Os doentes entam, nam menos por fraqueza de suas potencias, e ignorancia, do que pelo dezejo de ser curados, assentiram com facilidade aos ardiz de seus sacerdotes. Na persuasam em que ficaram de que algumas das suas molestias
Esta persuasaõ foy depois bem geral em todo o antigo paganismo, e Celso a idica claramente, quando diz: morbos vero iram deorum immortalium relatos & ab eisdem opem posci solitam.
eram golpes dados por hum [p. xvi] braço invisível e celeste, começaram a prppiciar as suas divindades por meyo de ritos absurdos, e a misturar o supersticioso com o physico de maneira que a Botanica puramente medicinal veyo pouco a pouco ou a ser escrava da superstiçam, ou a nam ser empregada em algumas molestias.

Os Magos na Persia, os Gymnosophistas na India, e os Caldeos na Assyria e Babylonia applicados no principio a observar puramente o que lhes offerecia a candida natureza nos vegetaes introduziram tambem, como os Egypcios, em botanica hum grande número de superstiçoens. As colonias, que emigraram destes paizes nam podiam deixar de levar comsigo mais ou menos noçoens de hum semelhante abuso. Estas noçoens com effeito passaram athe à extremidade gelada do antigo continente oriental e de là a America com o nome de superstiçam de Chemis, Orchis, e outras divindades. Do Egypto nam so passaram a toda a Africa, mas caminhando ao longo das costas do Mediterrâneo entraram na Phenicia e depois na Grecia, aonde augmentando pouco a pouco tomaram emfim o nome de superstiçam de Esculapio. Ellas se espalharam igualmente nas Gallias, e dellas correram athe ao norte da Europa com o titulo de Druidismo

Os sacerdotes Druidas costumavaõ ajuntar ao uso dos vegetaes muitos ritos superticiosos, de que a historia nos transmittio hum pequeno resto. Para colher por ex. a planta Selago, que alguns autores pensaõ ser o helleboro negro, naõ se devia entre elles usar de faca, mas devia-se arrancar com a maõ direita coberta com o vestido, e passala depois para a maõ esquerda escondidamente, ou como se fosse surripiada: o sacerdote que a arrancava costumava vestir-se de branco, descalçar-se, e fazer antes aos seus deoses huma oblaçaõ de paõ e vinho. O modo de colher a verbena, planta de grande uso entre elles, era taõbem acompanhado de muitas ceremonias ridiculas e extravagantes. Mas de todas as practicas supersticiosas a mais solemne era a de colher o visgo, planta parasita, que elles julgavaõ ter sido lançada do Ceo por seus deoses, para felicidade dos homens em razaõ de a verem commumente afferrada ao cume ou ramos das arvores. Elles a empregavaõ por conseguinte, depois de terminadas todas as ceremonias, como hum especifico contra certas doenças, que pensavaõ ter sido enviadas por suas divindades, como por ex. contra as vertigens, epilepsia, apoplexia, &c.; a agoa contudo que elles extrahiaõ da mesma planta era applicada contra toda a sorte de enfermidades. No fim do anno, o seu grande sacerdote hia a hum bosque consagrado a seus deoses, cortava hum grande numero de ramos de visgo e os entregava aos Druidas subalternos para os destribuirem ao povo no dia de Annobom como hum prezente de boa estrea.

.

[p. xvii]

Lemos na historia destes obscuros, e supersticiosos tempos que hum certo numero de plantas fora entam consagrado aos Deoses por motivos religiosos

Como foraõ por ex. a artemisia, consagrada a Artemis ou Diana (porque naõ derivou o nome de Artemisia mulher de Mausolo, rey de Caria, como Plinio e outros disseraõ); a hera a Osiris e a Bacho; o pinheiro a Neptuno; o loireiro a Apollo, a sua baga a Bacho, donde lhe veyo o nome de bacca; a videira ao mesmo deos Bacho; a oliveira e matricaria a Pallas; o trigo a Ceres, &c.
, e que ainda mesmo algumas chegaram a ser divinizadas
Como foraõ por ex. os alhos e cebolas entre os Egypcios cujas divindades eraõ ainda adoradas no tempo de Iuvenal, como - se collige do satyrico verso, com que as ridicularizou e aos seus adoradores:

Felices gentes, queis dî nascuntur in hortis!

. Nella lemos igualmente os nomes de algumas illustres pessoas, que nestes mesmos tenebrosos periodos cultivaram o estudo dos vegetaes, e escreveram de suas virtudes, como foram Cyningo e seu successor Hobamt, Reys dos Chinas, e Zoroastres, celebre philosopho da Persia. Mas he provavel que elles cahiram no mesmo defeito que Salomam Rey da Judea. Este Princepe teve muitos jardins junto de Ierichò, raro foy odia, em que nam empregou algumas horas em fazer observaçoens nos da sua quinta de Hetta, chegou a estender os seus conhecimentos botanicos desde o humilde hyssopo athe aos cedros do Libano, e compoz alguns livros sobre as virtudes das plantas; mas diz-se que Ezechias os achara tam cheyos de superstiçoens adoptadas dos Egypcios, que se vio obrigado a supprimilos.

Portanto a botanica supersticiosa, cuja origem pode em [p. xviii] geral ser attribuida à ignorancia, temor, e embuste, parece ter-se introduzido progressivamente entre todas as antigas naçoens, e nos observamos ainda hoje hum resto della nos pòvos selvagens, e na plebe de alguns paizes civilizados

Tal e por ex. o uso de passar por entre hum vime fendido as creanças com enfermidades herniaes [ou quebradas, segundo a expressaõ vulgar] de ligar depois o dicto vime com as tiras da sua camizinha a fim de as curar; como taõbem o uso de colher plantas medicinaes, em certas noytes de Junho, noytes famosas na antiguidade antechristaã pelas fogueiras que nellas se faziaõ a Ceres, deosa das searas, com palha de faveiras, ervilhas, &c, e pelo costume de saltar por cima das dictas fogueiras para assim expiar os peccados sobre o fogo, como diz expressamente Plutarcho.
. Nos seculos denominados heroicos e fabulosos esta sorte de botanica parece ter sido summamente exercida por pessoas de hum e outro sexo; ella se achava ainda bem conservada na epoca da guerra de Troya, sem embargo de que nos alumnos de Chiron e Esculapio se devisem alguns exemplos de numa botanica curativa livre de superstiçoens. Os encantos de Medea e Calypso, as feitiçarias de Circe, contra as quaes Mercurio deo a Ulysses a herva Moly, nam eram outra coisa mais do que huma botanica supersticiosa
Como foy taõbem a das Druidezas nas ilhas das Gallias, e a das Cuthites em alguns lugares da costa do Mediterraneo.
, e he provavel que nos antigos tempos do Polytheismo denominados fabulosos, ella constituisse parte dos mysterios e funçoens nam so dos sacerdotes e sacerdotizas, mas ainda de outras ministras subalternas, e que as Napèas, Dryadas e outras nymphas, que a imaginaçam poetica mascarou com as suas costumadas ficçoens, nam eram outra coiza mais do que ministras de huma ordem inferior, [p. xix] iniciadas nestes e outros differentes mysterios pelas suas superiores
Do ministerio supersticioso, que estas personagens exerciaõ com os vegetaes, principalmente os que obraõ com força sobre o systema nervoso, se originou provavelmente o grande numero de metamorphoses e muitas fabulas, e prestigios, que a Poesia nos transmittio. Quem bem reflectir no que a credulidade de muitas pessoas attribue ainda hoje as ànacardinas, e attender aos effeitos dos aromas, do vinho, opio e outros narcoticos, á singularidade de huma especie de Arum, que segundo Sloane faz emmudecer, &c., naõ acharà estranho este meu parecer.
.

Perto da famosa epoca da guerra de Troya, Chiron o Centauro, do qual a planta Centaurea obteve o nome, parece ter practicado sem superstiçam a botanica curativa, em que tinha grandes conhecimentos. Elle formou muitos illustres alumnos, entre os quaes se contam alguns Princepes; porquanto naquelles heroicos tempos a Botanica curativa tinha parte na educaçam dos soberanos, e todos os grandes homens cuidavam entam summamente de grangear a estima e amor dos povos buscando meyos de os aliviar nas suas enfermidades

Naõ so nesta epoca, mas ainda antes della, e em outros seculos seguintes, muitos principes e grandes personagens cultivarão o estudo dos vegetaes, descobriraõ e poseraõ em uso as virtudes de alguns, como foraõ, por ex. Teucro Rey de Troya, Helena raynha de Lacedemonia, Ptolomeo Philadelpho Rey do Egypto, Telepho Rey de Misia, Eupator Rey do Ponto, Lysimacho Rey de Thracia, Gencio Rey de Esclavonia, Pharnaces Rey do Ponto, &c., dos quaes tomaraõ o nome as plantas Teucrium, Helenium, Philadelphus Telephium, Eupatorium, Lysimachia, Gentiana, e Pharnaceum. Cyro Rey dos Persas teve hum jardim de toda a sorte de plantas, que cultivava por sua propria maõ, Attalo Rey dos Pergamenos mandou plantar no seu jardim toda a casta de plantas medicinaes e venenosas para as apprender a destinguir. Mithridates, Rey do Ponto, cultivou muito este estudo, e Cratevas lhe dedicou a planta Mithridatia. Evax, Rey dos Árabes, escreveo sobre as plantas medicinaes. Iuba, Rey da Mauritania, escreveo da Euphorbia contra os venenos, e lhe deo o nome do seu medico Euphorbo, que a tinha descoberto, no tempo em que Augusto Cesar tinha mandado erigir huma estatua a Antonio Musa, irmaõ do dicto Euphorbo, pelo ter curado huma perigosa enfermidade.
. Aristeo, seu [p. xx] discipulo, fez grande uso do Silphium ou Laser, e Achilles tambem seu alumno curou a Telepho com a Achillea, especie de milfolha, que delle tomou o nome.

Durante a guerra de Troya

Esta famosa guerra succedeo quasi doze seculos antes da Era Christaã.
, vemos Machaon e Podalirio, filhos de Esculapio
Foy o Esculapio dos Gregos, cuja sciencia na arte de curar lhe grangeou honras divinas, como ella tinha grangeado ao dos Egypcios.
, curar no arrayal Grego contusoens e feridas com differentes sortes de substancias vegetaes, e o modo da sua practica nos dà idea de que a escola, aonde tinham apprendido a Botanica curativa, fora izenta do contagio supersticioso daquelles tempos. Nesta epoca os conhecimentos dos vegetaes parecem nam se terem limitado somente ao util, porquanto os achamos ainda empregados no agradavel, como se collige da breve descripçam que nos deixou Homero do jardim de Alcinoo.

No espaço entre a guerra de Troya e de Peloponeso, que envolve hum periodo de mais de sette centos annos, Thales e Pythagoras trazendo a philosophia à Grecia, a Botanica começou a ser melhor cultivada, como o foram as demais artes; e as substancias vegetaes, como medicamentos internos

Alguns autores saõ de parecer que as subftancias vegetaes começaraõ a ser empregadas no uso interno somente neste periodo, e que ainda mesmo no tempo da guerra de Troya se practicasse somente a botanica cirurgica, e naõ a medicinal; que a bebida de Machaon devia ser considerada como nutritiva e naõ como medicinal; que os doentes estavaõ taõ fora de confiarem entaõ em remedios internos, que nos cazos em que estes deviaõ ser tomados, so tinhaõ fé em amuletos, e prestigios ou na articulaçaõ de certas palavras proferidas por seus sacerdotesve sacerdotizas, as quaes às vezes eraõ acompanhadas de remedios externos vegetaes; que todas as feridas dos heroes Gregos na guerra Troyana foraõ curadas com remedios applicados exteriormente, a saber, succos, resinas, e oleos vegetaes, e que por conseguinte todo o curativo fora meramente cirurgico; que o vinho que Agamemnaõ bebia em jejum naõ era no intuito de se preserva da peste [sem embargo de que vemos este uso nos Gregos modernos] porquanto a peste do exercito Grego fora considerada como hum flagello celeste, e naõ pôde ainda nesta epoca ser curada por meyos physicos, recorrendo-se somente a propiciar o Deos irado. Outros pelo contrario pertendem que junto da guerra de Troya a Medicina do Egypto começara a ser cultivada entre os Gregos; que fora entaõ que o acazo fizera descobrir ao pastor Melampo a virtude do helleboro negro, notando que as cabras tendo comido desta planta eraõ purgadas, o que o moveo a dar o leite dellas às filhas de Rey Proeto, que eraõ hystericas e se julgavaõ mudadas em vaccas; que a preparaçaõ, que Hellena fazia da herva entaõ denominada Nepenthes, era o ópio, &c. Sem embargo de que estas opinioẽs tenhaõ sido seguidas por pessoas de grande merecimento, as razoẽs em que ellas saõ fundadas naõ me parecem sufficientes para persuadirme que a Medicina entre os Gregos naõ date de mais alta antiguidade, ou que fosse filha da Cirurgia. Eu penso que estas artes foraõ contemporaneas entre todas as nações, e tiveraõ taõ alta origem como a Botanica, que na infancia das dictas naçoẽs e durante numerosos seculos naõ foy outra coiza senaõ hum conhecimento dos vegetaes applicado às artes. A intemperie do ar, mudança das estaçoẽs, venenos, maos fructos, &c. em todas as epocas da existencia humana, e em todos os paizes deviaõ causar aos seus habitantes molestias internas que exigissem medicamentos internos ou da Medicina assim como as contusoẽs, feridas, &c. exigiaõ os da Cirurgia, e naõ he verosimil que o homem taõ familiarizado com o uso dos vegetaes naõ cuidasse de buscar nelles remedios internos nos cazos desesperados, tentando de tomar cozimentos, gomas, sumos de hervas, &c., assim como os tentara nas molestias denominadas externas. Eu naõ duvido que as primitivas geraçoẽs usassem primeiramente como medicamentos internos so das partes daquellas mesmas plantas, de que se serviaõ como alimentos, e que elles muitas vezes fossem inefficazes; mas basta que elles as tomassem como medicamentos para considerarmos a Medicina contemporanea da Cirurgia ou como sendo a mesma arte entaõ reunida. No descobrimento que fez Noé do vinho vemos huma clara prova das tentativas que os homens faziaõ por descobrir novos usos nutritivos nos vegetaes; e porque naõ fariaõ elles em todo o tempo as mesmas por descobrir os seus usos curativos internos por escapar à dor, e á morte? O uso dos medicamentos internos, que se tem observado nalgumas naçoẽs selvagens, naõ nos indica o contrario.
, [p. xxi] começaram por conseguinte a ser mais usadas do que d'antes eram. Pythagoras teve na verdade sobre os vegetaes grandes conhecimentos, os quaes tinha adquirido nas suas longas viagens, e que segundo se diz se conservaram em grande parte na escola de Italia que ele fundou; mas elles nam foram livres [p. xxii] de erros e superstiçoens, este sabio attribuindo às plantas virtudes magicas, e amando ou aborrecendo algumas demasiadamente, como contam alguns historiadores, porque os seus escritos foram perdidos
Nos perdemos nam so os escritos deste philosopho, mas ainda os de muitos outros que tinham tractado dos vegetaes, como foram Lino e Orpheo seu discipulo, Museo, Zoroastres, Euriphantes, Solon, Dieuches, Praxagoras, Diocles, Herophilo, Metrodoro, Diagoras, Epimenides que pela paxam pelo estudo das plantas viveo muitos annos retirado nas montanhas, os de Archigenes, Androcides, Philippe, Chrisippo, Callimacho, Asclepiades, Archilocho, Evax rey dos Arabes, Temison, Dionysio, Glauco, Glaucias, Erasiatrato, Plistonico, Sosimenes, Androcio, &c. como lemos em Theophrasto, Celso, Herodoto, Plinio, e Galeno.
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Quatro centos e tantos annos antes da Era Christaan appareceo o illustre Hippocrates

Hippocrates nasceo 459 annos antes de Christo.
: este immortal Corifeo da Medicina e digno descendente de Esculapio aproveitando-se das observaçoens dos seus antepassados deo à botanica curativa huma extensa applicaçam, multiplicando habilmente com ella os soccorros da enferma condiçam humana. A sua grande paxam contudo por adiantar a Medicina clinica fez que elle deixou a Crateyas
Este botanico, a que alguns chamaram tambem Cratevas, nam deve ser confundido com oCratevas, de que falla Plinio que denominara huma planta Liliacea (Erythronium dens canis Lin.) com o nome de Methridates. Os escritos tanto de hum como de outro foram perdidos.
, sábio botânico do seu tempo, o cuidado de descrever as plantas entam recebidas nos usos curativos, nam podendo occupar-se mais do que em observar as suas virtudes no tractamento dos enfermos.
Peloque nos seus differentes escritos apenas lemos huma breve noticia da cor das flores e lugar de habitaçam de algumas das 234 plantas nelles mencionadas. Sem embargo disto antes de Theophrasto na, temos outro mais extenso monumento botanico do que os livros de Hippocrates. Os escritos destes dois grandes homens foram os que [p. xxiii] mais contribuiram para que a Grecia, may feliz de sublimes genios nas artes e nas sciencias, fosse tambem reconhecida por patria dos fundadores da Botanica
Theophrasto escreveo no terceiro seculo antes da era Christaan. Os Gregos nam foram rigorosamente os fundadores da Botanica escrita applicada as artes, como se pode colligir do que tenho dicto; mas elles foram reconhecidos como taes pela razam dos seus escritos nesta arte serem os mais antigos que chegaram athe nossos dias, tendo-se perdido os dos Egypcios e Asiaticos por differentes circumstancias.
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Com effeito Theophrasto servindo-se dos trabalhos de Aristoteles

Aristoteles cita em muitos lugares das suas obras os seus dois livros sobre as Plantas; mas delles apenas temos alguns pedaços deslustrados pela inepta falsificaçam de hum Arabe pouco versado em Botanica.
seu mestre, dos de Crateyas, e outros philosophosos seus predecessores adiantou a Botanica de tal sorte entre os Gregos que mereceo de ser chamado o Principe dos Botanicos
O que Hesiodo, Nicandro, Xenophonte, Basso e outros antigos Gregos mencionaram dos vegetaes nam he comparavel com os escritos de Theophrasto.
. Elle tractou da organizaçam, principio de vida, crescimento, geraçam, grandeza arborea ou arbustiva, consistencia, lugar de habitaçam, cultivo, doenças, e qualidades dos vegetaes; fez mençam nos seus differentes livros de quinhentas especies uteis, que distribuio segundo as suas propriedades e usos em oleraceas, cerealinas, e succulentas. Os sexos dos vegetaes nam lhe foram inteiramente incognitos, e delles fez mençam em muitos lugares das suas obras; elle observa que as arvores podiam ser divididas em duas classes em razam da sua grande variedade, mas a sua mais frequente destinçam he em masculinas e femininas, humas ferteis, outras em certo modo estereis. Esta divisam contudo parece ser fundada menos na analogia entre os vegetaes e animaes, do que na maior ou menor perfeiçam dos fructos
Theophrasto parece ter seguido nisto os sentimentos de seu mestre, cuja destinçam a respeito dos sexos vegetaes era muito vaga em geral, e consistia em julgar que o individuo masculino era mais forte e mais amplo do que o feminino, posto que esse fosse mais fructifero.
; e com effeito muitos modernos sam de parecer [p. xxiv] que tanto elle como seu mestre Aristoteles so rigorosamente alludem à dicta analogia, quando fallam das palmeiras
"Se o pò das flores de hum ramo de palmeira masculina, diz Aristóteles, for sacudido sobre as da feminina, os fructos desta amadureceram promptamente; e se o pò das masculinas for conduzido de longe pelos ventos às femininas, seguir-se ha o mesmo effeito, como se o ramo da masculina se tivesse dependurado sobre a feminina". Theophrasto diz, que se o pò da palmeira masculina nam for sacudido sobre o fructo da feminina, este nam amadurecerà jamais, mas cahirà; porem como depois diz que senam pode assignar razam deste facto de apolvilhaçam ou aspersam do pò, parece que nam teve ideas de que os ovarios vegetaes eram fecundados como os dos animaes. Talvez tanto elle como seu mestre nam referiram mais do que as observaçoens dos Egypcios e Babilonios, entre os quaes a apolvilhaçam das palmeiras era practicada desde hum tempo immemoravel, segundo Herodoto.
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As obras de Theophrasto sam quasi inteiramente philosophicas, tendo-se mais occupado do physico ou habito interno dos vegetaes, do que do externo; e na verdade as suas descripçoens foram demasiadamente imperfeitas, e insufficientces para que a posteridade podesse reconhecer as plantas, cujos nomes sam mencionados nos seus livros.

O botanico de reputaçam, de que temos noticia, depois de Theophrasto foy Dioscorides

Dioscorides escreveo no tempo do Imperador Nero.
. Elle tinha sido militar, e feito differentes viagens em varios paizes do Levante antes de compor os seus cinco livros de Materia Medica. Neste tractado ajuntou mais cem plantas ao numero das mencionadas por Theophrasto, com os nomes com que eram conhecidas na Grecia e paizes vizinhos, e as destribuio em aromaticas, alimentares, medicinaes e vinosas. As suas ideas sobre os sexos das plantas foram muito indeterminadas, denominando muitas masculinas ou femininas sem fazer attençam à sua fertilidade nem esterilidade; segundo elle, o individuo da mercurial hoje [p. xxv] reconhecido por masculino dà sementes, e o feminino he esteril; os individuos mais fortes e mais amplos sam masculinos, e os mais fracos femininos, no que parece ter adoptado a vaga destinçam de Aristoteles. Na destribuiçam que fez das seis centas plantas conhecidas no seu tempo, considerou-as somente em quanto podiam servir à Medicina; as suas divisoens sam fundadas em taes relaçoens, que quando muito so podiam ser de utilidade para os que ja conheciam as plantas, e nam para facilitar a nomenclatura aos que nam as conheciam. Escrevendo em hum estylo simples e dicçam trivial, bem differentevda bella locuçam oratoria de Theophrasto, reunio mais caracteres nas suas descripçoens, mas sem embargo disso ellas foram ainda muito ambiguas e defeituosas, e com razam foy notado de ter cometido hum circulo vicioso, querendo fazer conhecer o que era desconhecido por meyo de comparaçoens com objectos igualmente desconhecidos.

No tempo dos antigos Romanos, à Botanica fez muito pouco progresso. A traducçam dos escritos de Methridates sobre as plantas, os quaes Pompeo tinha trazido da Asia, excitaram na verdade alguma curiosidade em Roma, mas passou-se muito tempo sem que sabio algum se occupasse de adiantar os conhecimentos que haviam entam na Grecia sobre os vegetaes. He verdade que delles escreveo Catam, Virgilio, Varro, Collumella, e Palladio, mas os seus tractados postoque nam deixem de ser estimaveis quanto a agricultura e usos economicos parecem so ter sido meras copias dos escritos Gregos. Plinio foy somente o que entre os Romanos adiantou hum pouco a Botanica, tractando-a como historiador naturalista, a pezar do uso do seu tempo. A sua grande liçam dos autores coétaneos e da antiguidade, e o caracter observador, de que era dotado nam exigiam menos. Elle augmentou o catalogo das plantas dos antigos com quasi duzentas, e nos deixou a sua [p. xxvi] historia; mas he justamente arguido de ter equivocado muitos dos seus nomes, adulterado varias passagens dos originaes que copiara, e de ter misturado algumas vezes o verdadeiro com o fabuloso. Fazendo mençam dos figuras de algumas plantas, que Cratevas, Deniz e Metrodoro tinham feito, parece ter menos estimado semelhantes retractos do que boas descripçoens; mas as que elle nos deixou ainda mesmo sobre a estructura das plantas, que tinha observado, rarissimas vezes sam mais circumstanciadas do que as dos seus predecessores; elle foy ainda muito menos methodico do que elles, e como dizem alguns Methodistas de hoje, tudo nelle he huma bella desordem. As noçoens dos Gregos e Romanos naturalistas a respeito dos sexos vegetaes nam lhe foram desconhecidas; elle nos diz com effeito que alguns admittiam os dois sexos nas arvores e plantas herbaceas

Arboribus, imo potius omnibus quae terra gignit herbisque etiam utrumque sexum esse diligentissimi naturae tradunt. Plin. Hist. Nat. lib. 13. Cap. 4.
; contudo os seus sentimentos foram bem differentes, porquanto expressamente assegura
Ibid. et alibi.
, que a observaçam so mostrava que elles existissem nas palmeiras, cujos individuos femininos nam propagavam sem concurso do pò dos masculinos.

Depois de Plinio athe à ruina do Imperio do Occidente, a Botanica nam deo passo algum, e muito menos ainda depois della athe ao seculo XV, postoque muitos celebres medicos se occupassem deste estudo. Galeno parece ter-se nelle destinguido mais do que Rufo, Apuleio e outros, e foy o primeiro que invectivou contra a inutilidade das descripçoens dos autores Gregos e Romanos. Confiando mais nos seus olhos cuidou de estudar os vegetaes a seu modo, fazendo muitas viagens nos paizes do Levante, afim de conhecer os que eram de uso medicinal, e nos deixou nos seus livros os nomes de quinhentas especies; mas nam emendou contudo os defeitos que tinha notado nas [p. xxvii] descripçoens dos outros. Ecio, Egineta, Tralliano, e Oribasio nam foram mais felizes.

Invadido e desmembrado o Imperio do Occidente, o destino da Botanica foy quasi semelhante ao das bellas artes da Italia. He verdade que alguns seculos depois, os Arabes tendo estendido as suas conquistas pela costa septentrional da Africa athe às Hespanhas tentaram de acolher as sciencias deste Imperio, e que os seus medicos

Mesué, Serapiaõ, Raxis, Avicenna, Averrhoes, Avenzoar, Abenguefit, Albenbeithar, Abul Fadl, &c.
por ordem dos Califas traduziram em suas linguas algumas das obras dos Gregos e Romanos: porem mal podendo intender as escuras descripçoens que elles tinham dado dos vegetaes, as suas traducçoens serviram mais de confundir do que de illuminar, e todos os seus demais trabalhos em botanica se reduzem a terem ajuntado à materia medica o uso de hum pequeno numero de novas plantas, cujo conhecimento se conservou depois quasi puramente por tradiçam. Desde o seculo XII, em que os Arabes foram quasi inteiramente expulsos das Hespanhas, athe ao XV houveram alguns autores de nome obscuro
Myrepso, Quiricio, Bosco, Hildegarde, Sylvatico, Dondis, Suardo, Villanova, Plateario, &c.
, os quaes nam conservaram melhor a botanica dos antigos do que os Arabes.

Tomada a capital do Imperio do Oriente por Mahumet II, quasi no meyo do seculo XV, muitos sabios Gregos, que entam se expatriaram fugindo do barbaro jugo mahometano, sendo bem acolhidos na Italia deram principio ao restabelecimento das lettras no Occidente. A invençam da arte de imprimir, que succedeo quasi no mesmo tempo, e as grandes investigaçoens que entam se fizeram em toda a sorte de manuscriptos da antiguidade contribuiram para completar esta feliz revoluçam da litteratura. [p. xxviii] Ella veyo a redundar em proveito das artes e sciencias, e a Botanica nam podia por conseguinte deixar tambem de ter nella alguma parte. O primeiro ardor de trabalho entam, assim como nas mais sciencias, foy a liçam e explicaçam dos antigos escriptores. Theodoro Gaza, e Hermolao Barbaro sam considerados como os primeiros que começaram a restauraçam da Botanica, traduzindo em latim as obras de Theophrasto e Dioscorides. Muitos outros seguiram o seu exemplo, e todos os Tractados da antiguidade sobre os vegetaes, que se poderam achar nas bibliothecas, foram pouco a pouco interpretados.

A necessidade, que a Medicina tinha da Botanica, requeria absolutamente, que se continuasse o seu estudo e se aper feiçoasse; mas elle nam pode obter perfeiçam nestes primeiros tempos, nam consistindo entam mais do que na grande liçam dos monumentos Gregos e Romanos, e de alguns da idade media. Demais disso, nam menos pela razam do espirito de disputa, que entam dominava, do que por causa das vagas e obscuras descripçoens, que os antigos tinham dado dos vegetaes, os commentadores nam so se contrariavam em suas opinioens, mas pelo menor pretexto davam às plantas dos paizes em que viviam os nomes das mencionadas pelos escriptores que commentavam, sem reflectir na grande diversidade que havia entre os terrenos e climas frios do norte da Europa, aonde escreviam, e os da Grecia e Italia patria dos antigos Autores. Ainda mesmo os que viviam, nos paizes quentes e meridionaes da Europa nam deixaram de cahir em muitos enganos

Esta erronea applicaçam dos nomes e igualmente dos usos das plantas foy a principal causa, porque a Materia Medica daquelles tempos se acha tam carregada de um farrago de substancias inuteis, e ainda mesmo nocivas; porquanto succedeo que os commentadores algumas vezes tiveram por saudaveis as plantas venenosas, intendendo mal os nomes mencionados nos antigos escritos.
, o que lhes devia necessariamente succeder, suppostas as sobredictas [p. xxix] circumstancias; e certamente melhora fora ter confessado ignorancia
Devemos com effeito confessar ingenuamente que nam sabemos qual era o verdadeiro helleboro, a verdadeira cegude, nem a maior parte das plantas de que tractaram os antigos Gregos e Romanos. Ainda mesmo depois das sabias investigaçoens, que fez Tournefort por todo o Levante, e patria dos antigos Gregos, apenas consta que se ache bem verificada a decima parte dos 600 nomes de plantas, de que elles fizeraõ mençaõ. Eu nam tractarei jamais o nosso Amato de ignorante de Botanica, como fez Mathiolo, porisso que nam soube decifrar as verdadeiras plantas indicadas pelos nomes, e incompletas descripçoens, que se acham nos livros de Dioscorides, nem censurarei taõbem Mathiolo de nam as ter decifrado muito melhor, notando-o, como alguns fizeram, de nam ter comparado as plantas que a natureza produz com as descripçoens de Dioscorides, mas de ter sobre ellas imaginado as que a natureza devera produzir, ou tinha mal feito de nam produzir; nem igualmente cuidarei de o desculpar, como outros fizeram, dizendo, que as plantas descriptas por Dioscorides tinham mudado hum tanto de figura desde o seu tempo athe ao do dicto commentador; porquanto attribuo unicamente toda a difficuldade de reconhecer as plantas dos antigos às suas màs descripçoens, e esta he a melhor desculpa que se pode dar a Mathiolo e outros commentadores dos antigos Gregos e Romanos.
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Portanto o modo ordinario de estudar os vegetaes nestes primeiros tempos differia muito pouco do que tinham usado os antigos fundado na tradiçam

Os que conhecem huma planta meramente de vista, ou porque tendo ouvido o seu nome de alguma pessoa, que lha mostrasse, ficaraõ somente com certas noçoẽs do seu habito externo, que elles naõ sabem explicar, aindaque contudo bastem às vezes para lha fazer destinguir de qualquer outra, so a conhecem por tradiçaõ ou impiricamente; tal he por ex. o conhecimento que os nossos hervolarios tem de algumas plantas. Os Antigos suppunhaõ as plantas conhecidas por este modo, e porisso cuidaraõ muito pouco de dar boas descripçoẽs dellas, nem na verdade o sabiaõ como nos.
; todos os que nam achavam quem lhes mostrasse e dissesse ao mesmo tempo os nomes das plantas, que dezejavam conhecer, de nada lhes servia ter decorado os seus nomes, e lido as suas descripçoens superficiaes.

Este impirico e fastidioso modo de apprender a conhecer os vegetaes nam podia subsistir por muito tempo, e sem duvida poucas reflexoens bastavam aos botanicos para julgar entam que [p. xxx] era indispensavel começar quasi tudo de novo, e estabelecer a botanica, estudando as plantas nam nos livros dos antigos, como era costume, mas sim no grande livro da natureza, que ante elles estava aberto e pedindo a sua attençam. A liçam dos antigos, e o dezejo de reconhecer as plantas, de que elles tinham tractado, requerendo absolutamente a comparaçam das descripçoens com as partes dos vegetaes, a que ellas se suppunham pertencer, necessariamente deviam conduzir a fazer pouco a pouco descobrir novos, e foy com effeito o que succedeo no seculo XVI.

O descobrimento de hum grande numero de plantas, que succedeo nesse seculo, estava exigindo huma destribuiçam methodica capaz de auxiliar a memoria e facilitar o estudo tanto dos antigos vegetaes como dos que novamente se tinham descoberto e se hiam descobrindo. As descripçoens começaram a parecer insufficientes, e o deviam ser na verdade pela razam de serem pouco circumstanciadas, nam obstante todo o trabalho que alguns tiveram de melhor as traçar do que os antigos. Cuidou-se pois de ajuntar as descripçoens estampas semelhantes às que Corbichon e Cuba tinham publicado no seculo XV, e fizeram-se tentativas de destribuiçoens methodicas.

Trago ou Bock foy dos modernos o primeiro, que emprehendeo de dispor os vegetaes em Methodo; mas o seu plano differe muito pouco do modo destributivo que tinham seguido Dioscorides e Theophrasto, e se pode dizer que elle somente renovou as ideas destes antigos Botanicos. Lonicero, Dodoneo, Lobel, Clusio, Dalechampio, Zaluziano, e muitos outros seguiram igualmente quasi o mesmo plano methodico dos antigos. A grandeza, duraçam, lugar de nascimento, qualidades, virtudes

Os antigos nam tractaram senam das plantas, em que conheciam alguma utilidade na Medicina e artes, e porisso os seus conhecimentos botanicos foram limitados a hum pequeno numero de plantas; elles cuidaram mais de indagar os seus usos e virtudes, do que os seus verdadeiros caracteres fundados na estructura e fructificaçam, por cujo motivo as suas destribuiçoens nam merecem rigorosamente o nome de Methodo ou Systema, na accepçam em que se tomam hoje estas palavras entre os Botanicos. As virtudes, e qualidades das plantas sam na verdade ainda hoje adoptadas pelos autores de Materia Medica, como fundamento das suas destribuiçoens; mas estas destribuiçoens por mais toleraveis que sejam em Materia Medica, pela razam do seu differente fim, e por supporem as plantas ja conhecidas seram sempre improprias em Botanica, e faram nella confundir o que merece de ser destinguido. A mesma planta succede as vezes ter differentes virtudes, segundo as suas differentes partes, de maneira que se os botanicos seguissem os Autores de Materia Medica, a raiz de huma planta muitas vezes deveria ser posta em huma classe, a sua flor em outra, as suas folhas e tronco em outra, em fim ainda algumas vezes o mesmo fructo, como v. g. a laranja, mereceria de ser posto em differentes Classes.
, usos, e hum modico numero de partes do habito [p. xxxi] externo foram os unicos destinctivos classicos, de que elles se serviram. Alguns escolheram por unico Methodo a ordem alphabetica; outros o tempo de florecer ou as differentes estaçoens do anno, como Passeo ou du Pas; outros, como o Dr. Porta, imaginaram as signaturas
O Dr. Porta na sua Phytognomica publicada em Napoles no anno de 1588 dividio os vegetaes em sette classes, considerando-os segundo o seu lugar de nascimento, segundo as relaçoens que elles tem com os homens e animaes tanto na figura de suas partes como nos costumes, e em fim pela relaçaõ que elles tem com os astros. No seu parecer, as plantas em que ha alguma parte que representa o figado, sam boas para as doenças do figado; as que representam olhos, sam boas para os olhos; as que representam dedos sam boas para a gotta; as que tem a forma de testiculos saõ boas para as doenças dos testiculos, &c. &c. He bem facil de perceber quanto este denominado Methodo he improprio, cheio de falsidades, e ridiculo, a pezar de todos os elogios que lhe fizeram de engenhoso.
por base das suas divisoens methodicas.
Mas he bem facil de perceber que estas ideas, quer fossem seguidas separadamente quer empregadas conjunctamente, nam podiam subministrar sufficiente fundamento a boas divisoens de hum Methodo de conhecer com facilidade os vegetaes; ellas sò serviam para divisuens superiores ou classicas por hum modo vago e difficilimo; a maior parte das notas da estructura e fructificaçam tam necessarias para estabelecer subdivisoens nam eram attendidas, e cada especie, tanto [p. xxxii] entre os antigos como nos primeiros tempos depois da restauraçam das lettras, era reputada hum genero, nam so pensando em indagar as suas affinidades nem de as aggregar debaxo de nomes genericos pela uniformidade das notas da fructificaçam, que he a fonte a mais fecunda de caracteres e divisoens methodicas. Conrado Gesnero foy o primeiro, que avistou esta verdade; elle foy com effeito o primeiro que indicou, em 1559, a destinçam dos vegetaes em generos e especies

Como se collige 1.º de huma de suas cartas escritas a Fabricio, em que diz: existimandum est autem nullas propemodum herbas esse, quae non genus aliquod constituant in duas aut plures especies dividendum. Gentianam unam prisci describunt, mihi decem aut plures species notae sunt; 2.º de outra escrita a Zwinger, na qual diz, p. 113, que era precizo considerar a flor, fructo, e sementes das plantas para destinguir os generos: - Ex his enim (flore, fructu et semine) potiùs quam foliis stirpium naturae et cognationes apparent. - 3.º de outra escrita a Occon, pag. 65. - Melissa Constantinopolitana ad Lamium vel Urticam mortuam quodamodó videtur accedere, seminis tamen, unde ego cognationes stirpium indicare soleo, figura differt.

Columna teve as mesma ideas em 1616, e inventou alguns termos relativos as partes da fructificaçam. Jungio, que faleceo em 1657, seguio tambem, que sem classes, generos e especies o estudo dos vegetaes seria difficillimo e sem limites. Todos os Botanicos desde Clusio athe J. Bauhino seguiram a doutrina de Gesnero e Fabio Columna, dispondo muitas especies de plantas debaxo do mesmo nome generico, tal como o de Iris, Narcizo, Salgueiro, &c. mas sem determinar os generos, nem seguir regra alguma para os limitar. Morison em 1655 tentou de os estabelecer menos vagamente, e o mesmo fez Ray em 1682 (seguindo as ideas de Jungio), e Rivino em 1590; mas todas as tentativas destes botanicos foram demasiadamente incompletas, e Ray nam deixou de reconhecer os grandes defeitos dos caracteres dos generos que tinha publicado, emendando-os pelos de Tournefort, que foy na verdade o primeiro, que assignou a todas as especies conhecidas caracteres genericos assaz plausiveis fundados em boas regras methodicas, na opiniam dos melhores Methodistas.

, e suggerio em 1560 a fructificaçam por fundamento dos caracteres dos generos.
Mas as ideas que elle tinha apontado nam serviram durante alguns annos de conduzir a grandes progressos, nem quanto aos generos nem quanto aos Methodos. Postoque no seu seculo e parte do seguinte houvessem muitos botanicos recommandaveis por seus trabalhos [p. xxxiii] respectivos nam menos às plantas da Europa do que às exoticas, quasi todos e ainda mesmo os dois celebres irmaons Suissos, Gaspar Bauhino
Gaspar Bauhino publicou no anno de 1596, no seu Pinax, os nomes e synonymia de seis mil plantas conhecidas athe ao seu tempo, e as destribuio em 12 Classes pelas suas qualidades e algumas partes do habito externo indeterminadamente. Seu irmaõ Joaõ Bauhino na sua Historia geral das plantas publicada e m três Vol. in-fol. no anno de 1650 deo as figuras de 3428 plantas, e descreveo 5266, destribuindo-as em 40 livros ou classes segundo as suas qualidades, duraçam, grandeza, e algumas das suas partes. Estas duas Obras, apezar da sua mà ordem methodica, mereceram sempre pela vasta erudiçam, que contem, huma especial estima de todos os Botanicos. As Obras de Guilherme Lauremberg, Hernandes, Jonston, Rheede, Rumphio, Burman e muitos outros, que seguiram falsos planos methodicos, semelhantes aos dos antigos, ou pouco differentes, nam deixam tambem de ter hum particular merecimento quanto à descripçam historica das plantas; mas os curtos limites deste discurso nam me dam lugar de mencionar todos os tractados uteis que se tem publicado em Botanica: demais disso este objecto so me parece ter proprio dos que escreverem a Historia geral e chronologica da Botanica, ou Catalogos geraes dos Autores Botanicos.
e Joam Bauhino, sem embargo de hum delles ter trabalhado quarenta e seis annos em Butanica, parecem ter sido muito embaraçados em determinar as partes proprias para fundar hum bom Methodo de classar os vegetaes, e o mao plano de os destribuir à maneira dos antigos predominou ainda entre elles.

André Cesalpino, celebre professor de Piza, foy o primeiro que imaginou huma destribuiçam toleravel quanto à propriedade das partes fundamentaes das suas divisoens, e porisso mereceo o titulo de primeiro Systematico entre os Botanicos. Valendo-se do seu descanço e da facilidade de comparar e observar, que lhe offereciam os jardins botanicos da Italia fundados no seu seculo

Em Padua, Piza, e Bolonha; o primeiro, que he o mais antigo da Europa, foy fundado em 1540 pela illustre caza de Medicis; os outros dois foram estabelecidos em 1547. Depois destes fundaraõ-se muitos outros, como o de Mompelher em 1598; o de Paris em 1626; o de Edimburgo em 1675; o de Upsal em 1657; o de Oxeford em 1683; o de Leyde em 1677; os de Berlim e Leipsique em 1680; o de Amsterdam em 1688; o de Petresburgo no tempo de Pedro I; o de Madrid em 1756; os de Lisboa e Coimbra no glorioso reynado do Senhor D. Jozé I; em fim nam ha hoje Estado algum na Europa, por pequeno que seja, que deixe de ter jardins botanicos, e em alguns elles sam bastantemente multiplicados, pertencendo nam so às Universidades e Academias, como também a particulares ricos. Elles foram no principio instituidos somente para serviço da Medicina; mas os seus Inspectores vendo que os estreitos limites das plantas medicinaes lhes nam davam lugar de fazer extensas observaçoens, nem de tirar grande proveito, introduziram nelles pouco a pouco toda a sorte de plantas, o que deo occasiam de bem examinar as suas affinidades e de fundar o grande numero de Methodos que tem havido. A sua utilidade fez tambem que algumas naçoens Européas os estabeleceram ainda mesmo nos seus dominios ultramarinos, como fizeram os Hollandezes no Cabo da Boa Esperança, os Francezes nas Ilhas Mauricias &c. e se nos os tivessemos tambem estabelecido nas nossas colonias, como nas Cortes de Thomar se havia proposto, a agricultura, commercio, e artes certamente disso teriam tirado nam pequenos enteresses.
, publicou em 1583 huma [p. xxxiv] destribuiçam methodica de 840 plantas em quinze classes, todas estabelecidas em relaçoens tiradas do fructo, e subdivididas em 47 secçoens ou ordens deduzidas das notas da flor, e fructo, principalmente da situaçam do corculo das sementes e numero das suas cotyledones (de que elle fez mençam primeiro que nenhum outro botanico), da cor das flores, dos succos lacteos do tronco, e da forma das folhas e raizes. Este Methodo, aindaque superior a todos os que os predecessores e contemporaneos do seu Autor imaginaram, foy contudo notado dos defeitos de presuppor a divisam primaria dos vegetaes em arvores, arbustos e hervas, de conter duas classes de titulos semelhantes, e duas caracterizadas pelas raizes bolbosas e nam bolbosas alem das notas do fructo; as suas divisoens subalternas humas sam fundadas em caracteres em tudo semelhantes aos que serviram nas classes, outras em notas nam relativas à fructificaçam, irregularidade certamente defeituosa em hum systema estabelecido no fructo
Cesalpino he na verdade desculpavel neste respeito por ter sido o primeiro que fundou hum systema na fructificaçam, e o seria com effeito ainda mais se elle tivesse nas suas divisoens escolhido os destinctivos tirados do habito externo por attender as affinidades naturaes; mas em todas as suas divisoens apenas vemos huma sò familia natural, que he a das Umbrelladas posta na sexta Classe do seu systema.
; em fim nam vemos que o seu Autor [p. xxxv] estabelecesse nelle genero algum infimo, e o que so fez foy descrever as especies debaixo do nome de generos.

Joaquim Jungio, Allemam, foy dos primeiros que adoptaram as ideas de Cesalpino; mas os calamitozos tempos da Allemanha, em que viveo, nam lhe permittiram de publicar hum melhor Methodo, postoque merecesse de ser reconhecido pelo primeiro Botanico dogmatico em razam dos muitos sabios aphorismos, que estabeleceo em Botanica

Jungio faleceo no anno de 1657; a sua Izagoge Phytoscopica, que foy publicada 22 annos depois da sua morte, contem hum grande numero dos principios criticos, que Ray e Linneo seguiram. Haller parece ter feito hum grande cazo desta Obra, como se collige da passagem seguinte. (Praef. Helv. S. pag. 21.): habentur hoc Libro (Jungii) de Plantis fragmenta satis luculenta, ubi passim leges sancit Linnaeanis simillimas, deinde stirpes ad genera naturalia revocat, & a consuetis familiis separat, suas etiam observationes interponit.... incredibile est, quàm profunde in minutias staminum, tubarum, florumque introspexerit, quantâ etiam perspicacitate, et ingenii methodica indole definitiones primus fixerit.
.

Em 1680 Roberto Morisono, Escossez, sendo professor de Botanica em Oxeford publicou huma Historia geral de plantas com pequenas figuras gravadas em cobre, na qual seguio as ideas de Cesalpino debaxo de huma nova forma, dividindo o seu Methodo em 18 Classes fundadas no fructo, corolla, e partes do habito externo. Este Methodo foy com razam censurado de ter mao nexo, e a clave mal feita, e nam sei que fosse seguido mais do que por Bobart, que o completou publicando o seu terceiro volume depois da morte de Morisono.

Em 1682, Joam Rai, theologo Inglez de grande engenho e erudiçam, publicou a mais extensa Historia do reyno vegetal que se tinha visto, comprehendendo 18655 plantas entre especies e variedades. Os trabalhos desta vasta Obra nam [p. xxxvi] foram dirigidos sò à Medicina, como era costume, mas a tudo o que podesse ser util à vida humana, e Rai foy com effeito o primeiro depois de Plinio, que se esforçou paraque a Botanica fosse estudada, como huma parte da Historia natural

Boerhaave, e Linneo foram do mesmo parecer, e este ultimo tornou a pôr a Botanica na Historia natural; mas o prejuizo de a considerar meramente como huma parte da Medicina tem prevalecido de sorte, que ainda hoje por toda a parte os Medicos e Boticarios sam privativamente os professores de Phytologia, como senaõ houvesse outra Phytologia mais do que a applicada a usos medicinaes, nem outras pessoas capazes de a ensinar senam Medicos e Boticarios.
. O seu Methodo dividido em 33 Classes, fundadas principalmente no fructo, foy seguido por Sloane, Petiver, Dillenio, e Martin. Elle contem muitas observacoens uteis, e novidade; mas isso nam obstante, e ainda mesmo depois da sua ultima correcçam
Rai publicou huma segunda ediçaõ do seu Methodo em 1700, com hum grande numero de emendas, que elle se vio obrigado a fazer depois de ter visto o Methodo de Tournefort, seu digno rival.
nam deixa de ser dificil na practica.

Christovam Knaut no seu Tractado geral das plantas de Halla na Saxonia, publicado em 1687, tentou de seguir hum novo plano destribuindo as dictas plantas em 17 classes fundadas principalmente na corolla, e fructo, e subdivididas em 62 secçoens pela fructificaçam e habito externo, mas o seu Methodo foy com razam notado de ser summamente composto e difficil.

Pedro Magnol, professor da Universidade de Mompelher, imaginou tambem hum novo plano de destribuiçam, que alguns consideram como a primeira tentativa do Methodo natural. Porem o seu intuito nam foy de investigar o Methodo natural, mas tam somente mostrar que haviam familias nam menos nos animaes do que nos vegetaes, e que ellas se deviam caracterizar nam puramente pela fructificaçam, mas por todas as demais partes, porque nenhuma dellas era accidental, e que em todas se deviam [p. xxxvii] indagar as affinidades ou relaçoens possiveis de semelhança

O Conde de Buffon foy do mesmo parecer; Linneo, Royen, Haller, Wachendorf, Adanson, Jussieu, e muitos outros celebres Botanicos do nosso seculo todos reconheceram, que haviam familias naturaes fundadas em affinidades naturaes, como Magnol tinha indicado; alguns delles, como Adanson e Jussieu, admittiram demais disso huma serie ou gradaçoens entre as differentes familias começando pelas plantas mais imperfeitas.
. Debaxo destas judiciosas ideas publicou em 1689 hum Methodo de 76 tabellas ou familias com huma clave de dez classes primarias, e subdividio as dictas familias em 285 secçoens; mas a execuçam deste Methodo correspondeu muito pouco ao plano que elle se tinha proposto; porquanto a maior parte das suas familias nam sam outra coiza mais do que pedaços ou divisoens humas das outras, e a difficuldade que entam se reconheceo em o perfeiçoar o fez immediatamente cahir em desprezo: Magnol mesmo parece ter sido pouco contente delle, e em razam disso cuidou de compor depois outro Methodo fundado principalmente no calys
Este segundo Methodo de Magnol foy impresso depois da sua morte em 1720: consta de 15 Classes fundadas nos caracteres do calys combinados com os corolla, e subdivididas em 55 secçoens relativamente ao lugar de nascimento, disposiçam das flores, sexo, calys, corolla, e fructo. M. Adanson estranha com razam que Magnol depois de ter imaginado hum Methodo razoavel composesse este, que lhe he na verdade inferior e no qual parece querer evitar as familias ou Classes naturaes, buscando por toda a parte hum calys athe chegar a dar este nome aos tegumentos das sementes, quando lhe era precizo hum calys para satisfazer às suas ideas systematicas
.

Paulo Herman, professor de Botanica em Leyde, seguio as ideas do Cesalpino debaxo de huma nova forma, e dividio as 5600 plantas, de que tractou em 2J Classes fundadas principalmente nas differentes sortes de fructos ou sementes cobertas e descobertas, subdividindo as dictas Classes em 82 secçoens pela disposiçam das flores, e pela corolla e fructo. O seu Methodo he complicado; elle foy seguido de Rudbeck e Zumbach que o aperfeiçoou e imprimio no anno de 1690.

Augusto Quirino Rivino, professor de Botanica em Leipsik, tractou de descobrir hum Methodo mais facil e mais conforme aos principios systematicos do que nenhum dos seus predecessores. Elle dividio o pequeno numero de plantas, que conhecia, em 18 classes fundadas principalmente nas relaçoens da corolla, e subdivididas em 91 secçoens relativamente ao fructo, figura do calys e corolla, situaçam, e disposiçam ou falta das flores. Este Methodo publicado pouco a pouco desde o anno de 1690 athe 1696, nam he tam regular, como alguns pensaram; porquanto vemos que o seu Autor considerou na clave das suas Classes nam so a regularidade e irregularidade da corolla e numero das suas petalas, mas ainda a perfeiçam das flores, e a sua disposiçam. Elle foy contudo durante alguns annos o mais seguido em Allemanha; Koenig, Welsch, Heucher, Gemeinhart, Hebenstreit, e Hecher o adoptaram nos seus tractados de plantas; Kramer, Christiano Knaut

Ludwig no anno de 1737 ajuntou duas classes demais ao Methodo de Rivino, deduzidas da presença ou falta da corolla, e Wedel e Boehmer o seguiram neste estado de reforma; no anno de 1747 aperfeiçoou segunda vez o dicto Methodo, reunindolhe demais a relaçam dos sexos das flores, e foy a melhor emenda que delle se publicou.
, Ruppio, e Ludwig
Christiano Knaut foy hum dos Botanicos, cujos paradoxos tem impedido o progresso da Botanica; elle seguio que havia tantos generos como especies, que a corolla era a parte essensial da flor, e que nam haviam sementes nuas.
tractaram de o emendar, e lhe deram huma nova forma, com que elle ficou ou mais resumido e troncado, ou mais extenso e complicado. Siegesbeck publicou tambent hum plano de o emendar melhor do que os Autores precedentes, mas nam o poz em execuçam, da mesma sorte que nam executou ainda outro que ideou sobre o fructo.

José Pitton Tournefort, que tam destinctamente orna o numero dos grandes Botanicos da França, foy de todos os seus contemporaneos e predecessores o que mais aperfeiçoou a [p. xxix] Botanica systematica. Persuadido de que todos os Methodos seriam sempre demasiadamente imperfeitos em quanto as suas infimas divisoens, ou generos, nam fossem melhor determinadas, cuidou de lhes dar huma nova forma e fez para este fim hum grande numero de observaçoens tanto em França como em diversos paizes estrangeiros, ajudado da munificencia do seu Soberano e pessoas ricas. Concluio esta difficil empreza no anno de 1694, no qual introduzio em Botanica muitos principios sábios, e sobre elles fundou hum Methodo que foy reconhecido por claro, conciso, e facil. Destribuio neste Methodo 10146 plantas (especies ou variedades) em 22 classes, dividio estas em 122 secçoens, e subdividio as dictas secçoens em 696 generos. As suas classes foram deduzidas, 1°. da grandeza e duraçam, ou da consideraçam das plantas como hervas ou arvores; 2° da presença ou nullidade da corolla e da flor; 3°. da disposiçam das flores, ou das relaçoens de simplices e compostas; 4°. do numero das petalas da corolla; 5°. da figura regular ou irregular da corolla

M. Adanson reconheceo nas Classes de Tournefort seis familias naturaes, e 48 nas suas secçoens, e assegura com razam que de todos os Methodos artificiaes o de Tournefort foy o que menos turbou as affinidades, ou melhor se conformou com a marcha da natureza.
. As secçoens foram estabelecidas relativamente à situaçam do fructo e flores, ao numero das cellulas do fructo e sua substancia, à figura da corolla e sementes, à presença e nullidade do calys, e às folhas. Os seus gêneros foram fundados em caracteres tirados das partes da fructificaçam, nam privativamente, porque elle pensava que se podiam áamittir outros, nem extensamente, porque julgou acertado de nam multiplicar notas caracteristicas sem necessidade. Elle definio o genero ser: "hum aggregado de varias especies, que convinham em todas as partes da fructificaçam ou nas mais essensiaes". No seu parecer os generos [p. xl] podem ser destinguidos em primarios e secundarios; quanto aos primarios estabeleceo as regras seguintes: 1°. que sò as partes da fructificaçam deviam ser empregadas como fundamento dos caracteres genericos, quando bem claramente se observassem nas plantas, e se julgassem sufficientes para isso; 2°. que se estas partes fossem julgadas insufficientes, se devia recorrer a outros menos essensiaes, como por ex. às raízes, tronco, casca, folhas, e outras partes do habito externo, e ainda mesmo às qualidades,sensiveis
Gouan, Adanson, Jussieu, e outros modernos adoptaraõ esta doutrina.
, taes como a cor, e gosto;
3°. que se deviam julgar por insufficientes as partes da flor e fructo, todas as vezes que se nam podessem descobrir sem microscopio
Rai tinha sido do mesmo parecer: Notae (dizia elle) obviae sint, manifestae & cuilibet facile observabiles; nam cùm Methodi usus praecipuus sit rudes et tyrones in stirpium cognitionem compendio absque taedio & difficultate inducere, non oportet ejusmodi notas proponere, quae attentum & sollicitum requirunt expectatorem, cuique ut microscopium secum ferat necesse est. Rai, Tournefort parecem ter reservado o uso do microscopio somente para a Botanica physica, persuadidos de que elle se oppunha a facilidade dos Methodos da Botanica pura. Alguns modernos contudo pensam que o uso do microscopio he indespensavel a todo o botanico, visto ter a experiencia mostrado que ha nos vegetaes da mesma sorte que nos animaes quasi tantas partes imperceptiveis (ou talvez mais) como ha de volumosas ou perceptiveis sem microscopio, e que os nectarios, partes da fructificaçam, e muitas notas caracteristicas de algumas plantas jamais se poderaõ bem reconhecer senaõ usarmos do microscopio ou ao menos de huma boa lente.
, e que por conseguinte se devia caracterizar o genero pelas notas mencionadas no artigo segundo;
4°. que todas as notas superfluas deviam ser rejeitadas; 5°. que se devia fazer attençam ao habito externo, por nam separar do mesmo genero especies que lhe pertenciam; porque huma especie podia ter na flor huma so petala, e as suas congeneres quatro, e nem porisso dever destas ser separada, pertencendo aliàs todas ao mesmo genero em razam de convirem e serem uniformes nas demais notas; que o numero differente das [p. xli] sementes, sendo aliàs tudo o mais analogo, nam bastava para formar generos diversos, porquanto se seguiria que deveramos referir a diversos generos individuos da mesma especie, o que he absurdo: que taes eram os generos que o Autor da natureza lhe parecia ter formado e exactamente destinguido pela fructificaçam. Quanto aos generos secundarios, pensava que nam so se podia recorrer à fructificaçam, mas ainda às demais partes do habito externo e qualidades, todas as vezes que as da fructificaçam se achassem ser insufficientes para os bem caracterizar. Mas estes generos raramente foram empregados no seu Methodo.

Aindaque Tournefort nam tivesse pensado em traçar hum plano, capaz de classar adequadamente todas as plantas do globo terrestre, o que elle julgava impossivel em qualquer destribuiçam systematica, contudo o seu systema tanto pela novidade dos generos como pela sua facilidade obteve huma grande acceitaçam, e nelle se alistaram durante alguns annos todas as especies e generos, que se descobriram

Principalmente as novas plantas da America, que o douto religioso Carlos Plumier havia descoberto e descripto por ordem de Luiz XIV., que lhe tinha dado tença e o titulo de seu Botanico.
. Elle foy seguido por Sherard, Plumier, Falugi, Marchand, Dodart, Nissole, Jussieu, Vaillant, Petit, Johren, Barrelier, Fevillé, Christovam Valentim, Ripa, Miguel Valentim, Dillenio, Pontedera, Monti, Micheli, Liridêm, Elvebemes, Fabricio, Sabbati, Alston, Quer, Seguier
Ponho Seguier entre os que seguiram Tournefort, porque o seu Methodo relativo às plantas de Verona differe muito pouco do Methodo deste Botanico, e o mesmo se deve entender do de Durande, que hoje se ensina na Universidade de Dijon.
, Durande e muitos outros.
Mas sem embargo dos muitos apaxonados e dos elogios, que o Methodo de Tournefort grangeou, nam deixou de ter defeitos notaveis, dos quaes o seu Autor talvez teria emendado alguns, se vivesse mais [p. xlii] tempo. As suas 22 Classes podiam ser reduzidas a 17, porque a divisam dos vegetaes em arvores e hervas
Todos os Botanicos depois de Linneo tem evitado essa falsa divisaõ; e Bergen sem embargo de ter seguido Tournefort no seu Tractado das plantas de Francfort, publicado em 1750, naõ deixou de diminuir as suas Classes reunindo as arboreas com as herbaceas.
nam deve ter lugar em Botanica senam quando muito na destribuiçam das especies do mesmo genero: a sua nomenclatura he às vezes viciosa, e podera ser mais facil, como se vê pela que Linneo depois introduzio: em fim as relaçoens tiradas da corolla, em que elle fundou principalmente as suas classes, sam sujeitas a differir nas especies do mesmo genero, a variar, ou a faltar ainda na mesma especie.

Passados alguns annos depois da publicacam do systema de Tournefort appareceram alguns outros, que nam sendo nem mais faceis nem mais perfeitos nam lhe poderam usurpar a maior acceitaçam. Boerhaave, celebre professor de Botanica, Chimica, e Medicina, publicou em Leyde no anno de 1710 huma divisam de seis mil plantas em 84 Classes, considerando-as relativamente à sua grandeza, duraçam, fructificaçam, e habito externo: subdividio as dictas classes em 104 secçoens ou ordens fundadas na substancia e figura das folhas, do calys, corolla, sementes, e tronco, no numero das petalas, capsulas e sementes; na situaçam das flores e germe; e em fim nos organos sexuaes das flores, que elle empregou tambem algumas vezes para caracterizar os generos. O seu Methodo foy huma combinaçam dos systemas de Cesalpino, Rai, Herman, e Tournefort, e por ser muito difficil e complicado foy apenas seguido na sua escola e por Emsting e Morandi

Morandi no seu Tractado das plantas medicinaes, publicado em 1744, reunio as arvores com as hervas, e em quasi tudo o mais seguio o Methodo de Boerhaave.
.

Em 1720, Pontedera nas suas dissertaçoens, em que descreveo 272 especies novas de plantas, negando os seus sexos [p. xliii] em geral, imaginou de emendar às imperfeiçoens do Methodo de Tournefort, e augmentou as suas 22 classes athe 37, considerando-as debaxo das mesmas relaçoens, e alem disso segundo a presença ou nullidade dos gomos; mas elle nam chegou a pôr em execuçam o seu plano systematico, nem o applicou aos diversos generos de plantas.

Trinta e tantos annos depois da ediçam do Methodo de Tournefort, Carlos Linneo, sabio Naturalista Sueco

Carlos Linneo foy filho de hum pobre Ecclesiastico de Smolandia na Suecia. Tendo-se applicado ao estudo de Historia natural fez nesta sciencia tam rapidos progressos, que na idade de 22 annos se achava ja capaz de ajudar e substituir Rudbeck, que entaõ a professava em Upsal. Huma das suas primeiras tentativas em Historia natural foy de fazer hum systema Botanico, que podesse prevalecer ao de Tournefort, e o qual dizem que elle chegara a introduzir no jardim botanico de Upsal no anno de 1731. Depois disto foy empregado pela Sociedade da dicta cidade para fazer huma viagem na Lapponia, Noruega e outros paizes do Norte por objectos de Historia natural. Em 1735, e annos seguintes protegido por Amigos viajou pela Dinamarca, Suecia, Allemanha, Inglaterra, e Hollanda, aonde publicou o seu Systema Naturae. Tendo tornado à Suecia, sua patria, a reputaçam que por fora tinha grangeado lhe suscitou a inveja de Rozen e outros Membros da Universidade de Upsal de maneira, que tendo aberto hum curso de Liçoens de Historia natural, foy por decreto da dicta Universidade suspendido de o continuar, debaxo do pretexto de que somente os doutores aggregados a ella podiaõ ensinar. Mas vencida esta dificuldade no anno de 1741, em que foy nomeado professor de Medicina e Botanica, continuou durante muitos annos as suas liçoens com grande celebridade athe que em fim victima da sua applicaçam demasiadamente sostida veyo a ficar privado quasi de todas as suas faculdades intellectuaes no ultimo anno da sua vida, e a morrer de huma hydropisia de peito. Elle contribuio tanto pelos seus extensos trabalhos como pelos sabios Alumnos, que formou, para adiantar todas as partes de Historia natural mais ou menos, e se lhe deve com effeito esta justiça, a pezar das suas opinioens.
ideou hum systema engenhoso, ao qual deo occasiam a doutrina dos sexos dos vegetaes, que nesse tempo era hum dos objectos, em que mais se occupavam os physiologistas botanicos.

A noticia dos sexos das plantas nam tinha sido inteiramente desconhecida aos antigos Gregos e Romanos; nos escritos de [p. xliv] Herodoto, Aristoteles, Theophrasto, Dioscorides, e Plinio achamos provas disso, como ja disse fazendo mençam destes Autores; mas as suas ideas a este respeito foram obscuras, conjecturaes, e nam fundadas em conhecimentos anatomicos das flores. Demais disso, ainda estas mesmas ideas parecem ter sido limitadas às palmeiras e de alguma sorte às figueiras; porquanto se bem que attribuiram sexos a muitas outras plantas, isso nam foy mais do que por hum mero motivo de destinçam estabelecida humas vezes na força ou fraqueza dos individuos, outras vezes na maior ou menor perfeiçam dos seus fructos, na maior ou menor efficacia das suas virtudes.

Em toda a idade media athe quasi ao seculo passado, a doutrina dos sexos das plantas foy muito incerta e indeterminada, nam tendo os botanicos outras noçoens della mais do que as dos antigos, donde procederam muitas falsas destinçoens, que lemos nas obras dos autores desses tempos

Como saõ as de Feto macho, Feto femea; Peonia macha, Peonia femea; Cornus mas, Cornus. faemina, &c. &c. Elles chamavaõ em algumas especies herbaceas dioicas, taes como o Canamo e Mercurial, plantas machas as que eraõ femeas, e vice versâ, so pela razam da sua grandeza ou virtudes medicinaes; (Mercurialis testiculata, sive mas; & spicata, sive faemina. G. Bauh.)
. Alguns annos depois da restauraçam das lettras, a Botanica physica, que tinha quasi acabado com Theophrasto, começando de novo a ser cultivada
Gesnero, Grew, Malpighi, e Feldmand foram os que principalmente restauraram a Botanica physica, e a adiantaram; este agradavel estudo foy continuado por Hales, Ludwig, Leuvenhoek, Hill, Linne , Duhamel, Guettard, Bonnet, Saussure e muitos outros.
, Cesalpino, Zaluzianski, Daniel Sennerto, Jungio, e Thomas Millington tractaram de investigar com exactas observaçoens o que os antigos tinham dicto decerto e de enganoso a respeito dos sexos.
Cesalpino fez mençam de que em algemas arvores, como por ex. o teixo, e nalgumas plantas herbaceas, como a urtiga, mercurial, e canamo, o fructo era produzido por hum individuo, e as flores por outro, [p. xlv] e que este era denominado masculo por ser esteril, e aquelle feminino por ser fertil. Accrescentou, que os individuos ferteis eram mais fructiferos sendo plantados perto dos masculinos, pela razam de certos effluvios do masculino se esparzirem sobre a superficie dos femininos, e por huma operaçam, que senam podia explicar, fazerem que estes produzissem sementes mais maduras e perfeitas. Elle restringio contudo as suas ideas sobre os sexos a hum pequeno numero de plantas, isto he, às dioicas. Zaluzianski em 1592 teve ideas mais claras e extensas
J. Bauhino citou em 1650 as principaes passagens de Zaluzianski a respeito dos sexos, mas nam parece ter feito maiores investigaçoens.
; porquanto reconheceo que humas eram hermaphroditas, outras dioicas, e outras monoicas; elle explicou demais disso como o ovario da palmeira femea era fecundado pelo pò da masculina esparzido sobre elle.

A frequencia de ver das sementes de hum so individuo nascer masculinos e femininos, isto he, hum esteril outro fructifero, devia necessariamente conduzir a comparar os vegetaes com os animaes no modo de produzirse, e a investigar cada vez mais este curioso objecto. Com effeito nam tardou muito tempo que o Dr. Nehemias Grew

Idea of a Philological History of Plants, &c. Lond. 1682, fol.
ajudado do microscopio estendesse os sexos a todos os vegetaes, e expusesse o uso do pó das antheras, dizendo, que quando ellas rebentavam, o seu pò cahia no germe ou utero vegetal, e lhe communicava huma virtude prolifica, nam porque nelle entrasse esta substancia, mas sim por lhe communicar huns certos effluvios subtis e vivificantes.

A opiniam de Grew foy adoptada por hum grande numero de Botanicos. Malpighi seu contemporaneo nam contribuio pouco para a confirmar

Anatome plantarum. Lond. 1686, fol.
examinando ao microscopio o estylete do pistillo, o po das antheras, e o modo com que ellas [p. xlvi] se abrem quando maduras. Rai hesitou no principio de assentir à doutrina de Grew, mas as suas proprias observaçoens lha fizeram em fim abraçar inteiramente, e ainda mesmo a juntar muitos argumentos para a defender. Rudolpho Jacob Camerario illuminou a mesma doutrina com hum tam grande numero de experiencias, que alguns o consideram como o chefe dos sexualistas
"Em todos os flosculos das Compostas, dia este celebre physiologista (na sua Epistola de Sexu Plantar. Tubingia, 1694), em que falta o estigma ao pistillo, ha abortamento nas sementes; se no milho, na amoreira, e muitas outras plantas cortamos as antheras das flores masculinas, e os estyletes das femininas, naõ ha fecundaçaõ, nem por conseguinte geraçaõ, e se pomos o individuo masculino da mercurial distante do feminino, este naõ dará fructo, ou se o der, as suas sementes naõ germinarão" Elle confessou contudo que as suas experiencias tinhaõ falhado no canamo. Camerario naõ so foy o que melhor estabeleceo o sexualismo dos vegetaes, mas o que ensinou a substituir por analogia as plantas indigenas às exoticas, ideas, que Petiver e outros depois seguiraõ. Elle foy taõbem o primeiro que fez mençaõ do numero dos estames, e parece ter suggerido a Linneo os principios do seu systema: Magnol tinha taõbem ja antes de Linneo empregado os organos sexuaes das plantas em algumas das divisoẽs do seu Methodo Calylino, e Boerhaave nos generos: Burchard medico de Brunswick tinha imaginado de fundar nelles hum Methodo, como se collige da sua carta escrita a Leibnitz em 1702, e reimpressa em 1758 por Heister em Helmstad: "Hic disserere constitui an ex partibus istis, quas ab officio genitales dicturus sum, Plantarum comparationes institui possint".
.
Morlando, Greoffroy, Vaillant, Waldchmid, Gakenholtz, e muitos outros
Wolfio, Burchard, Logan, Blair, Bradley, Ludwig, Royen, Jussieu, Needham, Monro, &c., &c.. Esta investigaçaõ passou athe à plantas menos perfeitas e Jussieu descobrio estames no Fetos, Micheli nos Fungos, Reaumur nas Algas e Hedwig nos Musgos. Sem embargo disto, a doutrina dos sexos naõ tem sido athe ao presente universalmente recebida. Tournefort considerou as partes sexuaes das flores meramente, como vasos excretorios destinados a separar a redundantia dos succos nutritivos do novo fructo, e naõ lhes deo lugar no seu systema. Pontedera, Siegesbeck, Bénneman, e Moeller seguiraõ, que o pò das antheras era somente huma materia proveitosa ao novo fructo. Alguns naõ admittiraõ sexos nas plantas Cryptogamicas (Vej. a Expos. da Cl. Cryptog. vol. 2.) O Padre Spalanzani assegura com muitas experiencias, que no canamo e muitas outras plantas perfeitas podem haver fructos perfeitos ou sementes capazes de propagar a sua especie sem o concurso das antheras. O Dr. Alston, professor de Edimburgo, o Conde de Buffon, e outros Epigenesistas naõ admittem o sexualismo em todo o reyno vegetal. Vej. a Palavra Sexus no Diccionario Botanico, Vol. 2.
roboraram com [p. xlvii] repetidas observaçoens os sentimentos de Grew e Cammerario, e tractaram todos de provar que o pò das antheras era absolutamente necessario para à fecundaçam das sementes, e que a copula e geraçam dos vegetaes tinha huma grande analogia com a dos animaes.
Morlando contudo differio hum tanto do parecer de Grew, julgando que o pò das antheras era hum aggregado, de plantulas seminaes, e que huma dellas entrava pelo estylete do germe: outros seguiram tambem a este respeito differentes outras opinioens.

Linneo completou em fim a doutrina dos sexos, e lhe deo toda a extensam, de que ella era susceptivel, compilando a seu favor todos os argumentos de que se tinham servido os seus predecessores, ajuntando algumas novas observaçoens, e fundando nella hum novo Systema, que em razam disso denominou sexual. Publicou este Systema no anno de 1787 e o dividio em 24 Classes estabelecidas relativamente ao numero, ponto de apego, proporçam, adunaçam, situaçam, e occultaçam dos estames; subdividio cada huma destas Classes em differentes Ordens deduzidas do numero dos pistillos, do numero, adunaçam e situaçam dos estames, e da figura do fructo

As Ordens do Systema sexual sam algumas vezes subdivididas em secçoens entremedias, fundadas em diversas relaçoens do calys, corolla e outras partes da fructificaçam. M. Adanson diz (Pref. p. XX.) que as subdivisoens das classes deste systema sam algumas vezes fundadas tambem em notas do habito externo; eu penso que elle falla das Ordens da Classe Cryptogamia, porque todas as mais subdivisoens sam puramente estabelecidas em notas da fructificaçam.
; nestas Ordens estabeleceo muito mais, e melhores generos do que contem as secçoens do Methodo de Tournefort
Tournefort tinha feito mençam de 698 generos; depois delle athe Linneo muitos outros Botanicos ajuntaram quasi mil, e Linneo athe o anno de 1759 descreveo 1174 generos. O Dr. Murray, na ultima ediçam do Systema Vegetabilium de Linneo publicada em 1784, fez mençam de 1436 generos; mas o numero dos generos conhecidos, e classados no systema de Linneo he mais consideravel, como se pode ver nas Obras de Jacquin, Forster, Aublet, &c.
, e limitou o numero das suas especies a [p. xlviii] sette mil, supprimindo todas as mais plantas conhecidas, pelas reputar variedades das dictas especies.

Este systema teve no principio pouco séguito

Milne (Dict. Bot.) diz que Linneo estando em Londres proposera o seu systema a Sloane, entam presidente da Sociedade Real da dicta cidade, e que este nam fizera cazo delle.
; elle foy criticado severamente por Siegesbeck, Heister, Ludwig, Haller, Alston, o Conde de Buffon, Adanson, e alguns outros, a cujas criticas Linneo teve a constancia de nam responder, aproveitando-se do conselho do grande Boerhaave, de que em toda a sua vida guardasse hum profundo silencio a respeito das criticas, que lhe fizessem das suas obras. Browal e Gledistch tractaram contudo de o defender contra Siegesbeck, mas as suas respostas aos argumentos deste sabio foram pela maior parte puras invectivas e nam razoens directas, e convincentes. Eu nam farei aqui mençam de todos os defeitos reconhecidos neste systema nem das suas vantagens sobre os mais, porquanto reservo isso para outro lugar
Vej. a Exposiçam deste Systema, e o Cap. V. do Tom. II. desta Obra.
, e me persuado que por ora bastaram as seguintes reflexoens geraes.
Linneo nas Classes e Ordens do seu systema sexual guardou muito menos as affinidades naturaes do que Tournefort e Rai nas dos seus Methodos; algumas das dictas divisoens sam difficeis na practica e ainda mesmo superfluas; muitas presentam huma marcha rapida e facil de conhecer os nomes das plantas a ellas respectivas, e a ellas se deve attribuir em grande parte a acceitaçam, que o systema veyo pouco a pouco a grangear sobre [p. xlix] quasi todos os systemas artificiaes. Os seus generos tem todos huma nova forma; e com effeito ninguem antes de Linneo empregou em todos elles todas as partes da fructificacam
Boerhaave tinha na verdade fundado antes de Linneo caracteres genericos nas partes da fructificaçaõ; mas por hum modo abbreviado, e bem differente do plano de Linneo.
circumstanciadas, ninguem antes delle os descreveo, por hum modo tam util nem com tam grande vastidam.
Elle estabeleceo por principio "que todas as notas genericas deviam puramente so ser tiradas da fructificacam," e conforme esta maxima rejeitou os generos secundarios, que Tournefort tinha admittido: o seu particular modo de ver e combinar as dictas notas (que elle comparava às lettras do Abecedario) o obrigaram a incorporar alguns ainda dos primarios, que o dicto Botanico tinha dividido, e vice versâ, a desmembrar outros que elle tinha reunido. Mas esta revoluçam nos generos, e nos principios de os formar nam foy geralmente approvada; Heister, Gouan, Adanson, Jussieu, e alguns outros celebres Botanicos continuaram a seguir as ideas de Tournefort, pensando que as partes da fructificacam, por mais abundancia de caracteres que subministrem, eram algumas vezes insufficientes para bem caracterizar os generos, e que neste cazo era precizo recorrer a outras, e ainda mesmo às qualidades das plantas
Heister pensava que as folhas podiaõ algumas vezes servir como parte essensial para caracterisar os generos. Gouan na maior parte dos generos do seu Hortus Monspeliensis ajuntou aos caracteres da fructificaçaõ (adoptados de Linneo) outros a que elle chama secundarios, e que saõ tirados de diversas partes do habito externo. Jussieu servio-se das cores, e das notas do habito externo mixtas com as da fructificaçaõ em muitos caracteres dos generos do seu Methodo. Adanson nas suas familias de plantas naõ estabeleceo caracter algum generico puramente na fructificaçaõ, e advertio que o mesmo, que Linneo tinha dicto de Tournefort "Tournefortianis nihil detraho meritis optimis, nego tamen ejus characteres perfectos esse, nego ex iis destingui posse genera" se lhe podia adequadamente applicar relativamente a huma grande parte dos seus generos; porquanto os caracteres de muitos delles, principalmente dos exoticos, eraõ muito defeituosos, de maneira que os viajantes naõ podiaõ nelles confiar, e que elles algumas vezes o teriaõ conduzido na sua viagem do Senegal a tomar humas plantas por outras, se naõ se tivesse servido dos destinctivos das folhas, disposiçaõ das flores, &c. Haller taõbem admittio entre as notas genericas as do habito externo, e chegou ainda mesmo a dizer, que Linneo as tinha seguido na praxe, a pezar dos principios que tinha estabelecido: Id tamen fundamentum jeci, cui soli Methodus naturalis potest superstrui, ut vicinae sint stirpes, quae notis plurimis sibi similes sunt, etiam si aliquâ quam longissime differant, eae plantae sint dissimiles, quae plurimis notis diversae sunt, etiam si unâ notâ quam vicinissimae fuerint. Neglectus hujus axiomatis Methodos non naturales genuit. Inter notas habitum posui, quem excludit quidem ex legibus Linnaeus in praxi vero ubique revocat, suisque legibus praefert, exemplo Convalartae, Tussilaginis, &c. (Hal. Stirp. Helv. praef. p. 14.).
.
Muitos desapprovaram tambem a demasiada confiança [p. l] que elle poz nos caractéres dos seus generos athe chegar a dizer que todos elles eram naturaes, e proprios para servirem em todos os Methodos possiveis. Com effeito novas destribuicoens botanicas, que depois foram publicadas, nam confirmaram esta assersam, porquanto Haller, Wachendorf, Adanson, La Mark, o Lord Bute, e todos os que depois de Linneo composeram Methodos artificiaes ou fizeram tentativas do Methodo natural desmembraram mais ou menos os generos do Botanico Sueco, e elle mesmo e os da sua escola nam deixaram de reunir como tambem de desmembrar alguns delles nas differentes ediçoens do seu Systema sexual. Demais disso, os generos, que elle estabeleceo nalgumas divisoens, as quaes pela grande affinidade das suas plantas parecem constituir hum so genero extenso, como por ex. a que envolve a familia das Umbrelladas, sam susceptiveis ainda de muitas correcçoens, e sujeitos a mudanças, ainda mesmo na supposiçam de que todos os mais generos de plantas o nam fossem, [p. li] supposiçam contudo que nam he admittida por muitos botanicos
Os generos (diz o Dr. Oeder Elem. Botan.) naõ saõ definidos pela natureza; elles ficaraõ ao arbitrio dos homens, os seus limites saõ ambiguos, e dependem das relaçoẽs arbitrarias, que cada hum adoptou por definiçaõ, ou se propoz de seguir com preferencia rejeitando outras. Naõ me parece que haja Autor algum, que tenha fundado generos invariaveis, por mais disputas e por mais defensores que tivesse de que seguio as affinidades naturaes. Que Botanico ha que deixe de conhecer a grande diversidade que existe entre os generos da maior parte dos Methodistas, sem embargo de todos terem pertendido seguir a natureza? Daqui tem procedido a differença e multiplicidade de nomes, que daõ motivos de queixas aos que estaõ acostumados a hum systema, e que fazem perder o gosto de cultivar a Sciencia, oppondo-se por conseguinte ao seu progresso. As innovaçoẽs, que Linneo fez na nomenclatura, a pezar de muitas queixas, foraô adoptadas, e saõ hoje seguidas; mas talvez nos seculos seguintes, crescendo o numero dos generos, e apparecendo outro famoso e ousado systematico, se queixaraõ outros de que lhes mudaraõ os nomes de Linneo. Alguns tem sido de parecer que deviaõ haver poucos generos por evitar o incommodo do grande numero de nomes genericos, outros pelo contrario seguiraõ que deviaõ haver muitos a fim de que os nomes das especies fossem menos variaveis, e mais facil a practica methodica; mas nenhum destes pareceres se dirige a arrancar a raiz do mal, que procede de naõ haver em Botanica huma nomenclatura fixa, como ha em Astronomia.
.

No parecer de Adanson os generos de Linneo sam mais proprios dos systemas artificiaes fundados na fructificaçam, do que dos que sam estabelecidos em outras partes, e do que do Methodo natural, em cujos generos os caracteres devem ser tirados de todas as partes das plantas; outros contudo tem pensado que elles sam mais proprios do Methodo natural do que dos artificiaes ou ao menos do que systema do Sexual, porquanto dizem, que todos os Autores, que athe agora tem feito tentativas do Methodo natural, desuniram incomparavelmente muito menos dos generos de Linneo, do que seria precizo desmembrar, se todas as especies citadas no Systema [p. lii] sexual fossem destribuidas nas Classes e Ordens, a que rigorosamente pertencem conforme as leys do dicto systema.

Nam obstante todos os defeitos, que se censuraram nas differentes divisoens desta destribuiçam systematica, ella nam deixou contudo de ser adoptada por hum grande numero de Autores Botanicos, e de vir a ser hoje a mais seguida na Europa

A França he de todos os paizes da Europa aonde os systemas de Linneo saõ menos seguidos. No jardim Real de Paris ensina-se o Methodo de Jussieu, e em Dijon e muitas outras Universidades segue-se o Methodo de Tournefort reformado.
pela razam da facilidade de muitas das suas divisoens, pela simplicidade da sua theoria, e por se suppor commumente que nam ha outro Methodo artificial e universal menos defeituoso, ou como diz o Dr. Jussieu, por ser facil de seguir huma das estradas abertas, que se julga ser menos tortuosa, e muito custoso de abrir huma nova mais direita.

No anno de 1738 Linneo publicou outro plano systematico, ao qual deo o nome de Methodo Calycino, por ser destribuido em 18 Classes deduzidas principalmente das relaçoens do calys; mas elle nam completou a execuçam deste Methodo por lhe ter preferido o primeiro fundado nos organos sexuaes.

No mesmo anno publicou huma terceira destribuiçam dos vegetaes, com o titulo de Fragmentos do Methodo natural.

Esta destribuiçam continha entam 746 generos em 65 divisoens, que elle denominou Ordens naturaes sem lhes dar titulos alguns; mas em 1751 na ediçam da sua Philosophia Botanica augmentou os dictos generos athe ao numero de 1026, e as suas Ordens a 68, dando-lhes differentes nomes tirados das obras dos seus predecessores, ou imaginados por [p. liii] elle algumas vezes com bem pouca propriedade

Segundo Royen, os titulos das familias dos vegetaes devem ser tirados de hum genero, que nellas he o mais conhecido; Adanson e Jussieu seguiraõ esta maxima, e ella me parece na verdade ser a mais razoavel.
. As familias de plantas publicadas por Magnol, aindaque bem differentes, parecem ter suggerido a Linneo o plano destes Fragmentos do Methodo natural, Methodo que elle confessava ser o fim a que se derigia a Botanica
Primum & ultimum in parte systematicâ Botanices quaesitum est Methodus naturalis. Clas. Plantar. Methodus naturalis ultimus finis Botanices est et erit. Philos. Botan. pag. 137.
, e cuja investigaçam nam desprezou toda a sua vida.
Mas a pezar de todo o seu trabalho e das mudanças que em fim fez, reduzindo as suas 68 Ordens a 58, nam parece ter muito melhor adiantado e aperfeiçoado as familias naturaes do que os seus predecessores, e de todas as suas Ordens apenas vinte tem sido reconhecidas por naturaes
Isto naõ parecerà estranho aos que conhecem a grande dificuldade que ha de vencer os obstaculos, que se oppoem ao descobrimento do Methodo natural. Estes obstaculos no parecer de Linneo (Phil. Bot. p. 137) saõ, 1.º o desprezo, que se havia feito do habito externo das plantas, depois que se tinha começado a cultivar a doutrina da fructificaçaõ; 2.º a falta de generos exoticos, que restavaõ para defcobrir; 3.º a affinidade que tinhaõ os generos com os que lhes ficavaõ lateralmente contiguos; 4.º (Gener. Plant.) a difficuldade ou quasi impossibildade de estabelecer a clave do Methodo natural, sem a qual as familias naturaes naõ podem constituir Methodo. Estas difficuldades foraõ a causa porque elle deo o nome de Pedaços do Methodo natural às Ordens que publicou, confessando que ellas eraõ dirigidas a fazer conhecer a natureza das plantas, e naõ a sua nomenclatura; porquanto pensava que so os Methodos artificiaes podiaõ servir para bem fazer conhecer os seus nomes, e que todos os que para este fim destribuiaõ as plantas em Fragmentos do Methodo natural, rejeitando o artificial, lhe pareciaõ ser semelhantes aos que deitaõ abaxo humas cazas de abobada e de bons commodos, para em seu lugar reedificar outras, de que naõ podem fechar a abobada.
.
Elle nam nos deixou os caracteres destas Ordens denominadas naturaes, e somente advertio na [p. liv] sua primeira ediçam, que ellas eram fundadas na simples symmetria de todas as partes da fructificaçam, o que alguns botanicos nam poderam nem crer nem adoptar
Em vaõ, diz o Dr. Oeder (Elem. Bot.), se tentara de explicar ou indagar o caracter de huma familia natural, em quanto houver a preoccupaçam de que sò das partes da fructificaçaõ se devem tirar caracteres geraes: examinemos toda a estructura, ou habito das especies, todas as affinidades em qualquer parte que as poz a natureza, e podemos estar certos de que descobriremos bons caracteres. ... . Sem embargo de que Linneo fosse hum dos maiores defensores da doutrina da fructificacam, nam me persuado que os caracteres das Ordens, que nos deixou nos seus Fragmentos do Methodo natural, fossem puramente nella estabelecidos.
.
Guettard, Scopoli, e Gerard seguiram contudo este plano de destribuiçam com algumas leves mudanças.

Os trabalhos de Linneo em Botanica nam se limitaram somente a fazer huma revolucam nos generos, e a formar com elles novas destribuiçoens; elle publicou hum grande numero de novas observaçoens e de tractados de plantas de muitos paizes, simplificou a nomenclatura dos vegetaes, inventou alguns termos technicos, emendou e fixou os antigos, e estendeo os dogmas de Botanica

Estes dogmas estaõ reunidos na sua Philosophia Botanica: muitos delles sam compilados de Jungio, Paulo Hamman e Tournefort: alguns saõ demasiadamente generalizados ou applicados sem destinçam tanto aos Methodos artificiaes como ao natural; em fim alguns foram tractados de paradoxos, de principios contradictos pela practica do seu mesmo autor, e rejeitados por Siegesbeck, Heister, Hebenstreit, Alstoa, Ludwig, Haller, Adanson, Jussieu, &c.
mais do que nenhum dos seus predecessores, applicando-os quasi a todos os objectos que delles eram susceptiveis, e formando com elles hum corpo de doutrina, que fez epoca na Sciencia, e lhe veyo a grangear o titulo de Princepe dos Botanicos modernos.

Adriano Royen, professor de Botanica na Universidade de Leyde, deo no anno de 1740 hum plano de destribuiçam de 2700 plantas com o nome de Preludio do Methodo [p. lv] natural, dividido em 20 classes relativamente ao numero das cotyledones, partes da fructificaçam, disposiçam das flores, e substancia herbacea ou pétrea (porque no seu tempo ainda se nam tinham excluido de Botanica

As esponjas, coraes, corallinas, madreporas, e outras producçoens marinhas denominadas lythophytos foram classadas no Reyno vegetal quasi athe o meyo do nosso seculo. Imperati em 1599 teve algumas leves ideas da animalidade destes entes; Peyssonel renovou as mesmas ideas em 1727, mas sem provas convincentes; o Dr. Bernardo de Jussieu em huma Memoria presentada a Academia de Sciencias de Paris em 1741 foy o primeiro que provou com razoens decisivas, que elles deviam ser classados no reyno animal por serem relativos aos polypos, cujos corpos se ramificaõ e tem grande analogia com os vegetaes. Depois deste tempo os lithophytos foram inteiramente excluidos do reyno vegetal.
os Lithophytos); subdivididas em 77 secçoens fundadas nas partes da fructificaçam, disposiçam das flores e sua imperfeiçam, e em fim na substancia e disposiçam das folhas. Este Methodo nam me parece corresponder às grandes ideas
Hinc patet, cur nullis a quocunque demum autore datis principiis adhaserim, sed solis naturae legibus adstrictus.... Unde factum est, ut classes, quas ante me pauci dederant, naturales servaverim, plures introduxerim, et reliquas seorsim exhibuerim. Pr. Florae Leid.
, que o seu autor delle formou, nem aos elogios que delle fizeram os dois Gmelins, que o seguiram; as suas divisoens tem caracteres demasiadamente curtos e improprios do Methodo natural, e alem disso nam comprehendem mais familias naturaes, do que dantes se conheciam.

Alberto Hailer, na sua Enumeraçam das plantas da Suissa impressa em 1742, e das de Gottinga publicada em 1753 fez tambem huma nova tentativa do Methodo natural, destribuindo duas mil especies, que descreveo, em 13 Classes

Linneo reconheceo 15 Classes neste Methodo; Adanson confessa contudo nam ter podido descobrir nelle mais do que 13; eu nam pude taõbem decifrar hum maior numero; ellas sam com effeito difficeis de bem se destinguirem, por se encadearem de ordinario estreitamente com as subdivisoens subalternas, segundo o plano, que o seu Autor se tinha proposto, e que elle seguio o mais que lhe foy possivel. Ego, qui non universalem stirpium Historiam molior, non tenebar perfectam dare generum distributionem. Sufficere credidi, si quamlibet familiam inter duas familias disponerem, à quibus proximè distat et difficiliùs distinguitur. Detegent fortè hoc meum studium gnari, in graminibus, in transitionibus, quibus classes conjunguntur &c... id ubique non obtinui, neque fortè licet, cùm affinitates naturales mihi non simplices esse videantur, sed ab uno genere ad alia muita ex diversis notis perinde possit legitimè transire. (Hall. Pr. Stirp. Helvet.
fundadas no numero das cotyledones e partes da [p. lvi] fructificaçam, e subdivididas em 42 Ordens estabelecidas na fructificaçam, no habito externo e ainda mesmo no lugar de nascimento das plantas. Este Methodo, postoque muito trabalhado em todas as suas partes, nam merece contudo o nome de natural, e so me parece ser hum Methodo mixto; muitas das suas divisoens nam sam naturaes, e as estreitas transiçoens, com que o seu Autor cuidou quanto lhe foy possivel de as reunir, fazem que o dicto Methodo sera sempre summamente difficil na practica.

Francisco Sauvages, Medico de Mompelher, deo em 1743 o projecto de hum Methodo fundado nas differentes relaçoens das folhas, o qual, a pezar da reforma que o dicto botanico nelle fez em 1751, he muito defeituoso, principalmente pela razam das suas divisoens conterem de ordinario plantas que lhes nam convem com propriedade.

Everardo Wachendorf imprimio no anno de 1747 hum catalogo, das plantas do jardim botanico de Utrech, no qual citou quasi quatro mil especies simplesmente com as phrases de Linneo, e destribuidas em 16 Classes principalmente pela fructificaçam. Este botanico he contado no numero dos que fizeram tentativas sobre o Methodo natural; mas as divisoens do Methodo, que elle imaginou, pela maior parte nam sam [p. lvii] naturaes, e os seus titulos de ordinario sam viciosos pela sua demasiada extensam.

O Methodo geral publicado pur Lourenço Heister em 1748 contem 35 Classes fundadas na fructificaçam, habito externo e grandeza arborea ou hebracea; subdivididas em 93 Ordens relativamente ao sexo das flores, à sua disposiçam e das folhas, numero das petalas e sementes. Este Methodo parece ter sido trabalhado sobre o de Rai, e he mais facil do que elle.

Joam Gleditsch deo no anno de 1749

Vej. a Histor. da Acad. Real de Scienc. de Berlim. in 4.º, pag. 109, e seg.
o plano de hum novo Systema composto de sette Classes estabelecidas na apparencia e no estado mais ou menos occulto das flores, no ponto de apego dos estames, e na irregularidade de classificaçam; as dictas Classes sam quatro vezes subdivididas successivamente. Este systema so he facil na sua theoria; porque na practica nam me parece que haja outro mais difficil.

M. Duhamel no seu Tractado das arvores e arbustos, que se cultivam em França sem estufas, impresso em 1755, cuidou de combinar o Systema de Linneo com o de Tournefort, e destribuio as mil especies, de que fez mençam, em tres Classes relativamente aos sexos, e ao numero das petalas. Elle deo ainda na mesma Obra mais dois outros Methodos, hum composto de sette Classes estabelecidas na substancia e figura do pericarpo, e na substancia, figura, e nudez das sementes; outro de quatro Classes fundadas na figura, situaçam, e duraçam das folhas. O intuito de M. Duhamel foy de facilitar, o mais que lhe foy possivel, o conhecimento das plantas de que tractou, considerando-as nestes tres Methodos relativamente ao estado da florecencia, da frutescencia, e do [p. lviii] periodo em que ellas se acham sem, flor nem fructo, e so com folhas: elle conhecia muito bem, que todos os Methodos artificiaes sendo mais ou menos defeituosos, o seu primeiro Methodo nam podia ser livre de defeitos, e lhe ajuntou por esse motivo os dois outros para supprir às suas imperfeiçoens. Hum semelhante plano he digno de ser imitado, e o seria ainda muito mais, se M . Duhamel lhe tivesse ajuntado hum quarto Methodo ou Catalogo, no qual as plantas, que citou, se achassem dispostas em familias naturaes.

M. Adanson, sabio Botanico da Academia de Sciencias de Paris, no seu Tractado das Familias de Plantas publicado em 1763 seguiu hum plano do Methodo natural inteiramente diverso dos que tinham imaginado os seus predecessores. Elle destribuio as 18 mil plantas (especies e variedades) conhecidas athe ao dicto anno, em 1615 generos, a que chamou linhas de separaçam primarias e bem assignaladas pela natureza. Assignou a cada huma destas Familias e generos o seu caracter particular deduzido da fructificaçam e habito externo, porque no seu parecer os verdadeiros caractéres genericos naturaes, ou proprios das divisoens do Methodo natural devem ser tirados de todas as partes dos vegetaes, vistoque ha algumas, que sam mais essensiaes para este fim em certas Familias do que as da fructificaçam, como por ex. sam as folhas na familia das Estrelladas e Leguminosas, e a disposiçam das flores nas Labiadas. Nam estabeleceo clave alguma às 58 familias, a que limitou o reyno vegetal conhecido, pensando que era muito difficil, e mesmo impracticavel, reduzir as familias naturaes a huma boa clave classica, por falta da generalidade competente de notas caracteristicas. Em lugar de clave dispoz as dictas familias por huma serie gradativa, começando pelas dos vegetaes menos perfeitos, e encadeando-as [p. lix] humas com outras conforme as affinidades, com que ellas lhe pareceram ter sido approximadas pela natureza. Este Methodo nam deixa de ter bastantes imperfeiçoens, como o seu mesmo Autor confessa; muitos dos caracteres dos seus generos e familias sam incompletos, e precisam de ser correctos (este defeito contudo nem sempre deve ser attribuido ao Autor, elle procede muitas vezes das omissoens dos seus predecessores ou das estampas e descripçoens incompletas, que elles publicaram, e que M. Adanson seguio, sendo-lhe impossivel de tudo verificar); algumas plantas referidas às familias das dicotyledones sam monocotyledones; algumas familias parecem desligadas, outras tem transiçoens muito arbitrarias e mesmo improprias, como he por ex., a dos Pinheiros aos Musgos, que o Autor poz no fim de todas as suas gradaçoens methodicas; outras nam tem a sufficiente uniformidade de caracteres nos seus generos para merecerem o nome de naturaes; em fim algumas plantas podem referir-se a duas familas vizinhas, sem que nota alguma caracteristica decida mais a favor de huma do que de outra. A pezar destes e outros defeitos, o Methodo de M. Adanson nam deixa de ser muito mais bem trabalhado nas familias naturaes do que os dos seus predecessores; elle chegua-se muito mais ao Methodo natural, e pode servir de grande soccorro aos que se occupam na sua investigaçam. M. Adanson publicou alem disso na mesma obra hum grande numero de reflexoens sabias sobre a Botanica dogmatica e methodica, que o dam bem a conhecer pur hum botanico erudito e profundo. Eu adoptei neste Tractado muitas das suas ideas, todas as vezes que as achei conformes ao que me tem ensinado o estudo de muitos annos subre os vegetaes, porque nem sempre me pareceram bem fundadas. Algumas das suas assersoens relativas às partes da [p. lx] fructificaçam das plantas denominadas Cryptogamicas discordam muito das minhas observaçoens e das do Dr. Hedwig de Leipsik

O Dr. Kedwig he de todos os modernos o que me parece ter melhor indagado as plantas Cryptogamicas. A Academia de Petresburgo coroou huma das suas obras, na qual elle demonstrou com huma grande sagacidade as miudas partes da fructificaçaõ naõ so dos Musgos, mas ainda dos Fetos, Algas e Fungos. Elle referio a Cavallinha a Tetandria monogynia: os organos masculinos do Agarico, segundo as suas observaçoens, estam na parte interna da volva, que cobre as laminas, e que vem depois a formar o annel a roda do espique; os pistillos da mesma planta estam situados nas laminas. Elle pensa que os escudilhos dos Lichens sam capsulas, que enserram sementes, e que os tuberculos dos Lichens tuberculosos foraõ escudilhos antes de tomar a forma tuberculosa. Julga que as celhas do Lichen ciliaris sam raizes, assim como outras partes analogas em muitas outras espécies de Lichen. O seu prezado axioma he que — omnis planta ex semine — assim como o de Harvey era, omne animal ex ovo —. Segue que os fluidos circulaõ, nos vazos dos vegetaes, assim como nos dos animaes, e que os Reynos Vegetal e Animal se podem bem distinguir hum do outro pelos organos masculos, os quaes em todos os vegetaes perecem depois de ter operado a fecundaçaõ, e pelo contrario subsistem nos animaes depois desta operaçaõ, e podem repetila muitas vezes.
; em fim a sua obra he muito fastidiosa aos Leytores, pela sua particular orthographia, e nomenclatura dos generos ordinariamente differente da de Linneo.

O Dr. Antonio Luiz de Jussieu, celebre Botanico da Academia de Sciencias de Paris, em duas Memorias prezentadas à dicta Academia nos annos de 1773 e de 1774, indicou hum novo plano methodico universal, e nelle adoptou a nomenclatura de Linneo, e quasi geralmente os seus generos, reduzindo-os a 92 Familias estabelecidas em differentes relaçoens collectivamente tiradas de todas as partes das plantas, e dispondo as dictas familias conforme as suas affinidades em huma serie methodica, começando pelas dos vegetaes menos perfeitos, como tinha feito M. Adanson. Elle nam seguio contudo as ideas deste Botanico nem as de Linneo a respeito da clave [p. lxi] classica das familias naturaes; porquanto persuadido de que nellas haviam algumas relaçoens geraes e invariaveis capazes de servir de base para estabelecela, reduzio as do seu Methodo (que considerou como naturaes) a huma clave de 14 Classes fundadas principalmente na privaçam ou numero das cotyledones das sementes, e no mediato ou immediato apego dos estames ao calys, receptaculo, ou pistillo. Mas esta clave tem algumas imperfeiçoens e he muito diffcil na practica: o titulo de acotylédones (ou sem cotyledones) dado a todas as Cryptogamicas, às Nayades e Parasitas he improprio e desmentido pela natureza; nestas duas ultimas familias ha algumas plantas

Como saõ por ex. o Myriophyllum, e Ceratophyllum.
, que sam reconhecidas por alguns botanicos como dicotyledones; no mesmo genero
Como por ex. no Cactus, no qual algumas especies saõ monocotyledones e outras dicotyledones.
podem haver especies de diverso numero de cotyledones; a insersam dos estames nam he menciodada na primeira Classe, e nalguns generos o ponto de apego dos estames he muito ambiguo e quasi impossivel de se poder determinar com exactidam: os destinctivos tirados da corolla, e que contribuem para caracterizar algumas classes, sam sujeitos a variar; tem-se visto plantas, que costumam dar flores petaleadas, dalas monopetalas, e ainda mesmo sem petalas, ou corolla alguma: estas excepçoens sam sufficientes para fazer a clave defeituosa. Algumas familias tem generos pouco uniformes de maneira que mal merecem o titulo de naturaes, e as suas transiçoens sam às vezes estabelecidas tam arbitrariamente como o seu numero. Este Methodo por conseguinte nam he puramente natural; mas sem embargo disso nam se pode negar que elle [p. lxii] presenta os seus Fragmentos mais adequada e completamente do que qualquer outro athe agora publicado; os seus defeitos sam resarcidos pelo grande numero de observaçoens importantes e de judiciosos caracteres, em que a maior parte das suas divisoens sam estabelecidas; muitos delles podem ser emendados por meyo de novas observaçoens: os principios de analogia, em que elle he fundado, sam os mais proprios para estender e aperfeiçoar a Botanica, e os mais conformes à verdadeira Physica dos vegetaes, que considera as relaçoens de todas as suas partes sem desprezar huma so. Hum semelhante plano era proprio das grandes luzes de Mrs. de Jussieu
O Methodo sobredicto foy imaginado pelo Dr. Bernardo de Jussieu, e estabelecido primeiramente no Real Jardim de Trianon, sito no Parque de Versalhes; depois da sua morte o Dr. Antonio Luiz de Jussieu cuidou de lhe dar huma melhor forma, e o introduzio no jardim Real de Paris, aonde hoje he ensinado publicamente aos nacionaes e estrangeiros.
, e digno de ser introduzido em hum dos principaes jardins
O Real Jardim Botanico de Paris contem quasi cinco mil differentes especies de plantas de diversos climas do globo terrestre, e este numero he todos os dias augmentado pelas novas remessas, que o douto Thouin, Jardineiro mòr do dicto Jardim, recebe de paizes estrangeiros.
da Europa, no qual todos os Botanicos devem dezejar que elle se continue a ensinar e aperfeiçoar, muito principalmente por ser certo que nella nam ha outro, em que se ensine presentemente hum Methodo universal dirigido a cpnservar as affinidades naturaes, ou tendente a dar ao Methodo natural a perfeiçam de que elle he susceptivel.

Por evitar de ser prolixo, nam faço aqui mençam de alguns outros Methodos modernos, relativos às plantas de differentes paizes do Globo, como o do Dr. Allioni sobre as plantas do Piemonte, o de Oeder sobre as de Dinamarca, o do Cavalheiro de la Mark sobre as da França, o do Lord Bute sobre as da Gr. Bretanha, o de Thunbergio sobre as do Japam, nem os de outros, que se [p. lxiii] acham indicados no nosso Catalogo dos Autores Botanicos: todos estes Methodos nam sam outra coiza mais, do que combinaçoens ou correcçoens dos precedentes, de que tenho summariamente tractado.

Alem dos Methodos universaes, e geraes, tem havido ainda alguns outros denominados parciaes, e relativos a huma so Classe ou Familia de plantas; taes sam por ex. os de Dillenio, Michelli, Gledits, Batarra, e Bladts sobre os Fungos; os de Dillenio, Michelli e Hedwig sobre os Musgos; os de Monti, Michelli, e Schenzer sobre as Gramas; os de Morison, e Artedi sobre as Umbrelladas; e os de Vaillant, e Pontedera sobre as Compostas. Alguns publicaram Tractados particulares de hum genero infimo, que pelas numerosas especies, que contem, parece constituir huma Familia, como por ex. Klein, Donati, e Gmelin do Fucus ou Alga, Burman do Geranto, e Haller do Alho. Muitos emprehenderam viagens nam so pela Europa, mas por todos os lugares do Globo, aonde ha colonias de Europeos, e,aonde o commercio e navegaçam lhes franquea a entrada

As viagens, que desde o seculo passado athe ao presente se tem emprehendido por differentes sabios a fim de augmentar os conhecimentos em Botanica e outras partes de Historia natural, saõ summamente numerosas; as principaes entre as modernas saõ: a de Gmelin pela Siberia athe aos confins da China: a de Shaw na Africa; Colden na Virginia; Brown na Jamaica; Adanson no Senegal; Kalmio e Jacquin na America; Osbek na India; Hasselquist na Palestina; Loeffling e Alstroemer na Hespanha; Amman na Russia; Burman em Ceilaõ e Cabo da Boa Esperança; Bergio taõbem no Cabo da Boa Esperança; Forskoll no Egypto e Arabia; Pallas nos Estados da Russia; Sparman na Africa austral; Sonerato na nova Guiné e India; Aublet na Ilha de França e Guianna; Thunbergio na Africa austral, Ceilaõ, Java e Japaõ; Solander com o celebre cavalheiro Banks, e os dois Forsteros no mar austral, &c.
; os seus trabalhos reunidos aos de differentes Academias, Sociedades [p. lxiv] sabias
Como a Sociedade de Allemanha estabelecida em 1670, a de Londres em 16S2, a Academia de Sciencias de Paris em 1699, a de Upsal em 1720, a Imperial de Petresburgo em 1728, a de Noremberg em 1731, a de Stokolmo em 1739, e muitas outras que foraõ fundadas no seculo actual para servirem de Archivos às Sciencias, e contribuirem para o seu progresso.
, e aos dos Methodistas tem na verdade augmentado consideravelmente o numero dos generos e especies, e enriquecido a botanica com muitas observaçoens novas e uteis. Mas sem embargo disto, esta Sciencia nam se tem adiantado nem aperfeiçoado tanto como pensaram alguns modernos demasiadamente preoccupados dos seus Systemas.

Das destribuiçoens dos entes do reyno vegetal, que athe agora se tem publicado quer sejam denominadas Systemas ou Methodos artificiaes

Os Systemas artificiaes saõ fundados em huma so parte ou em poucas: o Methodo natural pelo contrario he fundado em muitas, e considerado como hum composto de muitas familias, nas quaes cada especie se acha por taõ intimas affinidades ligada com outras, que nenhuma dellas se pode separar sem fazer violencia à natureza.
quer naturaes ou tentativas do Methodo natural, nenhuma merece de ser considerada como perfeita e inteiramente conforme à natureza; todas tem sido mais ou menos uteis, nenhuma foy jamais izenta de defeitos, e este he o justo juizo que dellas se deve formar. Os Seus Autores huns escolheram por fundamento dellas puramente algumas partes da fructificaçam, outros quasi inteiramente as do habito externo, e outros tanto as partes da fructificaçam como as do habito externo
Como foraõ Morison, Ray, Tournefort, Magnol, Boerhaave, Ludwig, Adanson, Jussieu, &c.
.
Elles criticaram successivamente os Systemas huns dos outros, como insufficientes, ou discordes à natureza, e bem semelhantes aos Physiologistas a respeito do principal lugar, em que reside a alma, cada hum pertendeo ter achado a parte mais essensial, em que se [p. lxv] devia com preferencia fundar hum bom Methodo ou Systema botanico. O espirito de seita ou paxam de fundar escola, preoccupacoens nacionaes pelos Methodos dos seus compatriotas, a novidade de pomposos titulos, e juntamente a grande facilidade, que elles inculcavam, fizeram tambem que huns foram preferidos aos outros, ou decahiram successivamente, assim como a Philosophia de Pythagoras cedeo à de Socrates, esta a de Platam, à de Platam à de Aristoteles, e esta a de Descartes ou Cartesio, sobre a qual a de Newton vay prevalecendo. Mas bem profundados os Systemas, ainda os daquelles mesmos, que mais desdenharam dos Methodos dos seus predecessores, ver-se-ha que, se elles evitatam alguns dos seus defeitos, cahiram em outros nam menos notaveis, e que deixaram à posteridade muito mais incertezas do que elles pensaram.

" A Botanica, diz hum celebre Naturalista moderno

M. Adanson, cujas ideas transcrevo aqui por me parecerem ser as mais exactas, e adequadas para instruir o Leytor sobre o estado actual da Botanica.
, nam he huma simples nomenclatura, ou aggregado de phrases e nomes, mas huma Sciencia fundada na experiencia, cujo objecto he de examinar todas as partes dos vegetaes, de combinar todas as suas affinidades, de julgar de todas as suas diversas relaçoens de semelhança e dessemelhança comparadas, e decidir em fim da sua natureza
Segundo o mesmo sabio Naturalista, a Botanica he susceptivel de muitos problemas sobre as linhas de separaçaõ entre as Familias e generos, sobre as relaçoẽs que os encadeaõ, sobre as affinidades que fazem que hum vegetal pertença mais a hum genero, ou familia, do que a outros &c. O Dr. Ant. L. de Jussieu he do mesmo sentimento, accrescentando que ella preciza às vezes de huma especulaçaõ, que equivale à das Sciencias mais abstractas.
. O Methodo [p. lxvi] natural he o unico, a que ella se dirige..... todos os Methodos artificiaes vacillam mais ou menos nos seus principios; elles nam devem ser considerados como constituindo a Sciencia, mas somente como diccionarios della, e como meyos que ajudam na indagaçam do Methodo natural. Este Methodo nam deve ser confundido (como he ordinariamente) com o Methodo perfeito
Naturalem et perfectissimam Methodum, in quá nullæ anomaliæ occurrunt deprehendi vix, posse opinamur, cum varietas characterum nimia sit, & ex consensu omnium signorum characteres veró naturales exurgant, hinc uno signo variante vera dispositionis ratio turbatur. Ludwig. Instit. Botan. §. 190.
, o qual he certamente impossivel às forças do entendimento humano.
... a natureza parece tender tanto a reunir os entes como a destinguilos; considerar todas as relaçoens naturaes de uniformidade, todas as differenças que se acham nas diversas partes dos vegetaes, todas as suas differentes linhas de separaçam e a serie que ellas guardam entre si, nam he impossivel, nem igualmente o chegar a dispolos em hum Methodo, que se approxime ao perfeito, que nam perturbe as affinidades naturaes, e mereça porisso mesmo o titulo de natural. Por operaçoens analogas àquellas, com que se reunem os individuos em especies, e estas em generos naturaes, se podem estes tambem reunir em Familias: todos os grandes Botanicos convem a respeito das affinidades das plantas de algumas Familias, elles poderam chegar a perceber as de todas as mais, e a fixar o numero das suas linhas de separaçam. Estabelecidos assim todos os vegetaes em hum certo numero de Familias bem caracterizadas, bastarà conhecer dois ou tres de cada huma dellas para reconherer os demais respectivos, o que resumirà summamente tanto o seu conhecimento nomenclativo, como o estudo da sua natureza. [p. lxvii] Os paradoxos e opinioens particulares à alguns Botanicos, a preoccupaçam de que todos os Methodos, sem exceptuar ainda mesmo o natural, deviam ser fundados so nas partes da fructificaçam, e o desprezo de deduzir os caracteres de todas as relaçoens possiveis dos vegetaes tem sido pouco favoraveis ao progresso, que a Botanica podia ter feito relativamente às Familias naturaes.... Tem-se escrito em Botanica Tractados e Catalogos innumeraveis, e todos os dias vemos publicar novos, mas desgraçadamente a maior parte das plantas nelles mencionadas sam mal descriptas: das dezoito mil, que se acham no Catalogo de Rai, apenas quatro mil tem boas descripçoens, e as que hoje se costumam fazer sam ordinariamente pouco circumstanciadas, e incompletas. De settenta mil estampas relativas a dez mil especies de plantas, que se tem publicado desde Corbichon athe ao presente, apenas duas mil ou pouco mais podem fazer destinguir exactamente as plantas, que representam, de outras que approximadamente se lhes assemelham. Conhecemos hoje muitos generos, mas somente a quarta parte delles tem caractéres sufficientes, e os que bem fizerem reflexam no grande numero de factos, que restam para descobrir, e na immensidade de observaçoens que he precizo fazer ainda em Botanica, reconheceram que ella nam esta mais adiantada do que as outras Sciencias naturaes, como dam a entender alguns Systematicos modernos, que enrolveram o conhecimentos novos no espesso veo de algumas ideas demasiadamente generalizadas, querendo sujeitar a ellas toda a natureza.... Restam nam so muitas especies
Ray, que no fim do seculo passado fez mençaõ de 18655 plantas, ontando especies e variedades, dizia que a metade dos vegetaes do globo terrestre não estava ainda conhecida. Oeder em 1753 julgava que haviaõ 7320 especies conhecidas sem contar as variedades, e que na Europa, aonde haviaõ tres mil e tantas especies, eraõ poucas as que naõ se conheciaõ, mas que isto era bem differente a respeito das outras partes do Globo. M. Adanson pensa que ha 16 mil especies conhecidas, e que restaõ ao menos 25 mil para descobrir. M. Le Monier, Professor de Botanica em Paris pertende que ha hoje 25 mil plantas conhecidas entre especies e variedades, e que cohecemos mais da metade das plantas do globo terrestre. Linneo dizia que o numero das plantas de todo o Globo era menos do que se pensava, e que segundo o seu calculo ellas montavaõ quando muito a dez mil [numerum plantarum totius Orbis longé pauciorem esse, quam vulgó creditur, satis certo calculo intellexi, utpote qui vix ac ne vix 10,000 attingat] [Spec. Plant. ad. Præf. edit 1754]: mas o seu calculo naõ tem a certeza que elle pertendia; os Hervarios de Adanson, Jussieu, e Sloane contem 8 mil especies, o de Vaillant nove mil, o de Sherard dez mil, e quantas mil alem destas naõ contem os sertoẽs de Africa, Asia, e America, e outros paizes da Terra aonde nenhum Botanico tem ainda penetrado?
, e generos para descobrir, mas ainda [p. lxviii] tambem algumas Familias
Em todos os tres reinos de natureza ha formas tao particulares a certos paizes, que se naõ achaõ fora delles: no reino vegetal a experiencia tem mostrado que ha muitas especies e generos, que saõ proprios huns da Asia, outros da Africa, e outros da America exclusivamente; que na Europa ha hum grande numero de generos de Cruciferas e Umbrelladas, muito poucos de Malvaceas, e apenas duas especies de Palmeiras (as quaes segundo alguns conjecturaõ foraõ nella naturalizadas por transplantaçaõ) que na Zona torrida ha muito poucas Umbrelladas, e rarissimas Cruciferas. Portanto assim como ha Familias quasi inteiras na Europa, outras quasi inteiras fora della, he muito provavel que hajaõ taõbem fora della algumas Familias, das quaes naõ conhecemos ainda planta alguma ou apenas conhecemos hum ou poucos generos, que os viajantes nos tem descripto.
; muitos dos generos conhecidos precizam de ser verificados e melhor caracterizados, e o mesmo se deve entender das especies
Porquanto ha, segundo o mesmo Botanico, algumas plantas, que tendo variedades saõ consideradas como especies, e outras vice versá, que sendo especies saõ reputadas por variedades.
.
Do generos exoticos, que Linneo formou puramente guiado pelas semelhanças apparentes de figuras estampadas ou plantas seccas, tem muitos [p. lxix] defeitos e nam se pode nelles ter confiança; as descripçoens genericas dos exoticos, feitas conforme a sua florecencia observada nos jardins da Europa, sam tambem pouco seguras, muito principalmente daquelles em que se desprezaram as notas caracteristicas tiradas do habito externo, como he ordinario de desprezar; elles sam sujeitos a florecer mutilados e desfigurados em nossos climas, e muitas vezes me succedeo nam poder reconhecer alguns delles pelas dictas descripçoens, encontrando-os nos seus naturaes paizes em Africa. Os viajantes, e quaesquer que derem noticia de novas plantas, devem cuidar, quanto lhes for possivel, de traçar descripçoens menos curtas do que se costuma ordinariamente
Diz-se ordinariamente, que ha muitas coizas minuciosas, que se devem omittir e désprezar nas descripçoẽs dos vegetaes; que as descripçoẽs longas naõ se lêm, e que nellas se naõ percebe com facilidade e brevidade as differenças caracteristicas; em fim que as abbreviadas saõ as melhores, e o que nellas falta deve ser supprido pelas Estampas. Pelo contrario vejo ainda mesmo alguns daquelles, que tem seguido este parecer, queixarem-se de que naõ poderaõ aperfeiçoar seus Methodos pela razaõ de naõ terem achado nos Autores descripçoẽs mais extensas e completas. Plinio dizia, que nada podia parecer superfluo nos olhos de hum attento observador da natureza; com effeito naõ me parece que haja coiza alguma em huma especie vegetal, que deixe de merecer de ser observada, e descripta na sua Historia Natural; o que em hum seculo he reputado por superfluo e minucioso, naõ o he em outro, e nos temos varios exemplos disto nas estipulas, nectarios, glandulas, situaçaõ do corculo, ponto de apego dos estames, figura do pollen das antheras, &c. As Estampas saõ na verdade de grande soccorro, mas he rarissimo de encontrar alguma em que naõ hajaõ defeitos e descuidos; demais disso ha muitas circumstancias que naõ se podem nellas bem exprimir, as quaes se podem pelo contrario bem expor nas descripçoẽs. Huma descripçaõ, na qual se mencionasse completissimamente a forma exterior, estado organico, e toda a natureza de huma planta, dando-se della huma boa estampa, seria hum fixo monumento da dicta planta, e naõ deixaria para observar a respeito della o que huma descripçaõ abbreviada, aindaque reunida a numa boa Estampa, costuma deixar. As descripçoẽs abbreviadas prezentaõ com effeito os finaes caracteristicos com facilidade; mas como os sinaes caracteristicos differem segundo os differentes Methodos, a facilidade, he igualmente sujeita a differir, succedendo muitas vezes que a mesma descripçaõ, que he facil a respeito, de huns, fica sendo difficil a respeito de outros, ou pelo dizer de outro modo, a descripçaõ abbreviada, que he boa conforme as ideas deste ou daquelle Botanico, he mà para a Botanica, como a sua historia desde a restauraçaõ das lettras athe ao presente nolo attesta. Em summa, a perfeiçaõ da Botanica depende da comparaçaõ de todas as partes e sinaes quaesquer que se podem divisar na forma e estructura dos individuos vegetaes, e para este fim so as descripçoẽs vastamente circumstanciadas podem ser de hum adequado soccorro.
: as partes relativas ao [p. lxx] habito merecem de ser melhor attendidas e circumstanciadas, e nas da fructificaçam o ponto de apego dos organos sexuaes, as cellulas e po das antheras, o numero das cotylédones, a figura e situaçam do corculo nas sementes, etc. para cujo fim nam se deve poupar o uso do microscopio, sendo necessario
Rai foi de parecer, que naõ era necessario nos Methodos indicar parte alguma, que exigisse o uso do microscopio, como ja notei (pag. XL, not. b.). Alguns Methodistas seguem ainda hoje este parecer; outros rarissimamente assignaõ caracteres fundados no uso do microscopio; outros em fim estabelecem Familias inteiras em notas caracteristicas, que dependem absolutamente do uso delle. M. Adanson pensa que ha nos animaes e vegetaes quasi tantas partes insensiveis ou microscopicas, como ha de bem apparentes á vista simples, e que todas ellas saõ igualmente dignas da attençaõ de hum Naturalista, julgando por erronea a opiniaõ de Rai.
.
A maior parte das antigas Estampas precizam de ser emendadas, e as que se reformarem e gravarem de novo devem dar noçoens mais geraes das plantas
Seria acertado que huma Academia protegida por algum Soberano ou pessoas ricas e com artistas tencionados emprehendesse de dar todos os annos hum certo numero de Estampas completas dos vegetaes conhecidos athe chegar a publicar todas as suas especies e principaes variedades: este trabalho daria a Historia Natural hum precioso Archivo, e contribuiria summamente para o seu progresso. M. Adanson, e outtos modernos criticaraõ com justo motivo a Linneo de ter dicto (Gener. Piantar. 1743) icones pro determinandis generibus non commendo, sed absolute rejicio, licet fateor has magis gratas esse pueris, iisque, qui plus habent capitis quam cerebri... ab iconibus enim quis potest unquam aliquid argumentum fixum desumere; sed ab scriptis facillime; sendo notorio que o mesmo celebre Botanico Sueco se servio das Estampas de Rheede, de Tournefort, Plumier, Dillenio, Micheli & outros para caracterizar alguns generos e especies, nao deixou de ajuntar sempre huma Estampa às descripçoes das plantas novas, que descobrio. He verdade, diz M. Adanson, que ha muitas coizas nosentes organicos, que nao se podem exprimir nas Estampas, e saõ so proprias das descripçoẽs; mas naõ se pode duvidar taõbem que ha algumas nos dictos entes, e hum nao sei que nas suas physionomias, que sò he privativo à pintura ou desenho de exprimir e de que nenhuma descripçaõ pode dar noçoẽs claras. He por esta razaõ que sera sempre necessario reunir as figuras as descripçoẽs, e as descripçoẽs ás figuras, como servindo humas às outras de hum reciproco soccorro.
.
He [p. lxxi] necessario provar com exactas e repetidas experiencias, se todas as plantas cryptogamicas se reproduzem por sementes, e se todas tem organos sexuaes, ou se pelo contrario ha algumas sem os dictos organos, e que so se reproduzem por gomos ou bolbilhos, e em fim deferminar o que nellas he especie e variedade. Alem destes interessantes factos ha ainda muitos outros para descobrir tanto na Botanica pura como physiologica, dos quaes alguns sam muito difficeis de arrancar à natureza e talvez seram por ella revelados somente a algum daquelles transcendentes genios, de que os seculos sam tam avaros".

Taes sam os passos, que tem dado a Botanica, e o seu estado actual nos differentes paizes da Europa. O seu progresso entre nos tem sido ora proporcionado e em parte superior ao das outras Naçoens Européas, ora mais lento. No tempo, em que a Lusitania esteve debaxo do dominio dos Romanos, lemos nos antigos Autores

Segundo Plinio, Strabo, Justino, Athenco, Columela, e outros, as plantas frumentaceas e hortaliças eraõ copiosamente cultivadas entre os Lusitanos; elles extrahiaõ muito azeite naõ so das azeitonas, mas ainda das bagas de loiro e fructos de outros vegetaes, e os Romanos exportavaõ delles trigo, azeite, vinhos, cardos hortenses, tuberas da terra, linhos, esparto, bettonica, &c. &c.
que os seus habitantes eram muito cuidadosos da Botanica applicada, e Plinio lhes attribue o dexcobrimento da Bettonica
A Bettonica ou Vettonica diz-se ser assim denominada pela razaõ dos seus usos medicinaes terem sido descobertos pelos povos Vettones ou Vetones. Estes povos habitavaõ huma parte das provincias orientaes do Portugal moderno e a provincia da Extremadura da Hespanha moderna; a sua Capital segundo Prudencio, era Merida (Emerita), a qual fazia parte do Portugal antigo ou Lusitania. André de Rezende seguindo a opiniaõ de Plinio extende a habitaçaõ dos Vettoens athe ao Doiro.
e Scorpinaca. [p. lxxii] He muito verosimil que em quanto o Imperio do Occidente subsistio, os conhecimentos, que os Romanos tinham adquirido na Botanica applicada, foram pouco a pouco communicados às Hespanhas, tanto à citerior como ulterior ou Lusitania, e nellas bem excultos; mas depois da ruina deste Imperio durante toda a idade media, elles estiveram entre nos, nam obstante todos os esforços dos Medicos Arabes, em huma situaçam pouco menos rude, do que entre as demais naçoens, que o desmembraram.

A restauraçam das lettras tendo feito mudar em Portugal o plano de estudos, Theophrasto, Dioscorides e outros antigos, que tinham tractado dos vegetaes, começaram a ser melhor interpretados do que o tinham feito os Arabes e os que athe esta famosa epoca haviam adoptado as suas ideas; a nossa Universidade tinha na Botanica (que entam se ensinava) professores tam instruidos como as melhores da Europa. Com intuitos de commercio e de engrandecimento do Estado, acompanhados da paxam de investigar, descobrimos novos paizes navegando pelos mares meridionaes da Africa e India athe à China, e fomos à proporçam que os conhecemos dando à Europa tanto em Geographia como em differentes partes de Historia natural

Garcia de Horta, celebre Professor da nossa Universidade de Coimbra, tendo deixado a sua cadeira de Medicina em 1534, e passado à India e China publicou em Goa o seu Tractado das Especierias do Oriente, o qual foy depois tradurido do Portuguez em varias linguas pela sua novidade e exactidaõ. Thomé Péres e Joaõ Fragoso tractaraõ taõbem das drogas e plantas do Oriente; Fernaõ Mendes Pinto, Barros e outros fizeraõ mençaõ de muitas arvores e producçoẽs da India, China, Moluccas e outras ilhas do mar da India. Pero Magalhaẽs, amigo do nosso Camoẽs, na sua Historia de S. Cruz ou Brasil tractou da herva sancta (depois chamada herva do tabacco ou da ilha Tabago, e herva de M. Nicot), da mandioca, da arvore do balsamo de copaïva e algumas outras produccoẽs da America Meridional.
conhecimentos huns inteiramente novos, outros mais claros e completos, do que haviam dantes.

[p. lxiii]

Se o mesmo plano de estudos, e a mesma instrucçam se houvesse sustentado e promovido entre nos, a Botanica e outras Sciencias e artes deveram certamente aos Portuguezes hum explendor progressivo; mas differentes circumstancias assaz expressas na nossa Historia se opposeram a isso. Cahimos debaxo do poder de Hespanha, e fomos durante muitos annos com pezados grilhoens sopeados e enfraquecidos; fomos, depois de os ter felizmente espedaçado, obrigados a soster longas guerras; e em quanto as artes e Sciencias floreciam entre os estrangeiros, e estes se serviam ainda mesmo de nossas terras

Tournefort adiantou a Botanica com algumas plantas, que descobrio em Portugal; Grisley no seu Viridarium Lusitanum fez taõbem mençaõ de algumas, de que nenhum autor Portuguez tinha tractado. Rheede e Rumphio enriqueceraõ a Botanica com a noticia de novas plantas de muitos lugares da India e ilhas adiacentes, que os Hollandezes nos tinhaõ conquistado em quanto estivemos debaxo da dominaçaõ dos Reys Philippes. Marcgrave e Pisam tractaraõ da Historia Natural do Brasil mais ampla e circumstanciadamente do que nenhum dos nossos Autores.
, e antigos dominios para as adiantarem, ellas tendiam entre nos a huma successiva decadencia.

Os primeiros tempos pacificos foram empregados em reparar os danos, que principalmente a Politica e armas de Hespanha nos tinham causado; mas nam se pode remediar a todos; a degenerada situaçam das lettras prevaleceo, e as Sciencias nam poderam ser ainda geralmente reformadas. O Ceo tinha destinado esta gloriosa empreza a hum dos mais illuminados Soberanos que tem occupado o throno Portuguez, o Senhor D. Joseph I.: no seu reynado a reforma do bom [p. lxxiv] gosto em Litteratura foy seguida pela das Sciencias. Inclytos sabios estrangeiros foram chamados para professar algumas dellas entre nos, e elles nos introduziram subitamente aos mais essenciaes conhecimentos, que a Europa, durante a nossa decadencia, tinha nellas alcançado. A Botanica nam podia deixar de merecer a attençam de hum Princepe

O estudo dos vegetaes tem sido promovido por muitos Soberanos. Alexandre Magno mandou remetter a seu Mestre Aristoteles (ao qual tinha incumbido o cuidado das Sciencias naturaes na Grecia) as mais singulares produicçoẽs vegetaes, que haviaõ nos paizes que tinha conquistado, e se diz que mandara a Socotorà huma colonia Grega para ter cuidado de colher e enviar ao Egypto o albe desta ilha. Os Imperadores Romanos mantiveraõ sabios em varias partes dos seus vastos dominios para conservar os conhecimentos botanicos e os adiantarem. Maximiliano II. e Rodolpho seu filho, Imperadores de Allemanha, honraraõ e ennobreceraõ a Clusio pela sua grande erudiçaõ em Botanica. Philippe II. mandou Hernandes à America investigar as suas producçoẽs vegetaes e outros objectos de Historia Natural, e despendeo nisso mais de trezentos mil ducados. Luiz XIV. manteve muitos annos o douto P. Plumier na America para descrever as suas plantas, e mandou Tournefort viajar por todo o Levante principalmente no intuito de reconhecer os vegetaes, de que os antigos Gregos e Romanos tinhaõ feito mençaõ. Pedro I, Czar da Russia, e seus successores fizeraõ indagar as plantas dos seus grandes estados athe à China. Fernando VI. mandou vir a Hespanha o sabio Loefling, e estabecer por elle em 1756 o jardim Botanico de Madrid. Elrey de Dinamarca em 1761 enviou a Arabia nove sabios, e entre elles Forskohl para se occupar de observaçoẽs botanicas. O Imperador actual mandou o celebre Jacquin as Antilhas para observar e descrever as suas producçoẽs vegetaes. A protecçaõ com que hoje todos os Soberanos e muitas pessoas ricas promovem por toda a Europa a Botanica he he assaz conhecida.
que protegia todas as Sciencias, e conhecia perfeitamente o bem que dellas podia resultar a seus vassalos; elle mandou fundar no Reyno dois Jardins botanicos
O Real Jardim botanico sito junto do Pallacio Real de N. Senhora da Ajuda, e o Jardim da Universidade de Coimbra.
, e ensinar na nossa Universidade a Botanica conforme ella se ensina nas melhores da Europa, escolhendo para este fim hum dos mais profundos [p. lxxv] Naturalistas da Italia
O Dr. Domingos Vandelli, cujo merecimento he bem conhecido nas principaes Academias da Europa. Este sabio restabeleceo naõ so a Botanica em Portugal, mas ainda a Zoologia, Mineralogia, e Chimica de que foy igualmente nomeado professor pelo Senhor D. Joseph I.
s. Esta Sciencia tem sido igualmente protegida pela nossa Augusta Soberana, a Senhora D. Maria I. e me persuado que as luzes que nella temos adquirido nam tardaram de contribuir tanto para o seu progresso, como para nossa utilidade.

Por terminar este Epitome historico da Botanica ajuntarei somente as reflexoens seguintes. O reyno vegetal he huma fonte inexhaurivel de novos conhecimentos, hum thesoiro copiosissimo de preciosidades. A estructura infinitamente variada dos entes deste reyno, as combinaçoens de differentes principios, que constituem a sua natureza, sam huma das mais bellas maravilhas da composiçam do Globo, que habitamos. Nam ha vegetal algum, que nam mereça de occupar a attençam de hum verdadeiro sabio; nenhum ha, por mais desprezivel que pareça, de que se nam possa esperur alguma utilidade

Na supposiçaõ de que somente hum certo numero de vegetaes fosse util, o seu estudo seria recommendavel a fim de que se naõ confundissem os uteis com os inuteis; mas a experiencia desmente todos os dias esta supposiçaõ, mostrando que huma planta tida por inutil em huma arte he util em outra, e bastarà citar a este respeito o Recueil d'Expériences sur les teintures, que les végétaux indigènes de France communiquent aux laines, por. M. Dambourney.
. Elles sam estimaveis pelas suas virtudes medicinaes, e requerem hum particular estudo de todos os que se destinam ao curativo dos enfermos
Nos antigos tempos os que practicavaõ a arte de curar costumavaõ subministrar aos seus doentes os medicamentos, e como estes eraõ quasi todos tirados dos vegetaes, a Botanica medicinal era hum dos seus principaes estudos. Este costume tem ainda hoje lugar entre os Asiaticos e Africanos. Entre os Europeos os Medicos e Cirurgioẽs foraõ determinados por diversas circumstancias a occupar-se puramente do curativo clinico dos enfermos, e deixaraõ o cuidado de preparar e distribuir os medicamentos a differentes sortes de pessoas, como Boticarios, Hervolarios, Droguistas, e Especieiros. Mas deste abandôno ou tranfacçaõ naõ se pode tirar fundamento de que elles naõ devaõ apprender a conhecer os medicamentos, tanto relativamente à sua preparaçaõ e composiçaõ, instruindo-se na Chimica e Pharmacia, como no seu estado simples e taes como sahem do seyo da natureza, instruindo-se em Botanica e outras partes de Historia Natural. Hum Medico ou Cirurgiaõ que sabe Botanica esta habil para descobrir nas plantas indigenas do lugar, em que practica, virtudes identicas ou semelhantes às das exoticas; para fazer hum grande bem aos pobres habitantes das aldeas (quando nellas practica) mostrando lhes medicamentos frescos e sem despeza; para poder destinguir o Boticario ignorante do que he instruido no conhecimento das plantas medicinaes, e decernir (sendo perguntado na caza do seu enfermo) se o Boticario ou Hervolario, vendeo ou naõ à verdadeira planta, que elle tinha ordenado; para poder julgar, se huma planta subministrada por hum Boticario ou qualquer outra pessoa, à qual se attribue hum homicidio, era ou naõ venenosa; em fim està habilitado para poder descrever huma planta nova, de que observou as virtudes, e poder seguramente verificar as que se assignaõ às antigas. Os que ignoraõ a Botanica, pelo contrario, ficaõ privados de todas estas vantagens; elles confiaõ nos Boticarios ou Hervolarios, que muitas vezes saõ pouco instruidos no seu estado, e daõ hum simples por outro, e dahi resulta huma das razoẽs porque ha tantos enfermos mal tractados, e tantas falsas observaçoẽs em Medicina.
; elles fazem que nam [p. lxxvi] haja terreno algum, que se possa verdadeiramente chamar esteril on incapaz de se aproveitar, fornecem huma grande parte de nossos alimentos, servem-nos em infinitos usos economicos, e merecem por conseguinte de ser estudados relativamente a Agricultura e Commercio.
Os terrenos de Portugal e de suas Colonias produzem naturalmente hum grande numero de vegetaes preciosos, e sam proprios para produzir ainda muitos outros, que quizermos nelles transplantar. A Botanica exige pois de nos toda a cultura possivel, e nam se pode duvidar que sendo promovida continuadamente haja nam so de multiplicar entre nos os meyos de huma saudavel nutriçam, e os regressos no curativo das enfermidades, mas ainda de contribuir para a perfeiçam das artes e augmentar as riquezas do Estado.

[p. 1]
COMPENDIO DE BOTANICA. INTRODUCÇAÕ.

Todos os corpos compostos, que existem no globo terreste, podem ser reduzidos a tres grandes classes primarias, a que os Naturalistas chamam os tres reynos da Natureza, a saber, o reyno mineral, vegetal, e animal. No primeiro consideraõ-se as terras, pedras, e metaes, que se distinguem dos entes dos outros dois reinos, pela rasaõ de naõ viverem, ou nam terem huma organizaçaõ e contextura destinada às funçoẽs da vida, segundo o modo com que fisicamente se entende esta palavra; as pedras e metaes naõ deixaõ sem embargo disso de ter crescimento. O segundo comprehende os vegetais (vegetabilia) ou entes organizados que crescem e vivem, sem contudo serem dotados de sensibilidade, nem de potencia locomotiva. O terceiro contem os animais ou entes que crecem, vivem, sentem, e tem potencia locomotiva; ainda que nas suas extremas gradaçoẽs (começando no homem e quadrpedes) se achem alguns que parecem ter a sua sensibilidade e faculdade [p. 2] locomotiva em hum grande embotamento e inatividade

Muitos Naturalistas achaõ grande difficuldade em declarar com evidencia onde termina o ser vegetal e começa o animal: eu tractarei mais extensamente desta materia nos meus Elementos de Botanica.
.

A sciencia que tracta dos entes destes tres reynos he chamada Historia Natural. Quando so se emprega na consideraçaõ dos mineraes tem o nome de Mineralogia; se so tracta dos vegetaes he chamada Phytologia ou Botanica ( Phytologia, seu Botanica), mas este segundo nome he o mais usado. Em fim quando somente tracta dos animaes he chamada Zoologia.

A Botanica segundo o diverso modo com que tracta dos vegetaes pode ser dividida em Botanica applicada, physiologica, e pura ou fundamental. A applicada tracta do uso dos vegetaes tanto medicinal como economico, isto he, de todas as utilidades que o homem pode tirar dos vegetaes; donde resulta que todos os tractados de materia medica, de agricultura, das differentes madeiras, das tintas vegetaes, &c. naõ saõ outra coiza mais do que huma Botanica applicada. A Botanica physiologica tracta das funçoẽs vitaes e estructura organica dos entes do reyno vegetal, e para este fim se vale da anatomia, chymica, e physica; a patologia dos vegetaes, ou tractado das suas doenças, ainda que devera ser separada, he comprehendida ordinariamente tanto na Botanica physiologica como na pura, e ainda mesmo nos tractados de agricultura. A Botanica pura ou fundamental tracta do modo de destinguir hum vegetal de todos os mais, por meyo dos seus caracteres, ou sinaes externos, com certeza, facilidade, e brevidade. Ella he [p. 3] a que deve fazer o objecto deste tractado e della dependem as duas precedentes.

Ainda que o meu fim naõ he tractar neste epitome senaõ dos principios relativos á Botanica pura, naõ me parece contudo desacertado dar aqui algumas breves noçoẽs sobre a organizaçaõ ou estructura interna dos vegetaes por facilitar a intelligencia de alguns termos a ella respectivos, que se achaõ nas obras de Linneo e de muitos outros Botanicos.

Os vegetaes tanto pela sua organizaçaõ como pelas suas funçoẽs vitaes tem huma grande analogia com os entes do reino animal; nascem, perecem, reproduzem por sementes ou ovos vegetaes a sua mesma especie; continuaõ-na taõbem por gomos, ramos cortados, e enxertias, circumstancias que se achaõ igualmente em alguns animaes

Nos polypos.
; tem organos sexuaes, por meyo dos quaes os dictos ovos saõ fecundados; do seu coito nascem ás vezes especies hybridas, outras vezes degeneraõ em monstros; saõ sujeitos a muitas infirmidades; observa-se na sua estructura hum grande numero de vasos destinados a differentes funçoẽs vitaes e a conter diversos fluidos, &c. &c.

O corpo dos vegetaes em geral consta de epiderme (epidermis) ou cuticula exterior apegada á casca (cortex) produççoẽs assaz conhecidas; a ultima lamina interna da casca, hum tanto mais compacta do que ella, [p. 4] he chamada livrilho ou alburno (liber, alburnum

Alguns Botanicos fazem differença entre estas duas palavras, relativamente a algumas arvores, dizendo que o alburno medea entre o lenho e livrilho, e tem huma consistencia diversa de ambos, constituindo as primeiras camadas concentricas do corpo ordinariamente chamado lenho.
que endurecido passa a ser lenho (lignum s. materies); este he immediato ao alburno, composto de muitas camadas concentricas, ou aros annuaes (circuli concentrici, s. annuli annolii) e muito mais duro e compacto do que o alburno e casca; no centro se acha a medulla ou amago (medulla) e della partem ordinariamente varias linhas divergentes athe á casca, que tem o nome de rayos medullares (radii medullares) como se ve nos ramos do carvalho cortados transversalmente. A vida do vegetal reside principalmente na medulla e casca.

O systema vascular dos vegetaes he menos conhecido que o dos animaes; a anatomia e observaçoẽs microscopicas tem contudo descoberto quatro sortes de vasos, a saber, os seivosos, proprios, aereos, e os utriculos. Os vasos seivosos (vasa sapacea) chamados taõbem fibras lenhosas e vasos lymphaticos contem a seiva, chamada vulgarmente agoadilha ou chorume (sapa, humor plantarum) que he hum fluido aquoso, sem cor, sem cheiro nem sabor. Ella passa por ser o succo nutritivo dos vegetaes, que se aperfeiçoa nos utriculos e alguns outros vasos delgados; ella se observa bem destinctamente nos ramos das videiras cortados na primavera; estes vasos correm longitudinalmente ao lado das tracheas, saõ fasciculados, cruzaõ-se algumas veses, outras veses desviaõ-se mutuamente, deixando entre si espaços cheyos de utriculos: podem-se observar bem destinctamente nas raizes das caneiras e lirios. Os vasos proprios (vasa propria) saõ taõbem fibras lenhosas e succosas como os precedentes, mas saõ em menos numero, contem Succos mais espessos, còrados, lacteos, vermelhos, amarellos, saborosos, cheirosos, &c. e delles dependem [p. 5] as qualidades proprias de cada vegetal; alguns physiologistas pensaõ que elles saõ analogos ao chilo e sangue dos animaes; elles estaõ dispostos circularmente á roda do axe do tronco, mas achaõ-se em maior numero na casca, e se podem observar nas euphorbias, celidonia, çarthamus lunatus, &c. Os vasos aereos, chamados ordinariamente tracheas (tracheœ) saõ tubos formados de huma lamina elastica, espiral, ou semelhante a hum arame enroscado á roda de hum vime. Achaõ-se em todo o corpo do vegetal, correm ordinariamente parallelas aos vasos seivosos, e parecem ter maior diametro ou calibre do que os outros vasos. Saõ destinados a conter o ar, ou pelo assim dizer, servem á respiraçaõ dos vegetas, e se observaõ rasgando com brandura transversalmente em duas partes as folhas da vide, roseira e escabiosa. Os utriculos (utriculi) chamados taõbem tecido cellular, ou parenchyma, (parenchyma) saõ huma espécie de saccos ovaes, esponjozos, de varia grandeza, situados transversalmente e occupando as malhas ou entrevallos que deixaõ entre si os vasos longitudinaes. Saõ destinados á elaboraçaõ dos succos nutritivos, achaõ-se em maior numero na casca do que no lenho; a medulla contem os maiores e naõ parece ser outra coiza mais do que hum montaõ desta substancia vesicular ou vesiculas membranosas que communicaõ entre si. Podem observar-se no sabugueiro, choupo, carvalho, &c, por meyo de hum microscopio. Os rayos medullares, muitas raizes, frutos, e algumas plantas marinhas parecem ser quasi inteiramente utriculos, segundo as observaçoẽs repetidas vezes feitas por muitos sabios physiologistas. Alem destes vazos ha taõbem nos vegetaes muitos outros [p. 6] destinados a secreçoẽs, e as differentes sortes de glandulas os indicaõ.

Nos vegetaes naõ ha coraçaõ nem circulaçaõ; o movimento dos seus succos he chamado propulsaõ (propulsio), o calor, frio ou frescura alternados, ou a acçaõ do ar ambiente sobre a lamina das tracheas parece ser a causa da propulsaõ dos succos, ao menos ha grande probabilidade que a sua dilataçaõ e condensaçaõ ajuda muito o jogo dos vasos. Nestes naõ ha valvulas algumas; o que hoje he raiz em hum bacelo por ex., se arrancamos e reviramos a planta, dentro de pouco tempo virá a ser cume, tendo pelo contrario o antigo sido convertido em raiz. Os succos passaõ da raiz ao tronco pelas fibras internas do lenho, vaõ athe às ultimas ramificaçoẽs vasculares das folhas e descem para a raiz pelos vasos da casca, de modo que a raiz tira succos do tronco e este da raiz; alem disto os ramos tiraõ taobem a sua nutriçaõ pelas folhas, e as raizes pelas radiculas fibrosas ou capillares. As folhas absorbem como a pelle dos animaes, e em muitas plantas a maior parte da substancia nutritiva lhes entra pelas folhas; segundo alguns physiologistas os vegetaes em geral nutremse de dia pela via das folhas e de noyte pelas raizes, e no inverno aquellas plantas que nelle perdem inteiramente as suas folhas so se nutrem pela raiz. O movimento da seiva e dos succos proprios tem lugar em todas as estaçoẽs do anno, mas no inverno he mais lento. Este movimento como ja indiquei he ascendente e descendente como se prova pelas enxertias. Se na primavera cortamos hum ramo das videiras ou hervas maleitas, o ramo separado lança menos succos, e a sua effusaõ cessa e se esgota muito tempo [p. 7] antes que a do ramo ou tronco cortado que communica com a raiz; isto parece provar alem dos dois movimentos, que ha huma especie de communicaçaõ da seiva descendente, e ascendente na raiz, mas isso naõ obstante naõ merece o nome de circulaçaõ, porquanto nos vegetaes naõ ha coraçaõ nem primeiro motor intrinseco dos succos, nem valvulas em quaesquer dos seus vazos

Alguns physiologistas, que admittem a circulaçaõ nos vegetaes, dizem que ella he assaz analoga á circulaçaõ que existe nos polypos.
. As injecções coradas taõ bem provaõ a favor do movimento da seiva, pois se tem visto nos feijoeiros, regados com tinta de escrever, os succos negros terem subido athe ás folhas.

As tracheas achaõ-se em grande numero nas folhas, ás quaes por isso mesmo alguns Botanicos chamaraõ bofes dos vegetaes. Os orificios destes vazos aindaque se reconheçaõ em ambas as duas faces das folhas, numa dellas sempre saõ em menor numero do que na outra. A observaçaõ tem mostrado que a substancia aeriforme, que dellas exhala durante a noyte, he muito nociva, ao mesmo tempo que de dia exhalaõ outra, com que se purifica a atmosphera: nellas parece residir a irritabilidade da sensitiva, e de outros vegetaes, cujas folhas e flores se contrahem por estimulos externos.

Nas enxertias quaesquer que sejaõ, tanto de garfo como de escudo, flauta, entalhe, &c. os succos passaõ do enxerto ao enxertado, e do enxertado ao enxerto alternativamente em rasaõ da anastomose, ou reuniaõ dos vazos de hum e outro. Esta reuniaõ he [p. 8] tanto mais duravel quanto mais perfeita; a sua perfeiçaõ consiste na grande analogia do garfo com o tronco enxertado, ou na grande affinidade de organizaçaõ e dos succos. O garfo deve vir a ser hum tronco do enxertado, e porisso quanto maior for a dicta affinidade tanto mais depressa, e firmemente se encorporará com elle, e tanto mais tempo viverá.

Os vegetaes, assim como os animaes, tendem todos naturalmente a reproduzir-se. Toda a sua vegetaçaõ se dirige a este fim, chamado ordinariamente fructificaçaõ, que tem principio nas flores e acaba no fructo. O grande numero de vegetaes relativamente á sua fructificaçaõ he reduzido a duas grandes classes, a saber, a plantas perfeitas, e plantas imperfeitas, (plantae perfectae aut imperfectae.) As perfeitas saõ aquellas em cujas flores se observaõ estames, ou pistillos, ou ambos estes dois organos; as imperfeitas saõ aquellas que rigorosamente fallando naõ tem estes organos, ou se os tem naõ saõ bem apparentes á vista nuã, de sorte que a sua fructificaçaõ tem lugar por hum modo differente do das plantas perfeitas; saõ as que Linneo classou na sua Cryptogamia, e as que os physiologistas chamaõ plantas microscopicas. No tempo da florecencia das plantas perfeitas, as observãçoẽs dos modernos descobriraõ em suas flores hum coito summamente analogo ao dos animaes, e reconheceraõ que nellas haviaõ genitaes de dois sexos, envoltos em certos tegumentos, a que daõ ordinariamente o nome de calyz ou corolla segundo as circumstancias. Os genitaes masculinos saõ chamados estames, e os femininos pistillo, o qual se acha ordinariamente no centro da flor, como se observa bem destinctamente [p. 9] em huma açucena. Cada estame he composto de duas partes inferior e superior, a primeira tem o nome de filete, e a segunda ou superior que termina o filete he chamada anthéra. O pistillo consta, em hum grande numero de flores, de tres partes, a saber, germe, estylete, e estigma; o germe he a parte inferior do pistillo, ou o fructo recêm nascido e nelle se achaõ ja as sementes

Vej. no §. Sementes a nota quarta (d).
aindaque naõ estejaõ fecundadas, como se observa nas flores da pereira e alecrim; o estylete he hum fio posto immediatamente sobre o germe, e o estigma he a extremidade do estylete. As antheras saõ huma especie de capsula ou bolsa que dentro de huma tunica fina contem huma grande quantidade de pò de natureza resinosa
Elle constitue a cera bruta, que as abelhas tiraõ das flores.
, chamado ordinariamente pò fecundante.
Visto com o microscopio prezenta hum grande numero de globulos taõbem cobertos de huma membrana finissima. No tempo da madureza da anthera, a tunica desta rebenta, e o po ou globulos saõ lançados sobre o estigma vizinho, ou levados a elle pelos ventos no cazo que esteja distante (como succede nas flores dioicas). O estigma, sempre humido mais ou menos, detem ou attrahe estes globulos: em breves instantes a sua membrana inchada pela humidade rebenta, e vibra certos atomos nimiamente miûdos e subtis, a que alguns chamaõ vapor volatil ou aura seminal, a qual entrando pelo estylete
Adanson naõ quer que seja o po seminal dos globulos o que entra no estylete, mas sim hum espirito volatil, envolto nelle (bem comparavel á materia electrica que se acha envolta nos corpos electricos) e proprio para penetrar pelas tracheas do estylete. Com effeito he raro ver estyletes que sejaõ tubulosos, e a Anatomia naõ tem mostrado athe agora nos estyletes, e germes cortados na florecencia, o menor indicio do po dos globulos. Eu fallarei mais extensamente nesta materia nos meus Elementos de Botanica.
, e correndo mais ou menos [p. 10] espaço se introduz pela cavidade umbilical nas sementes, e nellas derrama a fecundidade, isto he, dá o primeiro impulso, ou vida vegetal ao corculo que dantes parecia invisivel, e que pouco depois da fecundaçaõ se devisa como hum ponto branco ou esverdinhado.

Nas plantas imperfeitas naõ se conhecem a olhos nûs os organos sexuaes; o microscopio os tem feito descobrir em algumas, mas ha outras em que nenhum observador ainda mesmo com este instrumento os tem podido devisar athe agora, nem me parece que existaõ. He certo contudo que todas daõ sementes; os cogumelos, e o bolor podem, segundo a experiencia, ser semeados como as plantas perfeitas; quanto aos fetos e musgos as sementes saõ ainda mais bem conhecidas, e senaõ podem negar ainda mesmo aos limos, fucos, e outros generos de Algas, se bem que pareçaõ ser de huma forma exquisita em algumas especies.

Taes saõ em summa as principaes noções relativas á physiologia dos vegetaes. A Botanica pura tractando, como disse, do modo de destinguir com certeza os vegetaes huns dos outros, he o fundamento de todos os tractados de plantas de qualquer sorte que sejaõ considerados. Ella se serve para este fim dos sinaes caracteristicos que se achaõ em cada individuo do [p. 11] reyno vegetal, ajuntando, semelhantes com semelhantes, e separando os dessemelhantes. Desta reuniaõ de plantas ou especies conformes em caracteres resultaõ os generos infimos, que reunidos de novo, do modo que depois exporei em seu lugar

Vej. A Quarta Parte deste Compendio.
, daõ outros maiores chamados ordens, e classes, vindo assim a constituir hum systema ou methodo.

Os systemas saõ com justo motivo considerados, como hum fio de Ariadnes no immenso labyrintho vegetal; elles saõ hum grande soccorro da memoria, conduzem ao conhecimento do nome da planta, e nos mostraõ se ella tem ou naõ sido conhecida dos Botanicos que nos tem precedido. Os sinaes caracteristicos, que se achaõ nas especies do reyno vegetal, saõ os meyos de que nelles se vale a Botanica, como disse, para nos encaminhar a este conhecimento. Todos estes sinaes saõ exprimidos por termos technicos, que reunidos formaõ o idioma Botanico, cuja exposiçaõ he o principal objecto deste tractado. Antes de Linneo os termos facultativos de Botanica, naõ tinhaõ huma accepçaõ taõ determinada como hoje tem, elle a fixou em hum grande numero; e se bem que alguns delles parecem ter ainda huma significaçaõ vaga e ambigua

Eu demonstrarei em outro tractado estas ambiguidades, e proporei as definiçoẽs com que semelhantes termos se podem fixar.
cuidarei contudo, quanto me for possivel, em explicalos conforme, as ideas em que saõ hoje mais usualmente recebidos.

[p. 12]
PRIMEIRA PARTE. Da radicaçam, caulescencia, e outras relaçoens do troço ascendente dos vegetaes athé à fructificaçam.
CAPITULO I. Da Raiz.

A raiz he hum organo nutritivo apegado a terra

As lentilhas d'agoa (lemna) naõ costumaõ estar apegadas a terra; saõ fluctuantes, e as suas raizes encravadas n'agoa mudaõ a cada instante de lugar. Em hum grande numero de algas naõ se sabe o que deve ter o nome de raiz, nem pela forma nem pela estructura interna, e semelhantes plantas tiraõ igual nutriçaõ por toda a sua superficie. Algumas plantas parasitas (plantae parasiticae), taes como a cuscuta, viscum, &c. naõ saõ apegadas a terra, ellas estaõ aferradas a outros vegetaes, delles tiraõ a sua nutriçaõ, e ás vezes os fazem morrer de marasmo. Em fim ha plantas que passaõ por ser destituidas inteiramente de raiz, sem embargo de estarem todas cobertas de terra como a maçan de porco: a lemna arhira, que esta encostada ao lume d'agoa, taõbem naõ tem raiz alguma.
, ou ao corpo onde a planta, a que pertence, nasceo ou pegou. A sua substancia ou he herbacea (herbacea) se diz respeito a huma planta de tronco herbaceo, e tem a consistencia delle, como a chicoria, centeio, alface, hera terreste, &c. ou lenhoza (lignosa) quando pertence a huma arvore, arbusto, ou qualquer planta, cujo tronco dura na terra mais de dois annos, em summa, quando he vivace e tem huma consistencia [p. 13] semelhante á do páo
Nas raizes lenhosas ha alburno da mesma sorte que no tronco, mas nas plantas herbaceas annuaes, em que naõ ha aros concentricos, naõ se devisa alburno algum, e o nome de lenho naõ me parece proprio das raizes que se corrompem annualmente, em algumas o denominado lenho he verdadeiramente huma substancia medullar.
.
Ella he tenra (tenera), na alface; farinhosa (farinacea), nas tuberas da terra e mandioca; succulenta (succulenta), na alface; compacta (compacta, solida), quando naõ tem cavidade alguma interior, nem he tubulosa nem esponjosa, como saõ as batatas; fistulosa (fistulosa s. inanis), como saõ os rabaõs, quando começaõ a espigar, e o phellandrium aquaticum; carnuda ou polposa (carnosa) nas nabiças: quando a raiz de hum vegetal naõ esta apegado a terra, mas sim a outro vegetal, daõlhe o nome de parasita (radix parasitica) como he a do viscum.

As raizes em geral constaõ de cuticula, casca, lenho, e medulla. Ordinariamente humas saõ mais delgadas do que o tronco, outras saõ consideravelmente mais grossas. Humas e outras podem ser consideradas, ou como simplices ou como compostas. Toda a raiz simples (simplex), he indivisa e naõ lança ramificaçoẽs algumas nos lados do seu troço; pelo contrario a composta (composita) lança muitos ramos ao longo do seu troço: para disto se poder formar clara idea, he precizo reconhecer no commum das plantas duas sortes de troços continuados hum com outro, a saber, o troço descendente e ascendente. O troço descendente das plantas (caudex descendens), em huma accepçaõ extensa he qualquer raiz; em hum sentido estricto, he a parte mais grossa [p. 14] da raiz, a que alguns chamaõ taõbem o troço materno, do qual nascem lateralmente ramos, que lançaõ varias radiculas

Fibrillae, radiculae, taõbem se dá o nome de radicula á parte inferior da plantula seminal, ou corculo quando começa a germinar.
, por meyo das quaes a raiz chupa a substancia succosa, de que a planta se nutre; ás vezes contudo o troço da raiz naõ lança ramos, mas taõ somente radiculas. O troço ascendente (caudex ascendens), he a parte da planta que se eleva sobre a raiz, que apparece fora da terra, e a que tem o nome de tronco, de que tractarei no capitulo seguinte.

1º. A raiz quanto á sua direcçaõ diz-se ser:

Horizontal (horizontalis), quando se estende transversalmente ou corre quasi parallela com a superficie da terra (como a dos lirios e escalracho.)

Reptante ou serpentante, (reptans, s. repens), se he horizontal e corre lançando radiculas em varias distancias (hortelan, e escalracho): diz-se ser estolhosa (stolonifera) quando lança estolhos; os estolhos (stolones) saõ troncos herbaceos, quasi nus de folhas, sem juntas, serpertantes, ou estrados (ajuga reptans hieracium pilosella), se estes estolhos saõ longos, daõlhes o nome de verdascas (flagella) como no morangueiro, e rubus saxatilis.

Perpendicular ou aprumada (perpendicularis), quando se encrava a prumo pela terra abaxo (a cenoira, e rabaõ.)

Obliqua (obliqua, inclinata), quando tem huma direcçaõ esguelhada, ou se encrava obliquamente ao horizonte ou superficie da terra (o cravo romano.)

[p. 15]

2º. Quanto á sua divisaõ, e forma diz-se:

Ramosa (ramosa), quando he composta de muitos ramos lateraes que sahem do troço materno (a ortiga e muitas arvores): ella he ás vezes forquilhosa (dichotoma) dividindo-se quasi sempre em dois ramos como forcados.

Fibrosa (fibrosa, fibrata), quando consta somente de radiculas delgadas, e se diz capillar (capillacea, capillata, schirrata, comosa), se as radiculas saõ finissimas e bastas, como nas lentilhas d'agoa e alguns gramineos; filiforme (filamentosa, filiformis), se as dictas radiculas saõ como fios hum tanto grossos, como as da violetta e quejadilho. Alguns lhes daõ o nome de retiformes (retiformes), se ellas se enredaõ a maneira de rede.

Fusiforme (fusiformis), se he polposa, perpendicular, oblonga, adelgaçando pouco a pouco para a sua extremidade inferior, de modo que se assemelha a hum fuso (a cenoira e rabaõ). Turbinada (turbinata) quando he conica verticalmente, ou se assemelha a hum piaõ bailando (como alguns nabos).

Globosa (globosa), quando tem huma forma quasi espherica (ranunculus bulbosus). Pode ser tanto bolbosa como tuberosa.

Troncada (truncata, praemorsa), quando he simplez, e naõ termina em ponta, mas antes parece como retraçada ou cortada transversalmente (scabiosa succisa.)

Fasciculada (fascicularis, fasciculata), quando consta de partes carnudas, bolbosas, ou tuberosas approximadas, e adunadas na extremidade superior [p. 16] junto da base do tronco (orchis abortiva, ranunculus ficaria, paeonia). Alguns lhe chamaõ taõbem grumosa (grumosa), como sendo disposta por grumos quer sejaõ rentes quer dependurados, como nos ranunculos, anemones, e abrotea.

Apalmada ou digitada (palmata, s. digitata), quando consta de partes carnudas, lobadas, hum tanto comprimidas, quasi iguaes, e adunadas junto da parte superior de modo que representaõ os dedos ou gadanhos de alguns animaes (orchis maculata): quando tem tres lobulos daõ-lhe muitas vezes o nome de quasi apalmada (sulpalmata) (como a orchis latifolia). Todas estas raizes saõ bolbos bastardos.

Articulada (articulata), quando tem juntas de espaço em espaço (o escalracho), estes epaços entre as juntas saõ chamados entrenos (internodia); quando as juntas saõ hum tanto inchadas, a raiz tem o nome de geniculada (geniculata). Nodosa (nodosa), quando he carnuda e tem varias protuberancias (scrophularia nodosa). Alguns Botanicos daõ taõbem este nome ás raizes tuberosas da filipendula, e outras semelhantes, em razaõ das suas tuberosidades se assemelharem a nòs ou contas enfiadas.

Escamosa (squamosa), quando he guarnecida de tunicas ou producções escamosas quer estas sejaõ obtusas quer pontudas, ou imbricadas, ou distantes, ou finas e membranosas, ou cascos da consistencia da raiz, e hum tanto succulentos (dentaria pentaphyllos).

A raiz denteada (dentata), que se diz ordinariamente ter producçoẽs pontudas, direitas, curtas, da consistencia da raiz, laxas e distantes, he huma verdadeira raiz escamosa, e a Oxalis acetosella que se dà por exemplo, o demostra evidentemente: assim como as escamas pontudas dos caules senaõ chamaõ dentes, do mesmo modo devem ser as das raizes, e este he o meyo de evitar termos desnecessarios.
.

[p. 17]

Granulosa (granulata), consta de pequenos graõs hum tanto globosos, succulentos, de substancia compacta, aggregados, e rentes, ou quasi rentes com o tronco (saxifraga granulata). Estes graõs saõ pequenos bolbos bastardos.

Entre as raizes herbaceas ordinariamente mais grossas do que o tronco ha humas a que se deo o nome de tuberosas, e a outras o de bolbosas. A raiz tuberosa (tuberosa) he a que consta de huma ou mais tuberas (tubera); as tuberas saõ corpos carnudos, farinhosos, de varia figura

Ordinariamente saõ hum tanto globosas.
, que arrancados, e ás vezes mesmo cortados em pedaços saõ capazes de continuar a sua especie, como saõ as batatas e tuberas da terra. Nestas raizes naõ ha tunicas, nem cascos, nem gomo algum interno nelles envolto, nem ainda mesmo se observa na parte superior hum ponto agudo germinativo, como se vê nos bolbos compactos das Orchideas. As tuberas humas vezes saõ rentes com o tronco (sessilia), como na canna indica; outras vezes pendentes (pendula), como na filipendula e abrotea.

A raiz bolbosa (bulbosa) he a que

Vej. as palayras bulbus e bulbosus no nosso Diccion.
consta ou he guarnecida de hum, ou mais bolbos; os bolbos propriamente taes (bulbi) saõ corpos carnudos succulentos, que contem no seu centro, ou junto da base huma especie de olho germinativo. Estes bolbos saõ sempre compostos de cascos como os do alho, cebola, narciso, &c. [p. 18] ou de escamas na parte superior, como os da polyanthes tuberosa. Todos os que naõ tem escamas nem cascos ou tunicas, que saõ compactos, farinhosos, e com huma pequena ponta germinativa no topo, sobre o qual assentava a base do antigo tronco, devem ser considerados como bolbos bastardos, taes saõ por ex. as raizes dos ranunculos, e muitas orchideas. Huns saõ radicaes, isto he, encravados na terra, sendo o resto da base do antigo caule e das folhas radicaes, como os das cebolas e alhos, outros saõ caulinos (caulini), nascendo ou nas axillas que formaõ as folhas com o tronco, como saõ os que se vêm na bistorta, e ranunculus ficaria (os quaes saõ bolbos bastardos), ou entre as flores como no polygonum viviparum e algumas especies de alho. Os bolbos radicaes dizem-se ser entunicados (tunicati bulbi), quando saõ compostos de cascos concentricos como na cebola, alhos, cebolla alvarran, &c; escamosos (squamosi) se constaõ de escamas imbricadas como na açucena; solidos (solidi) quando constaõ de huma substancia solida como na tulipa; dobrados (duplicati) quando estaõ dois adunados em hum (na coroa imperial, e fritillaria regia), tuberculados (tuberculati) se tem tuberculos na base ou topo, como no colchico. Quando se achaõ em huma raiz bolbosa muitos pequenos bolbos, ou dentro da mesma membrana commua, ou lateralmente apegados huns aos outros sobre a mesma base fibrosa, daõlhes o nome de bolbilhos (bulbuli, s. adnata), como se observa nalgumas especies de alho

Estes termos daõ-se taõbem aos bolbos novos, que nascem ao lado dos antigos.

Na familia das orchideas as partes carnudas da raiz saõ chamadas bolbos, e lhes costumaõ dar os epithetos differenciaes de ovados, redondos, hum tanto redondos, apalmados, hum tanto apalmados, rectos, patentes, indivisos, globosos, comprimidos, flexuosos, aggregados ou fasciculados, denteados, fibrosos, hum tanto fibrosos, filiformes, &c. mas semelhantes producçoẽs so merecem o nome de bolbos bastardos por participarem da natureza farinhosa e tuberosa. Taõbem senaõ devem por no numero das verdadeiras raizes bolbosas as dos nabos, bryonia, golfaõ, paõ de porco, cogumelos, e as de muitas outras plantas que saõ impropriamente denominadas bolbosas.

.
Os horteloẽs [p. 19] e jardineiros daõ ordinariamente aos verdadeiros bolbos o nome de cebolas ou cabeças (capita
O termo caput significa taõbem nos escritos de alguns Botanicos a cabeça ou golla da raiz, que he a parte extrema superior que se acha hum pouco fora da terra, donde nascem as folhas radicaes, e comeca o tronco; esta golla he assaz bem distincta no rabaõ, e algumas outras raizes; porem em hum grande numero dellas naõ se distingue golla alguma, e o ponto de separaçaõ entre o tronco e a raiz he muito arbitrario.
, capitula radices tunicatae, s. capitatae).
Alguns Botanicos daõ aos bolbos caulinos o nome de graõs bolbiformes (grana bulbiformia), porque cahindo na terra continuaõ a sua especie da mesma sorte, e por meyo da mesma estructura que os bolbos radicaes; mas alguns delles, como v. g. os do ranunculus ficaria, so merecem o nome de bolbos bastardos, como acima disse.

3º. Quanto á duraçaõ a raiz diz se ser:

Annual (annua), quando perece com o seu tronco annualmente, devendo-se tanto ella como a sua especie propagar por meyo de sementes, tal he a do trigo, feijoeiro, &c. Esta sorte de raizes he indicada nas obras dos Botanicos com o sinal ☉︎. Biennal (biennis) quando vegeta no primeiro anno, no segundo o seu tronco fructifica, e ambos nelle [p. 20] perecem (tragopogon), ella he indicada com o sinal ♂. Vivace ou perennal (perennis), quando dura viva na terra mais de dois annos, lançando ou brotando de seus gomos troncos novos, como he a da hera terreste, a da violetta, &c.: he indicada pelo sinal ♃. Todas as raizes dos subarbustos, arbustos, e arvores saõ do numero das vivaces, como se entende facilmente, e porisso senaõ faz mençaõ desta circumstancia nas suas descripçoẽs; as raizes arbustivas (fruticosae), saõ indicadas por alguns autores com o sinal ♄ .

CAPITULO II. Do Tronco.

O tronco he o troço ascendente, ou a parte que se eleva immediamente sobre a raiz, destinado ao engrandecimento da planta, e a terminar pela fructificaçaõ.

Os antigos davaõ o nome de tronco (truncus) ao troço ascendente das plantas lenhosas, e o de caule ou talo (caulis) ao das herbaceas; mas hoje a palavra tronco está adoptada por hum termo geral de que o caule he huma especie, de maneira que se pode dizer com igual propriedade de termo, que o choupo tem hum caule lenhoso, como se pode dizer, que a alface tem hum caule herbaceo.

Em hum grande numero de troncos ha, como nas raizes, epiderme, casca, alburno, lenho, e medulla. Quando o tronco lança ramos lateralmente, a parte [p. 21] mais grossa, e media desde a base athe ao topo he chamada troço materno.

As especies de tronco saõ: caule, hastea, colmo, espique, e surculo

Linneo admitte taõbem como especies de tronco os peciolos das folhas, os peduncusos, e frondes; quanto aos peciolos naõ conheço razaõ para lhes poder chamar troncos, ainda mesmo os que sostêm folhas que daõ flores e fructos como nas especies de gilbarbeira (ruscus), e os excluo pelo mesmo motivo que elle excluio os ramos, a que chama partes do tronco e naõ tronco. Quanto aos pedunculos so pode haver duvida a respeito dos radicaes, mas estes podem ser reduzidos ao numero das hasteas. As frondes nos fetos saõ parte do tronco, e naõ hum tronco; so pode haver duvida quanto a alguns generos de Algas ou especies de Lichen, Fucus, &c. que parecem ser inteiramente frondes, mas os botanicos naõ decidiraõ ainda, se ellas mereciaõ mais o nome de tronco que o de raiz ou folha, assim como senaõ decidio ainda se os fios dos limos e a lanugem do Bissus saõ huma especie de tronco, apezar da analogia que tem com o espique do bolor (mucor mucedo).

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O caule (caulis) he huma especie de tronco ordinariamente guarnecido de folhas

Quando o caule pertence a hum subarbusto, arbusto, ou arvore, quando elle he herbaceo postrado ou reptante, algumas vezes fructifica sem ter folhas algumas, mas nem porisso deve ser chamado hastea (como se collige da definiçaõ que della dou); taes saõ algumas especies de Euphorbia, Cactus, Ephedra, Stapelia, Asparagus e Cuscuta.

, que eleva huma fructificaçaõ a qual naõ he nem musgosa nem graminea nem analoga á dos grames (como o da pereira e açucena). As verdascas e estolhos de que fallei no capitulo precedente saõ especies de caules herbaceos sem articulaçoẽs nodosas, e os sarmentos (sarmenta) saõ caules lenhosos ou herbaceos, de folhas hum tanto remotas, geniculado, lançando raizes nas articulaçoes nodozas, como saõ os da videira e escalracho.

A hastea (scapus) he huma especie de tronco herbaceo ou levantado ou obliquo, e inteiramente [p. 22] desguarnecido de folhas

A hastea pode terminar em huma ou muitas flores, em espigas, racimos e paniculas, e por conseguinte ser ramosa. Lê-se nalgumas descripçoẽs de plantas herbaceas e levantadas: caule sem folhas, ou nu de folhas (caulis aphyllus, s. nudus) hastea bifolia, hastea folhosa; mas estes termos saõ ambiguos e improprios, porque no primeiro cazo o tronco he huma hastea, e no segundo he hum caule. Pela mesma razaõ me parece taõbem ser desnecessario dizer: hastea sem folhas (scapus aphyllus). Ha plantas que podem ter duas sortes de troncos, isto he, caule e hastea como a pilosella e morangueiro. Algumas especies de Osmunda tem hastea e espique ao mesmo tempo, segundo alguns autores, mas como neste cazo a folha naõ fructifica, parece que se deve conservar o nome de peciolo ao seu pé, dar o nome de hasteas aos pedunculos radicaes, e chamar simplesmente pedunculos aos que nascem do espique muito acima da superficie da terra.
, como v. g. a dos narcisos e junquilhos. As plantas, cujo tronco he huma hastea, tem ordinariamente folhas radicaes. A hastea pode ter escamas, estipulas, e bracteas; mas naõ folhas, alias seria hum caule. Ella he simplez ou sem ramos na pilosella e junquilhos, e ramosa na Hypochaeris radicata, e Anthericum ramosum.

O colmo (culmus) he huma especie de tronco proprio dos gramineos, e plantas analogas a elles, como he o do trigo, caneira, junco, &c. em humas plantas he occo, em outras esponjoso, ou geniculado ou sem nos, com folhas ou sem ellas, ramoso, ou simplicissimo, herbaceo ou arbustivo; em huma palavra, he huma hastea ou caule a que os Botanicos quizeraõ dar o nome de colmo por ser hum tronco dos grames, e plantas que lhes saõ naturalmente analogas

Donde resulta que para naõ errarmos nas descripçoẽs que fizermos, dando o nome de caule ou hastea a huma planta que tem colmo, he precizo termos ideas claras dos caracteres principaes que constituem a familia natural dos gramineos; ainda que naõ he este o proprio lugar de fallar nesta materia, direi contudo de passagem que os principaes caractéres desta familia consistem nas folhas planas, lineares, pontudas, flexiveis, em forma de fitta, compostas de fibras parallelas, e ordinariamente envaginantes; os tegumentos dos organos sexuaes, chamados casulos, saõ certas escamas paleaceas denominadas valvulas, o calyx tem duas ordinariamente, e raras vezes huma, tres ou mais; a corolla tem ordinariamente duas valvulas, das quas a interior he menor, e raras vezes tem huma so; o fructo he huma semente sem pericarpo (excepto o esparto, segundo Linneo), e a sua substancia he farinhosa.
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[p. 23]

O espique (stipes) he huma especie de tronco proprio dos fetos e fungos; nos primeiros he semelhante a hum peciolo, e nos segundos a hum pedunculo radical ou hastea

Linneo da taõbem o nome de espique aos peciolos das folhas das palmeiras, mas como ellos naõ elevaõ de modo algum a fructificaçaõ destes vegetaes, alguns modernos naõ admittem nellas esta especie de tronco, e conservaraõ o nome de peciolo aos seus pés, dando o nome de caule simplez ao troço, que se eleva sobre a terra, terminado no cume por folhas e fructificaçaõ em espadice.
, mas a singularidade com que elevaõ a fructificaçaõ e as circumstancias desta fizeraõ adoptar este nome em lugar do de peciolo, pedunculo, ou hastea.

O surculo (surculus) he huma especie de tronco proprio dos musgos, o seu troço he filiforme, guarnecido sempre de foliolos, ou de escamas persistentes e de varia forma; ás vezes he simplez, outras vezes ramoso, ora he reptante ou estirado ora levantado. Ha algumas especies de jungermannia, nas quaes o tronço he hum surculo, e nisto saõ verdadeiramente analogas aos musgos.

Toda a planta que tem tronco he denominada entronquecida (caulescens), e destronquecida (acaulis) senaõ tem tronco algum (carlina acaulis). Muitas [p. 24] vezes se da taõbem este ultimo nome às que tem hum tronco curtissimo, e quasi cozido com a terra

1º. O tronco em geral pode ser considerado segundo differentes relaçoẽs; quanto à sua duraçaõ e substancia diz-se ser:

Herbaceo (herbaceus), se naõ he lenhoso e perece annualmente (a chicoria, e o ranunculo).

Subarbusteo (suffruticosus), quando os seus ramos annualmente se seccaõ, e naõ tem gomos alguns athe a base, ou so a sua parte inferior junto della persiste viva, donde brota na primavera (a dulcamára, tomilho, gilbarbeira, salva, e alfazema). Este tronco he quasi lenhoso.

Arbusteo ou arbustivo (fruticosus), quando pertence a huma raiz lenhosa, da qual todos os annos brotaõ muitos troncos, que senaõ secçaõ nem morrem annualmente nem se elevaõ a altura das arvores ordinarias

He difficil de dar huma boa definicaõ dos arbustos e arvores, nascendo isto de que a divisaõ das plantas lenhosas em arbustos e arvores naõ he natural porquanto a naturera naõ poz limites entre elles, mas taõ somente a opiniaõ do vulgo. Linneo diz que a unica destinçaõ que pode haver he de dar o nome de arvores ás que tem gomos, e o de arbustos ás que os naõ tem; a seguir este parecer, muitas arvores ficariaõ sendo arbustos, e muitos arbustos seriaõ arvores, o que naõ tem sido athe agora adoptado nas descripçoẽs botanicas.
, como o da Sylva, roseira, alecrim, videira, hera, &c.

Arboreo (arboreus), quando naõ perece durante muitos annos, tem hum troço lenhoso, e grosso, o qual se eleva altamente, nasce solitario e desacompanhado de outro, ou se tem outros ao seu lado [p. 25] que nascem da mesma raiz, saõ muito raros á proporçaõ dos que brota huma raiz arbustiva; taes saõ por ex. os do ulmeiro, pinheiro, choupos, &c. Quando as arvores se elevaõ athé a altura da estatura humana pouco mais ou menos, alguns autores costumaõ dar-lhes, o nome de arbusculos (arbuscula), para as destinguir das arvores summamente elevadas.

Compacto ou mociço (solidus), que naõ he tubuloso, nem consta de huma substancia porosa, encortiçada, e balofa, nem tem huma medulla esponjosa, mas antes mal se lhe pode divisar a medulla (o acipreste, e oliveira).

Esponjoso (inanis, s. spongiosus), quando consta de huma substancia balofa e esponjosa, ou tem huma larga medulla esponjosa (o milho e o sabugueiro).

Repleto (farctus), quando he compacto, ou esponjoso, de modo que se lhe naõ divisa tubo algum (o acipreste e sabugueiro).

Tubuloso (fistulosus, s. tubulosus), quando he occo como hum canudo (o phellandrium aquaticum, conium maculatum, e a cebola.)

2º Considerado quanto à sua medida diz-se ser:

De meya pollegada de alto (unguicularis, semiuncialis, s. unguem longus); de huma pollegada de alto (uncialis, s. pollicaris); de pollegada e meya de alto (sesquiuncialis); de maõ travessa de alto (palmaris, palmum longus); de hum palmo (dodrantalis, dodrantem longus); de sette pollegadas (spithameus); de hum pé (pedalis); de desasette pollegadas, ou de hum covado natural (cubitalis); do comprimento de hum braço, ou de vinte o quatro [p. 26] pollegadas (brachialis); de huma braça, ou de seis pés (orgyalis). Quanto á sua grossura diz-se ser: da grossura de hum cabello ou da duodecima parte de huma linha (capillaris); de huma linha de diametro ou da duodecima parte de huma pollegada (linearis); de duas, tres linhas, &c. de largo; de meya pollegada, de huma pollegada de largo, &c. Todas estas medidas se podem augmentar á proporçaõ da altura e grossura do tronco, dizendo-se por ex. ser de trez, oito, vinte braças de alto, &c. Todas ellas se devem entender na razaõ de pouco mais ou menos, vistoque as plantas relativamente a ellas variaõ muito, segundo o terreno, clima, lugares mais ou menos abrigados, &c.

Alguns o denominaõ grosso, delgado, curto, muito alto, grande, pequeno, comparando-o idealmente com as folhas e outras partes da planta; mas estas ideas saõ vagas, a naõ declararmos juntamente a parte com que o comparamos.
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3º Quanto á direcçaõ he denominado:

Levantado (erectus, arrectus), quando he quasi perpendicular ao plano da terra, ou forma com elle quasi hum angulo recto (o verbasco): he o contrario de obliquo, postrado, e voluvel.

Direito (rectus, strictus), quando he impertigado, sem tortuosidades algumas, e forma com o plano da terra hum angulo recto (o junco, e o helianthus altissimus). He hum tronco perfeitamente levantado, e alem disso he opposto ao caule tortuoso, fraco, e a quaesquer outros que tem curvaturas.

Fraco (laxus, flaccidus, debilis), quando por ser delgado ou de flexivel contextura bambolea, e abana facilmente em varias direcçoẽs.

[p. 27]

Rijo (rigidus), he firme, naõ bambolea facilmente, e tem huma tezidaõ hum tanto elastica de maneira que se o curvamos, se levanta immediatamente (algumas junças).

Obliquo ou esguelhado (obliquus), quando esta posto de esguelha, apartando-se quasi tanto do plano da terra, como da linha perpendicular ao dicto plano (lathyrus aphaca).

Remontante ou realçado (ascendens), quando sendo primeiramente obliquo, postrado, ou parallelo á terra se revira para cima em arco (vicia cracca, viola canina).

Reclinado (reclinatus, declinatus, inclinatus), quando levantando-se primeiramente hum tanto de es guelha começa a descahir para a terra, prolongando-se em arco, ou formando huma curva assaz aberta; mas a sua ponta fica levantada de maneira que figura quasi hum postrado 𝆗 (convolvulus tricolor, potentilla aurea).

Incurvado (incurvatus, inflexus), quando se levanta direito e arquea na parte superior (juncus inflexus).

Acenoso (nutans), quando tem a ponta dobrada para baxo, ou dependurada perpendicularmente (juncus filiformis).

Postrado ou estirado (procumbens), quando em rasaõ da sua fraqueza jaz deitado horizontalmente sobre a terra, sem contudo nella lançar raizes (o murriaõ, a parietaria lusitanica, a semprenoiva.)

Descahido (decumbens), quando primeiramente se eleva hum pouco, e depois cahe sobre a terra, onde alastra mais ou menos (o serpaõ).

Estolhoso (stoloniferus), quando sahindo da [p. 28] primeira raiz, em mais ou menos distancia, lança novas raizes na terra, e neste lugar brota dois ou mais estolhos (o morangueiro, violetta, e ajuga reptans).

Sarmentoso (sarmentosus), quando lança muitas varas nodosas (chamadas sarmentos), as quaes tocando na terra, ou corpos vizinhos, nelles arraigaõ pelas suas juntas (a videira, legacam, e clematis vitalba).

Reptante ou serpentante (reptans, repens) quando he postrado, longo, mais ou menos ramoso, e lança amiudo sobre a terra varias radiculas (a potentilla, e a lysimachia nummularia). Se este mesmo caule em lugar de ser estirado sobre a terra trepa, e engatinha pelas arvores, paredes, ou rochas altas, aferrando-se a ellas por meyo das suas numerosas raigotas lateraes, daõ-lhe o nome de raigotoso (radicans) taes saõ os caules da bignonìa radicans, cissus quinquefolius, &c. A hera humas vezes he reptante, outras raigotosa; donde resulta que estes dois termos indicaõ a mesma coiza em differentes lugares.

Articulado (articulatus), quando tem juntas destribuidas de distancia em distancia

Este termo toma-se ás vezes taõbem por geniculado, mas o melhor he applicalo somente aos caules que tem juntas sem serem nodosas, e taõbem quando so dependem do tacto para se reconhecerem, (como as do juncus articulatus, e cyperus articulatus). As juntas saõ chamadas articulationes, articuli, juncturae, e quando, saõ nodosas genicula, nodi. Linneo da ordinariamente o nome de articulus ás entrejuntas, mas hum grande numero de Botanicos antigos e modernos daõ a este termo a significaçaõ de junta.
, (a cavallinha, a genista sagittalis, e o cactus ficus indica). Se estas juntas saõ nodosas ou como huma especie de tornosellos, o tronco nesta circumstancia he chamado nodoso ou geniculado (geniculatus, s. nodosus), como he [p. 29] o colmo da cevada e de hum grande numero de grames. O espaço que medea entre as juntas ou nos he chamado entrejunta, entreno (interjunctura, internodium). Quando o tronco naõ tem nos nem juntas algumas, diz-se ser desnodoso (enodis aequalis) como o do junco.

Tortuoso (flexuosus), quando he ondeado ou como colombrino, formando nas juntas ou lugar dos gomos pontas angulosas, e alternadas ora para hum ora para outro lado (o legacam, e dulcamára).

Trepador (scandens), quando trepa pelos corpos vizinhos que encontra, segurando-se nelles por meyo de suas raigotas (se he raigotoso ou sarmentoso) ou de suas gavinhas, ou dos peciolos das folhas (a hera, ervilheira, madresylva, videira, e clematis vitalba). Quando elle chupa a substancia da planta em que se segura ou por meyo de suas radiculas, ou de qualquer modo que seja, daõ-lhe o nome de parasito (parasiticus) como he o da hera e cuscuta. Se elle se enrosca á roda dos corpos vizinhos, prolongando-se sempre espiralmente, daõ-lhe o nome de voluvel ou encaracolado (volubilis), e o dizem ser encaracollado á direita, (dextrorsum, s. contra motum solis) se a primeira rosca inferior começa pela banda direita, da direita para á esquerda ou do poente para o nascente (o feijoeiro, e a verdeselha); encaracollado à esquerda (sinistrorsum, s. secundum motum solis), se a sua primeira rosca segue huma direcçaõ contraria á precedente (o luparo, madresylva, e norça preta). Para podermos determinar estas direcçoẽs he precizo suppormo-nos estar dentro das roscas com a cara para o sul.

4º Quanto á figura diz-se ser:

Cylindrico ou roliço (teres, cylindricus), quando [p. 30] se assemelha a hum rolo, naõ tendo angulos alguns (a tulipa, e pinheiro); quasi cylindrico (subcylindricus), quando se approxima quasi á figura de hum rolo (allium molly); semicylindrico (semiteres) se he plano de huma banda e convexo da outra, ou como a metade de hum rolo partido longitudinalmente (allium ursinum).

Comprimido (compressus), se he hum tanto chato de duas bandas em todo o seu comprimento, ou parece como esmagado nos dois lados oppostos (poa compressa, potamogetum compressum).

Bigumeo (anceps), quando tem dois angulos oppostos hum tanto affiados, assemelhando-se á folha de huma espada de dois gumes (a milfurada); se os dois gumes saõ hum tanto embotados, diz-se digono (digonus).

Anguloso (angulatus), se tem tres ou mais angulos. Segundo o numero dos angulos, diz-se ser triangular, quadrangular, de cinco, seis, ou muitos angulos (tri- quadr- quinq- sex- mult- angularis

Os termos de trigonus - polygonus tem ordinariamente huma accepçaõ synonyma de triangularis - multangularis; mas alguns botanicos usaõ dos primeiros para significar angulos hum tanto embotados.
, ou taõbem tri- tetra- penta- hexa- poly- gonus. O caule de dois angulos he o bigumeo; taõbem se encontraõ troncos de hum so angulo (uniangulatus), como o do iris foetidissima. Quando tem angulos agudos, diz-se acutangulo (scrophularia nodosa), e obtusangulo (obtusangulus) se tem angulos mal assinalados, ou obtusos.

Segundo o numero dos lados planos que tem, diz-se ser: de tres, quatro, cinco lados, &c. [p. 31] (tri-quadri-quinqueter, &c. ou taõbem tri-quadri-quinquelaterus, &c.)

5º. Considerado quanto á sua superficie diz-se ser:

Folheado ou folhoso (foliatus, s. foliosus), quando he guarnecido de folhas; he usado em oppoziçaõ differencial do seguinte.

Esfolhoso (aphyllus), se naõ tem folhas algumas, como a cuscuta e algumas especies de euphorbia e cactus.

Nû (nudus), quando he destituido de folhas, escamas, estipulas, pesos e outras excrecencias. Este termo so se usa relativamente, nas descripçoẽs das especies que naõ tem folhas, &c. comparadas com as que as tem. Diz-se quasi nû (subnudus), quando he quasi inteiramente falto de folhas.

Envaginado (vaginatus), quando he cingido pela base das folhas ou da dos seus peciolos, de modo que parece em parte enfiado numa bainha (os lirios, o trigo, e muitos outros grames).

Escamoso (squamosus), quando he guarnecido de folhetos como escamas, e hum tanto distantes (lathraea squamaria, tussilago anandria).

Imbricadamente folhudo ou imbricadamente escamoso (imbricatus), quando he coberto de folhas, folhetos ou escamas imbricadas, isto he, dispostas humas sobre outras como telhas (tussilago farfara).

Encortiçado (suberosus), quando a sua casca he branda, elastica, toda cortiça ou semelhante a ella na qualidade (o sobereiro, e passiflora suberosa).

Gretado (rimosus), quando tem no exterior da sua casca muitas gretas abertas irregularmente.

Entunicado (tunicatus), quando a sua casca he [p. 32] coberta de differentes membranas applicadas humas sobre outras.

Lizo (laevis), quando a sua superficie he por toda a parte igual, sem tuberculos, gretas, riscos, regos nem cavidades algumas (o sayaõ).

Estriado ou riscado (striatus), quando tem longitudinalmente muitos riscos na superficie da sua casca; estas estrias saõ superfiçiaes, e mais ou menos distantes (genista tinctoria).

Regoado (sulcatus), quando tem longitudinalmente regos, ou riscos largos e profundos na sua casca (a milfolha, e aipo).

Glabro (glaber), quando a sua superficie naõ tem escabrosidades nem pelos alguns, mas he liza ou polida (a abrotea, e cebolla alvarran)

He a mesma coiza que lizo, e nû de pelos e excrescencias.
.

Escabroso (scaber), quando he salpicado de certas producçoẽs glandulosas, pequenos tuberculos ou pontos asperos ao tacto (o luparo, linho canamo, e amor de hortelaõ).

Echinoso (echinatus, muricatus), quando he nimiamente escabroso, e tuberculozo de modo que os tuberculos saõ hum tanto longos, agudos e rijos, mas muito pouco picantes (a ruiva dos tintureiros, a abobara menina, e muitas outras cucurbitaceas).

Cotanoso ou cotanilhoso (tomentosus) se a sua superficie esta coberta de hum cotaõ ordinariamente branco, finissimo, curtissimo, e de tal sorte tecido que os seus pelos mal se podem separadamente distinguir sem lente (a cineraria maritima).

Lanudo (lanatus), quando a sua superficie esta [p. 33] coberta de pelos longos, bastos, curvados, e tecidos huns com outros á maneira de huma tea de aranha, como visivelmente se conhece sem lente (na ballota lanata, e onopordum acanthium).

Peludo ou hirsuto (pilosus, hirsutus, s. hirtus)

As differenças, que se fazem ordinariamente destes tres termos, so servem de embarassar os principiantes, e porisso os naõ distingui aqui.
, quando tem pelos compridos naõ entrelaçados huns com os outros, mas bem visivelmente desunidos; saõ mais ou menos distantes, mais ou menos rijos, mas naõ quebraõ, como as finas sedas do caule hispido; e variaõ muito quanto ao seu comprimento (a cenoira). Quando saõ poucos e bastantemente distantes entre si, o tronco diz-se ser: empubescido (pubescens).

Felpudo ou aveludado (villosus), quando tem pelos bastos, approximados, macios ao tacto, naõ entrelaçados, e assaz bem visiveis sem lente (o çumagre.)

Hispido (hispidus), quando he salpicado de sedas finas, hum tanto rijas, rectas, distantes mais ou menos entre si, e mui quebradiças (echium vulgare).

Ardentoso (urens), he hispido, mas as suas sedas saõ venenosas, e chamadas ferroẽs, em razaõ de que penetrando a pelle nua causaõ nella ardor e inflammaçaõ (a urtiga.)

Aculeado (aculeatus), quando tem aculeos, ou espinhos, bastardos, na sua casca (a sylva, e roseira).

Espinhoso ou abrolhoso (spinosus), quando lança do seu lenho abrolhos ou espinhos proprios (o pirliteiro, e o abrunheiro bravo).

[p. 34]

Estipuloso (stipulatus), quando he guarnecido de estipulas (o martyrio, todas as especies de polygonum, e a maior parte das leguminosas.)

Alado (alatus, membranatus, membranaceus), quando he guarnecido de membranas, as quaes ordinariamente correm ao longo de seus angulos, ou elle seja chato quasi como huma folha, ou naõ (scrophularia aquatica, genista sagittalis).

Bolbifero (bulbiferus), quando dá pequenos bolbos, ou nas axillas de suas folhas, ou entre ás flores que produz (polygonum viviparum, ranunculus ficaria, e algumas especies de alho).

6º. Quanto á sua composiçaõ ou divisaõ diz-se ser:

Simplez (simplex), quando se prolonga athe á ponta quasi sem ramos, ou tem ramos rarissimos quer na parte superior quer nos lados (a açucena, e scabiosa succisa): simplicissimo (simplicissimus, integer), quando he inteiramente indiviso, prolongando-se sem ter absolutamente ramo algum (o alho, e paris quadrifolia).

O tronco he composto todas as vezes que merece de ter o nome de subramoso ou ramoso. O subramoso (subramosus), he hum tronco quasi simplez em razaõ de ter poucos ramos lateraes (as esporas, e aquilegia); o ramoso (ramosus), tem muitos ramos lateraes (a beccabunga, e sherardia arvensis). Diz-se ramosissimo (ramosissimus), quando tem ramos numerosissimos, subdivididos, e amontoados sem ordem (gallium saxatile, e thalictrum faetidum); se todo elle naõ parece outra coiza mais do que huma panicula, ou que todos os seus ramos formaõ huma [p. 35] panicula, daõ-lhe o nome de paniculado (paniculatus), como he o da saxifraga cotyledon.

Desvaricado (divaricatus), quando o seu troço elevado hum tanto acima da raiz começa a dividirse em muitos ramos longos, desviados ou do troço materno ou entre si em angulos obtusos (polygonum divaricatum, helianthus divaricatus).

Patente (patens), quando nascendo juntamente com outros muitos da mesma raiz se desvia delles em angulo agudo mui aberto. (Este termo he muitas vezes usado em lugar do seguinte). Derramado ou diffuso (diffusus), quando se divide em muitos ramos que formaõ entre si angulos quasi rectos (a fumaria, e hesperis tristis.)

Copado (fastigiatus), quando os seus ramos saõ approximados ou empilhados, chegaõ a igual altura, e formaõ huma copa anivelada, e fechada como huma moita (santolina chamaeciparissus).

Açarilhado (brachiatus), quando tem ramos oppostos, e o par superior cruza o inferior, como os braços de hum çarilho (a mercurial).

Forquilhoso ou forqueado (dichotomus), quando se divide sempre em dois ramos, em forma de forcado (valeriana locusta). Alguns o denominaõ triramoso (trechotomus), quando se divide sempre em tres ramos (o cardo penteador, e a verbena mexicana). A divisura ou ponta angular das divisoẽs do tronco forquilhoso he chamada bifurcaçaõ ou forqueadura (bifurcatio, s. dichotomia).

Vergonteado (virgatus), quando he delgado, fraco, flexivel, e se prolonga lançando muitas varinhas [p. 36] bastas, desiguaes, e da sua mesma qualidade ou fraqueza (artemisia campestris).

Prolifero (prolifer), quando he, pelo assim dizer, pontaramudo, lançando ramos verticillados so na ponta, os quaes saõ taõbem proliferos (como o pinheiro, e scabiosa prolifera

Nestes dois exemplos se vê que o tronco prolifero pode ser ou lenhoso ou herbaceo; mas ordinariamente o termo prolifero sò se applica aos troncos lenhosos que daõ muitos gomos nas pontas.
. Estes troncos naõ saõ articulados.

Diz-se em fim ser disticado (distichus), se tem ramos disticados; e esteiado (fulcratus), quando se esteia em seus ramos ou tem ramos esteiados: estes termos seraõ melhor explicados no artigo seguinte.

Ramos.

Os ramos (rami), saõ parte do tronco, ou o tronco mesmo dividido. Elles saõ nalgumas plantas taõ semelhantes ao troço materno do tronco que he difficil de os destinguir, e daqui procede que os Botanicos tem dado igualmente a huns e outros as mesmas denominaçoẽs differenciaes.

Dizem-se ser alternos (alterni), quando hum naõ tem outro fronteiro no mesmo grao de altura, e se seguem alternafivamente postos huns acima dos outros nos dois lados do tronco (herniaria glabra).

Oppostos ou fronteiros (oppositi), quando nascem aos pares, estando hum posto de fronte do outro na mesma altura do tronco (a mercurial). Este termo [p. 37] he synonymo de ramos açarilhados (decussati), se gundo a accepçaõ em que o tomaõ hoje, mas pode significar taõbem os ramos oppostos, que saõ disticados.

Disticados (distichi), quando saõ patentes ou horizontaes, tem o seu ponto de nascimento em differentes lugares, e se vaõ seguido nos dois lados do tronco dispostos á maneira dos dois renques das barbas de huma penna.

Verticillados (verticillati), quando mais de dois nascem das articulaçoẽs ou juntas do tronco; elles estaõ todos no mesmo ponto de altura, dispostos á roda do tronco como rayos de huma roda de sege (as especies de gallium, e de muitas outras analogas a este genero). Dizem-se verticillas dos tres a tres, quatro a quatro, cinco, seis, sette, oito a oito, &c. (terni, quaterni, quini, seni, septeni, octoni, &c.)

Levantados (erecti), quando formaõ com o tronco hum angulo muito agudo, ou saõ quasi perpendiculares (o acipreste, e esporas). Se saõ em grande numero e bastantemente approximados ou ao tronco ou entre si, dizem-se conchegados (coarctati).

Patentes (patentes

O termo patentes he usado as vezes como synonymo de divaricati; mas como em todos os mais cazos a sua significaçaõ indica quasi hum angulo recto, porisso uso,delle aqui nesse sentido. O grande defeito de alguns termos technicos em Botanica he de naõ terem sempre a mesma accepçaõ.
s. divergentes), quando formaõ com o tronco, ou entre si, angulos quasi rectos.

Desvaricados (divaricati), quando saõ esparraIhados, dispersos, sem ordem, e formaõ com o tronco ou entre si angulos muitos obtusos (xeranthemum annuum, cucubalus bacciferus).

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Recurvados (deflexi), quando saõ hum tanto inclinados para baxo em arco, ficando a sua ponta mais baxa do que o ponto de apego.

Derreados ou pendentes (reflexi, penduli), quando à sua ponta pende para a terra, ou estaõ dependurados perpendicularmente (salix babylonica).

Requebrados (retroflexi, s. retrofracti), quando saõ desvaricados, recurvados, e tem differentes tortuosidades, parecendo como quebrados nas articulaçoẽs (asparagus retrofractus).

Esteiados (fulcrati), quando saõ de tal sorte recurvados que tocaõ na terra, e nella se esteiaõ; ou taõbem quando delles nascem outros que baxando à terra nella arraigaõ, e ficaõ como espécando os ramos de que nasceraõ (ficus indica, ficus benghalensis).

Compridos (longi), quando excedem em comprimento o troço materno do tronco donde nascem: curtos (breves), se saõ menores do que elle no comprimento.

CAPITULO III. Das Folhas.

As folhas (folia) saõ chamadas os organos do movimento das plantas, e na realidade saõ nos vegetaes as partes que mais se movem, e que mais contribuem ao movimento dos seus succos. Nascem da casca, e della lhes provêm os muitos vazos de que saõ compostas. Estes vazos saõ sufficientemente visiveis, e [p. 39] estaõ cobertos da epiderme, que he a continuaçaõ da epiderme da casca. As suas ramificacoẽs formaõ huma especie de rede, a que chamaõ tecido reticular (rete s. opus reticulare), cujas malhas saõ occupadas pelo tecido cellular ou parenchyma. Este tecido he bem claramente visivel nas folhas do choupo maceradas em agoa.

As folhas estaõ apegadas ou à raiz ou ao tronco ou aos ramos; humas vezes tem huma cauda mais ou menos comprida, a que chamaõ peciolo, que medea entre a sua base e o tronco ou ramo; outras vezes naõ tem peciolo alguim, apegando-se immédiatamente pela sua base ao tronco ou ramo; no primeiro cazo saõ denominadas pecioladas, e no segundo rentes. A parte, por onde se apegaõ ao peciolo, ou immediatamente ao tronco ou ramos (sendo rentes), he chamada base (basis), a extremidade opposta a esta tem o nome de ponta (apex). Ordinariamente as folhas tem duas faces, huma superior que olha para cima (pagina supertor, s. discus supinus), e outra inferior que olha para a terra (pagina inferior, s. discus pronus). E sua borda ou ourella tem o nome de margem (margo), e o espaço superficial que vay desde o centro athe á margem he denominado disco (discus); nestas faces consiste o que os Botanicos chamaõ superficie propria da folha, e se o disco he elevado, abatido, ou augmentado, chamaõ-lhe dilataçaõ do disco. Os vasos apparentes que se observaõ no disco das folhas tem o nome de nervuras e de veios; as nervuras (nervi), saõ vasos que correm longitudinalmente da ponta para a base mais ou menos curvados, e naõ se ramifiçaõ lateralmente. O mais grosso que se acha no meyo, e que he [p. 40] a continuaçaõ do peciolo tem o nome de nervura dorsal, fio do lombo da folha, ou espinhaço da folha (costa, rachis folii), ou de quilha (carina) se he elevado acima da superficie na face inferior da folha; as duas metades podem ser chamadas abas da folha (semidisci); ellas saõ as vezes huma mais curta do que outra na base, como se vê no ulmeiro. Os veios (venae), saõ vazos apparentes que se ramificaõ em varias direcçoẽs principalmente transversaes.

As folhas saõ consideradas naõ so relativamente a estas circumstancias, mas ainda quanto à sua duraçaõ, grandeza, situaçaõ, inserçaõ, direcçaõ, circumscripçaõ, sinuosidades, angulos, lados, substancia, simplicidade, e compoziçaõ. A duraçaõ he o tempo em que ellas subsistem apegadas á planta. A grandeza consiste nas dimensoẽs de comprimento e largura, e he ou absoluta ou relativa; a primeira consiste em huma medida determinada de linhas, pollegadas, palmos, &c. e a segunda na extensaõ da sua superficie comparada, com o comprimento dos seus peciolos, do tronco ou das articulaçoẽs deste. Na insersaõ naõ so se considera o ponto de apego da folha, mas ainda o modo com que he apegada. A situaçaõ he o modo com que as folhas so achaõ dispostas no tronco da planta. A direcçaõ he a posiçaõ particular, em que se achaõ as folhas no tempo diurno relativamente ao tronco, aos differentes polos da terra e sua superficie, ou em fim, respectivamente á superficie d'agoa. Na circumscripçaõ considera-se a figura da folha circumscripta no disco, e he supposta inteira, precidindo-se dos angulos, sinuosidades, margens e ponta. Nas sinuosidades suppoem-se a folha dividida no seu disco, e [p. 41] como tendo, partes nelle cortadas, ou na base, ou no topo, ou nos lados, ou em qualquer parte que for. Os angulos saõ partes da folha mais ou menos prolongadas ou prominentes, e se suppoem a folha inteira e em huma posiçaõ horizontal. Os lados do modo com que os consideraõ os botanicos saõ os angulos longitudinaes da folha, ou as esquinas que ella tem ao comprido. Na substancia entende-se a polpa entre as superficies. A simplicidade da folha consiste em ser huma so em hum so peciolo; considerada lateralmente as suas lacinias (laciniae) naõ chegaõ a ser rasgadas athe á nervura dorsal do meyo para cima, e ordinariamente o naõ saõ mesmo athe á base; naõ he articutada, e considerando-a verticalmente, as suas lacinias naõ formaõ foliolos perfeitos, nem he rasgada inteiramente athe ao cume do peciolo, mas taõ somente athe certa distancia acima delle. Pelo contrario a composiçaõ da folha consiste em ter muitas em hum so peciolo commum; he rasgada por conseguinte inteiramente athe ao topo do peciolo, ou lateralmente athe á nervura dorsal, que nesta sorte de folhas he o peciolo commum

Nas folhas, a que Linneo chama decursive-pinnata, a base da ala decursiva diminue, e se estreita de tal modo, que deixa ver o peciolo commum descarnado, ou quasi sem ala no porsto onde começaõ os foliolos inferiores, no que se distinguem das pinnatifidas (a aroeira.)
prolongado, e descarnado pelo assim dizer; as folhas menores que compoem huma folha composta saõ geralmente chamadas foliolos (foliola), daõ-lhes ás vezes taõbem o nome de pinnulas (pinnae), quando os foliolos saõ relativos a huma folha pinnulada. As folhas compostas saõ [p. 42] susceptiveis de serem articuladas. A base das folhas compostas he o ponto em que o peciolo commum começa a lançar foliolos ou peciolos parciaes.

Os antigos davaõ o nome de folhas ainda mesmo ás petalas das flores. Linneo fez huma destinçaõ entre folhas e frondes, e deo o nome de frondes (frondes) ás folhas dos fetos e plantas da mesma ordem, ás folhas das palmeiras, ás folhas aggregadas de alguns aciprestes, e a algumas producçoẽs semelhantes a folhas, que se achaõ na ordem das algas; mas naõ nos deixou huma definicaõ exacta em que se funde esta differença

Daqui procede que muitos Botanicos ainda hoje lhes chamaõ geralmente folhas; eu penso que a querer fazer destinçaõ, o nome de fronde so compete propriamente a huma folha, ou producçaõ anologa a ella, que dá flores ou fructifica. O ruscus, muitos fetos, e muitas algas nesta circumstancia teriaõ frondes bem caracterizadas.
, porquanto nem todas saõ circinaes nem todas fructificaõ.

Linneo tractou das folhas considerando-as debaxo de tres grandes destribuiçoẽs, a saber, determinaçaõ, simplicidade, e composiçaõ; eu seguirei neste epitome estas mesmas divisoẽs.

Determinaçam das folhas.

A determinaçaõ das folhas comprehende as relaçoẽs caracteristicas deduzidas naõ da estructura, simplicidade, ou composiçaõ, mas do lugar e modo de insersaõ, da situaçaõ, direcçaõ, numero, grandeza ou medida, e duraçaõ.

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1º Quanto á insersaõ, ou lugar e modo de apego, as folhas dizem-se ser: Seminaes (seminalia), saõ as primeiras que sahem immediatamente da semente germinada, e constituem a plumula ou gomo seminal, como se vê no feijaõ e trigo. Quando as sementes tem duas cotyledones, e estas tomaõ a apparencia de folhas, como se vê nas da abobara e rabaõ, so se lhes deve dar o nome de folhas seminaes bastardas.

Radicaes (radicalia), saõ as que tem o seu ponto de apego na raiz e naõ no tronco, nem constituem as folhas da plumula das sementes germinadas (a açucena, e dente de leaõ). Ellas saõ as vezes differentes na forma das caulinas, como se vê na campanula rotundifolia.

Caulinas (caulina), quando tem o seu ponto de apego no tronco (açucena, e campanula rotundifolia).

Rameas ou raminas (ramea), quando tem o seu ponto de apego nos ramos.

Axillares (axillaria)

Linneo usa taõbem muitas vezes do termo axillaria em lugar de subaxillaria.
, quando tem o seu ponto de apego na axilla superior; a axilla ou sovaco (axilla), he a ponta do angulo que forma o tronco com o ramo no lugar donde este nasce do tronco, e ainda que se podem suppor duas, huma superior, e outra inferior; contudo a superior he a que mais propriamente merece este nome, segundo a accepçaõ de muitos Botanicos modernos.

Subaxillares (subaxillaria, s. sabalaria), quando [p. 44] tem o seu ponto de apego na axilla inferior, ou no angulo inferior que forma o tronco com o ramo (o murriaõ, e murujem.)

Floraes (floralia), saõ a mesma coiza que bractéas persistentes (o ouregaõ).

Pecioladas (petiolata), quando tem hum peciolo (a salva, e pereira); rentes (sessilia), se o naõ tem, como acima disse (a alface, e cynoglossa).

Arrodeladas (peltata, s. umbilicata), quando o seu peciolo se apega naõ à base ou margem, mas sim ao disco (as chagas, e conchello). O lugar a que se apega o peciolo nesta sorte de folhas he denominado o embigo ou copa da folha (umbilicus).

Innatas (adnata), quando saõ mais ou menos grossas, tem o diametro da base mais largo do que em qualquer outra parte do seu corpo, e estaõ apegadas ao tronco so peso centro da base ou juntamente pela parte superior della, de modo que a margem inferior da base fica sempre despegada (sedum acre, sedum sexangulare).

Adunadas (connata), quando duas folhas oppostas se achaõ apegadas pelas suas bases huma à outra, e formaõ hum so corpo (o cardo penteador)

Ha algumas, folhas pecioladas que se dizem adunadas, mas rigorosamente sò os seus peciolos estaõ adunados.
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Coadunadas (coadunata), se tres ou mais se achaõ apegadas entre si pelas, suas bases.

Decurrentes ou decursivas (decurrentia), quando sendo rentes, a sua base se prolonga e corre mais ou menos pelo tronco abaxo, ou pelos ramos, formando [p. 45] huma especie de aza (a herva sancta, a consolda maior, e alguns cardos).

Amplexicaules ou abarcantes (amplexicaulia), quando saõ rentes, e a sua base abrange de travez os lados do tronco (o meimendro, nabo, e thlaspi arvense). Se a base das folhas abrange so metade do ambito do tronco, ou naõ o abarca todo, saõ denominadas semiabarcantes (semiamplexicaulia, s. subamplexicaulia)

A particula sub na composiçaõ das palavras Botanicas tem ordinariamente a significaçaõ de quasi, assim como o tem a significaçaõ de verticalmente.
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Perfolhadas ou enfiadas (perfoliata), quando o tronco ou ramo rompe e enfia o seu disco (a chlora, a perfolhada, a uvularia perfoliata).

Envaginantes (vaginantia), quando a sua base forma huma bainha ou tubo, que reveste em roda o tronco ou ramo (o milho, trigo e outros grames.)

Quanto á situaçaõ as folhas saõ denominadas:

Alternas (alterna), quando no mesmo ponto de altura do tronco ou ramos naõ tem outras fronteiras, estando postas nos dois lados do tronco humas acima das outras alternativamente e por gradaçaõ (o linho, borragem, e perpetua)

As vezes as folhas saõ alternas na parte inferior da planta e na superior saõ oppostas, e vice versâ; outras vezes saõ inferiormente oppostas e superiormente tres à tres, ou inferiormente tres a tres, e superiormente alternas; e emfim, outras vezes saõ superiormente alternas e na parte inferior quatro a quatro em verticillo.
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Disticadas (disticha), quando tendo o seu ponto de apego differente e conchegado olhaõ todas [p. 46] somente para dois lados dos ramos ao longo delles, deixando a face superior e inferior hum tanto calvas (o abeto). Quando as folhas tem o seu ponto de apego somente nos lados oppostos, saõ patentes ou horizontaes, e se seguem exactamente em dois renques oppostos á maneira das duas alas de huma penna, saõ denominadas birrenqueas (bifaria), como saõ algumas especies de lycopodium.

Dispersas (sparsa), quando estaõ apegadas á roda do tronco sem ordem alguma (a açucena).

Bastas (conferta), quando estaõ apegadas á roda do tronco, sendo taõ numerosas e taõ estreitamente postas humas junto das outras, que apenas dei xaõ algum espaço dos ramos ou tronco que naõ cubraõ (euphorbia cyparissias, e linaria).

Fasciculadas ou enfeixadas (fasciculata), quando duas ou mais se achaõ juntas na base, nascendo de hum mesmo ponto lateral do ramo ou tronco, como em pilhas ou pequenos molhos (o larico, os pinheiros). Segundo o seu numero dizem-se: fasciculadas duas a duas, tres a tres, quatro a quatro, cinco a cinco, &c. (fasciculata bina s. gemina, trina s. terna, quaterna, quina, &c. (as especies de pinheiro.)

Imbricadas (imbricata), quando saõ levantadas e bastas, e jazem encostadas de sorte que cada huma cobre parte da outra seguinte, á maneira da disposiçaõ das telhas ou escamas de peixe (o acypreste, e algumas especies de sedum).

Confluentes (confluentia), saõ desadunadas, mas conchegadas na base humas ás outras muito estreitamente, e formando entre si angulos agudos.

Approximadas (approximata), quando medea [p. 47] pouco espaço entre os seus pontos de apego (o teixo): he o contrario do termo seguinte, e se usa taõbem em lugar de bastas

Este termo e o seguinte saõ humas vezes relativos as differentes especies como se ve no taxus, outras vezes relativos na mesma especie ao espaço, que medea entre as folhas, de sorte que para huma folha ser remota, parece ser precizo que o espaço que medea entre folha e folha seja maior do que o comprimento da folha e seu peciolo inclusivamente.
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123. Remotas ou distantes (remota, s. distantia), quando nascem bastantemente desviadas humas das outras (taxus nucifera, a videira, e o legacaõ.)

Oppostas (opposita), nascem aos pares, ostando duas huma fronteira á outra no mesmo ponto de altura, medeando o tronco entre ellas (veronica officinalis, e murujem).

Encruzadas (decussata), tem huma disposiçaõ adobadoirada, ou como os braços de huma dobadoira; saõ oppostas, o par superior cruza o inferior em angulos rectos, seguindo, sempre esta situaçaõ de modo que olhadas de alto a baxo prezentaõ quatro renques ou fileiras cruzadas (crassula tetragona); nioto se distinguem das oppostas, a quaes aindaque se cruzem, variaõ contudo na disposiçaõ do encruzamento.

Verticilladas (verticillata), quando tres ou mais se achaõ apegadas ao tronco ou ramos circularmente, no mesmo ponto de altura, ou na mesma junta (o loendro, ruiva dos tintureiros, e o amor d'hortelaõ). Dizem-se verticilladas tres a tres, quatro a quatro, cinco, seis, sette, oito a oito, &c. (terna, quaterna, quina, sena, septena, octona, &c.) Alguns lhes chamaõ taõbem estrelladas (stellata), quando se [p. 48] achaõ seis ou mais dispostas em verticillo, ou representando raios de estrella.

3º. Quanto á direcçaõ as folhas dizem-se ser:

Levantadas (erecta, arrecta), quando formaõ com o tronco hum angulo muito agudo, ou se chegaõ bastantemente á perpendicular em razaõ de terem a ponta pouco distante do tronco (o colchico). Direitas, irtas (stricta, rectissima), saõ muito levantadas e naõ tem dobras nem tortuosidades algumas

Os termos de rectus, rectissimus, strictus, strictissimus, rigorosamente saõ oppostos a flexuosus, ou a qualquer outro que denote tortuosidades, dobras, e curvaturas. O Dr. Reuss expoem o termo stricta por omnino perpendicularia como se fossem synonymos; as folhas podem ser stricta ou rectas em si mesmas, sem serem perpendiculares ao plano da terra; no equisetum giganteum, e nos dois exemplos citados ellas saõ stricta, e naõ saõ exactamente perpendiculares; somente nas radicaes se encontraõ ás vezes algumas que saõ irtas e perpendiculares, como v. g. nalgumas especies de silphium.
(tragopogon pratense, sarracenia flava).

Rijas (rigida), quando saõ de huma consistencia firme ou de tezidaõ tal que naõ vergaõ nem dobraõ com facilidade (gallium uliginosum, iris spathacea).

Patentes (patentia), quando se desviaõ do tronco mais do que as levantadas, formando com elle hum angulo quasi recto (o arroz dos telhados, e o loendro.)

Patentissimas

O primeiro termo he melhor, porque nos ramos ha às vezes folhas que saõ patentissimas, e naõ saõ parallelas ao plano da terra ou horizontaes.
ou horizontaes (patentissima, s. horizontalia), quando se desviaõ muito do tronco ou ramos, e formaõ com elles angulos rectos (melitis melissophyllum).

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Encostadas (appressa), quando tem toda ou quasi toda a sua face superior applicada ao tronco ou ramos (a bolsa de pastor, e o thlaspi arvense).

Remontantes ou realçadas (assurgentia), quando sendo ao sahir do tronco patentes se arqueam depois, e se erguem com a ponta para cima (mesembryanthemum stipulaceum).

Incurvadas (incurva, inflexa), saõ remontantes e junto da sua extremidade viraõ a ponta para o ramo ou tronco (mesembryanthemum calamiforme).

Recurvadas (recurvata, recurva), quando arqueaõ, e curvaõ a ponta para baxo, mas o lombo do arco, fica para cima, e mais alto do que o ponto de apego (mesembryanthemum loreum).

Reclinadas (reclinata, declinata, reflexa), quando se debruçaõ para baxo de esguelha, ou em arco rebitando algumas vezes a ponta par acima, mas tanto o lombo do arco como a ponta ficaõ mais baxos do que o ponto de apego (blitum virgatum).

Enroladas para fora ou revolutosas (revoluta), quando tem a sua margem ou ainda mesmo a ponta hum tanto enroladas para fora em espiral (cistus helianthemum, alecrim, e dianthus barbatus).

Involutosas ou enroladas para dentro (involuta), he o contrario do termo antecedente.

Pendentes (dependentia), quando estaõ dependuradas perpendicularmente com a ponta para a terra (hedysarum montanum).

Obliquas (obliqua), quando a sua base ou parte inferior está virada para o ceo, e a parte extrema se revira para o horizonte, de modo que ficaõ hum tanto torcidas (algumas especies de fritillaria).

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Aversas (adversa), quando a sua face superior naõ esta virada para o ceo, mas sim para a banda do sul (amomum zingiber).

Verticaes (verticalia, s. obversa)

Este termo he ambiguo, e se usa taõbem em lugar de erecta; o melhor sera usar so do seu adverbio verticalmente, como v. g. verticalmente ovadas, verticalmente cordiformes, &c. (verticaliter ovata, verticaliter cordata, &c.)
, quando a sua base he mais estreita do que a sua parte superior, de modo que o cume se acha onde devera estar a base.

Resupinadas (resupinata), quando estaõ viradas do avesso, isto he, quando a sua face superior fica sendo inferior ou olha para a terra, e vice versâ, a inferior fica sendo superior e olha para o ceo (alstroemeria peregrina).

Summergidas (submersa, demersa), quando estaõ inteiramente mergulhadas, de modo que as suas pontas naõ chegaõ ao lume d'agoa (hottonia palustris, e ceratophyllum).

Fluctuantes (natantia, s. emersa)

Estas folhas podem-se taõbem chamar surdidas, e se pode dizer por ex. o ranunculus aquatilis tem duas castas de follas, humas summergidas setaceas, e outras surdidas quasi redondas.
, quando estaõ estiradas sobre a superficie d'agoa e nella andaõ fluctuando (o golfaõ, a menyanthes nymphoides, e trapa natans).

Radicantes ou raigotosas (radicansia, radicata), quando na ponta ou em qualquer parte do seu disco lançaõ raizes (saxifraga cotytedon, asplenium rhizophyllum).

Quanto ao numero as folhas dizem-se ser:

Huma sò, duas, ou tres no tronco da planta (unicum, [p. 51] duo, tria) poucas, muitas ou numerosas (pauca, plurima, s. numerosa.)

5º Quanto á grandeza ou medida:

Quando esta he absoluta tem as denominaçoẽs, que foraõ expostas no capitulo do tronco; quando he relativa ao tronco ou aos seus entrenós, dizem-se ser: compridas, compridissimas (longa, longissima), curtas, cortissimas (brevia, brevissima); vastas, mediocres, pequenas (amplissima, mediocria, parva).

6º. Quanto à duraçaõ dizem-se:

Decadentes (decidua), se cahem no fim do estio ou principio do outono: caducas (caduca), se cahem antes do fim do estio, ou duraõ muito pouco tempo na planta.

Persistentes (persistentia, s. perennantia), quando persistem na planta, durante o outono e inverno. Daõlhe taõbem o nome de sempreverdes (sempervirentia) por persistirem em todas as quatro estaçoẽs do anno, nem cahirem sem nascerem immediatamente outras novas (o azereiro).

Simplicidade das folhas.

1º. Quanto à circumscripçaõ dizem-se:

Orbiculares (orbiculata, orbicularia), quando saõ taõ largas como compridas, e as suas lacinias ou lados distaõ igualmente do centro (as chagas, e geranium fanguineum). Daõlhes taõbem o nome de redondas (rotunda, s. rotundata), quando se quer indicar que ellas saõ inteiras, e sem angulos alguns (a alface repolhuda).

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Subrotundas ou quasi redondas (subrotunda), quando a sua figura he quasi orbicular; a differença consiste em serem hum tanto mais largas do que compridas, ou vice versâ, mais compridas hum quasi nada do que largas (veronica beccabunga, rhus cotinus).

Ovadas (ovata), quando saõ mais compridas do que fargas, tem a base redondeada, e se estreitaõ para a ponta (scabiosa succisa, gilbabeira, e prunus insititia): verticalmente ovadas (obverse ovata, s. obovata) saõ ovadas ás vessas, isto he, a parte mais larga redondeada està no topo, e a base he mais estreita (samolus valerandi).

Ellipticas ou ovaes (elliptica, s. ovalia), saõ mais compridas do que largas, e mais estreitas nas duas extremidades superior e inferior do que no meyo; as dictas extremidades saõ redondeadas (vicia sylvatica, mammea americana).

Oblongas (oblonga), quando o seu comprimento excede duas, tres, ou mais vezes a sua largura (como nas azedas)

Quando saõ oblongas, lineares, e obtusas, alguns costumaõ-lhes dar o nome de alinguettadas (lingulata) como o asplenium scolopendrium, mas este nome so lhes compete quando saõ carnudas.
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Parabolicas (parabolica), saõ mais compridas do que largas, e desde a base athe ao topo se vaõ estreitando, e tomando a forma semiovada (tetragonia expansa, marrubium pseudo-dictamnus).

Cunhiformes (cuneiformia), saõ mais compridas do que largas, e os seus dois lados se vaõ estreitando pouco a pouco da banda do topo athe a base, como huma cunha (a beldroega).

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Espatuladas (spatulata), saõ quasi redondas na parte superior, mas da banda da base saõ mais estreitas o lineares, representando de algum modo humaespatula (a bonina, e o sempervivum canariense).

2º. Quanto aos angulos dizem-se ser:

Lanceoladas (lanceolata), saõ oblongas e estreitaõse do meyo para qualquer das duas extremidades, base e ponta, tomando a forma de hum ferro de rojaõ (a tulipa, e plantago lanceolata).

Lineares (linearia), saõ estreitas e conservaõ ao longo sempre a mesma largura, aindaque ás vezes se estreitaõ hum quasi nada nas extremidades (o teixo).

Acerosas (acerosa) saõ lineares, e persistentes (os pinheiros).

Assoveladas (subulata), saõ comparadas a hum ferro, de sovella, por serem lineares athe ao meyo com pouca differença, e se irem depois estreitando athe terminarem em huma ponta agudissima

As folhas assoveladas ou saõ planas e delgadas, ou carnudas; prezentemente fallo das que naõ saõ carnudas, como as do alho, e hypnum sericeum.
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Setaceas (setacea), saõ lineares, curtas muito, estreitas, mas contudo hum pouco mais largas do que huma seda (o espargo hortense): se saõ finas como fios ou cabellos chamaõ-lhes filiformes ou capillares (filiformia, s. capillaria); saõ mais compridas do que as setaceas.

Angulosas (angulosa), quando tem tres ou mais angulos. Segundo o numero dos angulos dizem-se: triangulares, quadrangulares, de cinco angulos, &c. ([p. 54] triangularia, quadrangularia, quinquangularia, &c) como saõ as da armoles hortense, do geranìum peltatum, &c.

Deltoides ou deltoidaes (deltoidea), tem quatro angulos, e os dois lateraes estaõ menos distantes do angulo da base do que do angulo da ponta (a salgadeira, e choupo)

Linneo copiando este termo da descripçaõ que dá Dillenio do Mesembryanthemum deltoides, deo aos principiantes razaõ de se queixarem de ambiguidade, e muito principalmente ainda por lhes assignar por ex. das folhas deltoides huma trigumea imitada da dicta planta (vej. fig. 57, Est. v.) As fol. deltoides tem quatro lados e quatro angulos, e as trigumeas so tem tres lados e tres cantos; por conseguinte naõ merecem o titulo de deltoides. Humas e outras saõ mal comparadas ao delta-maiusculo dos Gregos, que verdadeiramente so se assemelha ás folhas triangulares planas, e de lados integerrimos rectos.

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Rhomboidaes (rhomboidea), tem quatro lados parallelos iguaes, e quatro angulos, dois obtusos e dois agudos (chenopodium vulvaria, sida rhombifolia).

Trapeziformes (trapeziformia), tem quatro lados que naõ saõ nem parallelos nem iguaes (adiantum trapeziforme.)

3º. Quanto ás sinuosidades dizem-se ser:

Cordiformes (cordata), assemelhaõ se na forma a hum coraçaõ; saõ ovadas, e chanfradas na base, com os dois cantos posteriores redondeados (a ariflolochia, e norça preta). Verticalmente cordiformes (obcordata, s. obverse cordata), quando a ponta do coraçaõ esta apegada ao peciolo, e a chanfradura forma a extremidade superior da folha (os foliolos das folhas do trifolium arvense, e oxalis acetosella). Cordiformes afrechadas (cordato-sagittata) saõ ovadas, chanfradas na base, e tem os dois angulos posteriores agudos (polygonum fagopyrum.

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Reniformes (reniformia), tem a forma de hum rim; saõ subrotundas com huma larga chanfradura na base, e sem angulos alguns (a asarabacca, e hera terreste).

Lunuladas (lunata, lunulata), figuraõ huma meya lua ou quarto crescente de lua; saõ redondeadas no topo, chanfradas largamente na base

Ou vice versâ no topo, segundo Miller que aponta por exemplo a passiflora murucuja.
, e tem os seus dois lobulos ou angulos pontudos (como saõ os foliolos das folhas do lepidium spinosum).

Afrechadas ou sagittadas (sagittata), assemelhaõ-se a hum ferro de setta; saõ triangulares, chanfradas na base, e a chanfradura termina em dois angulos agudos (a verdeselha, azedas, e sagittaria sagittifolia).

Alabardinas (hastata), assemelhaõ-se hum tanto ao ferro de huma alabarda; saõ triangulares, chanfradas na base e nos dois lados, e os seus dois angulos inferiores saõ estendidos hum tanto para fora (a dulcamára, e rumex acetosella).

Auriculadas (aurita, auriculata), quando tem na sua base hum ou dois appendices, que as faz parecer orelheadas.

Violinas (panduriformia), assemelhaõ-se a hum tampo de viola ou violino; saõ oblongas, chanfradas nos dois lados, e ordinariamente mais largas na parte inferior (as folhas radicaes do rumex pulcher).

Fendidas (fissa), quando saõ rasgadas ou golpeadas como á thesoira áthe ao meyo com pouca differença; as sinuosidades dos còrtes saõ de igual largura, e as lacinias tem as margens rectas; segundo o numero dos segmentos, dizem-se: fendidas em duas, tres, [p. 56] quatro, cinco, ou muitas lacinias (bifida, tri-quadri-quinque-multifida). Quando os cortes penetraõ pouco alem da margem, dizem-se incisas (dissecta, incisa), como as do delphinium elatum, e os foliolos das folhas do tomateiro: alguns as denominaõ incisas obtusamente ou agudamente, se as lacinias saõ obtusas ou agudas; e duas vezes incisas, se as lacinias saõ taõbem golpeadas

Todos estes termos saõ applicados naõ sò as folhas simples, mas ainda aos foliolos das compostas.
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Partidas (partita), quando saõ rasgadas quasi athe á base ou perto do topo do peciolo; segundo o numero dos segmentos, dizem-se: partidas em duas, tres quatro, cinco ou muitas partes (bipartita-tri-quadriquinque-multipartita).

Lobadas (lobata), quando saõ divididas athe ao meyo em segmentos distantes entre si, e de margens convexas (a videira, hera, e acer campestre): segundo o numero dos lobulos, dizem-se ser: de dois, tres, quatro, cinco lobulos, &c. (biloba-tri-quadri-quinqueloba), como saõ v. g. a passiflora rubra, cnemone hepatica, geranium peltatum, &c. Quando os lobulos saõ mal assinalados, dizem-se: lobadas obsoletamente (obsolete lobata).

Apalmadas (palmata), saõ comparadas a huma maõ aberta; dividem-se longitudinalmente athe quasi á base ou athe abaxo do meyo em segmentos hum tanto iguaes (o martyrio, bryonia, e figueira).

Pinnatifidas (pinnatifida), saõ divididas transversalmente em lacinias horizontaes oblongas, rasgadas [p. 57] athe quasi á nervura dorsal ou quilha (a bolsa de pastor, e centaurea calcitrapa).

Roncinadas (runcinata), saõ pinnatifidas, as suas lacinias tem a margem convexa da banda do topo, e quasi recta da banda do peciolo, saõ quasi iguaes athe a base da folha, e elevaõ as suas pontas obliquamente (o dente de leaõ).

Lyradas (lyrata), estas folhas ordinariamente saõ mixtas, sendo pinnatifidas na parte superior e pinnuladas na parte inferior; para terem este nome he precizo serem divididas transversalmente em lacinias, terem a terminal maior, e redondeada, ficando as demais distantes entre si, e diminuirem de grandeza á proporçaõ que se chegaõ para a base (erisymum barbarea, e geum urbanum).

Sinuosas ou sinuadas (sinuata), tem sinuosidades lateraes largas, ordinariamente redondeadas, naõ profundas, e alternadas com pequenas lacinias (o meimendro negro, o chenopodium botrys, e o carvalho roble). Quando as pontas, das suas lacinias saõ agudas, e se reviraõ para a banda do peciolo, dizem-se, sinuadas para traz (sinuata retrorsum); se as lacinias saõ lineares, denominaõ-se, sinuadas-denteadas (sinuata-dentata.)

Laciniadas (lacinata), quando saõ divididas variamente em lacinias, as quaes se subdividem taõbem indeterminadamente em outras formando muitas sinuosidades, que vaõ athe ao meyo do disco pouco mais ou menos (a verbena, o cardo corredor).

Esquarrosas (squarrosa) saõ divididas em lacinias [p. 58] levantadas e mutuamente encostadas humas às outras (aconitum piraenaicum)

Este termo tem ainda outras accepçoẽs, e he pouco usado, talves melhor fora applicalo somente ás folhas imbricadas, e hum tanto laxas oa abertas, como as do hypnum squarrosum.
.

Inteiras ou indivisas (integra, indivisa), naõ tem sinuosidades algumas no seu disco, e saõ oppostas a todas as precedentes; ellas saõ contudo susceptiveis de terem dentes e lacinulas crenadas (o marroyo). Integerrimas (integerrima) tem a extremidade da sua margem inteirissima, sem dentes, nem lacinulas crenadas algumas, e por conseguinte saõ oppostas às do artigo seguinte (o limoeiro, a murta, e gilbarbeira).

4º. Quanto á margem diz-se ser:

Crenadas (crenata), quando a sua margem he guarnecida de pequenas lacinias ou crenas (crenae), que naõ apontaõ nem para a base nem para o topo da folha, mas somente para o disco ou meyo della (a hera terreste, e betonica). Dizem-se obtusamente crenadas (obtuse crenata) se as suas lacinulas saõ redondeadas, ou embotadas; agudamente crenadas (acute crenata) se as lacinulas ou crenas saõ agudas: duas vezes crenadas (duplicato crenata), se as lacinulas maiores tem outras menores.

Serreadas (serrata), a sua margem tem lacinulas recortadas como dentes de huma serra, as quaes saõ pequenas pontas imbricadas humas sobre outras, apontando todas para o cume da folha (a ortiga). Quando as pontas dos dentes em lugar de olharem para o [p. 59] topo, apontaõ para a base da folha, dizem se, serreadas para traz (serrata retrorsum); se os dentes saõ mal assinalados ou saffados, denominaõ-se, obsoletamente serreadas (obsolete serrata); e duas vezes serreadas (duplicato-serrata) se os dentes maiores saõ serreados com outros menores, como se vê no ulmeiro, e sylva.

Denteadas (dentata), quando tem pequenas pontas ou dentes da mesma consistencia da folha, os quaes sahem horizontalmente da sua margem, ficando hum tanto distantes huns dos outros (o quejadilho, o blitum virgatum, e leontodon autumnale). Dizem-se denticuladas (denticulata), se os dentes saõ miudos ou curtissimos; alguns tomaõ taõbem este termo na accepçaõ de serreadas com dentes miudos distantes.

Espinhosas (spinosa), quando na margem somente, ou ainda mesmo na margem e disco tem espinhos ou pontas rijas, duras, e picantes que senaõ podem separar sem estrago da substancia da folha (o carrasco, o aquifolio, e acanthus spinosus). Dizem-se inermes (inermia), quando naõ tem espinhos, nem aculeos, nem producçaõ alguma picante.

Celheadas (ciliata), quando no fio da margem tem sedas ou pesos parallelos, dispostos como as celhas das palpebras dos animaes (o valverde, e sempervivum tectorum).

Repandidas (repanda), quando tem no fio da margem elevaçoes hum tanto convexas, alternadas com sinuosidades obtusissimas, ou quando tem torsuosidades semelhantes às que faz huma cobra rojando apressadamente (chenopodium glaucum, tropaeohum minus).

Cartilaginosas (cartilaginea), a sua margem he de [p. 60] huma consistencia cartilaginosa, differente da substancia da folha, sendo coriacea, secca e mais firme do que ella (saxifraga geum).

Laceradas (lacera), quando a sua margem he cortada em segmentos de differente forma e de differente grandeza (senecio hieracifolius).

Roidas (erosa) saõ sinuadas, e na margem tem ainda outras pequenas sinuosidades obtusas com lacinulas desiguaes, de modo que parecem como roidas (salvia aethiopis, chenopodium album).

Dedáleas (daedalea), saõ as que tem ondeaçoẽs, laceraçoẽs e sinuosidades raras; ou as que tem huma figura notavelmente bella e exquisita. As folhas resupinadas, e lindamente variegadas, da alstroemeria peregrina, as da chicoria, crespa, e as da saxifraga stolonifera saõ contadas no numero das dedaleas; mas este termo não he hoje usado por ter huma accepçaõ muito vaga.

As folhas consideradas relativamente ao topo dizem-se ser:

Obtusas (obtusa), quando saõ hum tanto redondeadas no cume (o arroz dos telhados). Obtusas com huma ponta (obtusa cum acumine) se a sua extremidade he obtusa e no meyo tem huma pequena ponta (jacquinia armillaris).

Chanfradas (emarginata), quando no seu cume tem huma chanfradura (oxallis acetosella): chanfradas obtusamente (obtusé emarginata) se as duas lacinulas lateraes da chanfradura saõ obtusas (hermannia alnifolia): chanfradas agudamente (acute emarginata) se as dictas lacinulas saõ agudas (pinus picea).

Despontadas (retusa), terminaõ numa sinuosidade [p. 61] obtusa, ou numa cavidade muito superficial (os foliolos das folhas da vicia sativa, as folhas do sempervivum canariense).

Troncadas (truncata), quando terminaõ numa linha transversal, como se lhes tivessem cortado transversalmente hum pedaço da extremidade anterior (liriodendron tulipifera). Troncadas posteriormente (posticé truncata), se as lacinias da base postas ao lado do peciolo saõ troncadas (convolvulus sepium, ou trepadeira).

Premorsas ou retraçadas (praemorsa), saõ muito obtusas, terminando em pequenos incisos e chanfraduras disiguaes

Este termo he rarissimamente usado, ainda que alguns o applicaraõ as folhas menores, e inteiras da palmeira das vassoiras, &c.
, como se tiveraõ sido retraçadas no cume.

Agudas (acuta), quando a sua ponta termina em hum angulo agudo (a verdeselha).

Pontudas (acuminata), tem a ponta aguda, e assovelada, isto he, a sua ponta he longa e se estreita pouco a pouco, como hum ferro de sovella (lamium album). Rijamente pontudas (cuspidata), quando a sua ponta he setacea, hum tanto rija, ou de huma consistencia mais firme do que a da folha.

Mucronadas (mucronata), quando tem no topo huma aresta ou pragana curtissima, levemente picante, e persistente (gallium mollugo)

Este termo he usado taõbem algumas vezes em lugar de obtusa cum acumine, como se pode ver na descripçaõ das folhas do asarum canadense de Linneo.
.

Gavinhosas (cirrhosa, s. cirrhata), quando terminaõ em huma gavinha (gloriosa superba).

[p. 62]

6º. Quanto á superficie as folhas saõ denominadas:

Nuas (nuda), quando naõ tem pelos, nem sedas, nem glandulas, nem excrescencias algumas (a hortelan). Este termo tem huma força negativa, e para se poder entender o que nega, he precizo sempre fazer attençaõ ao sujeito precedente ou subsequente

Ordinariamente o sujeito saõ as especies, ás vezes os generos, e ainda mesmo pode ser huma Ordem, como v. g. nas sementes nuas da gymnospermia e sementes cobertas da angiospermia.
.

Glabras ou lizas (glabra, laevia) saõ nuas, e a sua superficie he liza, sem estrias, regos, nem desigualdade alguma (a tulipa, e abrotea). Este termo differe do precedente por ter huma signifiçaõ positiva, e alem disso por excluir as estrias, regos, riscos, e qualquer sorte de desigualdades.

Polidas (nitida) saõ summamente glabras ou taõ lizas que parecem ter sido polidas (tamus cretica, chenopodium murale, o limoeiro, e larangeira). Luzedias, ou brilhantes (lucida) reflectem mais a luz do que as polidas, e parecem como envernizadas (ferula canadensis, angelica lucida). Estes dois termos, como naõ differem senaõ em graos de intensidade, saõ muitas vezes usados hum em lugar do outro indifferentemente.

Còradas ou coloridas (colorata), quando tem outra cor mista com a verde (amaranthus tricolor)

Alguns Botanicos usaõ taõbem deste termo ainda nos cazos em que a folha he toda glauca, toda vermelha, ou tem em toda a sua superficie huma cor differente da verde.
.

Nervosas (nervosa), quando tem cinco ou mais [p. 63] nervuras

As vezes daõl-hes taõbem o nome de nervosas com cinco nervuras (quinquenervia).
, que se prolongaõ da base para o topo sem ramificaçoẽs apparentes (plantago latifolia). Trinerveas (trinervia) se tem so tres nervuras, contada a dorsal, as quaes se reunem na base (rhamnus paliurus). Alguns chamão-lhes trinervadas (trinervata), quando as tres nervuras so se reunem na face inferior da folha hum tanto acima da base, ou ainda junto do topo do peciolo (xanthium strumarium). Triplinerveas (triplinervia) se tem tres nervuras, e cada huma dellas se subdivide ainda em outras tres; estas nervuras reunem-se acima da base da folha (melastoma grossularioides. Desnervadas (enervia) se naõ tem nervuras algumas.

Linheadas (lineata) saõ riscadas, mas as riscas naõ saõ nem profundas nem elevadas sobre a superficie, por serem mal assinaladas e apenas visiveis (euphrasia officinalis).

Estriadas (striata) saõ riscadas, e os riscos ou vincos saõ longitudinaes, parrallelos, superficiaes ou gravados muito pouco profundamente, mas assaz visiveis (ixia secunda).

Regoadas (sulcata), quando tem riscos, longitudinaes, parallelos, e profundamente gravados (gallium verum, digitalis ferruginea).

Venosas (venosa) o seu disco tem visivelmente muitos veios ramificados para os lados, e em toda a sorte de direcçoẽs (o loireiro, e norça preta). Desvenosas (avenia), quando naõ se lhes divisaõ veios alguns.

[p. 64]

Rugosas ou enrugadas (rugosa), quando tem rugas, isto he, quando a substancia que está entre os veios naõ achando entre elles assaz espaço para se estender se vê obrigada a elevarse, e a formar rugas (a salva, e quejadilho).

Bolhosas (bullata), saõ rugosas em summo gráo; os veios contrahem-se estreitaõ-se de tal modo, que a substancia, contida entre elles se vé obrigada a formar balhas, ou empôlas, que se elevaõ sobre o disco, e saõ concavas por baxo (salvia ceratophylla).

Lacunosas ou fossulosas (lacunosa), tem varias cavidades ou fossulas no disco, e entre os veios; as suas convexidades estaõ na face inferior, como se vê nas frondes de algumas algas, lichen saxatilis, &c.

Pontoadas (punctata, pertusa, perforata)

Os termos pertusa e perforata significaõ propriamente folhas perforadas, isto he, que tem furos no disco, como o dracontium pertusum.
, quando estaõ salpicadas de pontos, como se tiveraõ sido picadas com a ponta de hum alfinête (a milfurada, e algumas especies de mesembryanthemum).

Vesiculosas (papulosa), quando a sua superficie esta coberta de pequenas vesiculas

Pode-se formar idea destas vesiculas pelas que se vêm na casca de huma laranja, nas quaes se acha o seu oleo essencial.
coradas ou transparentes, hum tanto elevadas, e contendo em si o fluido de alguma secreçaõ (mesembryanthemum cristallinum).

Mamillosas ou verrugosas (papillosa, s. verrucosa), quando a sua superficie tem verrugas, tuberculos, ou pequenos mamillos (a viperina).

Viscosas (viscosa), quando a sua superficie esta barrada de hum humor, naõ fluido, mas que se apega [p. 65] aos dedos com tenacidade á maneira de visco (senecio viscosus).

Escabrosas ou asperas (scabra, s. aspera), quando a sua superficie se acha salpicada de graõsinhos, ou pequenos tuberculos, que a fazem aspera (a pulmonaria).

Cotanilhosas (tomentosa), quando tem a superficie cotanilhosa (como a perpetua): humas vezes saõ cotanilhosas em ambas as faces, outras vezes so em huma, principalmente na inferior; quando o cotanilho he branco, como succede ordinariamente, daõ-lhes taõbem o nome de encanescidas (incana).

Felpudas (villosa), quando tem pêlos bastos, e macios (o çumagre): se os pelos saõ hum tanto ralos, e ao mesmo tempo finos, dizem-se: empubescidas (pubescencia), como saõ as do salgueiro.

Assetinadas (sericea), saõ quasi felpudas, os seus pelos saõ muito bastos, curtissimos, applicados postradamente huns aos outros, e luzedios, o que tudo concorre a dar á superficie huma vista assetinada (convolvulus cneorum, spiræa argentea, protea sericea & argentea).

Peludas ou hirsutas (pilosa, s. hirsuta), quando tem pelos compridos mais ou menos distantes entre si, como no hieracium pilosella, e juncus pilosus. Se os pelos saõ longos, parallelos, ou dispostos em pilha nalgumas partes da superficie na base ou topo, dizem-se: barbudas (barbata), como saõ as do asclepias vincetoxicum, e as do mesembryanthemum barbatum.

Lanudas ou lanugineas (lanata), tem pelos [p. 66] curvados e tecidos mutuamente, como fios de huma tea de aranha (stachys lanata).

Hispidas (hispida), quando tem sedas frageis, como as da viperina.

Ardentosas (urentia), quando tem ferroẽs venenosos, como as da urtiga.

Cerdosas (strigosa), quando saõ nimiamente hispidas ou tem cerdas, que saõ sedas hum tanto rijas, hum tanto planas

As cerdas (strigae) saõ as vezes taõbem cylindricas conforme alguns Botanicos, que naõ as distinguem pela planitude, mas sim por serem quasi aculeos, como as da viperinia, e segundo elles os termos hispido e cerdoso saõ synonymos.
e picantes: esta sorte de folhas fazem a passagem graduada das hispidas ás aculeadas (anchusa undulata, echinops strigosus, e lactuca virosa).

Aculeadas (aculeata), quando no seu disco tem aculeos, ou producçoẽs grossas, rijas, duras, e picantes, pegadas aos veios e nervura dorsal (solanum mammosum).

Quanto á expansibilidade ou dilataçaõ do disco, as folhas dizem-se ser:

Planas (plana) se tem as suas duas faces chatas, parallelas huma á outra em toda a sua extensaõ, ou contem entre as duas faces por toda a parte igual substancia (a gilbarbeira, o alho, e cacalia anteuphorbium

Este termo ora he usado para significar hum disco plano sem convexidade nem concavidade, como no geranium betulinum, ora indica hum disco delgado (ainda que seja canaliculado) como o das especies de Anthericum, etc. e neste sentido he opposto ao disco carnudo, ou cylindrico.
. Alguns daõ lhes taõbem o nome de [p. 67] fittaceas (taeniata, s. fasciata), quando saõ oblongas, integerrimas, com fibras parallelas, e semelhantes a huma fitta (o trigo, e caneira).

Canaliculadas (canaliculata), quando saõ compridas e tem longitudinalmente hum rego profundo, como huma bica ou calha, de modo que se approximaõ á forma de meyo cylindro (iris xiphium, aloe viscosa).

Concavas (concava), a sua margem he mais estreita do que o disco, ou naõ he proporcionada á extensaõ do disco de modo que este abate, e fica mais baxo do que a margem (marrubium pseudo-dictamnus, geranium peltatum).

Convexas (convexa), elevaõ-se athe ao centro do disco, e saõ o contrario das concavas, isto he, a sua margem he mais estreita do que o disco, e este se eleva para cima de modo que a margem fica mais baxa do que elle (hyacinthus muscari, martynia perennis).

Acapelladas (cucullata), saõ summamente concavas, ou sejaõ arrodeladas, ou tenhaõ os dois lados junto do peciolo encolhidos e conchegados; nesta segunda circumstancia abrem pouco a pouco da banda do cume, e representaõ deste modo a forma de hum capuz (o conchélo, e geranium cucullatum).

Franzidas (plicata), quando no seu disco tem pregas agudas, e alternadas, que chegaõ athe á margem, e se assemelhaõ às de hum leque quasi aberto (veratrum album, e alchemilla). Franzidas obtusamente (obtuse plicata, s. undata), se as suas pregas saõ obtusas.

Ondeadas (undulata), quando o seu disco junto da margem forma dobras alternadas ou ondeaçoẽs [p. 68] ora concavas ora convexas, de sorte que por este modo o espaço junto do ambito fica muito desproporcionado ao do centro (inula undulata e pulicaria, aletris capensis, mesembryanthemum cristallinum).

Crespa (crispa), saõ franzidas ou ondeadas desordenadamente na margem, e ainda mesmo no disco, de sorte que este fica sendo muito mais comprido do que a nervura dorsal da folha (malva crispa, e chicoria crespa). Estas folhas ordinariamente saõ consideradas como producçoes viçadas, ou monstruosas.

8º. As folhas consideradas quanto á substancia dizem-se ser:

Membranosas (membranacea), saõ finas e naõ se lhes percebe entre as duas superficies polpa alguma, e porisso as comparaõ a membranas delgadas

Este termo he taõbem usado por alguns Botanicos em lugar de planas, e delgadas.
.

Escariosas (scariosa) saõ aridas, esbranquiçadas, sonoras ao tacto, e comparadas á epiderme fina que se despega da casca de algumas arvores.

Bojudas (gibba, s. gibbosa), quando tem ambas as suas superficies convexas, em razaõ de huma grande quantidade de subtancia polposa (sedum acre, portulacca anacampseros, serracenia purpurea).

Roliças (teretia, s. cylindrica), quando na maior parte do seu comprimento saõ cylindricas ou semelhantes a hum rolo (o arroz dos telhados).

Semiroliças (semiteretia), quando saõ ao longo concavas de huma parte e convexas da outra: semicylindricas (semicylindracea), quando saõ planas de [p. 69] huma banda e convexas da outra à maneira de hum rolo partido ao meyo longitudinalmente (a cebola). Estes dois termos saõ contudo muitas vezes usados hum em lugar do outro indifferentemente.

Deprimidas (depressa), saõ succulentas ou polposas, e no seu disco ou face superior junto da base saõ mais delgadas e abatidas do que nos lados, de modo que parecem como esmagadas pelo tronco (sempervivum sediforme, cacalia repens).

Comprimidas (compressa), saõ succulentas ou carnudas, mas nos dois lados marginaes e longitudinaes oppostos saõ hum tanto esmagadas e chatas de modo que o disco fica hum tanto mais elevado e polposo (anthericum hispidum, juncus articulatus, mesembryanthemum stipulaceum, cacalia ficoides.) Peloque se vê que a depressaõ suppoem o disco concavo, e a compressaõ os lados marginaes esmagados.

Aquilhadas (carinata), quando ao longo e no meyo da face inferior tem huma quilha aguda, e na parte superior hum rego profundo longitudinal (a abrotea.)

Delgadas (tenuia), quando entre a pelle das superficies naõ tem polpa notavel, mas antes saõ hum tanto finas, ou como papel, ou como a grossura de pergaminho (canna indica). Grossas, polposas, ou carnudas (crassa, pulposa, s. carnosa) saõ oppostas às precedentes, nellas ha sempre huma polpa notavel

Ordinariamente nas obras elementares se faz differença dos termos polposas e carnudas, mas na sua applicaçaõ saõ quasi sempre confundidos. Depois de se fazer mençaõ de que as folhas saõ carnudas, podese expor a sua medida absoluta dizendo: lineas duas crassa, pollicem, s. unciam crassa, &c. a querer-se indicar a grossura da polpa.
. [p. 70] Alguns tomaõ as polposas pelas que tem huma substancia pegajosa, e as carnudas pelas que constaõ de huma substancia hum tanto firme e compacta.

Succulentas (succulenta), saõ mais ou menos grossas, e a sua polpa he molle e sumarenta; susceptivel de se poder esmagar facilmente entre os dedos (a beldroega, o sayaõ, e conchélo). Compactas (compacta), saõ carnudas mas a sua substancia naõ he sumarenta como a das precedentes nem esponjosa, mas sim firme, mociça, e hum tanto dura (a piteira, e herva babosa). Este termo usa-se as vezes taõbem em lugar de repletas.

Repletas (farcta), saõ carnudas, ordinariamente roliças ou semicylindricas, e o seu interior he todo cheyo de substancia ou seja succulenta, ou esponjosa ou compacta de modo que se lhes naõ divisa cavidade alguma (o arroz dos telhados). Tubulosas (tubulosa), saõ oppostas às precedentes, por serem occas (a cebola).

Linguiformes, ou alinguettadas (lingulata

Este termo he as vezes, taõbem applicado a algumas folhas, que naõ saõ carnudas, mas he hum defeito que senaõ deve imitar.
, s. linguiformia) saõ carnudas, lineares, obtusas, e convexas pela banda debaxo (o mesembryanthemum linguaeforme, e aloe disticha).

Bigumeas (ancipitia), saõ comprimidas e tem dois gumes longitudinaes oppostos, e o disco entre elles elevado.

Ensiformes ou espadáneas (ensiformia), saõ bigumeas, com dois gumes afiados, e desde a base athe [p. 71] ao topo se vaõ pouco a pouco adelgaçando (a espadana, e os lirios).

Assoveladas (subulata)

Vej. a nota sobre as folhas assoveladas, num. 2º.
, saõ carnudas, e na base lineares, adelgaçando, e aguçando pouco a pouco para a ponta (mesembryanthemum pugioniforme).

Trigumeas (triquetra) saõ carnudas, tem tres faces planas e tres esquinas ou gumes; ellas saõ ao mesmo tempo assoveladas (mesembryanthemum pugioniforme, e butomus umbellatus).

Alfanjadas (acinaciformia), assemelhaõ-se a hum alfanje, ou chifarote; saõ carnudas, tem o gume ou borda inferior estreita, afiada, e arqueada para cima; a borda ou lado opposto he hum tanto largo, embotado, e quasi recto (mesembryanthemum acinaciforme). Nesta sorte de folhas podem-se distinguir tres esquinas (das quaes a inferior faz o gume) e tres faces, duas lateraes e huma superior opposta ao gume.

Dolabriformes (dolabriformia), em forma de hacha d'armas ou de huma especie de segura, de que usaõ os tanoeiros nos paizes do norte: saõ carnudas, obtusas, hum tanto redondeadas e comprimidas, mais dilatadas e afiadas de huma banda, com a base prolongada em huma especie de peciolo hum tanto roliço (mesembryanthemum dolabriforme).

Acutelladas (cultrata), assemelhaõ-se a hum cutello; saõ carnudas, hum tanto mais compridas do que largas, quasi lineares, afiadas de huma banda, quasi embotadas da outra e nella levemente curvas, hum tanto obtusas no topo e hum pouco estreitas na base (crassulla obvallata).

[p. 72]

N. B. Os botanicos naõ podendo, sem embargo do grande numero de termos que tem estabelecido, dar ideas de todas às intensidades, graos, ou jogos com que a natureza capricha de escaparlhes na figura das folhas, se esforçaõ muitas vezes pelas pintar ao leitor do modo que lhes he possivel, usando para esse fim de dois termos reunidos por meyo de huma risca, e dando nisso a entender que a folha participa dos caractéres significados pelos dictos dois termos. Porem deve-se advirtir que elles naõ reunem senaõ os termos da mesma relaçaõ ou divisaõ, como por ex. os relativos aos angulos, sinuosidades, &c. porque os de relaçoẽs diversas saõ separados por meyo de virgulas. Pelo que dizem: folhas ovadas-lanceoladas, mas naõ dizem: lanceoladas-agudas, por serem termos de relaçoẽs differentes, e escrevem nesta circumstancia: folhas lanceoladas, agudas. Linneo diz que naõ he indifferente, quanto aos termos da mesma relaçaõ, de por hum ou outro primeiro; que quando a folha participa mais de hum caracter do que de outro, o caracter predominante deve terminar ou seguir a risca, em razaõ de que o nome posterior deve presentar a forma ou caracter principal da folha, servindo o primeiro somente de emendalo ou a denotar huma certa excepçaõ, como por ex. se as folhas tem estreiteza hum tanto igual, participando mais da figura linear do que da lanceolada deverse-ha dizer: folhas lanceoladas-lineares; pelo contrario se ellas saõ assaz largas no meyo e participaõ mais da figura lanceolada, se escreverá: folhas lineares-lanceoladas.

[p. 73]
Composiçam das folhas.

As folhas quanto á sua composiçaõ dizem-se ser: compostas, recompostas, e sobrecompostas. Nesta destribuicaõ naõ deixaõ de haver algumas imperfeiçoẽs

Eu farei mençaõ dellas nas dissertaçoẽs que espero de publicar sobre a precizaõ que ha de emendar alguns termos technicos em Botanica, e do modo com que elles se podem corrigir e fixar.
que naõ posso evitar aqui por me querer conformar com Linneo; as compostas (composita) de que elle faz mençaõ, como constando de muitos foliolos em hum peciolo simplez, saõ as seguintes:

Articuladas (arciculata), quando huma folha nasce do topo de outra, ou tem interiormente articulaçoẽs; (os exemplos que daõ ordinariamente saõ as especies, de salicornìa, e de equisetum, o juncus articulatus e nodosus).

Binadas (binata, s. geminata) o seu peciolo tem somente no cume dois foliolos sem gavinha alguma (zygophyllum fabago).

Ternadas (ternata, s. trinata), o seu peciolo commum tem no topo tres foliolos (a sylva, morangueiro, e trevo)

Alguns Botanicos fazem taõbem mençaõ de folhas quadernadas (quaternata), ou com quatro foliolos sobre o topo do peciolo; mas eu creyo que ellas saõ raras, a naõ serem viçadas como saõ as que se vem nalgumas especies de trevo.
. Estes foliolos humas vezes saõ rentes (sessilia) outras vezes saõ peciolados (petiolata) como se vê nas especies de rhus.

[p. 74]

Digitadas (digitata), quando o seu peciolo tem no topo cinco ou mais foliolos estreitos, como algumas especies de ranunculas

Linneo dá geralmente o nome de digitadas ás folhas binadas, ternadas, quinadas, e settenadas; alguns modernos depois deraõ o nome de digitadas somente ás de cinco ou sette foliolos uniformes quer sejaõ largos quer estreitos, assim como o de apalmadas se dá ás que tem cinco ou sette segmentos uniformes rasgados athe perto da base.
. Se o peciolo sostem no topo cinco ou sette foliolos, dizem-se: quinadas ou se henadas (quinata, septenata), como as do tremoço, potentilla reptans et recta, e vitex agnus-castus).

Apedadas (pedata), o seu peciolo divide-se no topo em dois, aos quaes pelo lado interno estaõ apegados alguns foliolos (helleborus niger, arum dracunculus).

Pinnuladas (pinnata), quando muitos foliolos estaõ apegados longitudinalmente aos dois lados de hum peciolo simplez e commum (o jasmineiro, e espongeira).

-Pinnuladas com impare (pinnata cum impari), saõ terminadas no topo em hum foliolo none ou desparceirado, posto no meyo dos dois ultimos (o ervanço, e freixo). Este foliolo dize-se rente (impari sessili), quando a sua base está apegada rentemente ao mesmo ponto de apego em que prendem os dois foliolos lateraes (glycyrrhiza echinata, agrimonia repens); peciolado (impari petiolato), quando entre a sua base e o ponto de apego dos dois foliolos lateraes medea hum pequeno peciolo, que he a extremidade do, peciolo commum longitudinalmente continuado (o alcaçuz, e agrimonia).

-Pinnuladas com gavinha (pinnata cirrhosa), quando em lugar do foliolo impare tem huma [p. 75] gavinha, que he a ponta do peciolo commum convertida na dicta cordinha (a ervilha, vicia sativa, e lathyrus pisiformis).

-Pinnuladas abrompidamente (pinnata abrupta, s. abrupté-pinnata), o seu topo he terminado por dois foliolos, no meyo dos quaes naõ ha impare nem gavinha, de sorte que o peciolo commum fica como decotado no ponto de apego dos dois ultimos foliolos (a fava, e aroeira).

-Pinnuladas oppostamente (pinnata opposité), quando os seus foliolos saõ oppostos, ou apegados defronte huns dos outros (o jasmineiro).

-Pinnuladas alternadamente (pinnata alterné), quando os seus foliolos estaõ postos huns abaxo dos outros nos dois lados do peciolo commum de sorte, que no mesmo ponto de apego naõ tem outros fronteiros (a fava, e fraxinella).

-Pinnuladas interrompidamente (pinnata interrupté), os seus foliolos saõ interrompidamente desiguaes, estando os menores postos successivamente entre os maiores (a filipendula, ulmaria, tomateiro, e agrimonia).

-Pinnuladas decursivamente (pinnata decursivé), quando as bases dos seus foliolos uniformes correm para baxo de huns para outros ao longo do peciolo commum, formando huma aba, a qual se estreita, e vay mingoando pouco a pouco á proporçaõ que desce de modo que junto do foliolo inferior fica extincta, ou quasi cofundida com o peciolo commum (a aroeira e melianthus maior). Quando as abas decursivas naõ se estreitaõ inferiormente, mas saõ taõ largas em baxo como em cima, ou mais largas na parte inferior, a [p. 76] folha he rigorosamente pinnatifida, e naõ pinnulada, e he por falta desta observaçaõ que estas duas sortes de folhas saõ ordinariamente confundidas.

-Pinnuladas articuladamente (pinnata articulate), quando o peciolo commum he articulado, e os foliolos partem das suas articulaçoẽs (fagara tragodes). Se nestas folhas se encontraõ abas decursivas, estas saõ mais estreitas em cima do que em baxo.

Quando as folhas pinnuladas naõ tem foliolo impare, mas em lugar delle tem huma gavinha, e constaõ ao mesmo tempo de foliolos oppostos

Alguns daõ ainda mesmo o nome de folhas jungidas ás que tem foliolos alternos.
, em vez de lhes chamarem pinnuladas, daõ-lhes algumas vezes o nome de folhas jugadas ou jungidas. Segundo o numero dos pares de foliolos de que constaõ dizem-se ser: conjugadas ou unijugadas (conjugata, s. unijuga), se o peciolo he terminado em huma gavinha
Estas folhas saõ ordinariamente confundidas com as binadas, e a naõ admittir-se a gavinha pór destinctivo, sempre haveraõ ambiguidades nestes dois termos, porque huma folha conjugada sem gavinha fica sendo binada.
e tem comente dois foliolos, hum de cada lado, o que constitue hum so par de foliolos (lathyrus odoratus & latifolius); se constaõ de dois pares de foliolos, dizem-se: bijugadas ou jungidas em dois pares (bijuga, s. bijugata), os chixaros e ervilhas tem folhas ora unijugadas, ora bijugadas: dizem-se alem disto trijugadas, quadrijugadas, jungidas em cinco pares, em seis, em sette, &c. (trijuga, quadrijuga, quinquejuga, sexjuga, septemjugata, &c); como se observa nas especies de cassia.

[p. 77]

N. B. O numero dos foliolos pode variar na mesma planta segundo a cultura, em razaõ do terreno ser improprio, e por causa de differentes circumstancias que ás vezes se encontraõ ainda mesmo no chaõ que a planta naturalmente requer. Algumas vezes vem-se plantas que tem as folhas inferiores pinnuladas; ao mesmo tempo que as da parte superior do tronco saõ simplez, e vice versâ. Os foliolos e pinnulas das folhas compostas, recompostas, e sobrecompostas conforme as suas differentes figuras e relaçoes podem ser considerados, como folhas simplez, e ser descriptos com os mesmos termos. A sua posiçaõ algumas vezes naõ corresponde á das folhas, porque ha plantas que tem folhas oppostas ao mesmo tempo que os foliolos destas saõ alternos, e ha outras pelo contrario que tem folhas alternas, cujos foliolos saõ oppostos.

As folhas recompostas (decomposita) saõ duas vezes compostas; este nome compete naõ so a todas as folhas desta divisaõ, mas applica se geralmente a quaesquer folhas, ou frondes, cujo peciolo commum se divide huma ao vez em pequenos peciolos parciaes, cada hum delles gendo guarnecido de muitos foliolos, como saõ as das arruda, avenca, ranunculus arvensis, pteris atropurpurea, &c.

Bigeminas ou bigemeas (bigemina, bigeminata), saõ duas vezes binadas, o seu peciolo commum he dividido em dois parciaes como hum forcado, e cada hum destes sostem na ponta dois foliolos (mimosa unguis cati & mimosa bigemina).

Biternadas, ou duas vezes ternadas (biternata, s. duplicato-ternata), quando o peciolo commum se divide [p. 78] em tres parciaes, e cada hum destes sostem tres foliolos, ou quando hum peciolo sostem tres folhas ternadas (adonis capensis, epimedium alpinum).

Bipinnuladas, ou duas vezes pinnuladas (bipinnata, s. duplicato-pinnata), se o peciolo commum sostem folhas pinnuladas, ou se divide ao longo em outros peciolos lateraes menores, os quaes tem lateralmente muitos foliolos (athamanta libanotis, e a osmunda regalis).

Sobrecompostas (supradecomposita), daõ este nome naõ sò às folhas seguintes, mas a quaesquer outras cujo peciolo commum se divide mais de duas vezes em peciolos menores, cada hum delles sostendo muitos foliolos (spiræa aruncus, adiantum hexagonum, fumaria lutea).

Trigeminas ou trigeméas (tergemina, s. trigeminata, s. triplicato-geminata), saõ tres vezes binadas; o seu peciolo commum divide-se em tres menores parciaes, e cada hum delles sostem dois foliolos; as vezes os dois foliolos sitos na bifurcaçaõ saõ rentes (mimosa tergemna). Alguns admittem taõbem folhas tres vezes bigeminas (triplicato-bigemina), dizendo que nestas o peciolo commum se divide em tres menores, e cada hum destes em dois peciolos immediatos ou extremos sostendo cada hum dois foliolos, de modo que nesta sorte de folhas ha doze foliolos, e nas trigeminas so ha seis (ceratophyllum).

Triternadas ou tres vezes ternadas (triternata, s. triplicato-ternata), quando o peciolo commum se divide em tres menores, cada hum dos quaes sostem folhas duas vezes ternadas (aquilegia vulgaris, aralia spinosa.)

[p. 79]

Tripinnuladas ou tres vezes pinnuladas (tripinnata, s. triplicato-pinnata), o seu peciolo commum sostem muitas folhas duas vezes pinnuladas (scabiosa, gramuntia).

CAPITULO IV Do Peciolo.

O peciolo (petiolus) he o esteio ou pe da folha apegado a ella na sua base pela margem, e raras vezes pelo seu disco.

Algumas vezes he difficil de decidir onde começa, e onde termina o peciolo da folha, ou qual seja o lugar da base da folha; donde procede que alguns Botanicos em semelhantes circumstancias os admittem como peciolos bastardos ou improprios (petioli spurii).

Contudo geralmente fallando, e nas circumstancias em que o peciolo he bem distinctamente assignalado, pode-se considerar como simplicissimo (simplicissimus) todas as vezes que naõ se divide de modo algum em outros parciaes; o seu topo he o ponto onde elle se converte em nervura dorsal da folha ou dos seus foliolos rentes, como se vê nas folhas rigorosamente simplez, nas binadas, e algumas ternadas e digitadas. Peciolo simplez (simplex) he susceptivel de se dividir em peciolos parciaes curtissimos, e indivisos, os quaes sòstem hum so foliolo simplez; elle se observa nas folhas pinnuladas, apedadas, e nalgumas ternadas e digitadas; nas pinnuladas faz as vezes de nervura dorsal [p. 80] prolongando-se em linha recta athe ao topo da folha onde termina ou em huma gavinha, ou em hum peciolo parcial recto (como no alcaçuz), ou sostem hum foliolo impare rente, ou emfim termina abrompidamente ficando como decotado; às vezes he articulado no seu prolongamento, e no lugar da insersaõ dos foliolos; outras vezes indurece, e termina em huma ponta espinhosa como no astragalus tragacantha. Peciolo composto (compositus) divide-se em peciolos parciaes, que sostem nas suas pontas ou lados mais de hum so foliolo, como nas recompostas e sobrecompostas; estes peciolos secundarios saõ mais ou menos ramificados e sempre mais compridos do que os das folhas compostas. Peciolo commum (communis) he o que tem no topo ou nos lados muitos foliolos, ou muitos peciolos parciaes. Peciolo parcial (partialis) he o que nasce do peciolo commum; os peciolos parciaes às vezes saõ immediatos ao peciolo commum, outras vezes ramificaõse mais ou menos variamente; nesta circumstancia os ultimos saõ chamados immediatos, e os que medeaõ entre elles, e o peciolo commum tem o nome de mediatos.

O peciolo distingue-se facilmente do pedunculo

He rarissimo que esta distinçaõ falhe, contudo na turnera, e nalgumas especies de hibiscus, o pé da folha achase confundido com o da flor. Elle eleva às vezes folhas que daõ flores, como se vê nas especies de ruscus.
, pela razaõ de que este he o esteio da flor. Elle he todo coberto da epiderme que lhe vem do tronco ou ramos, a que está apegado; divisaõ-se-lhe no seu [p. 81] interior varias sortes de vazos que se vaõ distribuir na substancia da folha. Observa-se muitas vezes junto do seu topo huma certa substancia mais esponjosa, e transparente do que no restante do seu corpo, e daqui se julga proceder a flexibilidade taõ necessaria aos diversos movimentos das folhas. Alem das relaçoẽs de simplicidade e composiçaõ, o peciolo pode ser considerado quanto à sua figura, grandeza, apêgo, direcçaõ, e superficie.

1º. Quanto á sua figura, diz-se ser:

Linear (linearis), se tem a mesma largura em todo o seu comprimento; elle he hum tanto chato em algumas folhas.

Alado (alatus) se he nos lados guarnecido de huma producçaõ membranosa ou folheacea, a qual ordinariamente se acha na sua parte superior (a larangeira).

Aclavado ou massudo (clavatus), he mais grosso da banda da sua ponta, ou junto da base da folha, de maneira que representa de algum modo a forma de huma massa (trapa natans).

Roliço (teres) he cylindrico, ou semelhante a hum rolo: semiroliço (semiteres) he semicylindrico, ou semelhante à metade de hum rolo partido longitudinalmente.

Adelgaçado (attenuatus), quando se adelgaça ou he comprimido junto da ponta (populus tremula)

Membranoso (membranaceus), he chato como huma folha ou como huma membrana, naõ tendo polpa sensivel entre as suas superficies.

Trigumeo (triquete) tem tres angulos ou gumes, e tres faces planas.

[p. 82]

Canaliculado (canaliculatus), quando tem hum règo longitudinalmente na sua face superior (rubus idœus).

2º. Quanto á grandeza relativa ou comparada com o comprimento da folha, diz-se ser:

Curto (brevis), se a folha he sensivelmente mais comprida do que elle: curtissimo (brevissimus), se ella o excede summamente no comprimento.

Mediocre (mediocris), quando o seu comprimento he igual ao da folha, ou que a differença de igualdade he pouco sensivel.

Comprido (longus), se he evidentemente mais comprido do que a folha: compridissimo (longissimus), se o seu comprimento excede summamente o da folha.

Quanto á grandeza absoluta (vej. pag. 23, art. 2º)

3º. Considerado relativamente ao seu apego, diz-se ser:

Inserido ou conjuntado (insertus), quando se apega ao caule como por huma articulaçaõ, e ordinariamente forma angulos muito abertos com os ramos (as arvores).

Innato (adnatus), tem a base larga, e se apega taõ fortemente ao tronco ou ramos, que parece confundir-se com a sua substancia; naõ se pode arrancar sem se espedaçar a casca do tronco, o que naõ succede nos peciolos inseridos.

Decursivo ou decurrente (decurrens), quando a sua base se prolonga sobre o tronco ou ramos, e corre por elles abaxo.

[p. 83]

Amplexicaule ou abarcantes (amplexicaulis), quando abarca com a sua base o tronco ou ramos.

Appendiculado (appendiculatus), quando tem na base alguns appendiculos, orelhas, ou producçoẽs folheaceas (dipsacus pilosus).

Envaginante (vaginans), quando com a sua base reveste e cerca o tronco ou ramos a modo de bainha.

4º. Quanto á direcçaõ, diz-se ser:

Levantado (erectus, s. arrectus), quando forma com o tronco ou ramos hum angulo agudissimo, chegando-se muito à poziçaõ perpendicular.

Patente (patens), quando forma com o tronco ou ramos hum angulo quasi recto.

Remontante (assurgens), quando ao sahir do tronco ou ramos he horizontal ou abaxa hum tanto, mas levanta-se depois com a ponta para cima, vindo assim a formar huma especie de arco.

Recurvado (recurvatus) he o contrario do precedente; ergue-se hum tanto em arco ao sahir do tronco, e se curva depois para baxo.

5º. Quanto á superficie, diz-se ser:

Nu (nudus) quando naõ tem pelos, nem glandulas, excrescencias, espinhos, nem sorte alguma de armas.

Glabro (glaber) se he nu, e a sua superficie he liza. Aculeado (aculeatus), quando tem aculeos (a sylva, e roseiras). Espinescido (spinescens), se tem espinhos muito raros e fracos, ou taõbem quando he rijo, endurecido, e picante na ponta

Nesta circumstancia so pode ter lugar nas folhas pinnuladas.
convertendo-se [p. 84] em hum espinho (astragalus tragacantha). Inerme (inermis), se naõ tem espinhos de sorte alguma.

Articulado (articulatus), se tem huma ou mais articulaçoẽs.

CAPITULO V. Das partes accessivas das plantas.

As partes accessivas das plantas a que Linneo dá

Sigo nesta divisaõ a sua Phil. Bot. n. 84, porque o mesmo Autor no seu tractado dos termos Botanicos estendeo taõbem o nome de esteios aos peciolos e pedunculos.
o nome de esteios (fulcra) saõ as estipulas, gavinhas, glandulas, pêlos e sedas, armas, e bractéas. Estas producçoẽs servem a ornar, soster, e proteger as plantas, a algumas secreçoẽs, e he raro que os vegetaes pereçaõ, quando dellas violentamente saõ privados.

Estipulas.

As estipulas saõ escamas, folhiços, ou appendices que de achaõ na base dos peciolos ou pedunculos. Ellas se observaõ nas roseiras, pereira, gallega, e outras plantas das classes Icosandria e Diadelphia; ha contudo algumas classes e familias que saõ inteiramente destituidas de plantas estipulosas, como por ex. as labiadas, borragineas ou asperifolias, estrelladas, [p. 85] cruciferas, liliaceas, orchideas, e quasi todas as compostas.

Aindaque as estipulas saõ ordinariamente descriptas com os mesmos termos que expûz no capitulo das folhas; naõ deixarei contudo de tractar aqui dos que mais frequentemente lhes saõ dados. Dizem-se ser:

Nullas (nullae), quando naõ existem na base dos peciolos ou pedunculos.

Solitarias (solitariae), quando huma somente se acha na base do peciolo (gilbarbeiras, e melianthus maior).

Emparelhadas (geminae), quando se achaõ duas a duas na base do peciolo (a pereira, e a maior parte das plantas que saõ estipulosas.)

Lateraes (laterales), quando estaõ postas nos lados do peciolo ou do pedunculo.

Extrafolias (extrafoliaceae), quando estaõ postas abaxo da folha ou do seu peciolo (a tilha, betula alnus, e as plantas da classe Diadelphia).

Intrafolias (intrafoliaceae), quando estaõ postas acima do ponto de apego do peciolo (a figueira, e amoreira).

Contrafolias (oppositifoliæ), quando estaõ situadas ao lado de folhas oppostas, ou estaõ taõbem defronte de hum peciolo.

Caducas (caducae), quando cahem primeiro do que as folhas.

Decadentes (deciduae), se cahem juntamente com as folhas.

Persistentes (persistentes), se persistem depois das folhas cahirem (as plantas da Diadelphia e Icosandria polygynia.

Espinescidas (spinescentes, s. spinosae), quando saõ [p. 86] duras, agudas, e picantes

Saõ ordinariamente verdadeiros espinhos ou aculeos postos nas axillas das folhas, ou no ponto em que estas ou o seu peciolo se apegaõ aos ramos.
(a alcaparra, e algũmas especies de asparagus).

Rentes (sessiles), se estaõ apegadas immediatamente ao tronco ou ramos, sem terem hum pequeno peciolo.

Innatas (adnatae), se estaõ apegadas ou adunadas na base do peciolo (roseira, e sylva). Soltas (solutae), quando estaõ despegadas do peciolo.

Dizem-se taõbem decursivas, envaginantes, assoveladas, lanceoladas, afrechadas, levantadas, recurvadas, patentes, integerrimas, serreadas, celheadas, denteadas, fendidas, &c. termos que ficaõ ja explicados no capitulo das folhas, com as quaes ellas tem huma grande analogia.

Consideradas quanto á sua grandeza saõ comparadas com o peciolo, ou com a folha, no cazo que esta seja rente, e se dizem ser: curtas, curtissimas, mediocres, compridas, e compridissimas

Vej. a explicaçaõ destes termos no CAP. Do peciolo, art. 2º.
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Gavinhas.

As gavinhas (cirrhi)

Em lugar do termo cirrhus achaõ-se taõbem em muitos autores as palavras capreoli, clavicula e viticuli, mas estes termos saõ menos extensos na sua significaçaõ, porquanto rigorosamente sò indicaõ gavinhas lenhosas ou ellos (como saõ os da videira) e o termo gavinha (cirrhus) comprehende tanto as herbaceas, como as lenhosas.
saõ humas producçoẽs [p. 87] filiformes ou cordinhas, por meyo das quaes as plantas trepadoras e sarmentosas se agarraõ aos corpos vizinhos (a videira, chixaro, e ervilhas). Ellas saõ susceptiveis de se enroscar mais ou menos, e nisto se destinguem das radiculas da hera e de outras plantas parasitas que tem troncos raigotosos, às quaes alguns daõ o nome de gavinhas bastardas ou improprias.

A gavinha diz-se ser: simplez (simplex), quando naõ se divide nem ramifica de modo algum.

Multifendida (multifidus), se acaso se divide em muitos ramos; bifendida, trifendida, &c. (bifidus trifidus, &c.) quando se divide em dois, tres ramos, &c.

Axillar (axillaris), se nasce da axilla formada pela base do peciolo ou pedunculo com os ramos: subaxillar (subaxillaris) se nasce abaxo da axilla.

Contrafolia (oppositifolius), quando no tronco ou ramos tem o ponto de apego fronteiro ao do peciolo.

Folhear (foliaris), quando nasce da substancia de huma folha simplez ou composta (de ordinario nasce da sua ponta.) Nas folhas jungidas muitas vezes em lugar de se dizer gavinha folhear, diz-se gavinha polyphylla, diphylla, tetraphylla, &c. (polyphyllus, diphyllus, tetraphyllus, &c.) isto he, gavinha de muitos foliolos, de dois, de quatro, &c.

Mas nestas circumstancias o melhor sera usar dos termos: gavinhas folheares terminaes, ou folhas gavinhosas.
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Peciolar ou terminal (petiolaris, s. terminalis), quando nasce do topo do peciolo prolongado, como nas folhas jungidas.

[p. 88]

Peduncular (peduncularis), se nasce do pedunculo ou do pe que sostem a flor.

Encaracollada para dentro (convolutus), se a sua ponta se annela ou enrosca inclinando-se para a banda de dentro do tronco ou ramos.

Encaracollada para fora (revolutus), quando se enrosca em huma direcçaõ opposta á precedente, ou forma meyos anneis para a banda de fora do tronco. Alguns taõbem as denominaõ encaracolladas á direita, ou à esquerda; mas todas estas sortes de annelado saõ muito sojeitas a variar.

Glandulas.

Debaxo do nome de glandulas os Botanicos comprehendem em geral ora certas excrescencias ora certas cavidades, que se achaõ no exterior dos vegetaes, e lhes tem dado os nomes de tuberculos, mamillos, verrugas, graõsinhos, utriculos, vesiculas, callos, pontos, fossulas, pustulas, cicatrizes, pòros, &c. de que fallarei, quando tractar da glandulaçaõ relativa ao habito externo.

As glandulas (glandulae), de que prezentemente devo fazer mençaõ saõ certos graõsinhos de formas differentes, que se observaõ principalmente nas folhas e producçoẽs analogas a ellas. Estas excrescencias parecem, como muitas outras, ser destinadas a certas secreçoẽs; humas saõ assaz visiveis sem lente, e outras precizaõ de microscopio ou lente para bem se poderem destinguir; as primeiras saõ somente as que se devem [p. 89] empregar por sinaes caracteristicos; mas como Linneo naõ deixou de tractar taõbem das segundas para intelligencia de

Duhamel, Physique des arbres; Guettard, Observations sur les plantes aux environs d'Estampes, &c.
alguns autores, seguirei aqui o seu exemplo.

As glandulas dizem-se: peciolares (petiolares), quando se daõ no peciolo da folha (o martyrio e noveleiro); estipulares (stipulares), quando se daõ nas estipulas; bracteares (bracteares), se nas bracteas; pedunculares (pedunculares), se nos pedunculos; capillares (capillares), se nascem dos pelos, ou estaõ unidas a elles

Ellas taõbem se achaõ nos estames e antheras; e nesta circumstancia podiaõ ser chamadas: estaminares, e antherinas.
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Folheares (foliares, s. foliaceae), quando se daõ nao folhas; as vezes estaõ na base (como na abobara cabassa ou carneira); outras vezes nos dentes (como no salgueiro e amendoeira); outras emfim no dorso da folha, nas nervuras, ou em qualquer das duas faces. Algumas vezes estas glandulas saõ hum tanto concavas (concavae.)

Rentes (sessiles), se naõ tem pedicello algum que as sostenha (o noveleiro e salgueiro): apedicelladas (stipitatae), se saõ sostidas por hum curto pésinho (o martyrio).

Milheares (mileares), quando saõ muito bastas e vistas ao microscopio se assemelhaõ aos graõs de milhaan ou milho miudo.

Globulares (globulares), assemelhaõ-se a graõs de escomilha.

[p. 90]

Lenticulares (lenticulares) se tem a forma de huma lentilha.

Naviculares (naviculares), assemelhaõ-se a hum baixel ou navetta.

Tubulares (tubulosae), assemelhaõ-se a hum tubo.

Copolinas (cupulares), saõ hum tanto semelhantes a copinhos ou tigellinhas.

Assovelladas (subulatae), saõ lineares na parte inferior, e se estreitaõ para a ponta como hum ferro de sovella.

Vesiculares (vesiculares), assemelhaõ-se à pequenas vesiculas ou bolhas miudinhas cheyas de ar

Este termo he taõbem usado como synonymo de utriculares.
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Encadeadas ou enfiadas, (catenulatae), saõ globulares e postas humas immediatamente depois das outras, como contas enfiadas.

Utriculares (utriculares), quando vistas com o microscopio

Estas glandulas,saõ differentes dos utriculos internos, e dos externos que se achaõ em certas plantas, como na utricularia, maregravia, &c.
parecem assemelhar-se a borrachinhas.

Trichismo e hispidez.

Debaxo do nome de trichismo (trichismus)

Linneo da ao trichismo o nome de pubes, pubescentia e hirsuties; mas estes termos tem huma significaçaõ menos geral, e equivoca, porisso julgei mais acertado usar do primeiro.
, deve entender-se toda a sorte de excrescencias capillares finas, e pelo de hispidez (hispiditas) qualquer [p. 91] sorte de sedas mais ou menos rijas. Nestas duas relaçoẽs podem-se considerar as produccoẽs seguintes.

O cotanilho (tomentum), he huma especie de excrescencia vegetal, que consta de fios enleiados huns com os outros, taõ conchegados e taõ curtos, que so com huma lente se podem bem destinguir. O cotanilho ordinariamente he branco (as folhas do alemo).

Fêlpa (villus), he huma especie de excrescencia que consta de véllos macios, conchegados, distinctos visivelemente, e curtos. Vê-se nos ramos e folhas do sumagre, e nos fructos verdes do marmelleiro logo depois da florescencia, e nesta circumstancia lhe chamamos carépa, que se alimpa depois com o crescimento; a carépa contudo em alguns outros fructos parece ser hum misto de felpa e cotanilho. Os vellos fazem a surperficie aveludada, e ás vezes assetinada.

Pelos (pili), saõ excrescencias capillares, destinctos visivelmente, hum tanto distantes entre si, mui flexiveis, ordinariamente mais compridos do que os vellos, e sempre mais rudes ao tacto (a pilosella, a herniaria hirsuta, e o juncus pilosus). Daõlhes o nome de barbas, quando saõ dispostos em pilhas ou fasciculados (mesembrianthemum barbatum)

Da-se taõbem algumas vezes este nome aos pelos compridos, rectos, e parallelos, aindaque naõ se achem em fasciculos.
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Laan ou lanugem (lana, s. lanugo), he huma excrescencia, que consta de fios bastos, curvados, compridos, e tecidos como huma tea de aranha (as especies de onopordon.)

Sedas (setae), saõ excrescencias cylindricas, e [p. 92] levantadas, que differem dos pelos por serem hum tanto mais grossas, e por serem rijas, inflexiveis, e quebradiças (echium vulgare).

Cerdas (strigae), saõ excrescencias setaceas, mais rijas do que as sedas, picantes, e hum tanto chatas

As cerdas, segundo,o uso mais geral desta palavra, saõ sedas ora hum tanto planas, ora roliças, e picantes; ellas estabelecem a passagem das sedas menos rijas aos espinhos e aculeos, ou para melhor dizer, saõ espinhos ou aculeos, de menor grandeza e os mais fracos, como se vem nas folhas e pedunculos de algumas sylvas e roseiras, no rubus caesius & hispidus, e taõbem no echinops strigosus.
(lactuca virosa).

Celhas (cilii) saõ qualquer sorte de pelos ou sedas que se achaõ postas no fio marginal das folhas ou das producçoẽs folheaceas (o saiaõ, e lichen ciliaris).

Pegamaços (hami) saõ arestas, praganas curtas, ou sedas simplez, que tem hum so gancho na ponta, ou que terminaõ em huma ponta aguda e curvada (o fructo da agrimonia, o calyz da bardana). Algumas vezes as sedas ou arestas terminaõ em duas, em tres, ou mais pontas curvadas, e susceptiveis de se pegarem aos vestidos como os pegamaços; estes ganchos ou denticulos curvados saõ por alguns autores chamados glochins (glochides), semelhantes aos que se daõ nas praganas do trigo e cevada; mas ordinariamente o termo de glochins he dado ás sedas curtas que terminaõ em dois ganchos: se terminaõ em tres, chamaõ-lhes triglochins (triglochides)

O termo glochides he tomado as vezes como adjectivo na significaçaõ de uncinatus, gancheado, e o mesmo he o triglochides, que se toma na significaçaõ de tricuspides, de tres pontas gancheadas, ou curvadas em forma de tres ganchos.
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Em geral as sedas e alguns pelos, segundo as [p. 93] observaçoẽs que se tem feito com lentes, e ainda mesmo a olhos nûs, saõ denominados: simplez, ramosos, cylindricos, pyramidaes, gancheados, glandulosos, forquilhosos, bifendidos, em forma de machadinha, estrellados, plumosos, fasciculados, articulados, nodosos, caudatos, em forma de aspersorio, &c.

Armas das plantas.

Assim como o Autor da natureza deo aos animaes armas para sua defeza, assim taõbem, dizem os Botanicos, as deo ás plantas a fim de que os animaes menos as offendessem e estragassem.

As armas dos vegetaes saõ ordinariamente reduzidas pelos Botanicos a tres especies, a saber, ferroẽs, aculeos, e abrolhos ou espinhos do lenho.

Os ferroẽs (stimuli) saõ huma especie de sedas mais ou menos compridas, com huma ponta finissima venenosa, que fere a pelle nua, sem effusaõ de sangue, e nella causa subitamente inflammaçaõ com pruido (a ortiga, malpighia urens, e jatropha urens). Elles tem grande analogia com os ferroẽs das vespas, e abelhas.

Aculeos (aculei), ou espinhos corticaes, saõ producçoẽs lenhosas mais grossas, rijas, e duras do que as sedas, e cerdas, agudas, picantes com effusaõ de sangue, apegadas á casca da planta e naõ ao lenho, podendo-se arrancar ordinariamente sem grande estrago da parte da planta a que jazem afferradas; taes gaõ os que se achaõ no caule das sylvas e roseiras

Nas especies de cactus, euphorbia, e solanum alguns Botanicos chamaõ aculeos ao que outros chamaõ espinhos ou abrolhos; mas deve-se observar que os verdadeiros abrolhos passaõ a ser ramos nas plantas lenhosas; e nas herbaceas jamais cahem ou se despegaõ do tronco, perecem com elle, e as suas fibras naõ parecem articular-se, mas prolongaõ-se, e confundem-se com as demais formando huma continuada e indistincta substancia, o que naõ tem lugar nos aculeos propriamente taes.
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[p. 94]

Abrolhos ou espinhos do lenho (spinae), saõ producçoẽs lenhosas, e agudas, que nascem do lenho e naõ meramente da casca, que tem fibras summamente prolongadas de modo que formaõ huma substamcia continuada taõ intimamente, que senaõ podem arrancar sem grande estrago da parte donde nascem; daõ-se no tronco e ramos, como se vê no pirliteiro, restaboi, limoeiro, e abrunheiro bravo; nas folhas, como no zimbro, alcaxofas, e cardos; no calyz, como no cardo sancto; nos fructos, como no abrolho, e datura ferox.

Quando os aculeos, ou ainda mesmo os espinhos do lenho se dividem na base ou acima della em duas ou tres pontas, daõlhes o nome de garfins bicuspides ou tricuspides, e o de forquilhas bidenteas ou tridenteas (furcae bifidae, s. trifidae). No cazo que se ramifiquem em quatro, cinco, ou mais pontas dizem-se: apalmados ou digitados (palmati-ae, digitati-ae), como se vê nas especies de berberis.

Os espinhos dizem-se ser: terminaes (terminales), quando se achaõ nas pontas dos ramos, folhas, &c.; axillares (axillares), se nascem nas axillas; calycinos (calicinae), quando se daõ no calyz, nos seus foliolos ou lacinias; folheares (foliares), se nascem nas folhas; simplices (simplices), se naõ saõ divididos; ramosos ou divididos (divisae, s. ramosae), se acazo se ramificaõ, principalmente na sua parte superior.

[p. 95]
Bractéas.

As bractéas (bracteae); saõ pequenas folhas, proximas ás flores, differentes das mais folhas da planta pela sua figura e as vezes taõbem pela sua cor (o til ou tilha, o rosmaninho, a coroa imperial, &c.). Algumas flores ou pedunculos saõ guarnecidos de huma so bractéa, outros saõ acompanhados de muitas.

Dizem-se: grandes ou pequenas (magna aut parvae), segundo saõ maiores ou menores do que as flores ou seus pedunculos.

Còradas (coloratae), se tem huma cor differente da verde (salvia horminum, e a alfazema).

Caducas (caducae), se cahem antes das flores: decadentes (deciduae), se cahem ao mesmo tempo que as flores: persistentes (persistentes), se persistem athe a madureza do fructo ou ainda mesmo depois delle ter cahido, o que he o mais ordinario, contribuindo isto taõbem a faze-las destinguir dos foliolos do perianthio.

Comosas (comosae, s. coma) quando saõ bastas, numerosas, e estaõ situadas acima das flores na ponta do tronco ou ramos (acoroa imperial, os ananazes, a alfazema, rosmaninho, salvia horminum, e fritillaria regia). Nalgumas destas plantas as bractéas saõ bastantemente grandes e copadas.

As bractéas tem ainda muitas outras denominaçoẽs em tudo semelhantes ás das folhas, com as quaes [p. 96] tem huma intima analogia, e porisso as omitto aqui.

CAPITULO VI. Do pedunculo.

O pedunculo (pedunculus) he a parte do tronco ou ramos que serve de esteio á flor, e a que chamaõ vulgarmente o pé da flor. Elle tem huma intima analogia com os ramos, e lhe daõ por esse motivo muitas das suas denominaçoẽs.

Diz-se ser: commum (communis), quando sostem muitas flores ou se divide em pedunculos parciaes.

Parcial (partialis), quando nasce do pedunculo commum ramificado; subdivide-se as vezes ainda em outros menores, a que chamaõ pedicellos ou pedunculos immediatos (pedicelli).

1º. Os pedunculos considerados, quanto ao lugar a que estaõ apegados na planta, dizem-se ser:

Radicaes (radicales), quando nascem immediatamente da raiz (a pilosella, potentilla anserina, e o paõ de porco). Estes pedunculos saõ curtos, sem folhas, e ordinariamente uniflòros; saõ a mesma coiza que hasteas simplices ou simplicissimas.

Caulinos (caulini), quando nascem do caule.

Rameos (ramei), se nascem dos ramos.

Peciolares (petiolares), se nascem dos peciolos (o hibiscus moscheutos, e algumas especies de turnera). [p. 97] Alguns daõ-lhes taõbem o nome de folheares (foliares) nesta mesma accepçaõ.

Gavinhosos (cirrhiferi, s. cirrhosi), quando lançaõ huma gavinha na ponta (vitis indica, cardiospermum). Alguns daõ-lhes taõbem este nome e o de voluveis, ou enroscados (volubiles), se elles se enroscaõ como huma gavinha.

Terminaes (terminales), quando se achaõ na ponta do tronco ou ramos (a tulipa, e o alfeneiro).

Axillares (axillares, alares), quando nascem das axillas das folhas ou ramos (a neveda).

Contrafolios (oppositifolii), se nascem fonteiros ao ponto de apego da folha (a videira, e dulcamára).

Lateraes ou laterifolios (laterales s. laterifolii) quando se achaõ apegados ao lado da base da folha, ficando esguelhados a ella (a borragem). Alguns daõ contudo o nome de lateraes aos que nascem nos lados do tronco ou dos ramos, e os oppoem aos terminaes.

Unilateraes (unilaterales), se tem todos o seu ponto de apego em hum mesmo lado, seja qual for a sua direcçaõ: segundinos (secundi), quando estaõ todos inclinados para a mesma banda, ainda que o seu ponto de apego naõ seja exactamente no mesmo lado.

Entrefolheaceos (interfoliacei), nascem nas axillas das folhas oppostas, mas seguem-se alternativamente (asclepias vincetoxicum).

Sobrefolheaceos (suprafoliacei, seu supini)

O termo supinus usa-se taõbem em lugar de resupinatus.
, quando tem o seu ponto de apego hum tanto acima [p. 98] da axilla ou inserçaõ da folha. Alguns chamaõ-lhes taõbem sobraxillares (supraxillares).

Extrafolheaceos (extrafoliacei), quando tem o seu ponto de apego hum tanto abaxo ou desviado do ponto da insersaõ da folha: em alguns cazos podem-se chamar subaxillares.

2º Quanto á sua situaçaõ, dizem-se ser:

Alternos (alterni), se acaso se seguem nos dois lados alternativamente do modo que expliquei fallando das folhas alternas. Oppostos (oppositi), quando na mesma altura se acha hum defronte do outro.

Dispersos (sparsi), saõ raleados, copiosos, postos em distancias desiguaes nos lados do tronco ou ra mos, sem guardar ordem alguma.

Conglomerados (conglomerati), quando pertencem a huma panicula apertada; saõ dispostos sem ordem, mas approximados estreitamente (os amaranthos).

Conglobados (conglobati), quando formaõ huma especie de globo; as umbrellas da angelica e algumas flores capitozas tem pedunculos bem visivelmente conglobados. Alguns botanicos usaõ contudo deste termo em lugar de conglomerados.

Capitosos (capitati), se sostêm flores dispostas em cabeça, como os de alguns trevos.

Espigosos (spicati), se saõ dispostos em espiga.

Paniculados (panniculati), se saõ dispostos em panicula: thyrsosos (thyrsiflori), se saõ dispostos em thyrso.

Corymbosos (corymbosi), se saõ dispostos em corymbo.

[p. 99]

Fasciculados ou copados (fasciculati, s. fastigiati), se saõ dispostos em fasciculo.

Racimosos (racemosi), se saõ dispostos em racimo.

Umbrellados (umbellati), se saõ dispostos em umbrella.

Verticillados (verticillati), se saõ dispostos em verticillo.

3º Quanto ao numero, o pedunculo diz-se ser:

Simplez (simplex), quando se divide em rarissimos pedicellos; simplicissimo (simplicissimus) se he unifloro, naõ se dividindo em pedunculos alguns. Multifloro (multiflorus), se sostem muitas flores; unifloro, bifloro, trifloro, quadrifloro, &c se sostem huma, duas, tres, quatro flores, &c.

Composto ou ramoso (compositus, s. ramosus), quando se ramifica em muitos pedunculos parciaes.

Solitario (solitarius), se naõ tem outro ao seu lado no mesmo ponto de apego.

Dois a dois (gemini, geminati, bini), quando se achaõ dois no mesmo ponto de apego ou quasi ao lado hum de outro, e deste modo continuaõ nas mais partes do tronco ou ramos: neste mesmo sentido se dizem ser taõbem: tres a tres, quatro a quatro, &c. (terni, quaterni, &c.)

Numerosos (numerosi, multiplices), quando saõ em grande numero, ou sejaõ situados nas umbrellas e verticillos, ou ao longo dos ramos, receptaculos communs, &c.

4º Quanto a direcçaõ, dizem-se ser:

Encostados (appressi), quando em quasi todo o [p. 100] seu comprimento jazem encostados ao tronco ou ramos.

Levantados (erecti), se formaõ com o tronco ou ramos hum angulo agudissimo, estando muito pouco desviados delles.

Patentes (patentes), se formaõ com o tronco ou ramos hum angulo quasi recto: horizontaes (horizontales), se formaõ hum angulo recto com o tronco ou ramos.

Coarctados (coarctati), quando se achaõ muitos juntos, approximados, e quasi parallelos.

Resupinados (resupinati), quando sostem flores, que tem corollas resupinadas.

Acenosos (cernui, nutantes), quando em razaõ da sua debilidade, e pezo da sua flor se survaõ na ponta virando esta ou para a terra ou para a ilharga (o gyrasol, o geum rivale, e carduus nutans).

Fracos (flaccidi), quando saõ taõ debeis que basta o pezo da sua flor para os fazer curvar ou ficar pendentes.

Pendentes ou verticaes (penduli, s. verticales), quando estaõ dependurados perpendicularmente para a terra (convallaria polygonatum).

Recurvados (recurvati), quando se elevaõ hum pouco, e depois se curvaõ para baxo.

Remontantes (ascendentes), saõ hum tanto arqueados perto da base, e depois se indireitaõ levantando a ponta para cima.

Irtos ou rectos (stricti), quando naõ tem tortuosidades nem curvatura alguma.

Tortuosos ou ondeados (flexuosi, s. undulati), [p. 101] quando tem tortuosidades ou dobras alternativas, á maneira de huma espada columbrina (aira flexuosa).

Requebrados (retrofracti), quando saõ quasi pendentes, e tem articulaçoẽs angulozas, parecendo como quebrados.

5º Quanto á sua medida relativa, saõ comparados com a flor, e se dizem: curtos, curtissimos, mediocres, compridos e compridissimos. Quanto à sua medida absoluta, veja-se pag. 25, art. 2º.

6º. Quanto á sua superficie e estructura, dizem-se:

Roliços (teretes), se saõ semelhantes na forma a hum rolo: trigumeos (triquetri), se tem tres gumes agudos: trigònos (trigoni), se tem tres gumes hum tanto embotados: quadrigumeos (quadriquetri), se tem quatro gumes afiados: tetragonos (tetragoni), se tem quatro gumes embotados.

Filiformes (filiformes), saõ delgados e de igual grossura, semelhantes a hum fio de linhas ordinario.

Adelgaçados (attenuati, s. acuminati), quando se adelgaçaõ, para a ponta.

Engrossados (incrassati), quando engrossaõ para a ponta ou junto do caliz da flor: se junto da flor engrossaõ á maneira de huma massa, dizem-se: aclavados (clavati).

Articulados (articulati), se tem huma junta ou ainda mais geniculados ou nodosos (geniculati), se as juntas saõ tumidas á maneira de nòs.

Bracteados (bracteati), se saõ guarnecidos de bracteas: folhosos (foliati), se saõ guarnecidos de folhas: escamosos (squamosi), se tem escamas: segundo as [p. 102] producçoẽs que os guarnecem dizem-se ainda: espinhosos, aculeados, escabrosos, hispidos, cerdosos, peludos, felpudos, lanudos, cotanilhosos, &c.

Alados (alati, s. membranacei), se tem ao longo huma producçaõ membranosa a modo de aza: decursivos (decurrentes), se esta producçaõ se prolonga alem da sua base sobre o tronco ou ramos: involucrados (involucrati), se tem hum involucro.

Nûs (nudi), se naõ tem folhas, bracteas, escamas, membranas, nem pelos alguns: inermes (inermes), se naõ tem sorte alguma de armas ou espinhos.

Alguns os denominaõ ainda: estereis (steriles); se sostem flores abortivas, que naõ daõ fructo: ferteis ou fecundos (fertiles), se estas daõ fructo.

CAPITULO VII. Da disposiçam das flores.

A disposiçaõ das flores chamada por Linneo inflorescencia (inflorescencia), he o modo com que ellas saõ apegadas aos pedunculos ou a qualquer parte do tronco.

As flores em geral ou saõ rentes ou pedunculadas; as rentes (sessiles), saõ as que estaõ apegadas ao tronco ou a qualquer parte da planta, sem terem pedunculo algum; as pedunculadas (pedunculati), saõ estejadas em hum pedunculo.

A disposiçaõ das flores sendo analoga á dos pedunculos, conhece-se claramente que ellas devem [p. 103] participar de hum grande numero de denominaçoẽs em tudo semelhantes, como por ex. saõ as de terminaes, lateraes, unilateraes, segundinas, dispersas, solitarias, duas a duas, tres a tres, levantadas, patentes, horizontaes, verticaes, acenosas, &c. termos que ficão explicados no capitulo precedente. As principaes disposiçoẽs das flores podem reduzir-se ás seguintes, a saber: flores compostas, aggregadas, espadiceas ou enrocadas, verticilladas, capitosas, espigosas, casulosas, amentilhosas, corymbosas, paniculadas, thyrsosas, racimosas, fasciculadas, umbrelladas, e cymosas.

A flor composta (compositus), he a que contem dentro de hum perianthio commum muitas pequenas flores rentes, pegadas à hum receptaculo commum dilatado lateralmente; as antheras dos seus flosculos saõ adunadas, e cada flosculo he sobraposto a huma semente (o gyrasol, a macella; as boninas, &c). Eu fallarei mais circumstanciadamente desta sorte de flores em outro lugar.

Aggregada

Linneo estende o nome de flor aggregada ainda a muitas outras, mas rigorosamente a flor aggregada he a sobredicta.
(aggregatus) he semelhante á composta; mas os seus flosculos naõ tem antheras adunadas, e às vezes saõ sostidos em pedicellos curtissimos (a saudade, e cardo penteador).

Espadicea ou enrocada (spadiceus), consta de muitos flosculos rentes ou pedunculados, nascidos de hum receptaculo commum oblongo, contido em huma espatha. Este receptaculo he chamado roca ou espadice (spadix); elle diz-se simplez (simplex) no pe de bezerro, em razaõ de se naõ ramificar, e ramoso [p. 104] (ramosus) nas palmeiras, por se dividir em alguns ramos.

Verticillada (verticillatus), he disposta em verticillo; o verticillo (verticillus) he huma pilha de flores rentes, ou pedunculadas; postas á roda do tronco em forma de annel, como se vê no marroyo branco, e hortelaan. O verticillo diz-se: rente (sessilis), se as flores que o formaõ naõ tem pedunculo; pedunculado (pedunculatus), se ellas saõ pedunculadas: involucrado (involucratus), se tem hum involucro: bracteado (bracteatus), se he acompanhado de alguma bractea: nu (nudas), se naõ tem involucro nem bractea alguma: basto (confertus), se os flosculos que o compoem estaõ, approximados densamente: raleado (distans), se os seus flosculos estaõ hum tanto distantes entre si: semicircular (dimidiatus), quando, os seus flosculos naõ formaõ á roda do tronco hum annel completo, mas somente metade delle.

Flor capitosa (capitatus), he a que representa huma especie de cabeça, ou que se acha conglomerada em cabeça (capitulum); esta consta de muitos flosculos densamente conchegados em huma forma mais ou menos globular. A cabeça de flores diz-se: globosa (globosum), se prezenta huma figura espherica, como na gomphrena globosa; hum tanto globosa (subrotundum), se tende hum tanto à forma espherica: semiglobosa (dimidiatum), se presenta meya cabeça, ou huma forma hemispherica, sendo bojuda de huma banda e plana da outra: folhosa (foliosum), se he acompanhada de folhas: bracteada (bracteatum), se he guarnecida de bracteas: nua (nudum), se naõ tem folhas nem bracteas.

[p. 105]

Flor espigosa (spicatus), consta de muitos flosculos dispostos em espiga. A espiga (spica) he huma flor congregada, que consta de muitos flosculos alternos rentes ou com curtissimos pedicellos levantados. Os seus flosculos saõ apegados a hum receptaculo commum oblongo, chamado carolim ou carolo (rachis), como se vê na tanchagem, cevada, trigo, milho, e muitos outros grames. A flor casulosa (flos glumosus), he verdadeiramente huma especie de flor espigosa propria das gramineas, e he assim denominado pela razaõ de ser hum casulo o caliz commum ou particular dos seus flosculos. A espiga-diz se ser: simplez (simplex), quando consta de flores solitarias, e o seu receptaculo commum naõ se divide em pedunculos nem receptaculos menores, que formem pequenas espigas, (a tanchagem). Composta (composita), quando o receptaculo commum se divide e lança pequenas espiguettas (spiculae, s. spicillae), como se vê no joyo. Conglomerada (glomerata), quando he composta ou recomposta, e que as suas espiguettas estaõ muito apertadas e variamente amontoadas (a alpista, e dactylis glomerata). Disticada (disticha), se os seus flosculos ou espiguettas estaõ em dois renques oppostos (o bolebole). Segundina (secunda), quando os seus flosculos estaõ apegados, e virados todos para shuma so e mesma banda (nardus stricta). Ovada (ovata), se tem huma figura ovada (o bolebole). Bojuda (ventricosa), se he tumida no meyo, e estreita nas duas extremidades superior e inferior. Cylindrica (cylindrica), se tem a forma roliça em todo o seu comprimento. Interrompida (interrupta), quando o pedunculo commum ou receptaculo commum tem [p. 106] alternativamente alguns intervallos calvos de flosculos ou espiguettas (a alfazema). Imbricada (imbricata), se os seus flosculos saõ imbricados longitudinalmente

Estes flosculos saõ ordinariamente segundinos ou unilateraes.
. Articulada (articulata), se o seu carolim tem articulaçoẽs. Ramosa (ramosa), se he variamente ramificada, e que os seus ramos contem espigas ou espiguettas. Dimidiada (dimidiata), quando de hum lado longitudinalmente he calva, e do outro toda guarnecida de flosculos ou espiguettas. Linear (linearis) he comprimida e de igual largura longitudinalmente, Folhosa (foliacea), se he guarnecida de alguns fofiolos dispersos. Comosa (comosa), se he terminada por bracteas comosas (o rosmaninho). Revolutosa (revoluta, s. scorpioides), se tem a ponta enroscada como cauda de alacráo (myosotis scorpioides, heliotro vium europaeum, e muitas outras asperifolias). Digitada (digitata), se juntamente com outras do mesmo comprimento se acha no topo de hum pedunculo commum como em umbrella ou figurando dedos de aves (o escalracho). Aristada (aristata), se os seus flosculos tem praganas (a cevada.) Desaristada (mutica), se elles naõ tem praganas. Celheada (ciliata), se os seus flosculos saõ celheados
As vezes o tronco naõ da mais do que huma so espiga e lhe chamaõ por isso unispigado (monostachyus), quando porem produz muitas espigas daõlhe o nome do multispigado (polystachyus).
.

Flor amentilhosa ou caudilhosa (flos amentaceus), consta de muitos flosculos dispostos em amentilho ou caudilho (amentum) o qual he huma particular especie de espiga simplez, que consta de flores rentes, [p. 107] ordinariamente unisexuaes, acompanhadas de escamas, e pegadas a hum carolim ou axe commum que lhes serve de receptaculo; taes saõ por ex. os que se observaõ na nogueira, ortiga romana, junça, tabûa, choupo, salgueiro, sabina, pinheiro, acypreste, castanheiro, aveleira, &c. Os amentilhos nascem ordinariamente de gomos e o seu carolim he filiforme; quando elles tem hum carolim grosso e escamas lenhosas, huma forma conica, e produzem somente flores femininas, daõ-lhes o nome de pinhas (coni, s. stobili), como no pinheiro e acypreste. O amentilho diz-se; escamoso (squamosum) se tem escamas; nû; se he desfituido dellas; laxo (laxum), se tem escamas hum tanto abertas, como no carpinus e betula; cylindrico, na aveleira e nogueira; oblongo, na nogueira; imbricado, no pinheiro, aveleira, e junça: as suas escamas saõ arrodeladas (peltatae) no acypreste, e participaõ ainda de muitas outras denominaçoẽs semelhantes ás das folhas, dizendo-se ser: concavas, ovadas, lanceoladas, planas, &c.

Flor corymbosa (flos corymbosus), he diaposta em corymbo. O corymbo (corymbus), he huma disposiçaõ de flores aniveladas, os seus pedunculos tem differentes pontos de apego, elevaõ-se gradualmente quasi todos a mesma altura, formando angulos agudos entre si (a milfolha, achillea aggeratum, e chrysanthemum corymbosum). O corymbo he simplez (simplex), se os pedunculos naõ se dividem; composto (compositus), se elles se dividem em muitos outros menores.

Flores paniculadas (flores paniculati), saõ dispostas em panicula. A panicula (panicula), he huma ramificaçaõ vaga e dispersa, na qual os pedunculos [p. 108] communs, e parciaes saõ notavelmente mais compridos do que as flores e fructos (a caneira, o milho painço, e gypsophylla paniculata). A panicula diz-se: diffusa (diffusa), quando os seus pedunculos parciaes saõ esparralhados e divergem entre si; contrahida ou coarctada (coarctata), se os dictos pedunculos estaõ muito conchegados e quasi parallelos. Ella tem ainda muitas outras denominaçoõs, que se entendem facilmente e ficaõ ja explicadas principalmente no capitulo do tronco, e ramos.

Flores thyrsosas (flores thyrsosi, s. thyrsoidei), saõ dispostas em thyrso. O thyrso, ou ramilhete (thyrsus), he huma especie de panicula contrahida, de forma ovada e conica, que se assemelha muito bem aos nossos ramilhetes compridos (syringa vulgarìs, aesculus hippocastanum, tussilago petasites). O thyrso diz-se ser o folhoso (foliatus), se he acompanhado de folhas; bracteado (bracteatus), se tem bracteas; nu (nudus), se naõ tem foliolos nem bracteas.

Flores racimosas (flores racemosi), saõ disposta em racimo. O racimo ou cacho (racemus), he huma disposiçaõ de flores com pedunculos curtos, penden tes, e ordinariamente apegados a hum axe ou pedunculo commum (a videira, azereiro, uva espim, sylva, groselheira, &c. O racimo diz-se ser: simplez (simplex), se o ramo ou pedunculo commum sò tem pedunculos indivisos (o azereiro, e phytolacca); composto (compositus), se os seus pedunculos, parciaes saõ divididos (a videira, e sylva)

Nos damos o nome de engaço a qualquer cacho depois de despojado do seu fruto, e o de escadea a huma pequena porçaõ dos seus pedunculos parciaes guarnecidos de frutos.
. Unilateral [p. 109] (unilateralis), se todos os pedunculos parciaes das suas flores estaõ apegados a hum mesmo lado; segundino (secundus), se todos os dictos pedunculos se curvaõ para hum mesmo lado; apedado (pedatus), quando o pedunculo commum se divide no topo, em pequenos cachos, cujos pedunculos nascem do lado interno. Conjugado (conjugatus), se o pedunculo commum se divide no topo em dois pedunculos simplices ou quasi simplices; pendente (pendulus, s. dependens), se o pedunculo commum pende para a terra(a groselheira); levantado (erectus), se o pedunculo commum he erguido para cima quasi perpendicularmente ao plano da terra, e os pedunculos parciaes saõ curvados para baxo
O mesmo racimo pode ser levantado no tempo da florecencia, e pendente no da frutescencia em razaõ do pezo dos seus fructos como e vê v. g. no ribes petræum.
; irto (strictus), se naõ, tem curvaturas nem tortuosidades algumas; fraco (flaccidus), se o seu pedunculo commum em razaõ da sua fraqueza e do pezo das suas flores se curva hum tanto para baxo ou para a ilharga; raleado (laxus), se as suas escadeas saõ hum tanto raleadas e flexiveis para os lados; coarctado (coarctatus), se ellas saõ conchegadas humas às outras estreitamente; folhoso (foliatus), se os seus pedunculos saõ acompanhados de foliolos; nu (nudus), se elles naõ tem foliolos alguns.

Flores fasciculadas (flores fasciculati), saõ dispostas em fasciculo. O fasciculo (fasciculus); he huma pilha de flores longas, levantadas, parallelas, approximadas, copadas ou elevadas á mesma altura, e de curtos pedunculos (dianthus barbatus, silene armeria).

[p. 110]

Flores umbrelladas (flores umbellati), saõ dispostas em umbrella

Fallo das flores umbrelladas em geral, e em toda a extensaõ do termo; porquanto particularmente, as flores umbrelladas saõ as das plantas que formaõ huma familia natural, que saõ dispostas em umbrella, e tem huma coralla de cinco petalas, cinco estames, o germe sottoposto á corolla, dois estyletes, e duas sementes reunidas, como saõ as do coentro, e salsa.
. A umbrella (umbella), he huma disposiçaõ de flores com pedunculos nascidos de hum mesmo centro e divergentes ordinariamente como as varetas inferiores, que esteiaõ hum chapeo de sol. Diz-se ser: simplez (simplex), quando os seus pedunculos senaõ dividem (o quejadilho, e allium moly). Composta (composita), se os primeiros pedunculos
Os seus pedunculos saõ taõbem algumas vezes chamados rayos (radii).
se dividem em outros que formaõ huma pequena umbrella ou umbrellula (umbellula), como v. g. a salsa, coentro, funcho, bisnaga, &c.: alguns daõ-lhe taõbem os nomes de recomposta e sobrecomposta (decomposita, supradecomposita), segundo os graos de composiçaõ ou divisaõ dos seus pedunculos, como se pode observar nalgumas especies de cyperus, e euphorbia.
A umbrella universal nesta circumstancia he a mesma coiza que a umbrella composta, em razaõ dos seus pedunculos primarios sosterem todos umbrellulas parciaes; mas ordinariamente da-se o nome de umbrella universal (universalis), aos primeiros pedunculos, e o de parcial (partialis) aos segundos, que formaõ as segundas umbrellas menores, como no coentro, salsa, &c. Diz-se: prolifera (prolifera),quando he simplez, e hum ou dois dos seus pedunculos produzem alguma umbrelulla [p. 111] (hydrocotyle vulgaris, e o asclepias vincetaxicum). Pedunculada (pedunculata), se tem hum pedunculo commum que a sostem; rente (sessilis), se he destituida de pedunculo commum (sium nodiflorum); globosa (globosa), se os seus pedunculos saõ iguaes e estaõ dispostos de modo que formaõ huma figura espherica (a cebola, angelica, e alho porro); semiglobosa (hemisphaerica), se representaõ a metade de huma bola ou esphera (allium nigrum); anivelada (fastigiata), he simplez e os seus pedunculos chegaõ todos á mesma altura (allium molly); plana (plana), he composta e anivelada no ambito e disco (o coentro, e canabraz); irregular (difformis), os seus pedunculos saõ notavelmente mais compridos huns do que outros
Diz-se taõbem difforme, se nella se observaõ bolbos entre as flores, como no allium pallasii.
; concava ou deprimida (concava, s. depressa), se tem o disco concavo em razaõ dos pedunculos do ambito serem mais compridos do que os do disco; convexa (convexa), quando he bojuda no disco, em razaõ de nelle serem os pedunculos mais compridos do que os do ambito; radiada (radiata) he universal, e as flores do ambito tem as petalas externas maiores, do que as internas que olhaõ para o disco. (o coentro, e canabraz); densa (densa), se tem muitos pedunculos bastos ou approximados; raleada (rara, laxa), se elles saõ poucos e raleados; levantada (erecta), se o pedunculo commum he erguido quasi perpendicularmente ao plano da terra; inclinada (cernua), se elle se inclina hum tanto para a banda; acenosa (nutans), quando elle se curva bastantemente para a terra; terminal (terminalis), se ella termina ou se acha na [p. 112] extremidade do tronco ou dos ramos; lateral (lateralis), se sahe dos lados do tronco ou ramos; contrafolia (oppositifolia), se nasce defronte de huma folha (cicuta virosa).

Flores cymosas (flores cymosi), saõ dispostas em cymeira. A cymeira ou umbrella bastarda (cyma, s. umbella spuria), he huma disposiçaõ de flores, cujos pedunculos primarios nascem do mesmo centro, e depois se ramificaõ irregularmente e sem ordem

As ramificaçoẽs da cymeira, saõ quasi sempre dirigidas para à banda do dicco, ou da parte interior.
(o sabugueiro, o arroz dos telhados, e viburnum tinus). A cymeira diz-se: ramosa (ramosa), quando os seus pedunculos se ramificaõ muito; tripartida (tripartita, trifida), se consta de tres pedunculos primarios (sambucus ebulus); de cinco pedunculos primarios (quinquepartita) no sabugueiro; bracteada (bracteata), se he guarnecida de bracteas; nua (nuda) se naõ tem bracteas nem ivolucro algum, como na cerejeira brava.

CAPITULO VIII. Do tempo da florecencia, e véla das flores.

A natureza segundo as leys, que lhe foraõ dadas, prezenta-nos todos os annos nas flores hum extenso quadro summamente variado e agradavel. Se exceptuamos os polos sempre gelados, os seus proximos [p. 113] climas, e os profundos mares

No fundo do mar naõ ha planta alguma perfeita, e só se achaõ algumas especies de fucus, e ulva que saõ do numero dos mais imperfeitos vegetaes, que se conhecem.
, que o autor do universo vedou ao homem, em todo o resto da terra vemos nos vegetaes florecer em maior ou menor numero, e por huma ordem successiva, subordinada ao clima, temperatura da estaçaõ, qualidade do terreno, organizaçaõ de cada individuo, e a muitas outras circumstancias. Esta successaõ aindaque sujeita a todas estas irregularidades, pareceo contudo a alguns Botanicos digna de observaçaõ, persuadidos de que o conhecimento do tempo, em que cada planta florece pouco mais ou menos em hum paiz, podia ser util para fazer conhecer a ordem das estaçoẽs, o seu estado, a occasiaõ conveniente para semear e fazer colheitas, para revezar nos jardins flores a flores, e indicar a devida conjunctura de colher os simplez. Portanto levados desta persuaçaõ observaraõ em hum grande numero de vegetaes dos paizes, em que viviaõ, qual era a estaçaõ e mez proprio, em que desabotoavaõ suas flores, e proseguiraõ taõ miudamente suas indagaçoes que chegaraõ mesmo a publicar listas
Vej. Lin. Phil. Bot. art. 335.
das horas, em que as flores abriaõ, e que duravaõ abertas, ao que deraõ o nome de relogio de Flora
Horologium Florae.
, vigilias
Vigiliæ florum.
, ou tempo de vela das flores.

Daqui procedeo a origem de hum certo numero [p. 114] de termos, que se achaõ em suas obras dados ás flores, e igualmente às plantas, a que saõ relativas, os quaes se podem reduzir principalmente aos seguintes.

Flores de inverno (flores hybernales, s. brumales), saõ as que desabotoaõ ordinariamente durante o inverno. Algumas plantas cryptogamicas, e a rosa, de todos os mezes saõ deste numero, algumas dos paizes meridionaes da America, e Africa transplantadas na Europa taõbem florecem durante o inverno nas estufas.

Flores da primavera (vernales, s. verni), saõ as que desabotoaõ nos mezes desta estaçaõ; taes saõ por ex. as dos salgueiros, quejadilho, amendoeira, pereira, damasqueiro, narcizo, &c. As plantas, exoticas dos climas frios, e das montanhas transplantadas em nossos pardins ordinariamente taõbem florecem na primavera.

Flores do estio ou veraõ (aestivales, s. aestivi), saõ as que desabotoaõ durante o veraõ, como saõ por ex. as da althéa, malva, feijoeiro, saudade, milfolha, meloeiro, &c.

Flores do outono (autumnales), saõ as que desabotoaõ durante o outono, como v. g. o colchico. As plantas da America septemptrional, principalmente as que saõ vivazes transplantadas em nossos jardins taõbem florecem nesta estaçaõ.

As vigilias ou tempo de vela das flores contem o espaço que medea entre o seu abrimento e a reclusaõ, quer seja durante o dia, quer de noyte; pelo contrario o somno das flores (somnus florum), he o espaço que medea desde a sua reclusaõ athe ao seu abrimento. O abrimento de huma flor (apertio floris), [p. 115] he o ponto de tempo em que ella se abre

Este termo tem huma significaçaõ mais extensa do que o de desabotoamento (exgemmatio floris), porquanto todo o desabotoamento he abrimento, mas nem todo o abrimento de huma flor he desabotoamento; a primeira vez que huma flor abre do seu botaõ, diz-se desabotoar ou ter desabotoamento, mas na segunda vez, no segundo dias e mais vezes diz-se ter abrimento e naõ desabotoamento.
; a reclusaõ da flor (reclusio floris), he o ponto de tempo em que ella se fecha.

Quanto ao tempo de vela ou de somno, as flores saõ denominadas diurnas ou golares (diurni, s. solares)

Alguns Botanicos comprehendem taõbem debaxo do termo solares as flores nocturnas.
, quando abrem de dia, e estaõ fechadas de noyte, como saõ v. g. as papilionaceas, a alface, chicoria, &c; nocturas (nocturni), quando abrem de noyte, e estaõ fechadas ou muito pouco abertas de dia, como por ex. o mesembryanthemum noctiflorum, mirabilis jalapa, &c. Ha algumas flores que durante a noyte somente curvaõ os seus pedunculos, sem contudo se fecharem notavelmente, e ha outras, como por ex. o sonchus sibiricus, que se abrem de dia, e algumas vezes taõbem de noyte.

Flores meteoricas (meteorici), saõ as que naõ tem hora determinada de abrir-se, e de se fechar, porquanto o abrimento e reclusaõ saõ desordenados em razaõ da sombra, humidade, seccura, e maior ou menor pressaõ da atmosphera; o martyrio por ex que costuma abrir-se ao meyo dia em tempo claro, naõ se abre senaõ às tres horas quando o ceo està espessamente nublado.

Flores tropicas (tropici), saõ as que se abrem todos os dias constantemente de manhaan, e se fechaõ quasi [p. 116] ao sol posto, mas o tempo de vela he maior, ou menor á proporçaõ que os dias augmentaõ ou diminuem.

Flores equinoxiaes (aequinoctiales), saõ as que se abrem todos os dias em huma hora certa e determinada, e se fechaõ taõbem em huma hora certa, de modo que o seu tempo de vela he todos os dias igual ou quasi igual.

[p. 117]
SEGUNDA PARTE. Da Fructificaçam.

ASSIM como todos os animaes tendem naturalmente à sua reproducçaõ, da mesma sorte os vegetaes á proporçaõ que crescem se encaminhaõ ao estado de fructificaçaõ, e tanto que fructificaraõ, ou perecem dentro de breve tempo ou cessaõ de crescer no lugar que deraõ o fructo, sendo-lhes precisos novos gomos para poderem lateralmente prolongar-se. Donde se collige que a fructificaçaõ (fructificatio) he huma parte transitoria em que termina o vegetal dentro de hum certo periodo de tempo, destinada a dar principio a novos entes da sua espécie. Ella consiste essensialmente na flor e fructo: a flor he hum a parte da fructificaçaõ, que no seu estado completo e perfeito consta de organos sexuaes envoltos em tegumentos; a sua essensia consiste em ter anthera ou estigma

Em razaõ de comprehender ainda as flores cryptogamicas geralmente se poderia melhor dizer: consiste em ter anthera, ou estigma, ou hum principio de semente.
. O fructo he huma parte da fructificaçaõ que succede á flor, e consta ao menos de huma semente, na qual consiste a sua essensia. As partes da flor segundo Linneo saõ o calyz, corolla, nectario, estame, e pistillo; as do fructo saõ o pericarpo, semente, e receptaculo. Eu tractarei de todas estas partes segundo a ordem que seguio o predicto Botânico, e começarei prezentemente pelas que saõ relativas á flor.

[p. 118]
CAPITULO IX. Do Calyz e Corolla em geral.

O CALYZ e corolla saõ os tegumentos dos organos sexuaes, ou para me explicar segundo o modo de alguns sexualistas, o calyz he o thalamo nupcial das flores, e a corolla a rica armaçaõ delle. Cesalpino pensava que o calyz era hum prolongamento da casca e a corlla huma prodcçaõ do livrilho ou alburno.

As flores nem sempre saõ acompanhadas destes tegumentos; quando huma flor tem calyz e corolla hé chamada completa (flos completus) e incompleta (incompletus) se lhe falta algum dos dictos

Alguns daõ taõbem o nome de perfeita (perfectus) á completa e o de imperfeita (imperfectus) á incompleta; porem o melhor sera reservar o nome de flor imperfeita para as cryptogamicas, e o de perfeita para as das outras classes.
dois tegumentos; descalycina (acalyx), senaõ tem calyz; descorollada ou despetaleada (apetalus), senão tem corolla; nua (nudus), senaõ tem calyz nem corolla; e as vezes mesmo lhe daõ este nome quando he descalycina, tendo corolla sem calyz.

A natureza naõ poz limites certos entre o calyz e corolla, e daqui procede que os Botanicos tem differentes opinioes relativamente á denominaçaõ destes tegumentos; huns querem que o tegumento immediato aos organos sexuaes deva ser chamado corolla em todas as circumstancias, e por conseguinte todas as vezes que a flor tem hum so tegumento [p. 119] daõ-lhe o nome de corolla; outros seguem em parte este parecer, e em parte a cor, á qual daõ a preferencia. Linneo vendo que algumas corollas se tornaõ verdes, e alguns calyces saõ bastantemente corados, estabeleceo a differença entre o calyz, e corolla na posiçaõ dos estames, dizendo que estes nas flores descalycinas e muitas completas saõ alternos com as petalas ou lacinias da corolla ficando situados entre as suas aberturas, que nas descorolladas pelo contrario saõ fronteiros aos foliolos ou segmentos do calyz, ficando encostados ou postos defronte delles, como se pode observar no cardo penteador, cerejeira brava, coentro, sabugueiro, consolda maior, alchemilla, potamogeton, e muitas outras plantas das classes Terandria e Pentrandria

Sem embargo destas condiçoẽs naõ deixa as vezes de haver difficuldade na decisaõ do nome destes tegumentos, e Linneo o dà a entender quando diz: calyz a naõ chamar-lhe corolla; corolla a naõ charmar lhe calyz; corolla calycina; calyz acorollado: cujos exemplos se vem no loireiro, garidella, commelina, monotropa, tetragonia, &c.
.

CAPITULO X. Do Calyz.

O CALYZ (calyx), no maior numero de flores heo tegumento externo dos organos sexuaes, de cor verde ou menos corado do que a corolla (o jasmim, cravo, e goivo). Deraõ-lhe este nome por se assemelhar n'algumas flores a hum copo, como se vê nas labiadas, leguminosas e muitas outras.

Linneo admittio sette especies de calyz, a saber, [p. 120] perianthio, involûcro, casûlo, amentilho, espatha, trunfa, e volva. Antigamente so o primeiro tinha o nome de calyz, e com effeito os mais mereciaõ antes ser chamados calyces bastardos (calyces spurii).

O PERIANTHIO (perianthium) he huma especie de calyz immediatamente contiguo à corolla ou aos organos sexuaes (o alecrim, cravo, arvore do paraiso, &c.) O perianthio pode ser taõbem contiguo a outro (como na malva), a huma corolla ou a muitas, como no gyrasol; quando elle recobre muitos flosculos, estes ou saõ rentes ou quasi rentes, Nas flores casulosas e amentilhosas o calyz ordinariamente naõ he circular; a estructura escamosa, paleacea e outras circumstancias relativas à sua forma poderaõ contribuir a destinguilo do perianthio. Os foliolos do perianthio quando muito so aturaõ athe à madureza do fructo, e isto poderà contribuir a fazelos destinguir das bracteas, que ordinariamente duraõ mais tempo, e as vezes mesmo se convertem em folhas. Nas flores compostas os foliolos saõ ordinariamente chamados escamas (squamae), principalmente se saõ imbricados, como nas perpetuas. Se na flor naõ ha perianthio, como na tulipa e açucena, daõ lhe o nome de nullo (nullum).

Diz-se: perianthio da fructificaçaõ (perianthium fructificationis), quando contem ou enserra os estames e o germe; nesta circumstancia sempre esta immediatamente sottoposto ao germe (a sylva, peonia, morangueiro, masva, jasmineiro craveiro, faveira, &e.) Perianthio da flor (perianthium floris), se em si contem os estames sem germe

Este calyz tem o seu ponto de apego sobre o germe ou fructo tenrinho, no cazo que o haja; os calyces das flores masculas aindaque naõ saõ apegados ao topo do germe (porque o naõ ha), devem contudo ser considerados como perianthios da flor, por conterem estames e naõ germe algum, como saõ os da amoreira, mercurial, amaranthos, &c.
(a murta, [p. 121] morina, linnaea, campanula, romeira, pereira, &c.) Perianthio do fructo (perianthium fructûs), contem o germe sem estames
O calyz neste cazo esta sottoposto ao germe; às vezes ha huma corolla sobreposta ou outro calyz sobreposto ao germe, o que naõ tem lugar no cazo do perianthio da fructificaçaõ, em que o germe naõ fica situado immediatamente debaxo da corolla, nem entre o calyz e corolla, como succede no prezente; no perianthio da fructificaçaõ os estames naõ estaõ apegados ao germe, mas sim ao receptaculo que Sostem a base do germe, ou ao dicto perianthio, ou a huma corolla ou nectario que naõ tem o ponto de apego no germe. Ha flores que tem o periantio do fructo diverso do da flor como a Linnæa e Morina, ha outras que tem perianthio do fructo e naõ da flor, como as femininas da aveleira, poterium, &c, outras tem perianthio da flor e naõ do fructo, como a murta, romeira, pereira, sorveira, &c, ha outras emfim que naõ tem perianthio algum, aindaque tenhaõ hum receptaculo da flor, como v.g. a hippuris, orchideas, valeriana, aristolochia, &c. Vej. Linn. Meth, Calyc.
echinops, poterium, linnaea, morina, sanguisorba, &c.

Perianthio superior ou sobreposto (superum), he o que se acha posto sobre o germe ou tenrinho fructo, como o da romeira, pereira, e outros muitos perianthios da flor.

Perianthio inferior ou sottoposto (inferum), he o que cinge a base do germe ou tenrinho fructo, como saõ os perianthios da fructificaçaõ e do fructo.

Commum (commune)

As vezes das lhe taõbem o nome de composto ou universal (compositum, s. universale). Segundo Linneo este calyz pode ser dobrado como se vê no micropus.
, he o que inclue muitos flosculos congregados (a saudade, e o gyrasol).

Parcial ou particular (proprium, S. partiale), he [p. 122] relativo a hum flosculo contido em hum perianthio, commum, ou a qualquer flosculo congregado, rente ou quasi rente (a saudade, e gyrasol)

Ordinariamente este termo so se applica aos calyculos das flores compostas e aggregadas. O perianthio parcial pode segundo Linneo conter mais de huma flor, como se vẽ no sphaerantus, e elephanthopus.
.

Calyculado (auctum, s. calyculatum), quando tem na sua base huma serie de escamas ou foliolos curtos, differentes delle, e que constituem quasi hum segundo calyz menor ou calyculo (calyculus)

Da-se taõbem o nome de calyculos a alguns perianthios parciaes, como aos da saudade, pela razaõ de serem pequenos ou menores do que o commum.
como se ve no cravo, dente de leaõ, tásneira, tasneirinha, crepis, coreopsis, &c.

Unico (unicum), quando a flor tem hum so, como v. g. o alecrim: simplez (simplex) he unico, naõ calyculado, nem dobrado nem triplicado (sida). Este termo parece ser synonymo do precedente; Linneo contudo deo-lhe mais extensa significaçaõ, e o applicou ainda para denotar hum calyz quasi inteiro, de foliolos naõ imbricados, quasi do mesmo comprimento, ou adunados na base, como o da tagetes, bellis, e o calyz interior da crepis.

Dobrado ou triplicado (duplex, geminum, triplex), quando

Estes calyces saõ ordinariamente differentes no numero, e forma de suas partes; encontraõ se tanto nas flores simplez, como nas compostas e aggregadas; as vezes estaõ dois approximados, ou apegados hum ao outro debaxo do germe, ou no topo outras vezes saõ remotos, estando hum na base outro no topo do germe, outras vezes emfim hum commum na base, e dois no topo do germe, como se podem observar na malva, althaea, craniolaria, morina, linnaea, scabiosa, caryophyllus, &c.
se achaõ dois ou tres na flor.

[p. 123]

Caduco (caducum), se cahe logo que a flor desabotoa, como o da papoila, e epimedium.

Decadente ou simulcadente (deciduum), se cahe juntamente com a corolla, como o da uva espim, mostarda, e outras flores da Tetradynamia.

Persistente (persistens) se persiste athe à madureza do fructo, como o da salva, alecrim, e outras flores da Didynamia.

Polyphyllo (polyphyllum), se consta de muitas escamas ou foliolos destinetos na base (a alface). Monophyllo (monophyllum), quando he de huma so peça ou inteiriço na base, ainda que seja partido ou fendido (a salva, romeira, pereira, pimentaõ, &c.); de dois foliolos (diphyllum) na papoila, celidonia e fumaria; de tres foliolos (triphyllum), na tradescantia e ranunculus ficaria; de quatro foliolos (tetraphylhum) na couve, e goiveiro; de cinco (pentaphyllum), no linho; elle diz-se ser ainda de seis, sette, oito, nove, dez foliolos, &c. (hexa- hepta- octo- ennea- decaphyllum, &c.)

Fendido (fissum), se he monophyllo, e rasgado athe ao meyo pouco mais ou menos, e as sinuosi dades entre os segmentos saõ lineares ou de igual largura; segundo o numero das lacinas diz-se ser: multifendido (multifidum), fendido em duas, tres, quatro, cinco lacinias, &c. (bi-tri-quadri-quinquefidum, &c.); se as lacinias saõ curtas ou marginaes, daõ-lhes. o nome de dentes, e se diz por conseguinte denteado (dentatum s. ferratum); segundo o numero destas curtas lacinias diz-se ser: denteado de muitos dentes (multidentatum), de dois, tres, quatro, cinco dentes, &c. (bi-tri-quadri-quinquedentatum, &c.)

[p. 124]

Partido (partitum), he monophyllo e dividido athe abaxo do meyo ou quasi athe à base; segundo o numero das lacinias diz-se ser; multipartido (multipartitum), bipartido (bipartitum), tripartido (tripartitum), quadripartido (quadripartitum), partido em cinco, seis lacinias, &c. (quinque-sexpartitum, &c.)

Inteiro (integrum), he monophyllo sem ser fendido, nem partido em lacinias algumas.

Celheado (ciliatum), se os seus foliolos ou lacinias saõ celheadas

As celhas rigorosamente saõ os pelos ou sedas que se achaõ no fio marginal; mas aqui os botanicos comprehendem taõbem o disco.
, como a jacéa e outras especies de centaurea.

Tubuloso (tubulosum), se he roliço e occo (a neveda e hortelaan).

Infunado (inflatum), quando he concavo, e parece soprado como huma bexiga (a herva traqueira).

Levantado (erectum), se os seus foliolos ou lacinias saõ levantadas (jasmim).

Patente (patens), quando as suas lacinias ou foliolos saõ abertos largamente, ou formaõ com o pedunculo hum angulo obtuso pouco desviado do angulo recto.

Reflexo (reflexum), quando a extremidade dos seus foliolos ou lacinias se curvaõ hum tanto para traz, ou para baxo.

Igual (aequale), quando os seus foliolos, lacinias ou dentes saõ iguaes: desigual (inaequale); se elles saõ desiguaes (cistus).

Curto (abbreviatum), se he mais curto do que a corolla, ou do que o seu tubo, ou unhas das petalas: comprido (longum), se he mais comprido do que ella.

[p. 125]

Globoso (globosum), se tem a forma globosa (a perpetua e bardana); aclavado (clavatum), quando se prolonga engrossando pouco a pouco, e reprezenta a forma de huma massa (silene).

Troncado (truncatum), se ne sua parte superior parece como decotado: obtuso (obtusum), se os seus foliosos ou segmentos saõ obtusos; agudo (acutum), se elles saõ agudos; as vezes diz-se taõbem agudo ou obtuso na base.

Espinhoso (spinosum), se tem espinhos (a calcitrapa, e cardo sancto); aculeado (aculeatum), se tem aculeos (a bringela).

Imbricado (imbricatum), se consta de foliolos ou escamas imbricadas (o gyrasol, milfolha, e alface).

Esquarroso (sguarrosum), se tem foliolos ou escamas imbricadas, desviadas, e abertas entre si principalmente nas pontas (conyza squarrosa)

Escarioso (scariosum), se tem foliolos ou escamas membranosas na margem, aridas, e sonoras quando às tocamos com a unha (a perpetua, e jacéa).

Turbinado (turbinatum), se he verticalmente conico tendo a forma de hum piaõ bailando (moluccella)

Involucro (involucrum), he huma especie de calyz remoto da flor

He hum calyz bastardo, proprio naõ so das flores umbrelladas mas de muitas outras; naõ se rasga ao alto como as espathas, e o estar mais ou menos distante da flor contribue a fazelo distinguir das outras especies de calyz; ordinariamente parece ser hum composto de bracteas.
, como se ve na cenoira, bisnaga, e pulsatilla.

Diz-se ser; universal (universale), se esta situado na, base dos rayos de huma umbrella univeroal (a cenoira, bisnaga, e cardo, corredor): parcial (partiale), [p. 126] quando acompanha a base dos rayos de huma umbrella parcial (salsa, coentro, cerofolho); chamaõ-lhe: involucello (involucellum), ou pequeno involucro parcial, se tem poucos foliolos curtos, como nas euphorbias e buplevrum; proprio (proprium), se acompanha o pedunculo da flor de huma umbrella parcial, ou ainda o de huma so flor, como na pulsatilla.

Semicircular (dimidiatum), se acompanha somente metade do topo do pedunculo que sostem a umbrella, faltando na outra metade (o coentro, e aethusa).

Polyphyllo (polyphyllum), se consta de muitos foliolos, como na canafrecha, e peucedarium; momophyllo (monophyllum), se consta de hum so foliolo, he inteiriço na base, e acompanha o pedunculo circularmente (a pulsatilla); de dois, tres, quatro, cinco, seis foliolos, &c. (di-tri-tetra-penta-hexaphyllum, etc.) como se ve nas euphorbias e umbrelladas.

Casulo (gluma), he huma especie de calyz

O nome de casûlo he taõbem dado a corolla das gramas; mas aqui so se deve entender o casulo externo, porque do interno fallarei quando tractar da corolla. Alguns para os distinguir chamaõ-lhes casulo calycino, casulo corollino; talvez melhor fora dar somente ao calyz o nome de casulo.
paleaceo ou valvuloso, apegado lateralmente a hum carolim, e proprio das gramas (o joyo, trigo, cevada, milho, avea, &c.)

As escamas ou folhiços paleaceos, de que consta o casûlo, saõ chamados valvulas (valvulae, s. valvae); ellas saõ de varia forma e estructura, planas, concavas, aquilhadas, assoveladas, iguaes, desiguaes, &c. O casûlo, em razaõ do numero das valvulas de que he composto, diz-se ser: univalve (alvis), se [p. 127] consta de huma so (o joyo); bivalve,(bivalvis), se consta de duas (o trigo e milho): trivalve (trivalvis), se consta de tres (o escalracho, milhaan, e milho painço); multivalve (multivalvis), se consta, de muitas valvulas ou mais de trez (a uniola, as maçarocas de milho

Linneo chama folhas ás valvulas destas maçarocas, mas a sua estructura, e modo de envolver as fores me fazem decidir a consideralas como hum casulo commum multivalve.
, e cevada.)

Unifloro (uniflora), se inclue somente hum flosculo como o milho painço, a alpista, e milho ordinario: biflora (biflora), se contem duas flores (a avea, e aira) trifloro (triflora), se contem tres flores (algumas especies de trago) multifloro (multiflora), se contem muitos flosculos, ou mais de tres (o joyo, e bolebole).

Corado (colorata), se a sua cor he differente da verde das folhas (melica papilionacea, briza eragrostis).

Glabro (glabra), se naõ tem pelos, nem celhas, nem sedas algumas: peludo, lanudo, felpudo, celheado e hispido, se as suas valvulas constaõ de producçoẽs proprias a merecer estas denominaçoẽs (vej. o § Do trichismo e hispidez).

Aristado (aristata), se as suas valvulas tem praganas (o trigo tremez): desaristado (mutica), se ellas saõ destituidas, de praganas (o escalracho, e milho).

A pragana (arista), he hum fio mais ou menos comprido, hum tanto rijo, e apegado a alguma das valvulas do casulo calycino ou corollino das gramas. Diz-se ser: terminal (terminalis), quando tem o seu ponto de apego na ponta das valvulas: dorsal [p. 128] (dorsalis), se he apegada ao dorso da valvula, isto he, à sua parte externa e convexa: direita (recta), se naõ tem tortuosidade, nem curvatura alguma: recurvada (recurvata), se acaso se dobra em arco para fora retorcida: (tortilis) quando na sua base he torcida como huma corda, de que temos exemplo na avea, balanco, &c: articulada ou geniculada (articulata, s. geniculata), se tem alguma articulaçaõ ou nó (stipa).

Amentilho (amentum), segundo Linneo he hum calyz formado do receptaculo commum ou carolim filiforme, guarnecido de escamas paleaceas, e originario de hum gomo. Eu ja fallei do amentilho como huma especie de espiga

O amentilho rigorosamente he huma especie de espiga simplez, que consta de flores unisexuaes; o nome de calyz sò pode competir às suas escamas, mas algumas vezes o amentilho he nu e sem escamas, e neste cazo seremos obrigados a chamar calyz a hum receptaculo, o que me parece assaz improprio, a naõ querer chamar amentilho somente às escamas do gomo.
, e me remetto ao dicto lugar.

Espatha (spatha), he huma especie de calyz que se rasga ao alto indeterminadamente; de ordinario he membranosa, rugoza, arida, e contem flores pedunculadas, ou flores espadiceas, ou ainda mesmo huma so corolla de tubo longo, (a cebola, alho narcizo, pè de bezerro, açafraõ, e palmeiras).

He univalve ou monophylla (univalvis, s. monophylla), quando consta de huma so peça que se raaga de ilharga (o narcizo, e pe de bezerro): bivalve ou diphylla (bivalvis, s. diphylla), quando he rasgada em duas partes ou em dois foliolos (as palmeiras): Mediada (dimidiata), se he monophylla, aberta e concava, como a metade de hum ovo cortado ao [p. 129] alto, e guarnece a fructificaçaõ somente com a parte inferior: imbricada (imbricata), como nas bananeiras.

Trunfa (calyptra), he huma especie de calyz membranoso, acapellado, posto immediatamente sobre a fructificaçaõ dos musgos chamada anthera, urna, ou capsula (o polytrichum, e bryum)

Hedwigio e alguns outros Botanicos, que seguem que a corolla he o tegumento immediato dos organos sexuaes, consideraõ a trunfa dos musgos como huma corolla, e so daõ o nome de calyz ao perichecio.
: segundo a direcçaõ vertical ou esguelhada, quetem a sua ponta sobre a anthera diz-se ser: direita ou obliqua (recta, vel obliqua).

Volva (volva), he huma membrana que cobre os cogumelos e algumas outras plantas da familia dos fungos, susceptivel de ser lacerada. Pode ser considerada, ou como completa, ou como incompleta; a completa he a que cobre, e envolve como huma bolsa todo o corpo tenro dos fungos; ella se rompe em pedaços pela parte de cima, quando o individuo se acha assaz vigoroso para sahir á luz e entrar no seu forte crescimento, ficando quasi toda apegada a sua raiz ou à base do espique, e alguns restos ao umbraculo. A volva incompleta he a que somente cobre parte do individuo; daõ-lhe taõbem o nome de veo (velum); observa-se na face superior e inferior do umbraculo dos cogumelos, e continua athe ao espique, ao qual humas vezes se afferra, outras vezes somente se encosta sem contudo se apegar a elle. Quando depois de rota fica rodeando o espique em forma de calça, daõ-lhe o nome [p. 130] de annel (annulus), como se ve no agaricus campestris). A volva incompleta e o annel parecem merecer mais propriamente o nome de casyz do que a completa, que tem ordinariamente huma grande analogia com as cascas das sementes.

A volva em geral diz-se: grossa (crassa), se he hum pouco polposa; delgada (tenuis), se acazo se assemelha a hum papel fino; tearanhea (araneosa), se he fina e se assemelha no seu tecido a huma tea de aranha; radical (radicalis), quando esta situada junto da raiz, ou parece ser huma continuaçaõ da cute da raiz; multipartida (multipartita), se acazo se rasga em muitos segmentos, ordinariamente he radical; patente (patens), se he multipartida e os seus segmentos saõ muito abertos; nulla (nulla) se naõ existe. O annel diz-se; remoto (remotus se fica distante do umbraculo no tempo que este abrio; approximado (approximatus), se no dicto tempo jaz conchegado ao umbrgeulo; caduco (caducas) se cahe logo que a volva incompleta se rompe; persistente (persistens), quando rota a volva persiste aferrado ao espique. Elle se diz ainda; amarello, alvadio, &c. segundo as suas differentes cores.

CAPITULO XI. Da Corolla.

A corolla (corolla), he hum tegumento dos organos sexuaes da flor immediatamente contiguo a elles, e de ordinario mais corado e mais delicado [p. 131] do que o calyz; tal he por ex. a do jasmim, açucena, rosa, cravo, &c.

Quando a flor naõ tem corolla diz,se despetaleada ou descorollada, como já expuz, e nesta circumstancia a corolla he denominada nulla (nulla); como v. g. nas flores femininas dos carvalhos e aveleiras.

1º Quanto à divisaõ:

A corolla ou he de huma so pera e inteiriça na base, ou consta de duas ou mais peças assaz destinctas na base; no primeiro cazo dizse: monopétala (monopetala), e no pegundo petaleada ou polypétala (polypetala)

Este termo da-se taõbem ás corollas, que tem hum grande numero de petalas, como as do golfaõ, cactus, &c.
; na salva e jasmineiro a corolla he monopetala, e na rosa, cravo, e tulipa he petaleada.

Na corolla monopetala em geral podem se considerar duas partes, a superior chamada orla (limbus) e a inferior, pela qual ella se apega, denominada base (basis); esta parte inferior muitas vezes he cylindrica, e nesta circumstancia daõ-lhe o nome de tubo (tubus), como se vè no alecrim, jasmineiro e colchico. A orla humas vezes he inteira, outras vezes he fendida ou partida, e neste segundo cazo os segmentos saõ chamados lacinias (laciniae), como no jasmim, congossa, borragem, &c.

As peças ou foliolos còrados de que consta a corolla petaleada saõ chamados petalas (petala); em cada huma destas pode se em geral suppor duas partes, a superior larga, aberta e dilatada tem o nome de lamina (lamina), e a inferior estreita, e aguda [p. 132] na extremidade he chamada unha da petala (unguis) como saõ as que se vem nas petalas do cravo, goivo, &c.; as vezes a unha da petala he curtissima como nas rozas e rainunculos; outras vezes observa-selhes huma base larga, que mal merece o nome de unha, e porisso alguns lhes chamaõ petalas rentes (sessilia).

A corolla petaleada, segundo o numero das suas petalas, diz-se ser: de duas, trez, quatro, cinco, seis, sette, oito, nove, dez, ou muitas petalas (di- tri- tetra- penta- hexa- hepta- octo- ennea- deca- polypetala.)

Na familia das gramineas a corolla, ou casulo corollino em lugar de petalas diz se ter valvulas (valvulae), que saõ certas escamas paleaceas, concavas, approximadas immediatamente ao germe, como se ve no trigo, e centeyo. Ordinariamente saõ duas, e as vezes persistem e ficaõ servindo de casca à semente, como se vè na cevada.

Fendida (fissa), quando he rasgada em lacinias athe ao meyo ou menos (o quejadilho)

Se he monopetala; na petaleada as petalas podem se dizer fendidas ou partidas na mesma accepçaõ, que tem estes termos relativamente as corollas monopetalas.
; diz se fendida em duas, tres, quatro, cinco, seis, sette oito, nove, dez, onze, doze, ou muitas lacinias (bi-tri-quadri-quinque-sex-septem-octo-novem-decemundecim-duodecim-multifida.)

Partida (partita), quando he rasgada em lacinias athe abaxo do meyo ou quasi athe à base (a semprenoiva, e borragem); diz-se partida em muitas lacinias (multipartita), bipartida, tripartida, quadripartida, &c. (bi-tri-quadripartita, &c.).

[p. 133]

2º. Quanto à direcaõ diz-se ser:

Levantada (erecta), quando tem as suas petalas, valvulas, ou lacinias levantadas, isto he, formando hum angulo agudissimo com o estylete supposto prosongado rectamente (o colchico, e cevada.)

Patente (patens), se as suas petalas, valvulas, ou lacinias formaõ hum angulo quasi recto com o estylete supposto prolongado no centro rectamente (a papoila); patentissima (patentissima), se ellas formaõ hum angulo recto com o estylete.

Plana (plana), quando as suas petalas ou lacinìas saõ planas, e nella naõ ha tubo

Quando ha tubo, este termo e o de patente devem ser applicados á orla ou suas lacinias.
(a tormentilla.) Este termo toma se taõbem por patentissima.

Concava (concava), quando tem a sua orla concava.

Recurvada (reflexa, recurva), as suas petalas ou lacinias tem a ponta curvada para traz ou para fora (o espargo); revolutosa (revoluta), he hum grao de mais, tem as petalas ou lacinias recurvadas, e quasi enroladas (algumas especies de lilium).

Incurvada (incurva, s. inflexa), as suas petalas ou lacinias tem as pontas curvadas para dentro, isto he, para a banda do centro da flor (o funcho).

Resupinada ou revirada (resupinata), he labiada ou quasi labiada, e os seus labios estaõ postos às vessas, de modo que o inferior se acha no lugar onde devera estar o superior, e vice versâ, (o manjericaõ, alfazema, e rosmaninho.)

[p. 134]

3º Quanto ao ponto de apego.

A corolla ou he apegada ao calyz (calyci inserta), como na roseira e romeira, ou ao receptaculo (recentaculo inserta), como na papoila, cravo e rainunculo.

Sottoposta ou inferior (infera), quando se acha posta debaxo do germe, como na açucena, e cebola: sobreposta ou superior (supera), se esta apegada á parte superior do germe, como no narcizo.

Innata ao calyz (calyci adnata), se està pela sua face inferior intimamente adunada ao calyz (a abobara, pepino, e outras cucurbitaceas.)

4º. Quanto à superficie, e margem diz-se ser:

Lanuda (lanata), se tem lanugem (hyacinthus lanatus).

Felpuda (villosa), se tem felpa (menyanthes).

Barbuda ou hirsurta (barbata, s. hirsurta), como no, hypericum bacciferum.

Celheada (ciliata), na arruda, e chagueira.

Glabra (glabra), se naõ tem pelos alguns (narcizo).

Denticulada de dois, tres, quatro, cinco dentes, (bi-tri-quadri-quinquedentata), como saõ as corollulas das flores compostas, v. g. as da alface, bonina, macella, gyrasol, &c.

Crenada ou crenulada (crenata, s crenulata), se tem na margem crenas ou crenulas

As crenas da corolla saõ segundo a accepçaõ ordinaria as suas chanfraduras obtusas entre as lacinulas marginaes; mas por evitar equivocaçoẽs he melhor seguir o parecer de M. de la Mark, e de outros modernos que as tomaõ por lacinias marginaes embotadas, para as destinguir dos denticulos que saõ agudos.
, tanto na [p. 135] orla se he monopetala, como na lamina das petalas sendo petaleada (o quejadilho, e cravo). Diz-se ser: franzida (plicata), na herva sancta; ondeada (undulata), na gloriosa; e lacerada ou franjada (lacera, s. fimbriata), se tem a margem finamente cortada ou franjada.

4º Quanto à proporçaõ entre as suas partes, diz-se ser:

Igual (aequalis), quando as petalas, ou lacinias (se he monopetala), saõ todas de igual grandeza e tem todas a mesma figura, como saõ as cruciformes, roseira, pereira, jasmineiro, borragem, quepadilho, consolda maior, &c.

Desigual (inaequalis), quando as suas petalas ou lacinias (se he monopetala) tem todas a mesma figura, mas differem na grandeza, ou comprimento (o butomus, o epilobium angustifolium, e latifolium, e as corollas que se achaõ no rayo da umbrella do coentro.)

Regular (regularis), no sentido em que este termo se toma ordinariamente, huma corolla regular he a mesma coiza que huma corolla igual

Podéra-se contudo fazer huma distinçaõ entre a regular, e igual, dizendo que na corolla regular as petalas ou lacinias tem todas a mesma figura, quer sejaõ iguaes na grandeza quer desiguaes, e deste modo huma corolla poderia ter petalas ou lacinias desiguaes, e nem porisso deixar de ser regular, como o butomus, e epilobium latifolium; todas as corollas iguaes seriaõ regulares mais nem todas as regulares seriaõ iguaes; Alguns Botanicos admittem so duas sortes de corollas, regulares e irregulares: elle suppoem hum axe ou arame recto posto no centro, e prolongado desde a base ou apego da corolla athe a extremidade das petalas, lacinias ou orla; se todos os cortes transversaes, que se poderem fazer desde a base athe ao topo de dicto axe, derem circularmente segmentos iguaes no comprimento ou se a orla da corolla monopetala naõ for dimidiada nem claudicar de hum lado, a corolla he regular e Irregular no sentido contrario; partindo desta supposiçaõ poem no numero das corollas regulares a afunilada, asalveada, cyathiforme campanulada, globosa, oval, arrosetada, cravinosa, cruciforme, rosacea, e malvacea, e entre as irregulares a labiada, borboleta, a das orchideas, as que tem nectarios esporaûdos e acapellados, e as do Acanthus, Teucrium, Ajuga, Echium, Aristolochia, &c.
.

[p. 136]

Irregular (irregularis), se as suas petalas, labios, ou lacinias saõ de differente forma e juntamente de diversa grandeza (o geranium papilionaceum, o amor perfeito, aconito, salva, orchideas, labiadas, e leguminosas.

A corolla he taõbem comparada com o calyz, e na falta deste com o pistillo ou estames, e se diz ser: curta, mediocre, comprida, pequena, grande, &c; mas por evitar equivocaçoẽs, o melhor será declarar sempre as partes comparadas, e dizer v. g.: corolla mais comprida do que o calyz, igual ao calyz, mais curta do que o calyz, mais comprida do que os estames, &c.

5º. Quanto à forma a corolla diz-se ser:

Rodada ou arosettada (rotata), figura quasi huma roda ou rosetta de espora; he monopetala, sem tubo notavel, partida em lacinias planas, e muito abertas (a borragem, morriaõ, e verbasco).

Campanulada ou acampainhada (campanulata, seu campaniformis) he petaleada ou monopetala, bojuda, sem tubo, e assemelhada a huma campainha [p. 137] ou choca (a tulipa, verdeselha, campanula, e abobara.)

Afunilada (infundibuliformis), assemelha-se a hum funil; a sua orla tem huma forma turbinada, e termina em hum tubo (a ipomaea, a mirabilis, e herva sancta.)

Cyathiforme (cyathiformis), parece assemelharse a hum copo de calyz; tem hum tubo cylindrico, a orla concava e hum tanto dilatada; taes saõ segundo alguns Botanicos as corollas da buglossa, cerinthe consolda maior, cynoglossa, quejadilho, pulmonaria, &c; mas Linneo reduz estas sortes de corollas ào afuniladas, e às vezes às campanuladas.

Asalveada (hypocrateriformis), assemelha-se de algum modo às nossas antigas salvas de prata; he monopetala, tem hum tubo cylindrico, e a orla plana e muito aberta (o jasmim, e congossa).

Labiada (ringens, rictiformis, labiata), he monopetala tubulosa, e tem a orla dividida em dois labios

As vezes tem hum sò labio, como no Acanthus, Teucrium e Ajuga, e nesta circumstancia he chamada unilabiada (unilabiata.)
, como a salva, e alecrim; mascarina ou personnada (personnata), quando os dois labios estaõ conchegados, tem entre si hum palato, e se asseme-lhaõ deste modo a huma mascara, ou à bocca de alguns animaes (a corolla das especies de antirrhinum, utricularia, &c.) Na corolla labiada observaõ-se: 1º os labios (labia) que saõ duas grandes lacinias em que se divide a orla; hum he superior e outro inferior (superius, aut inferius): o primeiro às vezes he concavo como hum capacete, e porisso lhe deraõ taõbem o nome de lacinia galeada (galea) como no lamium; o segundo he as vezes summamente estendido como no lamium, [p. 138] nepeta e prunella, e lhe deraõ o nome de lacinia barbiforme (barba). 2º. O hiato dos labios (rictus), ou entrelabio, he o espaço que medea entre os dois labios. 3º. A fauce da corolla (faux) he a extremidade do tubo, ou o espaço, immediato aos labios
A fauce ou garganta da corolla he taõbem propria do qualquer corolla tubulosa, ou he o orificio de hum tubo mais ou menos longo. As vezes diz se ser: aberta (nuda, aperta, pervia), se naõ tem escamas nem pelos (como na pulmonaria); fechada (clausa, s. tecta), se he tapada com pelos ou escamas (como na buglossa, e cynoglossa): coroada (coronata), se tem alguns rayos, denticulos, ou corpusculos (como na borragem, e symphytum.)
, que as vezes se destingue bem pouco do tubo, como no marroyo, e outras vezes he hum tanto inchada, como no lamium.
O collo (collum) he a parte do tubo immediata à fauce, e assaz bem apparente no lamium, e dracocephalum
O collo he proprio taõbem de muitas outras corollas, que naõ saõ labiadas, como por ex. da do quejadilho, congossa, &c.
.
O palato (palatum) he huma protuberancia interna que se acha na entrada da fauce ou entre os labios da corolla, como se ve nas especies de utricularia e antirrhinum
O palato parece sò ser proprio das corollas mascarinas.
.
O esporaõ (calcar)
O esporaõ acha se taõbem em outras especies de corollas como se vè nas esporas, e ainda mesmo no calyz, como nas chagas: algumas corollas em lugar de esporaõ tem huma especie de capello ou sacco (cucullus, s. saccus), como a impatiens, e alguns generos das orchideas.
, que se observa as vezes nas corollas labiadas, he huma producçaõ tubulosa de forma conica, a que Linneo deo o nome de nectario (as especies dos dois generos citados no numero precedente.)

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Rosacea (rosacea), tem cinco petalas regulares concavas, com unhas curtissimas apegadas ao calyz (as roseiras bravas, pereira, e sylva).

Malvacea (malvacea), tem cinco petalas cordiformes com as unhas adunadas (a malva, althea, & outras malvaceas.)

Liliacea (liliacea), tem seis petalas regulares, como a tulipa, açucena, coroa imperial, e outras plantas liliaceas.

Cravinosa (carvophillata), tem cinco petalas regulares, unguiculadas, e as vezes apegadas junto da base (as cravinas, murujem, herva traqueira, &c.) O germe nas flores que tem esta corolla vem a ser huma capsula.

Cruciforme (cruciata, s. cruciformis), tem quatro petalas regulares, unguiculadas, com as laminas patentes, e dispostas em cruz (a couve, goiveiro, e nabo).

Papilionacea ou borboleta (papilionacea), foy assim chamada pela compararem a huma borboleta voando, he irregular, e consta de quatro petalas unguiculadas, a superior he chamada estendarte (vexillum e està mais ou menos levantada, estendida, e encostada anteriormente às outras tres

He raro que huma corolla borboleta tenha mais, ou menos de quatro petalas; contudo na amorpha aeha,se somente o estendarde e na olaya a navetta he de duas petalas, o que he rarissimo, porque quando muito em outras leguminosas so he bifendida ou bipartida.
; as duas lateraes chamadas alas (ala) saõ iguaes, extaõ encostadas huma de cada banda à navetta; a inferior chamada navetta (carina), he concava como hum [p. 140] baxel, e està situada debaxo do estendarte e entre as alas, envolvendo em si os organos da fructificaçaõ (taes saõ as corollas da fava, ervilha, lentilha, chixaro, trevo, &c.).

Gomilosa (urceolata), tem a forma oval ou quasi oval, de modo que se assemelha quasi a huma jarra ou gomil; he bojuda no meyo, e se estreita depois na parte superior e inferior (a basella, e hyacinthus muscari).

Globosa (globosa), tem huma forma quasi espherica (o lirio dos valles, e a escrophularia).

6º. Quanto à composiçaõ diz-se ser:

Simplez (simplex), se pertence a huma flor simplez. A flor simplez (flos simplex), he rigorosamente a que dentro de hum calyz naõ contem muitos flosculos (o meimendro, a salva, e o jasmim). Os floristas chamaõ flor simplez ou singella à que tem sò huma ordem de petalas, e a oppoem à dobrada e polypetala, mas os Botanicos so chamaõ flor simplez aquella, cujo calyz, corolla ou receptaculo naõ saõ communs a muitos flosculos, e Linneo a oppoem à flor composta, aggregada, umbrellada, cymosa, amentilhosa, casulosa, e espadicea.

Corolla composta (composita), he a totalidade das corolullas de muitos flosculos contidos dentro, de hum perianthio commum, rentes, e com antheras adunadas

Linneo assigna taõbem huma corolla composta às especies de betula, aindaque os seus flosculos naõ tenhaõ antheras adunadas, mas o termo composta he pouco usado em botanica nesta extensa accepçaõ.
em hum corpo cylindrico (o gyrasol, bonina, macella gallega, e perpetua).

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Corolla universal (universalis), he a totalidade das corollulas de muitos flosculos relativos a huma umbrella universal (o coentro, salsa, canabraz, e canafrecha

Linneo da taõbem adequadamente o nome de corolla universal à totalidade de algumas flores aggregadas, como às da scabiosa, globularia, &c.
.

Corolla propria ou parcial (propria, s. partialis), he a que merece propriamente o nome de corolla, e pertence a cada hum dos flosculos da corolla composta ou da universal: daõ-lhe taõbem o nome de corollula ou de pequena corolla (corollula), principalmente quando he relativa a huma corolla composta.

A corolla composta e a universal constaõ de disco e de rayo; o disco (discus), he todo o espaço que vay desde o rayo exclusivamente athe ao centro; o rayo (radius), na corolla composta, he a sua parte mais externa immediata aos foliolos, escamas, ou lacinias do perianthio commum; na corolla universal das umbrelladas o rayo he a ultima ordem dos flosculos, que se achaõ na circumferencia da umbrella universal (o gyrasol, bonina, perpetua, salsa, e coentro).

Corollula ligulosa, ou corolla propria aligulada (p. ligulata), he a que pertence a hum flosculo da flor composta

Tournefort chamava flosculo (flosculus) ao que Linneo chama corollula tubulosa, e semiflosculo (semiflosculus) ao que elle chama corollula ligulosa; a opiniaõ de Linneo parece me ser a mais acertada, porquanto o nome de flosculo convem naõ so aos semiflosculos de Tournefort, mais ainda a qualquer pequena flor congregada em hum receptaculo commum.
; he monopetala, tem na base hum tubo curtissimo e apertado, a orla plana, comprida, [p. 142] de igual largura, troncada e guarnecida de trez quatro, ou cinco denticudos; taes saõ v. g. as corollulas das flores da alface, chichoria, almeiraõ, escorcioneira, &c.

Corollula tubulosa, ou corolla propria tubulosa (p. tubulata, s. tubulosa), tem na parte inferior hum tubo, e a sua orla he campanulada, e terminada em cinco denticulos ou cinco lacinulas; estas corollulas algumas vezes saõ afuniladas, e outras vezes as suas lacinulas saõ desiguaes. As corollulas tubulosas achaõ-se na maior parte das flores da classe Syngenesia, e se podem observar nas da macella gallega, losna, gyrasol e perpetua.

Corolla composta ligulosa (c. ligulata)

Semiflosculosa segundo Tournefort.
, quando todas as corollulas tanto dor disco como do rayo saõ ligulosas; esta sorte de corolla he ordinariamente plana, patente, e imbricada ou de flosculos imbricados (taes saõ v. g. as corollas da alface, almeiraõ, serralha, escorcioneira, &c.)

Corolla composta tubulosa (c. tubulosa, s. discoidea)

Flosculosa segundo Tournefort.
, todas as corollulas tanto do rayo como do disco saõ tubulosas; esta sorte de corolla he ordinariamente convexa (taes saõ as corollas da macella gallega, perpetua, absynthio, bardana, centaurea, &c.

Corolla composta radiada (c. radiata), quando as corollulas do rayo saõ ligulosas, e as do disco tubulosas (o gyrasol e bonina). Esta sorte de corolla he irregular, ou difforme; o termo de difforme [p. 143] contudo da-se taõbem ás corollas compostas tubulosas da centaurea, por terem no rayo flosculos com corollulas de forma differente.

Corolla universal radiada (un. radiata), quando as petalas externas dos floculos do rayo da umbrella universal differem das internas, e das mais dos flosculos do disco, sendo mais alongadas (o coentro, e canabraz). Estas corollas saõ taõbem chamadas difformes (difformes).

Corolla composta uniforme (c. uniformis), os seus flosculos tem todos corollulas da mesma forma, e proporçaõ, sendo ou todas tubulosas, ou todas ligulosas (a macella gallega, e a alface).

Corolla universal uniforme (un. uniformis), todos os seus flosculos tanto do disco como do rayo tem petalas da mesma forma e proporçaõ (a salsa, e funcho).

7º Quanto à duraçaõ a corolla diz-se ser:

Murchosa (marcescens), quando se murcha, engilha, e fica depois da florecencia, durante algum tempo, apegada ao fructo (as campanulas, orchideas, e algumas cucurbitaceas.)

Caduca (cuduca), se cahe pouco tempo depois da flor ter desabotoado, ou antes dos estames cahirem e da fecundaçaõ estar completa (videira, actaea, thalictrum).

Decadente (decidua), se cahe juntamente com os organos sexuaes, ou logo depois da fecundaçaõ (a papoila, tulipa, e a maior parte das flores).

Persistente (persistens), se dura e acompanha o fructo athe à sua madureza (o golfam, e helleborus).

[p. 144]

8º. Quanto à cor.

A cor das corollas he ordinariamente desprezada pelos Botanicos modernos

O Lord Bute no seu tractado dos generos das plantas da Gr. Bretanha, que hà pouco publicou, pertende que as flores saõ menos sujeitas a variar do que Linneo pensava, e que na realidade ha muitas que jamais variaõ, principalmente às brancas e amarellas de certas especies. Com effeito alguns Botanicos sexualistas servem-se destas duas cores para distribuirem as especies dos generos de anthemis e achillea; e Linneo mesmo naõ põde evitar de empregar as cores nos destinctivos especificos de algumas cryptogamicas, como nos agaricos, lichens, &c.
, em razaõ de ser sufeita a variar muito; como devo tractar em outro lugar das cores dos vegetaes em geral, omittilas-hei aqui por evitar repetiçoẽs.

N. B. As flores participaõ de hum grande numero de denominaçoẽs proprias das corollas, sendo, ordinario achalas decriptas nos autores com os nomes de flores

As flores radiadas, ligulosas, e tubulosas saõ as que tem a corolla composta radiada, ligulosa, tubulosa.
radiadas, ligulosas, tubulosas, campanuladas, afuniladas, arosettadas, labiadas, mascarinas cruciformes, rosaceas, cravinosas, liliaceas, borboletas
Os nossos floristas daõ o nome de flores borboletas a algumas especies de ranunculus, mas segundo os Botanicos este nome so compete as que tem huma corolla papilionacea, como a fava, ervilha, &c.
, &c. segundo a corolla de que saõ ornadas.

Nectario.

O nectario (nectarium) segundo Linneo, que introduzio este termo em Botanica, he hum [p. 145] appendice da corolla ou hum orgaõ accessivo à flor, destinado à secreçaõ do mel, ou a contêlo; mas este termo nem sempre he usado no rigor da sua definiçaõ, antes tem sido applicado a alguns appendiculos das flores, os quaes naõ servem nem à secreçaõ de succo algum nem a contelo, e parece ter huma accepçaõ assaz vaga e illimitada: porquanto vem-se muitas vezes nas flores varias singularidades accessivas, glandulas, poros, globulos, tuberculos, denticulos, rayos, pilares, escamas, ou pequenas valvulas, fossulas, producçoẽs em forma de esporaõ, de grinaldas, de capello, de coroa, de copo, funil, campainha, de estrellas, de labios, cruzes, &c. que tem recebido o nome de nectarios, por se querer cortar de hum golpe todas as difficuldades, que podiaõ haver na definiçaõ de todas estas partes assaz dessemelhantes entre si naõ sò quanto à sua forma, mas ainda quanto ao seu numero, posiçaõ, e ponto de apego.

O nectario diz-se ser: calycino (calycinum), quando he relativo ou appenso ao calyz, como na chagueira.

Corollino ou petalino (corollinum, s. petalinum), se he adunado ou relativo à corolla ou suas petalas, como na linaria, violetta, rainunculo, narcizo, coroa imperial, açucena, orchideas, &c.

Estaminaceo ou dos estames (staminaceum), se he relativo aos filetes ou antheras dos estames, como na fraxinella, e adenanthera.

Pistillaceo ou do pistillo (pistillaceum), se he relativo ao pistillo, principalmente ao germe, como no goiveiro, jacintho, &c.

Receptaculaceo ou do receptaculo (receptaculaceum), [p. 146] se he relativo ao receptaculo ou apegado a, elle, como no conchello.

Esporaûdo ou rostrado (calcaratum, s. rostratum), quando tem a forma do esporaõ das aves ou do seu bico, e he occo (como o das chagas, esporas, aquilegia, violetta, &c.); humas vezes he agudo outras obtuso.

Acapellado (cucullatum), se he concavo e se assemelha a hum capuz (o melindre).

Tortigòrne (cornutum), se he concavo e tem huma cauda aguda recurvada (o acònito).

Coroniforme (coroniforme), se tem a forma de huma grinalda, ou coroa, como no martyrio.

CAPITULO XII. Dos Estames.

O calyz e corolla de que tractei nos dois capitulos precedentes saõ meramente tegumentos, e ornato dosorganos essensiaes às flores, isto he, dos estames e pistillo. Os modernos persuadidos por experiencias repetidas de que estes delicados organos eraõ destinados aos amores das plantas consideraraõ huns como genitaes masculinos, e outros como femininos. Os estames (stamina) a que elles chamaõ genitaes masculinos saõ verdadeiramente huma viscera destinada à preparaçaõ do pó fecundante, e da aura seminal nelle contido. Na situaçaõ mais natural os estames estaõ postos entre a corolla e o pistillo, como se observa bem claramente numa açucena. A sua origem he supposta em geral ser a mesma que a [p. 147] da corolla. Podem ser considerados ou como completos ou como incompletos; no maior numero de flores saõ completos, isto he, constaõ de duas partes differentes huma superior e outra inferior, a superior he chamada anthera e a inferior filête. O filete he ordinariamente semelhante a hum delgado fio, e serve de esteio à anthera, que he quasi sempre mais grossa do que elle. A anthera acha-se de ordinario na ponta do filete, às vezes contudo succede ser rente, (sessilis), e o filete nullo; nesta circumstancia o estame he incompleto, como se vè na aristolochia. Commumente os estames saõ ferteis (fertilia); mas nalgumas flores, os filetes naõ sostem anthera alguma, ou somente tem huma anthera enfezada, mal apparente, e que naõ medra; nesta circumstancia os estamẽs saõ denominados estereis ou castrados (sterilia, s. castrata), e saõ taõbem incompletos: semelhantes estames rarissimamente saõ contados pesos systematicos sexualistas na classificaçaõ das plantas, em que se observaõ.

Filetes.

Os filetes (filamenta), podem ser considerados.

1º Quanto ao seu número.

Porem antes de fallar do numero dos filetes devo advertir, que os systematicos sexualistas contaõ o numero dos estames pelo das antheras, quer estas sejaõ fileteadas quer rentes

Elles exceptuaõ contudo os da dianthera e stemodia.
. Os estames saõ em geral ou soltos inteiramente, ou em parte soltos e em [p. 148] parte adunados, ou inteiramente adunados; os soltos inteiramente (libera) saõ aquelles, cujos filetes, e igualmente as suas antheras saõ desapegadas entre si e nelles cada filete
Os sexualistas exceptuaõ contudo os da dianthera e stemodia, nos quaes cada filete solto sostem duas antheras.
sostem huma anthera, como v. g. a hortelaan e açucena; os estames em parte soltos e em parte adunados (filamentis connata, connexa, coalita) saõ 1º aquelles cujos filetes saõ adunados e as antheras soltas, estes filetes muitas vezes saõ somente adunados na parte inferior e terminaõ na parte superior em pequenas lacinias ou rayos, taes saõ por ex. os da fava, ervilha, fumaria, malva, althea, larangeira milfurada, e muitas outras das elasses monadelphia, diadelphia, e polyadelphia do systema de Linneo; saõ 2º os que tem os filetes soltos, e as antheras adunadas (antheris coalita), como v. g. saõ os do gyrasol, bonina e todas as plantas da classe syngenesia; os estames inteiramente adunados (coalita per syncretismum, s. concreta), saõ os que tem tanto os filetes como as antheras apegadas, como saõ v. g. os da bryonìa e outras cucurbitaceas.
Os filetes adunados (n. 1º) algumas vezes saõ taõbem chamados colunas ou phalanges (columnae, s. phalanges); huma coluna contem as vezes hum grande numero de antheras, como na malva, outras vezes cinco, como no cacoeiro, nove como na fava, tres como na fumaria, duas como na monnieria, &c. Quando a flor tem todos os filetes adunados em huma so coluna (n. 1º) como na malva, os estames neste cazo saõ chamados monadelphos (monadelpha); se elles saõ [p. 149] adunados em duas colunas como na fumaria, ou em huma coluna e alem disso ha hum estame solto, como nas ervilhas e favas, os estames saõ denominados diadelphos (diadelpha); se saõ adunados em muitas colunas ou phalanges, como no limoeiro, larangeira, milfurada, cacoeiro, &c daõ lhes o nome de estames polyadelphos (polyadelpha).

O numero dos filetes e estames differe segundo as diversas classes, e às vezes nos mesmos generos de plantas. Na valeriana rubra ha hum so; dois no jasmim; tres no trigo e lirios; quatro iguaes na saudade, e tanchagem; quatro com dois mais curtos no marroyo e digital; cinco soltos com cinco antheras adunadas no gyrasol; cinco soltos inteiramente na madresylva e coentro; seis de igual altura ou de altura indeterminada no alho e açucena; seis com dois mais curtos na couve e goiveiro; sette no aesculus hippocastanum e alguns geranios de Africa; oito nas chagas e semprenoiva; nove no loireiro; dez na olaya, arruda e cravos; doze ou mais no sayaõ, euphorbia e beldroega; dezaseis na tormentilla; vinte emco ou mais na amexieira; trinta ou mais na gingeira; numerosos apegados ao calyz na romeira e sylva; numerosos apegados ao receptaculo nos rainunculos, e peonia, na qual se tem contado athe trezentos.

2º. Quanto a superficie, forma, e direcçaõ, dizem-se ser:

Capillares (capillaria), se saõ delgados como hum cabello em todo seu comprimento (como no trigo).

Filiformes ou cetaceos (filiformia), se acazo se assemelhaõ a hum fio de linhas delgado (a verbena, e espargo).

[p. 150]

Planos (plana) se saõ delgados, largos, e chatos (o golfam.)

Cunhiformes (cuneiformia), se tem a forma de huma cunha, como no thalictrum.

Assovelados (subulata), se saõ lineares e aguçados na ponita como o ferro de huma sovela (a abrotea, couve, e tulipa).

Espiraes (spiralia), saõ enroscados espiralmente (o feijaõ, e hirtella).

Chanfrados (emarginata), saõ tricuspides ou terminados em tres denticulos e duas chanfraduras, como saõ os do alho.

Recurvados (recurva, reflexa), se saõ inclinados com a ponta para fora, como na gloriosa.

Parallelos (parallela), quando se elevaõ de modo que medea igual distancia entre elles desde a base athe ao topo (o goiveiro, a digital, e muitas outras labiadas e cruciferas).

Felpudos (villosa), se saõ cobertos de felpa, como algumas especies de verbasco.

3º Quanto ao ponto de apego ou situaçaõ, os estames tem merecido grande attençaõ de alguns systematicos modernos, e com effeito a sua insersaõ subministra os mais invariaveis caractéres geraes, que se conhecem em Botanica.

Os filetes ou estames dizem-se ser: apegados à corolla (corollae inserta), se a sua base jaz apegada ao tubo, fauce, orla ou qualquer outra parte da [p. 151] corolla (o jasmim, salva, alecrim e ordinariamente as flores monopetalas)

Exceptuaõ-se contudo a aloe e as corollas monopetalas, cujas antheras saõ bifendidas ou bigornes, como v. g. as da urze, que tem os estames apegados ao receptaculo. As vezes estaõ apegados ao nectario, como no cissus, campanula, &c. As polypetalas ordinariamente tem os estames desapegados das petalas e apegados ao receptaculo; contudo na statice, melanthium, e nas corollas cravinosas muitas vezes estaõ apegados às unhas das petalas. No eriocaulon os filetes por huma singusaridade da natureza tem o seu apego sobre o germe, ao mesmo tempo que a corolla e calyz estaõ sottopostos a elle.
.

Apegados ao calyz (calyci inserta), como na pereira, gingeira, sylva, salicaria, e muitas outras da classe Icosandria, e da ordem natural, a que Linneo chama Calycanthemas.

Apegados ao receptaculo (receptaculo inserta), he o mais ordinario nas flores

O calyz e corolla commumente saõ taõbem apegados ao receptaculo.
, como v. g. na papoila, rainunculos, &c.

Apegados ao pistillo (pistillo inserta), como nas orchideas e algumas da classe monandria. Na aristolochia os estames, que consistem nas antheras rentes, saõ taõbem apegados ao pistillo

O Dr. Thumbergio, que occupa hoje a cadeira de Botanica dos dois celebres Linneos, he de parecer que saõ rarissimas as flores, que merecem ter o nome de gynandras, e com effeito no martyrio, andrachne e muitas outras os estames verdadeiramente estaõ apegados a hum receptaculo continuado ou pedicello, e naõ ao pistillo.
.

Dizem-se: fronteiros ou oppostos ao calyz (calyci opposita), quando se achaõ postos defronte das lacinias ou foliolos do calyz, como na ortiga.

4º. Quanto à proporçaõ dizem se ser:

Iguaes (aequalia), se todos tem o mesmo [p. 152] comprimento; desiguaes (inaequalia), se huns saõ mais compridos do que outros.

Compridissimos (longissima), se excedem bastantemente no comprimento a corolla (ou o calyz, se ella falta); curtissimos (brevissima), se sãõ bastantemente mais curtos do que a corolla (ou do que o calyz nas despetaleadas).

Reclusos (inclusa), quando naõ sahem fora da fauce do tubo da corolla, como no jasmim, rosmaninho, e sideritis: exclusos (exerta), quando sahem fora da fauce da corolla, como na carvalhinha

Estes termos naõ so se applicaõ aos estames, mas taõbem ao pistillo.
.

Antheras.

A antheras (anthera), he a parte essensial de qualquer estame, e huma capsula que encerra em si o pó fecundante.

O pò fecundante (pollen, s. genitura), que se julga ser a substancia espermatica dos vegetaes, he huma materia farinhosa, cujos graõs miudissimos saõ cobertos de huma membrana finissima vesicular na qual he contida a aura seminal ou halito elastico (aura seminalis, fovilla, s. halitus elasticus), que no momento da rotura da dicta membrana se diz entrar pelo estigma, e fecundar os ovos vegetaes ou tenrinhas sementes. As observaçoẽs microscopicas asseguraõ que estes graõs saõ mais ou menos globulosos, que elles saõ reniformes nas antheras do [p. 153] narcizo, echinosos nas do gyrasol, arrodelados e denteados na malva, e que a sua membrana he enrolada nas da borragem; elles saõ bem destinctamente visiveis nas antheras da mirabilis. A castraçaõ das antheras, feita de proposito, a florecencia do golfam e d'outras plantas aquaticas acima do lume d'agoa, a esterilidade que resulta em razaõ das chuvas ensoparem o po das antheras, a inclinaçaõ do estigma para às anteras e destas para o pistillo se elle he curto, e muitas outras experiencias e, observaçoẽs provaõ sufficientemente que o po, que as antheras contem em si, merece com bastante propriedade o nome de substancia fecundante, que lhe deraõ os sexualistas.

A capsula da anthera he simplez e univalve em hum grande numero de flores por conter huma so cellula (loculas); isto naõ obstante ha muitas que saõ compostas de duas, tres, quatro e muitas cellulas separadas por hum partimento assaz vizivel (bi-tri-quadri-multiloculares); na ortiga, na leontice e epimedium saõ bivalves e de duas cellulas; no colchico quadrivalves; e no milho, chagas, e tulipa tem quatro cellulas. Estas capsulas differem no modo de abertura (apertura, s. dehiscencia); ordinariamente rasgaõ-se por huma ilharga, as vezes debaxo para cima, como no epimedium e leontice, outras vezes pela ponta, como no milho, tomateiro, e galanthus, e emfim ha outras que so se abrem pela base, como as do teixo.

As antheras saõ soltas ou desadunadas (distinctae) na tulipa, açucena e maior parte das flores; adunadas, (connatae, s. coalitae), no gyrasol e flores syngenesias.

[p. 154]

Innatas (adnatae), quando se achaõ apegadas ao sado do filete como no asarum, costus e paris.

Lateraes (laterales), se estaõ encostadas ao filete pelo lado interno (acanthus, e ballota).

Levantadas (erectæ), quando tem a sua base apegada à ponta do filete (o tomateiro e oliveira); ellas conservaõ esta denommaçaõ ainda quando saõ convergentes (conniventes), como na pulmonaria, ou quando saõ recurvadas (reflexae), como no goiveiro.

Versateis ou vacillantes (incumbentes, S. versatiles), quando estaõ apegadas pelo meyo do seu comprimento à ponta do filete de modo que bomboleaõ com o mais leve zephyro (a açucena, trigo, joyo e outras gramas.).

Didymas ou bilobadas (didymo), se tem duas protuberancias que reprezentaõ dois nos encostados ou duas ginjas apegadas (como saõ as da amexieira, gingeira, rainunculo, scrophularia, mirabilis, &c.)

Globosas (globosae), se tem a forma hum tanto espherica, como no coentro, acelga e sabugueiro.

Oblongas (oblongae), saõ muito mais compridas do que largas (a açucena, e trigo).

Bifurcadas (bifurcae, s. utrinque bifarcae), se tem duas pontas em cada extremidade (o trigo, e centeio).

Afréchadas (sagittatae), no açafraõ e loendro; angulosas (angulato), na tulipa tetragonas ou de quatro cantos embotados (tetragonae) no milho, choupo, e coroa imperial.

Bigornes (bicornes), saõ bifendidas superiormente terminando em duas pontas levantadas (a urze.)

Assoveladas (subulatae), saõ lineares e aguçadas (como no goiveiro, e açucena.)

[p. 155]

N. B. Linneo dà taõbem o nome de antheras à fructificaçaõ capsulosa dos musgos, e as denomina operculadas (operculatae), ou tapadas com hum operculo, &c; eu fallarei mais extensamente destas producçoẽs no artigo da classe cryptogamia.

CAPITULO XIII. Do Pistillo.

O pistillo (pistillum), he huma viscera na qual se acha o principio do novo fructo, e os organos destinados a receber a substancia que o deve fecundar. Os sexualistas suppoem nesta viscera os organos genitaes femininos, e a consideraõ composta de tres partes, a saber, de germe, estylete, e estigma, os quaes se podem ver bem claramente numa açucena. O germe (germen), he a parte inferior do pistillo ou o fructo recêm nascido antes de ser fecundado; contem o principio das sementes e os organos proprios para receber a sua fecundaçaõ e nutriçaõ; e na sua posiçaõ mais natural està situado no centro da flor, com à base apegada ao receptaculo da fructificaçaõ. O estylete (stylus), he a parte do pistillo que medea entre o estigma e o germe. O estigma (stigma), he a parte superior e extrema do pistillo. Os sexualistas reconhecendo huma grande analogia entre estas partes, e às dos animaes, compararaõ o estigma à tuba de Fallopio e vulva, o estylete a vagina, e o germe ao ovario; assegurando segundo as suas observaçoẽs que o estigma se acha sempre [p. 156] humido ou rociado em razaõ de huma lympha genital que nelle se separa.

Germe.

O germe tem recebido hum grande numero de denominaçoẽs que saõ, quasi as mesmas que as do pericarpo ou fructo, e porisso as omittirei aqui. Dizse ser: sobreposto (superum), quando se acha situado sobre o receptaculo da fructificaçaõ e incluido na corolla, ou calyz (a açucena, e carvalho); sottoposto (inferum), se esta situado debaxo do receptaculo da flor ou posto debaxo da corolla, como no narcizo, asarabacca, e melaõ; pediculado (stipitatum, s. pedicellatum), se està posto sobre hum pequeno esteio ou receptaculo continuado no centro da flor, como na alcaparra, e martyrio.

Estylete.

1º Quanto à situaçaõ ou ponto de apego.

O estylete esta sempre apegado à superficie do germe; ordinariamente acha-se situado no seu topo, como na açucena e quasi em todas as flores, e por esta razaõ senaõ faz mençaõ desta circumstancia nas suas descripçoẽs: na alchimilla està apegado junto da base do germe, e ao lado delle na lachnaea, como taõbem na roseira, sylva e outras plantas da Icosandria polygynia.

[p. 157]

2º Quanto ao numero.

O numero dos estyletes depende da divisibilidade ou indivisibilidade da sua base, no que deve haver grande attençaõ, visto que o numero dos pistillos de huma flor ou flosculo he contado pelo dos estyletes, em que saõ fundadas muitas ordens do systema de Linneo. Diz-se que ha hum estylete na flor todas às vezes que nella existe desacompanhado de outro algum, e he indiviso ao menos junto da sua base. Na açucena temos exemplo de hum sò simplez, e nos lirios de hum so curtissimo e tripartido, o cravo e coentro subministraõ exemplos de dois; vemos tres nas azedas e matyrio, quatro no espinafre, cmco na pereira, conchelo e linho, seis no butomus, damasonium e stratiotes, sette no septas, oito na phytolacca octandra, nove no empetrum, dez na nevrada e phytolacca decandra, doze no alisma cordifolium e sayaõ, muitos ou mais de doze na sylva, morangueiro, &c.: as vezes montaõ a mais de cem nos rainunculos e sagittaria.

3º. Quanto a forma diz-se ser:

Mais grosso na parte superior (superne crassior). no martyrio, e açucena.

Aclavado (clavatus) no leucoium vernum.

Colunar ou cylindrico (cylindricus) na malva.

Setaceo (setaceus) no carvalho.

Filiforme (filiformis) no milho.

Capillar (capillaris) no poterium, e azedas. Elle se diz ainda ser assovelado, anguloso, &c. (subulatus, angulosus, etc.)

[p. 158]

4º Quanto à duraçaõ.

Os estyletes saõ ordinariamente decadentes, isto he, cahem logo depois da florecencia com as mais partes da flor; algumas vezes contudo saõ murchosos (marcescentes), por se engilharem e durarem apegados algum tempo ao novo fructo fecundado; e naõ he raro de os ver persistentes (persistentes), principalmente nas cruciferas ou plantas da Tetradynamia.

5º Quanto à proporçaõ, o estylete he comparado com os estames, e as vezes com os tegumentos da flor.

Diz-se ser: compridissimo (longissimus) no milho, escorcioneira, e campanula.

Curtissimo (brevissimus) nos lirios e alfeneiro.

Mais grosso do que os estames (staminibus crassior), na açucena; mais delgado do que os estames (staminìbus tenuior), na cebola.

Do comprimento dos estames (longitudine staminum, s. staminìbus aequalis) na pereira, e alface.

6º. Quanto à direcçaõ diz-se ser:

Levantado (erectus) na açucena.

Remontante (ascendens) no trevo, ervanço e outras leguminosas.

Inclinado para a banda (declinatus) na veronica.

7º. Quanto a divisaõ diz-se ser:

Fendido em duas, tres, quatro, cinco e muitas lacinias (bi - tri - quadri - quinque - multifidus), como no eupatorium, campanula, cleonia, geranìum, e sida.

[p. 159]

Forquilhoso (dichotomus), se he dividido em dois ramos, e cada ramo consta de duas lacinias (à patagonula).

Quando o estigma he rente, por naõ estar sostido por estylete algum, neste cazo o estylete he denominado nullo (nullus), como na papoila, e golfam.

Estigma.

O estigma existe na flor ao mesmo tempo que os estames, e o seu estado de vigor he quando a anthera se rompe, e vibra o po fecundante. Nalgumas fores da syngenesia, em que falta o estigma, o germe aborta, e o mesmo succede se o cortamos de proposito pela operaçaõ, a que os sexualistas daõ o nome de castraçaõ (castratio)

Elles daõ o mesmo nome de castraçaõ ao còrte das antheras.
. Quando o estylete he nullo, o estigma he por conseguinte rente (sessile), como v. g. na papoila, tulipa, e aristolochia.

1º. Considerado quanto ao numero.

Quando os estigmas saõ rentes os sexualistas costumaõ por elles contar o numero dos pistillos. Na aristolochia e tulipa ha hum so rente, dois rentes na peonia e atraphaxis spinosa, tres rentes no sabugueiro, quatro rentes no aquifolio e potamageton cinco rentes ou mais na caltha, muitos rentes nos rainunculos. Quanto ao numero dos que saõ estyleteados, ou sobrepostos a hum estylete, vê-se hum na açucena, dois no jasmim, tres nas campanulas, quatro na cleonia, cinco na pereira, &c. &c.

[p. 160]

2º. Quanto a direcçaõ diz-se ser:

Enroscado (convolutum), no açafraõ: recurvado (revolutum, s. recurvum), no cravo e alface.

Virado para a esquerda (sinistrorsum, flexum) na silene; virado para a direita (dextrorsum flexum), como na herva traqueira, mas estas direcçoẽs variaõ muito.

Obliquo (obliquum), na violetta e loireiro: patente (patens), na coroa imperial e muitas malvaceas.

3º Quanto a divisaõ.

Diz-se ser: fendido em duas, tres, quatro, cinco, seis ou muitas lacinias (bi- tri- quadri- quinque- sex- multifidum) segundo o numero dos pequenos

Cada hum destes raminhos ou lacinias (quando saõ filiformes) be hum estigma, e por conseguinte estes termos parecem so competir com propriedade ao estylete.
ramos em que he dividido.

4º Quanto a forma diz-se ser:

Capillar (capillare), na azeda e tabûa: filiforme (filiforme), como os que se vem na ponta dos estyletes taõbem filiformes das maçarocas de milho, e na malva.

Capitoso (capitatum), se he crasso, e tende à forma globosa (o martyrio); globoso (globosum), na videira, larangeira, e quejadilho.

Redondo (orbiculare) na congossa, e uva espim.

Ovado (ovatum) na genciana.

Obtuso (obtusum) no tomateiro, tojo, e murugem. [p. 161] Agudo (acutum) na cebola; troncado (truncatum) na abrotea, e lathræa.

Cordiforme (cordatum), no cumagre.

Deprimido obliquamente (obligue depressum) no trovisco, e actæa.

Chanfrado (emarginatum), na pulmonaria e cynoglossa.

Arrodelado (peltatum, s. clypeacum), se he redondo plano ou hum quasi nada concavo por cima, e hum tanto convexo por baxo, como o da papoila e golfam. Este mesmo estigma diz-se taõbem as vezes ser rayado ou estriado (radiatum, sive striatum), quando tem rayos ou estrias, que partem do centro para a circumferencia, como se vè nas predictas duas plantas.

Apincellado (pinicilliforme), quando se assemelha a hum pincel (poterium).

Coroniforme (coroniforme), nalgumas especies de urze, e de pyrola.

Anguloso (angulatum), se tem tres ou mais angulos: triangular (triangulare) na açucena: trilobado (trilobum) na tulipa.

Cruciforme (cruciforme), se tem quatro lacinias encruzadas (o choupo, e penaea).

Gancheado (uncinatum) na violetta.

Canaliculado (canaliculatum) no colchico, e bulbocodium).

Concavo (concavum) na aristolochia; perforado (perforatum), he huma especie de concavo (o amor perfeito).

Bilaminoso (bilamellatam), se consta de duas laminas longitudinaes (o gergelim).

Plumoso (plumosum) no rhubarbo, trigo, e muitas [p. 162] outras gramas; empubescido (pubescens) no ulmeiro e milho; felpudo (villosum, s. barbatum) nas leguminosas.

Petaliforme (petaliforme, s. foliaceum), nos lirios.

5º Quanto à proporçaõ.

Os estigmas saõ comparados, ou com o estylete quando este existe na flor, ou com o germe quando saõ rentes; assim dizem-se ser: iguaes ao estylete ou do seu comprimento, como na beldroega; mais compridos ou mais curtos do que elle, curtissimos ou summamente pequenos; compridissimos ou summamente grandes; mais largos do que o germe, &c. As vezes saõ taõbem comparados huns com os outros, na mesma flor, como v. g. os dois da ajuga, na qual se diz, que o inferior he mais curto do que o superior.

6º Quanto à duraçaõ.

Os estigmas em hum grande numero de flores, passada a florecencia, cahem ou juntamente com os estyletes ou da superficie do germe; as vezes saõ murchosos (marcescentia), ficando juntamente com os estyletes apegados ao novo fructo fecundado, durante algum tempo; outras vezes saõ persistentes (persistentia), ficando athe à madureza do fructo, como na papoila.

[p. 163]
CAPITULO XIV. Do Fructo.

O fructo (fructus), consiste em huma ou mais sementes fecundadas, e nutridas sobre o seu proprio receptaculo athe ao estado de plena madureza, quer sejaõ cobertas quer descobertas. Quando consta de sementes cobertas o fructo, e o vegetal que o dà saõ denominados angiospermos (angiospermi), e gymnospermos (gymnospermi) se as sementes saõ descobertas. No primeiro cazo o fructo tem alem das sementes hum pericarpo, e no segundo as sementes saõ nuas, e o pericarpo he nullo (pericarpium nallum). Mas definir o que he rigorosamente hum pericarpo, assignar regras para o reconhecer, e para o distinguir sempre dos tegumentos proprios das sementes, dizer quando elle he nullo, ou quando as sementes saõ nuas, naõ he taõ facil como ordinariamente o daõ a entender as obras elementares de Botanica. Todas estas circumstancias requerem hum grande numero de novas obserraçoẽs e talvez muitos seculos se passaraõ ainda sem que se conheca huma sabia theoria pela qual se reduzaõ todos os fructos a hum certo numero de classes bem caracterizadas, e com denominaçoẽs adequadas; tanto he difficil de reconhecer as leys da marcha variada, que a natureza segue por entre o immenso labyrintho dos entes!

Os antigos Gregos e Romanos, e depois delles as naçoẽs modernas deraõ ordinariamente aos fructos [p. 164] nomes differentes, ou o nome da planta que os produzia, sem cuidar de os reduzir a limites certos nem a generalidades, taes saõ por ex. os de azeitona, maçaan, pera, ameixa, marmello, pecego, amora, pepino, melaõ, milho, cevada, trigo, &c. &c. Este modo de nomear os fructos naõ podia agradar aos Botanicos pela razaõ de naõ ser definido nem generalizado, o por conseguinte improprio para poderem delle tirar notas fundamentaes de caracteres genericos; elles cuidaraõ pois de os reduzir a hum certo numero de nomes geraes, dividindo os primeiramente do modo que acima disse em fructos gymnospermos, e angiospermos, e subdividindo depois estes ultimos em hum pequeno numero de especies. Estas divisoẽs, e subdivisoẽs estaõ contudo ainda bem longe da perfeiçaõ que exige huma generalidade conforme à natureza dos fructos; ellas foraõ reformadas por Linneo, e na verdade de todas as theorias que temos a respeito dos fructos a deste sabio he a mais adequada às leys systematicas; como he hoje a mais geralmente seguida, cuidarei quanto me for possivel de me conformar com ella, e começarei pelos fructos angiospermos, ou que consistem em sementes cobertas.

Pericarpo.

O pericarpo (pericarpium), he considerado pelos Botanicos, como hum tegumento accessivo, em que se achaõ envolvidas as sementes que delle devem sahir depois do estado de plena madureza; e segundo [p. 165] os Sexualistas he

Alguns daõ taõbem o nome de ovario fecundado ao receptaculo das sementes nuas, como das labiadas, compostas, &c.
huma viscera ou o ovario fecundado. Deve-se contudo notar que as suas principaes propriedades consistem naõ sò em ser hum tegumento accessivo das sementes, isto he, em ser hum tegumento, que se pode separar sem lesaõ da substancia interna das sementes, nem impedir a sua germinaçaõ, ou tornar a vegetaçaõ futura imperfeita; mas consistem ainda em se achar innato às sementes no tempo da sua fecundaçaõ, fazendo parte do germe do pistillo da flor; em ser naturalmente fechado athe à madureza das sementes (excepto na reseda, datisca, e parnassia)
Na datisca e reseda as capsulas saõ hum tanto abertas desde a florecencia athe à madureza das sementes, mas neste ultimo periodo saõ incomparavelmente mais abertas; na parnassia a capsula abre-se hum pouco na florecencia, mas fecha-se logo depois della.
; e em se abrir ordinariamente, corromper-se
Esta circumstancia naõ deixa de ser sujeita a algumas excepçoẽs; os pericarpos das sementes do xanthium, coqueiro, e outros semelhantes naõ se abrem nem corrompem senaõ no tempo, em que começa a germinaçaõ; mas elles poderaõ reconhecer-se por pericarpos pela razaõ de serem hum terceiro tegumento da semente (como he bem visivel) e de se poderem abrir sem impedir a germinaçaõ.
, ou alterar-se depois madureza das sementes.
O pericarpo naõ constitue jamais o primeiro tegumento vesicular immediato às cotyledones da semente; taõbem naõ he o tegumento secundario das sementes (desacompanhado de outro terceiro) quando o dicto tegumento naõ se abre determinada e espontaneamente athe ao tempo da germinaçaõ, nem se pode abrir sem impedila ou lesala; por esta [p. 166] razaõ se costuma dizer que o pericarpo he nullo no milho
Na cevada, coix, e outras gramas, que tem as valvulas dos tegumentos da flor apegadas à semente no estado de madureza, so se podem admittir pericarpos bastardos (spuria), porque as dictas valvulas ou tegumentos no tempo da fecundaçaõ das sementes estavaõ desapegados dellas, e naõ faziaõ parte do germe do pistillo; o mesmo se deve dizer do nectario da mirabilis, e do tubo da corolla do poterium que vem somente a ser pericarpos bastardos.
, nas umbrelladas
Nas umbrelladas o fructo he bipartivel (bipartibilis), isto he costuma no estado da madureza separar-se facilmente em duas sementes nuas, as quaes athe esse tempo estavaõ approximadas ou pareciaõ adunadas, como no coentro, salsa, &c. Linneo aindaque naõ indicou o pericarpo nullo nos generos de ferula, cachrys, caucalis, tordylium astrantia, e eryngium, isto parece ter somente sido por esquecimento, porque semelhantes plantas todas tem sementes nuas. Nas labiadas taõbem parece ter havido o mesmo esquecimento a respeito da perilla, que tem sementes nuas: mas quanto ao prasium que he da mesma familia, naõ sei como se possa conciliar dar-lhe quatro sementes nuas, e assignar-lhe ao mesmo tempo por pericarpos quatro bagas monospermas e unicellulares; as razoẽs de analogia dictaõ que nesta planta o pericarpo he nullo, e que as sementes tem o tegumento proprio secundario hum tanto succulento.
, labiadas gymnospermas, asperifolias, compostas, e outras semelhantes; mas quando este mesmo tegumento se abre lateralmente, e sempre pelo mesmo dugar antes da germinaçaõ, como v. g. nalgumas malvaceas, deve per considerado como hum verdadeiro pericarpo.
Quando ha hum terceiro tegumento
A analogia dos fructos dos generos da mesma familia poderá em cazo de duvida fazer reconhecer este terceiro tegumento, e porisso se assignaõ pericarpos ao myagrum, bunias, peltaria, crambe, trevos, fumaria, securidaca borbonia, anthyllis, ebenus, psoralea, geoffrova, &c.
assaz vizivel, ainda mesmo que se naõ abra espontaneamente nem altere antes da germinaçaõ, mas que se pode contudo [p. 167] abrir sem lesar nem impedir a germinaçaõ, deve ser considerado como hum verdadeiro pericarpo (como no cocco, e xanthium): se dentro deste terceiro tegumento houverem sementes, cujo tegumento secundario for valvulado, e se abrir espontanea, e determinadamente depois da sua madureza ou antes da germinaçaõ, deve ser considerado como pericarpo, e neste cazo a semente, ficará guarnecida de dois pericarpos, se elles forem desadunados ou separaveis hum outro; mas se o dicto tegumento secundario for lenhoso, e persistente athe á germinaçaõ, aindaque tenha valvulas, naõ deve ser tido por pericarpo, mas taõ somente por tegumento proprio da semente como saõ todas as nozes ou caroços das drupas, e de algumas bagas.
Linneo naõ admitte pericarpo que conste ou seja recheado de pericarpos menores, e diz que quando parece haver muitos pericarpos reclusos em hum pericarpo exterior, este so deve ser considerado como hum receptaculo commum
Creyo que quer dizer receptaculo commum das sementes; mas as siliquas, vagens, pomos, &c, saõ receptaculos communs das sementes, e ao mesmo tempo naõ deixaõ de ser reconhecidos por pericarpos.
; mas attendendo aos exemplos que cita
Os receptaculos da magnolia, michelia, e uvaria. Vej. Phil. Bot. pag. 75.
; so parece indicar as circumstancias em que ha muitas sementes, que naõ tem hum tegumento commum fechado
Contudo segundo o mesmo Botanico o fructo da sylva, aindaque naõ tenha hum tegumento commum fechado, he huma baga composta, e naõ hum receptaculo.
.
Na opiniaõ de alguns modernos naõ implica de sorte alguma com a natureza dos fructos, que haja hum ou mais pericarpos [p. 168] dentro de outro externo; nos pomos por ex. o pericarpo externo
Os termos drupa, e baga saõ vulgarmente entendidos pelo fructo total, isto he, pelas sementes e juntamente pelo pericarpo de que saõ guarnecidas, mas no rigor botanico so significaõ o pericarpo ou tegumento externo accessivo, gro so e polposo; porquanto assim como quando dizemos a vagem do feijoeiro contem sementes reniformes, so rigorosamente se entende o pericarpo, da mesma sorte quando dissermos os pomos d pereira contem sementes pontudas, so devemos entender os dois pericarpos que constituem o pomo, e o mesmo deve ter lugar a respeito das drupas, e bagas.
he hum tegumento grosso, succulento e alteravel que contem hum segundo pericarpo ou capsula, na qual se achaõ reclusas as sementes, como se vê nas peras, e maçaans; na romaan dentro das cellulas do pomo ha hum grande numero de acinos ou bagas monospermas, as quaes todas saõ verdadeiros pericarpos còrados
Cada hum destes tegumentos accessivos, e succulentos contem huma semente com dois tegumentos proprios.
, succulentos e alteraveis, em tudo semelhantes aos das amoras de sylva, a que Linneo dà o nome de pericarpos
Vej. O seu Genera plantar., aonde diz depois de ter fallado das sementes da sylva (rubus) que o receptaculo dos pericarpos he conico, vindo por este modo a exprimir claramente que cada huma dellas tem hum pericarpo.
.
Quando os tegumentos da flor ficaõ depois da madureza das sementes nuas, hum tanto conchegados a ellas, durante algum tempo, como se vè na salva, alface, e outras compostas e labiadas, naõ se deve de sorte alguma dar o nome de pericarpo aos dictos tegumentos ainda que a natureza os empregue para fazerem as vezes de pericarpo, e se dirà taõ somente que o calyz ou corolla fomenta as sementes no seu seyo.

[p. 169]

Taes saõ as noçoẽs, que me pareceraõ ser em geral mais adequadas para fazer conhecer a natureza do pericarpo; quando tractar das suas especies, e das sementes, cuidarei de naõ esquecer-me do que poder contribuir a illuminalas; contudo naõ posso deixar de confessar ingenuamente que restaõ ainda a este respeito algumas difficuldades, que so hum genio feliz e ajudado de mais observaçoẽs, do que temos athe ão prezente, poderà vencer.

As especies de pericarpo, segundo Linneo, saõ oito, a saber, capsula, siliqua, vagem, follilho, drupa, pomo, baga, e pinha, mas esta ultima especie so se deve contar no numero dos pericarpos bastardos, porque as escamas de que consta saõ humaespecie de calyz persistente, e naõ foraõ jamais parte do germe do pistillo.

A capsula (capsula), he huma especie de pericarpo concavo, que se costuma abrir por partes certas e determinadas, como v. g. a da campanula, reseda, meimendro, cravo, tulipa e açucena. Nalgumas plantas he molle, ou succulenta, noutras he dura, as vezes he grossa outras vezes delgada. Ha fructos que constaõ de huma so capsula, outros constaõ de duas, tres, quatro, cinco, ou muitas, de que temos exemplos nas esporas, peonia, estaphisagria, rhodiola, aquilegia, e sayaõ.

Ha capsulas em que se podem destinguir quatro partes, a saber, valvulas, cellulas, partimento, e pilar; as valvulas (valvulae), saõ as

Ellas estaõ conchegadas antes da madureza do fructo, mas logo que este amadureceo, desviaõ-se para deixar cahir as sementes; e as vezes ficaõ retorcidas depois de terem vibrado as sementes com elasticidade, como as da impatiens noli me tangere.
partes que [p. 170] formaõ as paredes externas da capsula reunidas por suturas longitudinaes, da mesma sorte que as aduellas formaõ as paredes de huma vasilha; cellulas (loculi, s. loculamenta), saõ os espaços que se achaõ entre as valvulas e partimentos; o partimento (dissepimentum, s. septum), he hum tapigo
Ha taõbem partimentos bastardos ou incompletos (spuria), que saõ os que naõ chegaõ athe ao pilar, e ficaõ em meyo caminho; as cellulas neste cazo saõ taõbem bastardas, e se communicaõ entre si.
ou parede interna que vay das valvulas athe ao pilar, e separa as cellulas; o pilar (columella), he o axe ou pequena coluna que se acha no centro da capsula, e onde se reunem todos os partimentos (a tulipa, e açucena).

A capsula diz-se ser: univalve (univalvis), se consta de huma so valvula, e se abre na sua madureza, ou so por huma sutura lateral como nas esporas, ou por furos abertos nos lados ou extremidades (pori), como na campanula, e papoila, ou pelo topo como na reseda: bivalve (bivalvis), se consta de duas valvulas como na genciana; trivalve (trivalvis), na tulipa e violetta; quadrivalve (quadrivalvis), na panaea; de cinco valvulas (quinquevalvis), no evonymus americanus; de seis valvulas (sexvalvis), na stellaria; de muitas valvulas (multivalvis), se tem mais de seis valvulas.

Diz-se ser: de huma so cellula (unilocularis), se naõ tem interiormente partimento algum ainda que conste de valvulas, como no cravo, esporas, quejadilho, e violetta; de duas cellulas (bilocularis), no [p. 171] meimendro e herva sancta; de tres (trilocularis), na açucena; de quatro (quadrilocularis), no cyonymus europaeus; de cinco (quinquelocularis, na pyrola; de oito (octolocularis), no linum radiola; de dez (decemlocularis), no linho; de muitas cellulas (multilocularis) como na nymphaea.

Dicòcca (diccoca, s. bicocca), se tem duas cellulas bojudas, e cada huma contem huma so semente (a mercurial); tricocca, (tricocca), no ricinus e euphorbias; quadricocca (quadricocca), no evonymus europaeus; polycocca (polycocca), se tem muitas cellulas bojudas, com huma so semente em cada huma.

Didyma ou bilobada (didyma), se tem duas protuberancias semelhantes a duas ginjas apegadas huma à outra (veronica biloba, e outras congeneres)

Ordinariamente este termo he usado como synonymo da capsula dicocca, mas nesta so ha duas sementes, e na dydima ha sempre mais de duas, o que basta para as destinguir.
.

Circumcidada (circumcisa), quando tem huma sutura circular e horizontal, ou parece ter sido golpeada transversalmente de modo que a sua parte superior representa huma tampa (o meimendro, beldroega, murriaõ, tanchagem, e amarantho).

Prismatica (prismatica), se tem a forma de hum prisma, ou tem muitas faces planas e lineares (camnanula speculum veneris).

Echinosa ou aculeada (echinata, s. aculeata), se he guarnecida de espinhos (no tribulus, datura ferox e castanheiro).

Infunada (inflata), quando parece huma bexiga cheya de vento (como o cardiospermum). A maior [p. 172] parte do espaço interno destas capsûlas naõ he occupado pelas sementes.

N. B. As capsulas que foraõ calyz ou corolla so devem ser consideradas como bastardas; taes saõ por ex. os ouriços, do castanheiro.

Siliqua (siliqua), he huma especie de pericarpo oblongo, bivalve

O Dr. Oeder considera as siliquas, siliculas e vagens como especies de capsula, as duas primeiras como proprias das plantas cruciferas, e a ultima como natural às leguminosas. Com effeito se reflectirmos em que as sementes nas capsulas estaõ apegadas naõ sò à base, topo e meyo, mas ainda algumas vezes às valvulas e suturas, esta assersaõ parece assaz conforme á natureza.
concavo, com duas suturas
As suturas (suturae), saõ as linhas em que se reunem as valvulas.
a que estaõ apegadas as sementes, e ordinariamente com hum partimento (a couve, nabo, goiveiro e outras plantas que daõ flores cruciformes). A siliqua he sempre oblonga ou de hum comprimento que excede a sua largura muitas vezes; daõlhe o nome de silicula (silicula), quando o comprimento naõ excede a largura, ou ao menos quando ella he pouco mais comprida do que larga (a bolsa de pastor, e clypeola.) O partimento principalmente da silicula diz-se ser; parallelo (dissepimentum parallelum), quando a sua largura he igual ou quasi igual à das valvulas, sendo estas hum quasi nada mais sargas do que elle pela razaõ de serem hum pouco concavas (a lunaria, e draba): transversal ou normal (transversum, normale, s. contrarium), quando he notavelmente mais estreito do que as valvulas de modo que estas saõ summamente concavas, e se as [p. 173] estendessemos mostrariaõ ter dobrada largura, ou mais do que tem o partimento que as atravessa (a bolsa de pastor, e subularia).

A siliqua diz-se ser: torosa (torosa, s. torulosa), se consta de torulos (toruli), ou elevaçoẽs bojudas circularmente, alternadas com entrevallos estreitos ou gorgilos (o rabaõ); quando tem muitos torulos, e quebra pelos gorgilos ou entrevallos estreitos daõlhe, o nome de articulada (articulata), como no raphanus raphanìstrum: tetragona (tetragona), se tem quatro esquinas (erysimum) comprimida (oompressa), quando parece mais ou menos esmagada em ambas as faces do seu disco (o goiveiro).

A silicula diz-se ser; redonda (orbiculata), na clypeola; cordiforme (cordata), no lepidium sativum; verticalmente cordiforme (abcordata), na bolsa de pastor; lobada (lobata), na biscutella; lanceolada (lanceolata), na isatis tinctoria; globosa (glabosa), na crambe maritima; e hum tanto globosa (subrotunda) no bunias.

Vagem (legumen), he huma especie de pericarpo bivalve mais ou menos oblongo, com duas suturas, e com as sementes apegadas so à da parte de cima (o tremoço, fava, feijaõ, ervilha, e outras leguminosas)

A vagem ordinariamente naõ tem partimento algum e consta de huma so cellula; contudo na canafistula, e suas congéneres a vagem tem muitos partimentos transversaes ás volvulas, e as especies de astragalus tem duas cellulas. Nos chamamos legumes ás sementes, que nos servem de alimento, e saõ contidas em vagens.
.

A vagem he redondeada (rotundatum), no astragalus); linear ou da mesma largura ao longo [p. 174] (lineare), na galega; roliça (teres), no lotus; rhomboidal (rhombeum), no restaboy; turgida (turgidum), quando he concava, vesiculosa, e quasi todo o seu espaço interno he occupado palas sementes, como no ervanço e restaboy; infunado (inflatum), quando he concava, vesiculosa, e a maior parte do espaço interno naõ he occupado pelas sementes, como na colutea arborescens; encaracolada (spirale, s. cochleatum), na medicago polymorpha; retorcida (contortum), na medicago sativa; articulada (articulatum), no hedysarum; torulosa (torulosum, s. isthmis interceptum), quando tem torulos que parecem estar articulados ou adunados huns aos outros nos gorgilos (isthmi), que saõ os entrevallos estreitos entre os torulos (como, no scorpiurus).

Follilho (folliculus, s. conceptaculum), he huma especie de pericarpo concavo, de huma so cellula oblonga, e ordinariamente de huma

He raro que o follilho seja bivalve, ou se rasgue em duas partes: como nelle naõ ha vestigio, nem sinal algum de sutura, as linhas dos rasgos longitudinaes por onde se abre sao indeterminadas, e me parece que porisso somente se podem admittir nelle valvulas bastardas.
so valvula, que se rasga ao alto por huma banda, e contem dentro de hum folle membranoso sementes naõ apegadas a sutura alguma (a congossa, loendro, e asclepias.) O follilho he ordinariamente pontudo (acuminatus), como na congossa e loendro; lobado na base (basi lobatus), como na cameraria; polposo e requebrado (pulposus et refractus), como na tabernaemontana.

Drupa (drupa), he huma especie de pericarpo [p. 175] sem valvulas nem suturas, carnudo

Alguns Botanicos querem que a drupa seja huma especie de baga, e com effeito Linneo parece tela confundido taõbem com as bagas, porque nem sempre attendeo á unidade da semente nem á qualidade dos seus tegumentos ou a grossura da polpa para as destinguir, como se vê na descripçaõ dos fructos do laurus, cornus, mespilus, &c.
, de casca coriacea, e contem no centro huma noz, ou carôço (a ameixa, damasco, azeitona, pecego, e o fructo da nogueira). A drupa he chamada taõbem fructo de caroço, e se denomina succulenta (succulenta), se no tempo da madureza a sua polpa he summarenta (a ginja, cereja, e ameixa); secca (sicca), se no tempo da madureza naõ contem succo notavel, ou parece como chupada (a amendoeira, e coqueiro).

Pomo (pomum), he huma especie de pericarpo sem valvulas, polposo, e que contem no centro, ou interior huma capsula (a pera, maçaan, e melaõ). O pomo he taõbem chamado fructo de pevide, mas esta denominaçaõ he vaga, por convir taõbem a al gumas bagas. Diz-se ser: turbinado (turpinatum), na pera; globoso (globosum), na maçaan; umbilicado (umbilicatum), quando tem no topo hum embigo (umbilicus fructûs), isto he, huma cavidade que foy receptaculo da flor, e he ordinariamente guarnecida do calyz persistente, como na maçaan e pera. A capsula interna differe, segundo os diversos generos de plantas, no numero de suas cellulas; no pepino consta de tres, na pera tem cinco, e na romaan nove

A romaan parece ser huma especie particular de pericarpo, por meyo do qual a natureza passa dos pomos às bagas; este fructo sendo em parte huma baga composta coberta em razaõ dos muitos bagos monospermos que contem, e em parte hum pomo em razaõ da sua grossa casca inteiriça, e capsula interna.
.

[p. 176]

Baga (bacca), he segundo Linneo, huma especie de pericarpo sem valvulas, polposo, e que contem de ordinario sementes dispersas no bagulho (semina nidulantia), como a uva, murtinhos, uva espim, e groselha. Naõ obstante ser inteira e naõ ter val vulas, pode contudo ter cellulas, e diz-se ser: de huma so cellula, de duas, tres, quatro, &e. (uni- bi- tri- quadrilacularis, &c.). Se tem huma so semente diz-se ser: monosperma (monosperma), e lhe daõ taõbem o nome de acino

Este termo tem huma significaçaõ bastantemente vaga entre os Botanicos, porquanto huns o applicaõ as bagas monospermas conglomeradas, como acima disse, outros usaõ delle para exprimir qualquer sorte de bagas dispostas densamente em cacho, como as das videiras, alfeneiro, groselheira, &c.; os antigos indicavaõ com elle as bagas de duas ou mais sementes como as das uvas, e alguns medicos o tomaõ taõbem pelas sementes ou graans das bagas, que dizem ser, exacinatae, quando saõ expurgadas das dictas graans.
ou bago monospermo (acinus), se he aggregada a outras, como nas amoras de sylva; disperma (disperma), se tem duas sementes; trisperma, tetrasperma, &c. (tri-tetrasperma, Etc.); se tem tres, quatro sementes, &c. e polysperma (polysperma), se tem muitas sementes. Umbilicada (umbilicata), quando he guarnecida no tempo da sua madureza pelo calyz persistente, como os murtinhos e bagas da madresylva; torosa (torosa), se tem torulos ou protuberancias (o tomate), secca (sicca) se na madureza das sementes fica exsucca e dura, como no xanthium; occa (cava), se naõ tem bagulho, como no pimentaõ; composta (composita), se consta de muitos acinos, ou bagos monospermos aggregados, como as amoras de sylva.

[p. 177]

Linneo fallando das bagas em geral diz, que humas saõ proprias, outras bastardas ou improprias; que huma baga propria era hum pericarpo tornado fructo succulento, e que a bastarda podia ser qualquer outra parte do fructo; depois dá por exemplo das bagas improprias humas succulentas, outras seccas, formadas pelo calyz, corolla, receptaculo, sementes, arillo, nectario, capsulas, follilhos, vagens, e pinhas

Vej. Phil. Botan. pag. 75.
. Elle reformou depois huma grande parte destas ideas, mas naõ evitou inteiramente as ambiguidades dos seus predecessores a regpeito da accepcaõ do termo baga, empregando-o muitas vezes bem contrariamante à definiçaõ que della tinha dado. A autoridade que este sabio tem em Botanica, e a precisaõ que ha de nos servirmos do seu tractado dos Generos dos vegetaes, me obrigaraõ a expor aqui os seus sentimentos; naõ posso contudo deixar de advertir que a qua theoria he nesta parte insufficiente, e o naõ seria sem duvida, se elle tivera abolido os termos de bagas seccas, e fixado melhor as ideas sobre a propriedade e impropriedade das bagas. Huma baga propria (propria)
Eu considero aqui a baga no tempo da sua madureza; para fixar as ideas sobre os fructos em geral, e em particular, he precizo attender ao seu estado de fecundaçaõ, madureza, e germinaçaõ, e em quanto os botanicos naõ seguirem este parecer, sempre daraõ delles nocoẽs indeterminadas.
he huma especie de pericarpo succulento, sem valvulas nem indicio algum de suturas na superficie, e contem ou huma so semente sem tegumento lenhoso
Osseo; isto a fará destinguir da drupa, que contem huma so semente com o dicto tegumento lenhoso e durissimo. Linneo admitte algumas vezes drupas de mais de huma semente, como se vè na bassia, cornus, &c., e taõbem bagas monospermas com caroços, como no çumagre e viburnum; quem admittir esta theoria naõ deve fazer differença entre as bagas e drupas.
, ou [p. 178] muitas seja qualquer que for o seu tegumento secundario. Ella constitue sempre hum terceiro tegumento às cotyledones das sementes; pode ser, ou bagulhosa, ou occa, e ter huma, duas ou mais cellulas.
Depois do estado de madureza costuma ou apodrecer, ou engilhar-se, mas naõ se rasga ao alto ainda que seja hum tanto oblonga
Nisto se distingue de alguns follilhos succulentos.
; e se a sua pelle persiste com o tegumento secundario da semente athe à germinaçaõ, ella mostrarà sempre hum estado de engilhamento e alteraçaõ bem differente da succulencia, que tinha no tempo da madureza das sementes.
A baga impropria ou bastarda (impropria, s. spuria), he hum pericarpo bastardo, succulento, e fechado no tempo da madureza das sementes, o qual tinha dantes sido ou calyz ou corolla da flor, como v. g. he a das roseiras e basella. Os receptaculos que representaõ huma baga em razaõ da sua succulencia e figura, como v. g.; os dos morangos e figos, devem conservar sempre o nome de receptaculo, e so se lhes pode ajuntar os termos de succulento, ou bacciforme (succulentum, baccatum, s. bacciforme). Todos os pericarpos, cujas suturas se virem exteriormente bem assinaladas, ou cujo lugar determinado de abertura for reconhecido, como saõ v. g.; as capsulas do evonymus, e nymphæa, devem conservar os seus nomes proprios, ainda que pela razaõ da succulencia tardem a abrir-se algum tempo depois da madureza das [p. 179] sementes, e somente se lhes pode ajuntar o termo de succulentos; as pinhas do juniperus, ephedra, e quaesquer outras cujas escamas forem succulentas, e por esse motivo tardarem algum tempo de se abrir, naõ devem taõbem perder o seu nome competente, e so se podem chamar succulentas, ou quando muito bacciformes; ainda que hajaõ alguns follilhos, que sejaõ bastantemente succulentos, naõ merecem contudo o nome de bagas, porque estas naõ costumaõ rasgar-se ao alto como elles, e por conseguinte so seraõ denominados follilhos succulentos. Quanto ás sementes, cujo segundo tegumento proprio for molle, como no prasium, e evonymus
A analogia, que tem o prasium com as labiadas gymnospermas, mostra claramente que o tegumento externo dos seus fructos he hum tegumento proprio de sementes nuas, e naõ accessivo: no evonymus alem da capsula as sementes tem duas laminas ou tegumentos proprios, dos quaes o exterior he mais grosso e succulento, como muitas vezes tenho observado.
, por evitar toda a confusaõ e ambiguidade que pode haver, o melhor sera naõ lhes dar o nome de embagadas ou bacciformes; mas bastará, depois de se ter feito mençaõ de que o pericarpo he nullo, dizer que ellas tem a casca succulenta, ou que o seu segundo tegumento he succulento.

Os termos de bagas seccas, e de drupas seccas naõ mereciaõ de ser usados em Botanica, elles saõ oppostos ás ideas que se tem ordinariamente das bagas, e dos fructos de caroço, servem de confusaõ aos principiantes, e de ambiguidade ainda aos que ja estaõ adiantados

Os que compararem os fructos do coqueiro, xanthium, &c. a que Linneo chama drupas seccas poderaõ convencerse desta verdade.
. Eu confesso que devemos [p. 180] ser restrictos na innovaçaõ de termos technicos, e que deveramos antes cuidar em diminuilos do que augmentalos; mas taõbem penso que vale mais adoptar hum termo novo bem definido, do que empregar hum antigo indeterminadamente, e ainda mesmo contra a sua definiçaõ. Pelo que parece-me que naõ seria desacertado comprehender debaxo do novo termo de escrino ou escrinulo
Este termo he novo segundo a accepçaõ em que o tomo aqui; mas naõ he novo entre os Botanicos; o Dr. Scopoli usou delle para signifcar fructos de tres tegumentos, segundo a sua particular theoria.
(scrinum, s. scrinulum) todas as bagas seccas, drupas seccas, e ainda mesmo algumas nozes, a que Linneo chama pericarpos e naõ sementes
Segundo Linneo as nozes reclusas dentro de huma capsula, baga, ou drupa saõ sementes; outras vezes sem serem reclusas em pericarpo naõ deixaõ de ser sementes, como as avellaans e bolotas; outras vezes emfim constituem hum pericarpo, como no esparto e ambrosia.
; o escrino seria pois ou proprio, ou bastardo; o primeiro seria huma especie de pericarpo sem valvulas, fechado e secco no tempo da madureza das sementes, o qual se podesse abrir sem lesaõ da semente ou sementes internas nem impedir ou causar danno à sua vegetaçaõ, como o do xanthium e coqueiro; o escrino bastardo seria hum pericarpo improprio, sem valvulas, fechado e secco no tempo da madureza das sementes, tendo dantes sido ou calyz, ou corolla, ou nectario da flor, como v. g. o da agrimonia, coix, poterium, mirabilis, &c.

Pinha (strobilus)

Daõ-lhe taõbem o nome de conus; mas este termo he applicado pomente às pinhas de escamas grossas, e lenhosas, como as do piniheiro. Eu ajuntei na descripçaõ da pinha os termos quasi lenhosas, para comprehender as do zimbro, ephedra e outras semelhantes.
, he hum pericarpo [p. 181] bastardo, formado de hum amentilho, e que consta de escamas lenhosas ou quasi lenhosas, como o pinheiro, abeto, larico, cedro do Libano, acypreste, thuya, zimbro, e ephedra
Em todos os fructos destas plantas o pericarpo he nullo; Linneo aindaque deixou de declarar no zimbro, e thuya esta circumstancia, a analogia dos seus fructos com os do acypreste, ephedra, &c. nos assegura que elles naõ tem verdadeiro pericarpo.
. A pinha no tempo da florecencia he hum verdadeiro amentilho, e no tempo da frutescencia contem huma, ou duas sementes debaxo de cada huma das suas escamas; a sua figura he conica, e ás vezes hum tanto globosa.

Sementes.

A semente (semen), considerada no seu estado de perfeiçaõ, e plena madureza, he hum ovo vegetal

A opiniaõ de considerar as sementes dos vegetaes, como ovos he antiquissima, e foy a de Empedocles, Hippocrates, Aristoteles, Theophrasto, &c. Orpheo e Pythagoras celebraraõ o ovo como o primordia de todas as geraçoẽs, e se diz que entre os antigos Egypcios e Syrios houvera huma tradiçaõ de que os seus deoses tinhaõ nascido de ovos.
perfeitamente fecundado, no qual ha huma plantula seminal apegada a huma ou mais cotylédones, envolvida em tegumentos proprios que senaõ abrem athe á germinaçaõ, e capaz de reproduzir a sua especie
Alguns descrevem taõbem a semente ser: hum corpo organico fecundado em que permina a fructificaçaõ, e o crescimento da parte donde se desapegou, o que contem compendiosamente debaxo dos seus proprios tegumentas huma nova planta.
. Mas para bem comprehender a [p. 182] descripçao que dou aqui da semente, he precizo advertir, que segundo as observaçoẽs microscopicas de Camerario feitas nas leguminosas (e melhor circumstanciadas depois em differentes plantas por Du Hamel e outros modernos) as sementes antes da fecundaçaõ parecem ser somente huns tegumentos vesiculares
Saõ os seus tegumentos proprios.
; compostos ordinariamente de duas laminas, e occupados interiormente por hum fluido gelatinoso transparente.
Logo que as capsulas das antheras rebentàraõ e começou a fecundaçaõ, vê-se no meyo do dicto fluido hum ponto ou globulo minimo verde, appenso a hum fio finissimo. Este ponto he o corculo da semente
As opinioẽs dos physiologistas a respeito do tempo em que a plantula seminal começou a existir nos ovulos vegetaes podem geralmente ser reduzidas a duas, a saber: a dos que pertendem que a plantula seminal entra no ovulo no tempo da fecundaçaõ, e a dos que dizem que ella existe no ovulo antes do dicto tempo. Entre os que seguem a primeira opiniaõ alguns pertendem que o po das antheras seja hum montaõ de plantulas seminaes minimas, e subtilissimas que passaõ aos ovulos pelas ramificaçoẽs do estylete ou estigma; Pontedera dizia que estas plantulas subtilissimas desciaõ pelo filete do estame ao receptaculo, e que deste passava aos ovulos; Blaire pensava que as dictas plantulas cahiaõ das antheras nos nectarios e passavaõ destes aos ovulos; outros asseguraraõ ter visto no pó das antheras hum montaõ de vermes subtilissimos, e pensaraõ que elles passavaõ aos ovulos e constituiaõ a plantula seminal; outros defenderaõ que a substancia oleosa das antheras, e estigmas reunida fazia hum mixto particular, o qual descendo aos ovulos nelles se vivificava, e constituia emfim em cada hum delles huma plantula seminal. Dos que seguem a existencia da plantula seminal antes da madureza das antheras, huns pertendem que a dicta plantula para ser concebida naõ preciza de modo algum do pò das antheras, e que quando muito elle so pode servir para à sua nutriçaõ, que ella existe por epigenesia, isto he por huma geraçaõ propria; e sem acto de copula, sendo o seu nascimento meramente divido a huma virtude innata ao vegetal materno, e reunida com a faculdade vegetativa; elles confirmaõ esta assersaõ com as experiencias do sabio abbade Spalanzani, que assegura ter observado que o linho canamo, espinafres, e abobaras lhe deraõ sementes perfeitas, naõ obstante ter separado as plantas masculinas das femininas, e ter castrado todas as flores masculinas nas abobaras. Outros dizem que a plantula seminal preexiste no humor gelatinoso de ovulo vegetal, e de tal sorte ja organizada, que he susceptivel de movimentos vitaes por meyo da aura que deve exhalar das antheras, e de huma substancia subtil que se acha no pistillo; outros com o celebre Haller dizem que ella he hum feto, que jaz no ovulo, como adormentado, mas que pode contudo ser despertado pelos effluvios subtilissimos, e cheirosos, que entrando pelas ramificaçoẽs do estylete ou estigma o irritaõ, excitando nelle hum movimento novo mais forte do que aquelle que tinha dantes; e que emfim sem embargo que este feto seja taõ minimo que senaõ pode perceber, naõ se deve porisso negar (cum ab invisibilitate ad inexistentiam minime concludendum sit). Ainda que esta theoria parece ser de todas a mais provavel, naõ deixa contudo de ter ainda algumas obscuridades, occasionnadas pela difficuldade que havera sempre em saber o modo com que obra a aura seminal sobre o feto preexistente e o estado organico em que ella o acha. Nòs aindaque conheçamos que os ovulos saõ originarios dos gomos naõ sabemos contudo porque razaõ hum gomo muda de indole, quando passa a ser hum primordio de fructo, e deixa de crescer, ou so tem huma vegetaçaõ imperfeita, quando naõ he fecundado pela aura do pò das antheras.
, e o fio he a sua cordinha [p. 183] umbilical; os tegumentos vesiculares saõ comparados às membranas amnios, e chorion da placenta em que he envolvido o feto animal, e o fiuido gelatinoso he igualmente comparado ao humor que existe no amnios dos animaes viviparos, e à clara dos ovos apegados aos ovarios dos animaes oviparos
. Passados alguns dias, a plantula seminal tendo, se nutrido tanto do fluido ambiente como da substancia do receptaculo por meyo da cordinha umbilical, começa a tomar huma forma differente: desenvolvem-se ao seu lado hum ou mais lobulos lacteos, a que chamaõ cotylédones, consome-se o fluido pouco [p. 184] a pouco, athe que emfim toda a cavidade dos tegumentos fica occupada somente pela planta seminal e cotylédones. Neste estado a semente continua a crescer, juntamente com os seus tegumentos e receptaculo, athe o periodo de plena madureza, se alguma causa accidental senaõ oppoem ao seu progresso vegetativo. Portanto todas as vezes que os ovos vegetaes naõ saõ fecundados naõ podem medrar, e ficaõ sempre inhabeis para poder reproduzir hum perfeito idividuo da sua mesma especie; nesta circumstancia o tenro fructo em lugar de ir ávante ordinariamente engilha pouco a pouco, e cahe dentro de breve tempo; e no cazo que, o receptaculo, tegumentos proprios, e accessivos das sementes vegetem inchem, engrossem, e cheguem a hum estado apparente de madureza, como se vê n'alguns figos, e bananas
Alguns horteloẽs dizem que as sementes das figueiras femininas da Europa, sem embargo de naõ terem sido fecundadas, germinaõ, e reproduzem hum individuo da sua especie; eu duvido muito do facto, mas suppondo que seja certo, naõ me parece que o dicto novo individuo possa dar sementes perfeitas, e capazes de reproduzir a sua especie. Linneo conjectura que a bananeira chamada musa paradisiaca he huma planta hybrida ou mulina, filha da bananeira bihai, e de pay incognito; as suas flores masculas naõ fecundaõ as flores femininas, e ainda que dê bananas maduras, nunca deo sementes perfeitas, de modo que so se multiplica por meyo de raizes.
, as sementes saõ sempre estereis.
As expertencias do abbade Spalanzani, que alguns costumaõ allegar contra estas assersoẽs tem athe agora sido consideradas pela maior parte dos Botanicos, como defeituosas; para que ellas podessem destruir a precedente theoria, seria precico que fossem repetidas por Botanicos imparciaes, e [p. 185] verificadas com toda a exactidaõ; o que faz crer que nellas houve engano he ter confessado o mesmo sabio naturalista, que nunca podera obter sementes perfeitas da mercurial, e muitas outras plantas, sem que o pistillo fosse impregnado pelo pò das antheras.

A essensia da semente consiste em ter huma plantula seminal, ou principio germinativo fecundado; as suas propriedades podem ser reduzidas às circumstancias de constar de cotylédones, tegumentos, hilo, e terminar todo o augmento vegetativo do ponto medullar, a que ella ou o seu receptaculo estiveraõ apegados

Toda a planta annual ou biennal depois da fructificaçaõ naõ cresce mais, antes começa a enfraquecer athe que emfim perece pouco tempo depois; as que saõ vivaces ou o seu tronco perece totalmente depois da fructificaçaõ, quando he herbaceo, ou se he senhoso deixa de crescer no ponto em que fructificou.
.

Pela razaõ de ter huma plantula seminal fecundada, as sementes naõ sò se destinguem das estereis, mas ainda dos gomos e bolbos

Alem disto huma plantula seminal separada das cotylédones jamais se podera enxertar, como se pode hum gomo arrancado da arvore.
, porque nestes nao ha fecundaçaõ, nem copula floral (segundo a expressaõ dos sexualistas); as propriedades
O Dr. Boehmer he de parecer que a essensia das sementes consiste naõ so na plantula seminal, mas ainda nas cotylédones e hilo, censurando o Dr. Reuss (Comment. de Plantar. sem. p. 19) de ter considerado estas partes como menos essensiaes á semente (Comp. Rot. pag. 105.) Quem naõ admittir cotylédones nas sementes dos musgos pensará sempre como o Dr. Reuss, e quem as admittir em todas as sementes nem sempre pensará como o Dr. Boehmer; bastará dizer a este respeito, que ainda que em todos os homens por ex. haja risibilidade, nervos, coraçaõ, &c. a essensia do homem naõ consiste contudo na risibilidade, nervos, coraçaõ, &e.
de [p. 186] terem cotylédones, e tegumentos vesiculosos taõbem servem a destinguilas dos dictos gomos e bolbos. Naõ se pode contudo negar que ha bolbos caulinos, e floraes que tem huma grande analogia com as sementes elles cahem espontaneamente do tronco sobre a terra, e nella brotaõ como as sementes; alguns delles terminaõ a vegetaçaõ em certas especies de plantas; vemos em outros quasi huma sorte de hilo por onde estiveraõ apegados ao tronco, como nos do ranunculus ficaria; os seus primeiros foliolos parecem em alguns ter huma certa analogia, com as cotylédones das sementes germinadas; o polygonum viviparum e bistorta terminaõ sempre por elles, ainda mesmo nos sitios que naturalmente habitaõ, e he raro de se lhes observar sementes; o mesmo vemos em algumas especies de alhos, cujos bolbos se achaõ nas umbrellas misturados com as flores, as quaes
Eu tenho contudo observado algumas sementes perfeitas nesta sorte de umbrellas, e penso que o polygonum viviparum e bistorta nem sempre daõ somente bolbos, como alguns dizem.
muitas vezes saõ por elles inteiramente suffocadas.

Todas as plantas que naõ saõ mulinas (hybrida) podem

A opinaiõ hoje geralmente recebida entre os botanicos he que todas as plantas perfeitas e imperfeitas daõ sementes, e que algumas dellas costumaõ taõbem multiplicar-se por bolbos, e gomos caulinos decadentes. Mas nem todos convem que ellas sejaõ fecundadas por meyo de copula floral. Sceheffer diz que a propagaçaõ dos fungos he sujeita a leys occultas; que as suas sementes naõ nasceraõ como as das plantas perfeitas, e que saõ naturalmente capazes de germinar, como os bolbos, sem o concurso da materia fecundante. Gmelin (Histor. Fucor.) diz taõbem, que as sementes dos fucos tem huma fecundidade innata, naõ assentindo ao que Reaumur tinha assegurado a respeito das sementes fecundadas em algumas especies, que tinha observado. Koelreuter publicou contudo em 1777 hum grande numero de observaçoẽs, com que prova que todas as familias das plantas cryptogamicas daõ flores com organos sexuaes, e sementes fecundadas. Hedwig descobrio estames e pistillos perfeitos nos musgos, e assegura demais disso ter observado tegumentos e cotylédones nas suas sementes. Linneo admittia somente nestas sementes huma plumula, e lhes chamava propagens, mas segundo Necker, Boehmer e Haller estas propagens naõ saõ sementes, mas verdadeiros gomos pelos quaes os musgos se podem igualmente multiplicar.
dar sementes fecundadas por meyo de [p. 187] copula floral; e em todas as sementes fecundadas alem da plantula seminal ha cotylédones, e tegumentos proprios, como consta das observaçoẽs de Meese, Koelreuter, e Hedwig.

Os tegumentos proprios da semente (tegumenta), são a substancia membranosa, que constituia parte dos ovulos do pistillo antes da fecundaçaõ, e que depois della tomando mais forte consistencia

Os tegumentos internos tem sempre huma consistencia mais branda do que os externos, estes saõ algumas vezes coriaceos como se vê nas pevides da pera, melaõ, e laranja, outras vezes saõ lenhosos e durissimos, como os das nozes.
fica envolvendo as cotyledones e plantula seminal, sem se abrir espontaneamente athe á germinaçaõ, ne se poder separar das partes que envolve sem as lezar, sem empedir a germinaçaõ
Ainda que separemos com toda a cautella os tegumentos proprios de huma semente, a plantula seminal nem porisso deixa ordinariamente de perecer; e se por acazo succede germinar, ou vegeta pouco tempo perecendo antes de fructificar, ou se chega a fructificar os seus fructos e todas as suas outras partes seraõ mediocres, debeis, enfezadas e prezentaraõ sempre huma constituiçaõ degenerada, e bem differente da que teraõ outras da mesma especie, originarias de sementes illésas, semeadas ao mesmo tempo, e no mesmo terreno, ou lugar.
, ou ao menos sem causar graves danos à sua futura vegetaçaõ. Segundo [p. 188] Cesalpino as sementes tem dois tegumentos proprios, hum interno outro externo; o tnterno he mais brando, e em razaõ da sua fineza chamado vesicula ou tegumento vesiculoso (vesicula)
Este termo he igualmente dado por alguns autores ao tegumento externo principalmente quando a semente naõ esta ainda fecundada, mas os que usaõ delle com propriedade so o appliçaõ ao tegumento interno delgado, e o comparaõ à vesicula que se acha dentro da casca dos ovos da gallinha e outras aves.
; o externo he mais grosso e mais duro, e lhe chamaõ casca (cortex, s. epidermis)
O termo epidermis, de que usa Linneo e outros modernos, he menos proprio que o de cortex (de que usa Camerario), muito principalmente se o applicamos á casca das nozes ou caroços; a epiderme dos animaes, e dos troncos dos vegetaes he sempre mais delgada do que o tegumento interno immediato, o que jamais succede ser a denominada epidermis das sementes; para que este termo fosse usado com propriedade devera so significar a cuticula da casca ou do tegumento externo das sementes.
; elles saõ bem distinctamente visiveis nas pevides das peras e meloẽs, achaõ-se contudo em algumas sementes taõ agglutinados que parecem formar hum so tegumento, como por ex. no milho e graos; nesta circumstancia he precizo para os podermos separar metter primeiramente as sementes de molho ou escaldalas.
Este parecer de Cesalpino naõ tem sido adoptado por todos os Botanicos senaõ relativamente ao maior numero de sementes querendo muitos que hajaõ algumas cobertas de hum so tegumento proprio
Como o trigo, centeio, e sementes das plantas cryptogamicas.
, e outras cobertas de tres
Como a borragem, cynoglossa, nozes e caroços.
, o que me naõ parece ser opposto à natureza.
Os tegumentos servem no primitivo estado da semente [p. 189] antes da fecundaçaõ a conter o licor gelatinoso e o corculo; depois deste periodo fomentaõ e defendem a plantula seminal e cotylédones das injurias externas, conservaõ-nas inteiras, e naõ deixaõ transpirar os seus fluidos nobres senaõ lentissimamente; no tempo da germinaçaõ servem (segundo Boerrhaave) a moderar a impetuosidade do calor e humidade, e a gradualos de modo que estabeleçaõ huma fermentaçaõ germinativa e naõ putrida; saõ taõbem (segundo Malpighi
Boehmer naõ admitte esta depuraçaõ dos succos na casca, como quer Malpighi, dizendo que todos os succos que passaõ de cotyledones entraõ pelo hilo ou pelas fendas das valvulas das sementes (quando existem como v. g. nalgumas nozes), confirmando isto com as suas proprias observaçoẽs; porquanto tendo encravado na terra algumas sementes, ficando o hilo fora della, e tendo depois com cautella regado a terra (mas de nenhum modo o hilo) nenhuma dellas germinou, antes todas pereceraõ, succedendo tudo aliás pelo contrario, quando encravou o hilo na terra (Comm. de Pl. Sem. p. 351.)
hum orgaõ de depuraçaõ, por meyo do qual os succos da terra saõ coados, e passaõ depois a misturar-se intimamente com os das cotylédones.

Na superficie do tegumento externo da semente ha sempre huma pequena cicatriz mais ou menos apparente, a que chamaõ hilo ou empigo da semente (hilus, s. umbilicus seminis); esta cicatriz he a parte por onde a semente esteve apegada á cordinha umbilical, ou ao seu receptaculo proprio, he o lugar por onde entrou a sua nutriçaõ, e por onde na germinaçaõ costuma sahir a radicula; o embigo da semente he assaz visivel no feijaõ, staphylea, cardiospermum, e ainda mesmo nos caroços, e nozes; algumas vezes he corado como se vè nas favas. A cordinha umbilical (funiculus umbilicalis), he hum pequeno [p. 190] fio ordinariamente curto, apegado por huma extremidade á semente e por outra ao receptaculo proprio; a extremidade, que se acha apegada á semente pelo hilo, continua athe á plantula seminal servindo lhe de couductor da sua fecundaçaõ e nutriçaõ

Sem embargo de que a cordinha umbilical seja, em algumas sementes, de huma fineza capillar, naõ se pode contudo negar que nella ha ao menos tres sortes de vazos 1º. os que servem á sua propria nutriçaõ, 2º os que levaõ a nutriçaõ á plantula seminal e cotylédones, 3º os que servem a levar a materia fecundante, os quaes segundo Adanson saõ verdadeiras trachéas. Hebenstreit diz que as sementes que se achaõ reelusas em pericarpos succulentos tiraõ a sua nutriçaõ da polpa sumarenta; mas esta assersaõ naõ se oppoem á theoria de que ás sementes saõ nutridas por meyo do cordaõ umbilical; nesta circumstancia pode ser que os tegumentos proprios recebaõ parte da sua nutriçaõ immediatamente da polpa, e parte por meyo do cordaõ umbilical, mas a plantula seminal, e cotyledones recebem toda a sua nutriçaõ immediatamente do cordaõ umbilical, e naõ immediatamente da casca contigua á polpa succulenta. A cordinha umbilical serve de conduzir a nutriçaõ naõ so ás partes contidas mas ainda ás continentes ou tegumentos proprios das sementes, como se observa nas leguminosas. Os succos nutritivos naõ obstante terem recebido huma preparaçaõ particular antes de entrar nas sementes, saõ contudo ainda depois novamente nellas elaborados; mas a elaboraçaõ feita nas cotyledones he bem diversa da que se faz nos tegumentos, como bem se reconhece pelos diversos cheiros, saboras, e virtudes que se observaõ nestas partes.
. A cordinha umbilical he assaz apparente na magnolia, cruciferas, e leguminosas; mas em algumas bagas, e sementes nuas he muito difficil de a poder destinguir
Boehmer conjectura que em todas as sementes ha sempre exteriormente hum cordaõ umbilical, sem exceptuar as das pinhas, umbrelladas, labiadas, asperifolias, compostas e outras muitas sementes nuas encravadas nos receptaculos, allegando a observaçaõ de Schmidelio que diz ter visto no receptaculo da sideritis montana quatro tubulos fibrosos apegados às sementes; este parecer, ainda que he bastantemente provavel, naõ deixa de ter contra si ainda algumas difficuldades; nas sementes nuas de base larga, como por ex. nas bolotas, e avellaans eu nunca jamais pude observar hum cordaõ umbilical exterior (ainda que senaõ pode negar que haja hum interno); a larga cicatriz umbilical que se vè na base destas, e outras semelhantes sementes me faz conjecturar que ha no receptaculo hum montaõ de vazos que fazem as funçoẽs de umbilicaes externos, e que estes reunindo-se depois na casca da semente formaõ hum so cordaõ umbilical interno.
.

[p. 191]

Dentro da vesicula da semente ha duas partes de differente volume, apegadas huma a outra; a maior occupa o lugar externo, e delle depende a figura e grandeza da semente; a menor esta situada no meyo ou extremidade da precedente e he o primordio de hum novo vegetal. A primeira he chamada cotylédone (cotylédon)

Este nome he mais usado do que o de medulla, secundina, platenta, lobus seminalis, e folium seminale, que alguns autores lhe deraõ.
, ou miolo da semente segundo a accepçaõ vulgar (nucleus); a segunda tem o nome de corculo ou plantula seminal (corculum, s. plantula seminalis)
Alguns Botanicos chamaõ-lhe taõbem embryaõ, ponto vegetativo, e gomo da semente (embryo, punctum vegetans, gemma seminis); o de plantula seminal no meu parecer he de todos o melhor.
. Quando a semente começa a germinar, a plantula seminal he composta de duas partes diversas na situaçaõ e figura, huma folhosa que sobe para cima e he chamada plumula (plumula)
Cesalpino chamava-lhe germe (germen), este nome foy depois applicado indestinctamente tanto á plumula, como á plantula seminal; mas depois que Linneo o applicou ultimamente á parte inferior do pistillo, ou ao tenro fructo no estado da sua fecundaçaõ, as suas antigas significaçoẽs saõ pouco usadas.
, outra aguda ou conica, que desce para baxo a encravarse na terra, chamada radicula ou rostrilho (radicula, [p. 192] s. rostellum)
Gledistch so lhe chama rostrilho em quanto està na semente sem germinar; este mesmo rostrilho, segundo elle, he o cordaõ umbilical, quando a semente esra apegada ao seu receptaculo proprio, e he a radicula, quando a semente começa a germinar; com effeito nalgumas sementes, como v. g. nos feijoẽs, vê-se antes do estado de germinasaõ huma plantula seminal composta de duas partes bem differentes, as quaes se poderaõ chamar germe e rostrilho, visto que o nome de plumula, e radicula so lhes convem com propriedade no estado de germinaçaõ.
.
Todas estas partes se podem ver bem claramente em hum feijaõ ou fava, principalmente se mettemos estas sementes de molho athe germinarem.

As cotyledones, em quanto naõ começa a germinaçaõ, servem juntamente com os tegumentos de fomentar a plantula seminal contra os frios, e de preservala de outras injurias externas; saõ de natureza mais ou menos oleosa, e contem em si huma subtancia mucilaginosa propria para nutrir a plantula no estado de germinaçaõ, em quanto ella naõ põde tirar da terra os succos sufficientes para á sua firme subsistencia; esta substancia he assaz analoga ao leite com que os animaes viviparos nutrem seus tenros filhos, e porisso alguns physiologistas compararaõ as cotylédones com as tetas dos dictos animaes, e lhes chamaraõ corpos mammarios. Grevv, Malpighi, Bonet, e outros physiologistas convem unanimemente que ha nas cotylédones hum grande tecido vasculoso, cujos vasos huns saõ destinados à preparaçaõ dos dictos succos lacteos, outros a transmittilos à nova plantula, a que estaõ apegadas. No tempo da madureza das sementes, observa-se em cada huma dellas ou [p. 193] huma so cotylédone inteiriça

Linneo seguindo o parecer dos antingos, diz que ha sementes que tem mais de duas cotyledones; Royer, Meese, e Ludwig reduzem todas as sementes a monocotyledones, e dicotyledones; o Dr. Murray he do mesmo sentimento, e ainda que usou do nome de polycotyledones, diz contudo que presume que estas saõ todas dicotyledones. Esta materia merece de ser fundada em novas observaçoẽs, que devem ser feitas principalmente no estado da germinaçaõ combinado com o da madureza das sementes.
, como nas palmeiras, gramas, e liliaceas, ou duas como v. g. nas leguminosas, e cruciferas; em humas e outras a plantula seminal esta situada em huma das duas extremidades
A situaçaõ da plantula seminal na semente pode servir de huma excellente nota caracteristica, pela razaõ de naõ ser variavel; mas para isso, he precizo sempre suppor duas partes oppostas na plantula seminal, a saber, germe e rostrilho; a primeira he o ponto germinativo, a que alguns chamaõ gomo da semente, e que passa a ser plumula; a segunda he a parte opposta que passa a ser radicula; taõbem he precizo suppor base, topo, e lados; a base he o lugar do hilo, o topo o lugar opposto ao hilo, e os lados as partes ou faces que ficaõ entre a base e topo da semente.
. Quando a semente tem huma so cotyledone, esta costuma sempre consomir-se debaxo da terra dentro dos tegumentos
Este foy o motivo porque Meese dividio as cotylédones em visiveis e invisiveis, sendo estas as que se corrompem debaxo da terra, e aquellas as que sahem fora della.
no tempo da germinaçaõ; pelo contrario quando ha duas
Ainda que nas avellaans a nova planta tem ás vezes hum pé de alto, e as cotylédones estaõ ainda inteiras dentro da noz, naõ so consomem contudo dentro della.
, sahem sempre com a plumula fora dos tegumentos e sobre a superficie da terra, persistem apegadas à base do novo tronco mais ou menos tempo, e muitas vezes tomaõ a apparencia de folhas, como se vẽ nos [p. 194] meloẽs, abobaras, &c.
Daqui procedeo darem-lhes os botanicos o nome de folhas seminaes; màs este nome so se lhes pode conservar, ajuntando-lhes o epitheto de bastardas. As folhas seminaes rigorosamente saõ aquellas que rebentaõ primeiro na germinaçaõ, e constituem a plumula; ora tanto nas sementes monocotylédones, como dicotylédones a plumula naõ foy jamais constituida pela substancia da cotylédone, mas sim pelo ponto germinativo, a que alguns chamaõ gomo da semente; demais disso, quando as cotylédones chegaõ a ser folhas, ja haviaõ outras primeiro na plumula mais ou menos apparentes: donde resulta que todas as cotylédones, que tomaõ a apparencia de folhas, so merecem ser chamadas folhas seminaes bastardas (pseudophylla seminalia, s. folia seminalia spuria), pela razaõ de serem posteriores às seminaes, e por terem como cotylédones subministrado succos lacteos à plantula seminal
Penso que foy pela razaõ destes dois uzos que Meese lhes chamou cotylédones bastardas ou folhiformes (pseudo-cotyledones), o que vale mais do que dizer com Linneo "que cotylédones e folhas seminaes saõ synonymos." Vej. Phil. Botan. pag. 89.
, ficando algum tempo depois gozando de funçoẽs analogas ás das verdadeiras folhas seminaes.

A semente pode ser considerada, ou como simplez, ou como composta: a simplez he aquella, cujos tegumentos proprios envolvem huma ou mais cotylédones com huma so plantula seminal, como v. g. as da maçaan, alecrim, &c; a composta he a que tem dentro do seu tegumento proprio externo duas ou mais sementes simplez, como v. g. a [p. 195] cerinthe

Todas as especies deste genero daõ duas sementes compostas, e cada semente composta contem duas sementes simplez; a composiçaõ consiste em haver dois tegumentos externos adunados formando duas cellulas com hum partimento, e contendo em cada huma das cellulas huma so semente simplez.
, e algumas amendoas da amendoeira
Eu tenho observado muitas vezes duas sementes simplez perfeitas dentro da casca lenhosa e unicellular das amendoas, ainda que commumente este tegumento envolve huma so plantula seminal com duas cotylédones, isto he, huma sò semente simplez.
. Esta divisaõ naõ me parece ser opposta á natureza, e pode servir a explicar a theoria de Linneo, que admitte
No seu parecer as da nauclea e cerinthe saõ bicellulares, as da proserpinaca e nitraria tricellulares, e as da tetragonia e nolana quadricellulares. O Dr. Boehmer he inteiramente opposto, a este sentimento, dizendo que todas as sementes saõ unicellulares, que a unidade da semente consiste em ter huma so plantula seminal reclusa em huma so cellula, e que todo o tegumento, em que ha duas ou mais cellulas, duas ou mais sementes (simplez), he hum verdadeiro pericarpo. Mas esta opiniaõ do Dr. Boehmer naõ parece ser geralmente conforme á natureza das sementes; he verdade que todo o tegumento interno, vesiculoso, e immediato he unicellular, e que por conseguinte se pode dizer que relativamente a elle toda a semente he unicellular, mas naõ se pode dizer que todo o tegumento externo proprio da semente seja sempre unicellular, ou que quando o naõ seja passe a ser pericarpo: na cerinthe por ex, as tegumentos externos das sementes naõ saõ nem unicellulares, nem merecem o nome de pericarpos; a analogia que elles tem com os tegumentos das sementes dos outros generas da mesma familia, e o naõ se poderem abrir sem lezar a vegeteçaõ futura da plantula seminal indicaõ bem claramente, que elles saõ tegumentos proprios da semente, e como saõ bicellulares, naõ me parece improprio dizer em razaõ desta circumstancia que ha sementes compostas bicellulares.
sementes bicellulares, tricellulares, e quadricellulares.

Quando o tegumento externo da semente he durissimo, lenhoso, grosso á proporçaõ do tegumento [p. 196] interno e susceptivel de quebrarse em pedaços, quando o batemos ou apertamos com violencia, a semente he denominada nóz ou carôço (nux), como saõ v. g. as dos damascos e ginjas, os pinhoens, avellaans, &c.

As nozes ou saõ cobertas por hum pericarpo, como nas drupas, ou descobertas e sem pericarpo, como saõ as bolotas e avellaans. Segundo o Dr. Boehmer o tegumento lenhoso, e durissimo das nozes he hum verdadeiro pericarpo, que se abre sempre em valvulas determinadamente; mas eu nunca vi que as bolotas, e avellaans se abrissem determinadamente em valvulas, nem lhes pude jamais observar suturas; alem disso como os tegumentos duros de todas as nozes persistem athe á germinaçaõ fechados, e que na viosencia que fizermos para os abrir arriscamos de lesar a vegeteçaõ futura, pareceme que naõ ha razaõ para deixar de os reconhecer por tegumentos proprios das sementes, persuadindome que as avellaans e bolotas merecem tanto o nome de sementes nuas de pericarpo, como as da cynoglossa, ás quaes o Dr. Boehmer naõ recusou de dar o dicto nome.
.

Quando na semente ha hum tegumento secco, especializado, e que senaõ abre espontaneamente athe á germinaçaõ, nem o podemos separar sem impedir ou causar dano á vegetaçaõ, da plantula seminal, deve ser chamado arillo (arillus)

Este termo era pouco usado entre os antigos, que segundo me parece o empregavaõ para significar as graans das uvas. Ludwig usou delle para significar o tegumento succulento de algumas sementes, e Linneo o substituio algumas vezes ao de calyptra, de que tinha usado Tournefort, dando-lhe alem disso huma nova significaçaõ indeterminada.
. A especialidade consiste ou em ser hum terceiro tegumento proprio de huma simplez semente, como na cynoglossa, ou de huma semente composta, como na cerinthe, e nalgumas amendoas. Poderse-ha destinguir o arillo das bagas seccas ou drupas seccas (a que chamo escrino), pela razaõ de que nestas o [p. 197] tegumento externo do fructo he hum pericarpo, podendo-se abrir sem causar dano á vegetaçaõ da plantula seminal, nem tornala imperfeita, o que naõ tem lugar no arillo, que he hum tegumento proprio. Poderse-ha taõbem destinguir dos acinos ou bagas, não so pelas mesmas razoẽs precedentes, mas ainda por ser hum tegumento secco
Na supposiçaõ de que senaõ admittaõ bagas seccas.
.
Linneo diz que o arillo he
Vej. Philos. Botan. pag. 54.
huma tumica propria exterior da semente, que espontaneamente se separa; deo depois huma segunda definiçaõ
Vej. Amaenit. Acad. vol. VI, pag. 312.
dizendo ser: hum tegumento especial, que muitas vezes se observa na semente.
Mas ambas estas definiçoẽs saõ com justa razaõ notadas de ambiguidade pelo Dr. Boehmer
O Dr. Boehmer (Comm. de Pl. sem pag. 41.) diz que ser tegumento proprio, e separarse espontaneamente saõ ideas que senaõ consciliaõ (porque esta ultima condiçaõ so pertence aos pericarpos); e que se todos os tegumentos especializados (specialia) saõ arillos, o célebre reformador da Botanica devera dar este termo aos das sementes do gallium, mirabilis, espinafre, coix, panicum, tetracera, astrantia, zanichelia, tricosanthes, pedicularis, adansonia, clusia, martynta, blitum, samyda, &c. o que omittio contudo no seu tractado dos generos dos vegetaes. O Dr. Boehmer expoem depois a theoria que lhe pareceo ser mais adequada a respeito das sementes cobertas, nuas, e arilladas; elle admitte na cynoglossa e mirabilis sementes nuas com tegumentos accessivos, e diz que as arilladas deviaõ ser as que fossem contidas dentro de hum pericarpo, e que tivessem hum tegumento accessivo principalmente molle ou succulento, como os evanymus; eu naõ adoptei esta theoria, porque naõ reconheço tegumento algum accessivo em sementes nuas, nem arillo em sementes que tem dois tegumentos proprios molles, como o evonymus.
, [p. 198] e as sementes
Do caffé, pepino, fraxinella, cynoglossa, salvadora, evonymus, gladiolus, royena, corypha, monnieria, cupanìa, diosna, celastrus, e d'algumas malvaceas, como da malachra, malva, althaea, alcea, lavatera, e malope. Vej. Philos. Bot. p. 54 & Genera plantar.
, a que o sabio professor de Upsalia applicou o termo arillo, so nos prezentaõ ideas vagas, e ás vezes mesmo oppostas ás definiçoẽs, que elle tinha dado deste tegumento.

As sementes em geral saõ divididas em nuas e cobertas. Rigorosamente naõ ha semente alguma nua, cuja plantula seminal, e cotylédones naõ sejaõ envolvidas ao menos em hum tegumento; mas os botanicos costumaõ chamar sementes nuas (nuda), aquellas que tem somente tegumentos proprios, como as labiadas gymnospermas, umbrelladas, compostas, &c.; e cobertas (recta) aquellas que estaõ dentro de hum pericarpo.

As sementes saõ algumas vezes felpudas na base (basi villosa), ou nella

Linneo dá algumas vezes aos vellos d'algumas destas sementes, o nome de pappilho; mas impropriamente, porque o pappilho so he proprio do topo da semente.
guarnecidas de pelos macios, como v. g. saõ as do platano, caneira, eriophorum, e algumas especies de scirpus.

O topo das sementes he muitas vezes guarnecido de differentes sortes de ornatos, e producçoẽs a que se pode dar em geral o nome de corutilho

Apicelum, quasi apicem plus minusve celans.
. Estas producçoẽs tem recebido diversos nomes, como por ex. o de coroa, pappilho, palhas, denticulos, cauda, rostro, pragana, e ala.

A coroa (corona, s. coronula), he o calyculo [p. 199] superior persistente que rodea a borda do topo da semente, e humas vezes he enteiriço, outras vezes palheaceo ou denticulado, sendo composto de dois, tres, quatro, cinco, ou mais palhicos ou denticulos (a saudade, gyrasol, bidens, coreopsis, lagaecia, e catananche. As sementes que tem esta sorte de coroa, são as que se podem denominar rigorosamente coroadas (coronata).

O pappilho (pappus) he huma especie de penacho felpudo ou plumoso, que se acha no topo das sementes e as faz voar (a alface, e escorcioneira). Diz-se ser: pediculado (stipitatus), quando tem hum pequeno pe ou esteio que o eleva, como na escorcioneira; rente (sessilis), se naõ tem este esteio, mas está immediatamente posto sobre o topo da semente como na serralha; peludo ou capillar (pilosus, s. capillaris), se consta de felpa ou pelos indivisos (a alface, serralha); plumoso (plumosus), se os pelos saõ divididos em outros menores finissimos de modo que se assemelhaõ a huma pluma (a escorcioneira); palheaceo ou aristado (palencens, s. aristatus), segundo Linneo, se consta de palhas ou denticulos estreitos

O Dr. Boehmer argûe taõbem Linneo de dar o nome de pappilho a semelhantes producçoẽs contra a definiçaõ que dera deste corutilho, e diz que somento se lhes pode dar com propriedade o nome de denticuladas ou guarnecidas de palhiços. Eu pela mesma razaõ naõ admito, pappilhos palheaceos nem aristados, e os reduzo todos ao termo de coroa as sementes aristadas propriamente taes saõ as que tem praganas.
; nullo (nullas), quando naõ existe de modo algum na semente, como na bonina, losna, &c; alguns daõ taõbem o nome de nuas, ou de topo nû (nuda, s. apice nudo), às sementes que naõ tem corutilho [p. 200] algum. As sementes que tem hum pappilho saõ denominadas pappilhosas (papposa)
Ha alguma sementes que tem no topo somente huma curtissima felpa, como a knautia e echinops, e lhe daõ porisso o nome de sementes com hum semipappilho ou pappilho obsoleto.
.

Os denticulos e palhas saõ producçoẽs mais ou menos chatas, e agudas que se achaõ na borda do topo da semente, e constituem o que Linneo chama pappilho palheaceo.

A cauda das sementes (cauda), segundo Linneo he hum fio que se eleva, ou sahe do topo da semente e parece ser ordinariamente a mesma coiza que o estylete persistente e engrandecido, como na pulsatilla, clematis, petiveria, e calycanthus

Boehmer diz que semelhantes sementes devem ser denominadas antes guarnecidas do estylete (stylo instructa), assim como as sementes na ruppia saõ denominadas guarnecidas do estigma a cauda segudo elle he huma producçaõ accessiva differente do estylete.
. A cauda pode ser simplez, ou plumosa, felpuda, gancheada, e geniculada. As sementes que tem cauda saõ denominadas caudatas (caudata), e descaudatas (ecaudata) senaõ tem cauda.

A pragana das sementes (arista), segundo Linneo parece ser qualquer longa cauda filiforme; mas segundo Boehmer he com maior propriedade o fio que termina o casulo persistente que fica servindo de tegumento a semente das gramas, como na cevada.

O rostro (rostrum), he a casca da sementei prolongada em forma assovelada, ou hum tanto conica (a agulha de pastor). As sementes que tem hum rostro saõ chamadas rostradas (rostrata).

Ala das sementes (ala), he huma producçaõ [p. 201] membranosa, que se acha no topo das sementes (cedrela, melampodium, triopteris). A ala contudo he naõ so propria do topo da semente, mas taõbem dos seus lados, e as sementes que se denominaõ aladas (alata), ou guarnecidas de membranas (membranis instructa, marginata, s. alata), ordinariamente tem as alas membranosas nos seus lados, ou à roda de si, como no pinheiro, endro, betula, laserpitium, ligusticum, goiveiro, &c.

O numero das sementes varia muito, e não se sabe muitas vezes qual he o que mais naturalmente daõ algumas bagas, drupas, pomos, e capsulas: contudo quando a maior parte das bagas e outros pericarpos de huma especie ou genero he observada dar hum numero determinado de huma, duas, tres, quatro sementes, &c. ou quando geralmente as dictas bagas e quaesquer outros pericarpos daõ muitas, naõ se deve jamais omittir esta circumstancia na sua descripçaõ. O mesmo deve entender-se a respeito das sementes nuas; nas labiadas e asperifolias por ex. como na hortelaan, alecrim, pulmonaria, cynoglossa, &c seria defeituoso deixar de fazer mençaõ das quatro sementes, que ellas tem ordinariamente.

Raramente costuma fazer-se mençaõ da grandeza das sementes, contudo comparaõ-se ás vezes com a flor ou pericarpo, e se dizem summamente grandes (maxima), como no coqueiro; muito pequenas ou muito miudas (minima, minutissima), como na campanula, urze, herva sancta, drosera, e orchideas.

A figura das sementes ordinariamente he constante, e merece o cuidado, de ser observada, e bem descripta. Ellas saõ globosas (globosa), nas ervilhas e [p. 202] mostarda; semiglobosas (hemisphaerica), no coentro; planas (plana), na açucena, e goiveiro; cordiformes (cordata), na medeola, e prenanthes; reniformes (reniformia), no alquequenje, feijaõ, e outras leguminosas; lunuladas (lunata), na elatine; rhomboidaes (rhomboidea), na alforva; encaracolladas (cochleata), na salsola; angulosas (angulata), se tem angulos ou esquinas; triangulares (triangularia) nas azedas e semprenoiva; quadrangulares (quadrangularia), no combretum; de cinco angulos (quinquangularia), na allionia; de seis angulos (sexangularia), na boerhaavia. As vezes achaõ-se nestes angulos algumas membranas que fazem as sementes ser aladas.

Quanto á superficie, as sementes dizem-se ser: lizas, ou glabras (laevia, s. glabra) no linho e alfarrobeira; ponteadas (punctata), no agrosthema, e alstroemeria; ciffradas ou assinaladas de ciffras ou lettras (characteribus notata), na rheedia; lanudas (lanata), no algodaõ, bombax, e reaumuria; rugosas (rugosa), no colchico, e acònito; escabrosas (scabra), na arruda, e nigella; estriadas (striata), no ammi, e athamanta; hispidas (hispida), na cenoira e geum; echinosas (echinata), na cynoglossa, myosotis, e caucalis. Quando a casca da semente he coriacea, ou cartilaginosa a semente tem a mesma denominaçaõ (callosum, s. cartilaginosum) (a laranja, irmaõ, pera, e melaõ). As sementes do lithospermum, avellaan e toda a casta de nozes ou caroços saõ chamãdas lenhosas (ossea, s. lignosa), em razaõ da dureza da sua casca.

A fertilidade das sementes he assaz notoria; as observaçoẽs tem mostrado que de huma so semente [p. 203] de milho nascera huma planta, que num veraõ dera 2000 sementes, huma de inula campana 3000, huma de gyrasol 4000, de papoila 32000, e de herva sancta 40320. Alguns naturalistas saõ de parecer, em razaõ destas

Dodart observou que hum ulmeiro so em hum veraõ dera 329000 sementes.
, e outras muitas observaçoẽs, que os vegetaes excedem os peixes na fecundidade.

CAPITULO XV. Do Receptaculo.

O receptaculo

Al. Thalamus, s. placenta.
(receptaculum), he a base a que estaõ apegadas as partes da fructificaçaõ.

Diz-se receptaculo da fructificaçaõ (receptaculum fructificationis), quando o germe e os tegumentos da flor estaõ apegados a elle, como na açucena, cravo, &c. Receptaculo da flor (recept. floris), quando as partes da flor estaõ apegadas a elle, e naõ o germe, ou quando ellas estaõ sobrepostas ao germe, como na abobara, melaõ, murta, hippuris, &c. Receptaculo do fructo (recept. fructûs), quando tem apegada a si a base do germe

O receptaculo neste cazo he a extremidade do pedunculo adunada à base do germe ou do fructo.
de modo que o receptaculo da flor fica entaõ distante ou posto no topo do germe, como no melaõ, abobara, pepino, e hydrocharis. Receptaculo das sementes (recept. seminum), he o lugar a que as sementes estaõ apegadas dentro de hum pericarpo, como no feijaõ, meimendro, couve, papoila, &c.

[p. 204]

Receptaculo proprio ou parcial (proprium, s. partiale), he o lugar, a que estaõ apegadas somente as partes de hum flosculo relativo, a hum receptaculo commum, como na saudade

Segundo Linneo, o receptaculo parcial pode ser relativo naõ so a huma, mas a muitas fructificaçoẽs parciaes, que se achaõ no mesmo receptaculo commum, como o dos flosculos da oedera, sphaeranthus, gundelia, straebe, &c.
.

Receptaculo commum (commune), he o lugar, a que estaõ apegados muitos flosculos, e seus fructos approximados, como o do gyrasol, saudade, echinops, &c.

O receptaculo quanto á sua superficie diz-se ser: ponteado (punctatum), quando esta salpicado de pontos ou cavidades minimas, e he ao mesmo tempo nû (o dente de leaõ, e chrysanthemum); alveolar (alveolatum, s. favosum), quando consta de cellulas ou grandes cavidades hum tanto semelhantes às dos favos de mel, e nellas tem encravadas as sementes (onorpordum); felpudo (villosum), quando he guarnecido de felpa (o absinthio); peludo (pilosum), se tem pelos (a açafroa); sedeûdo (setosum), se he guarnecido de sedas (a bardana e centaurea); palheaceo (paleaceum), se he guarnecido de palhiços (palea), estes saõ humas pequenas laminas lineares, que se achaõ postas entre os flosculos (como na milfolha, almeiraõ, macella, &c.); nû (nudum), quando nelle senaõ achaõ vellos, pelos, sedas nem palhiços alguns (como no dente de leaõ).

Quanto à figura o receptaculo diz-se ser: plano (planum), na milfolha; convexo (convexum), se he quasi semigloboso, como na chamomilla; conico, [p. 205] (conicum) (na bonina, e macella). Elle se diz taõbem ainda ser concavo, assovelado, &c. (concavum, subulatum, &c.)

CAPITULO XVI Da naturalidade e singularidade das flores.

A naturalidade ou estructura natural das flores (structura naturalis), he segundo Linneo a que se observa na maior parte dellas, e he opposta a estructura singularizada. As flores de huma estructura naturalissima tem o calyz, e corolla divididos em igual numero de lacinias (ordinariamente cinco); o seu calyz he menos aberto, exterior, menor do que a corolla, e involve o receptaculo, ao qual ella está innata; cada hum dos seus filetes he guarnecido na ponta de huma anthera, postos entre a corolla e o pistillo, levantados, e iguaes no comprimento ao pistillo, quando os tegumentos da flor saõ levantados. O pistillo está posto no centro, o germe tem no topo, hum ou mais estyletes levantados, e terminados por estigmas. Cahidos os organos sexuaes, o germe torna-se em hum pericarpo sostido pelo calyz. O receptaculo he acompanhado do calyz, e inferior ou sottoposto ao germe.

A estructura singularizada (structura singularis), he a que se observa em muito poucos generos de flores, como he por ex. a do pé de bezerro, a da salva, adoxa, eriocaulon, magnolia, &c.

Taõbem se podem chamar singularizadas as umbrellas bolbigeras de alguns alhos, as espigas do polygonum viviparum, &c.
.

[p. 206]
CAPITULO XVII. Do sexo das flores.

O sexo das flores he estabelecido nos organos da fructificaçaõ chamados estames e pistillo. As flores, ou flosculos relativamente ao seu sexo, saõ susceptiveis de quatro destinçoẽs principaes, a saber, de hermaphroditas, masculas, femininas, e neutras. As flores hermaphroditas (hermaphroditi), a que alguns chamaõ taõbem bissexuaes

Por terem os dois sexos dentro da corolla ou calyz, e saõ oppostas ás unisexuaes (ou relativas) que dentro delles tem organos somente masculos, ou somente femininos.
e outros absolutas, tem estames e pistillo dentro dos seus tegumentos, como he a açucena, jasmim, pereira, e a maior parte das flores
Segundo os sexualistas o Autor da natureza fez a maior parte das flores hermaphroditas por naõ poderem mudar de lugar, e ir buscar o seu consorte; e se nas dioicas estaõ os sexos separados, distaõ contudo muito pouco espaço.
. As flores masculas (masculi), saõ aquellas em que somente se achaõ estames sem pistillo algum (donde alguns lhes chamaraõ estaminosas), como as que terminaõ o colmo do milho, as dos amentilhos da nogueira, e algumas do melaõ, pepino, abobara, aroeira, legacaõ, linho, canamo, gilbarbeira, &c. As flores femininas (faeminei), saõ as que tem somente pistillo sem estames alguns, donde lhes chamaraõ taõbem pistillosas
O Lord Bute no seu excellente tractado dos Generos das plantas da Gr. Bretanha, que imprimio para divertimento das Fidalgas de Inglaterra, tractou de evitar como delicado cortezaõ os termos de hermaphroditas, masculas e femininas, e em lugar delles substituio os nomes de completadas, estaminosas e pistillosas.
, taes saõ por ex. as que se achaõ [p. 207] nas tenras maçarocas de milho, nos tenrinhos, fructos da nogueira, e avelleira, nos que devem ser bolotas no carvalho, as que estaõ sobre os tenrinhos meloẽs, &c.
As flores ou antes os flosculos neutros (neutri), saõ aquelles em que se naõ achaõ estames, nem estylete, nem estigma, e apenas se observa debaxo da corolla hum principio de germe abortivo
Em razaõ de terem este principio de germe saõ chamados por Linneo flosculos femininos, assim como o mesmo botanico deo o nome de mascula hermaphrodita á huma flor hermaphrodita cujo pistillo he abortivo, e o de feminina, hermaphrodita á for hermaphrodita, cujos estames abortaõ.
, como saõ os flosculos do rayo do gyrasol, centaurea, &c.

Alem das quatro denominaçoẽs mencionadas, Linneo deo ainda ás flores os nomes das classes do seu systema sexual, e lhes chamou monandras, diandras, triandras, tetrandras, pentandras, hexandras heptandras, octandras, enneandras, decandras, dodecandras, icosandras, polyandras, didynamicas, tetradynamicas, monadelphas, diadelphas, polyadelphas, syngenésicas ou compostas, gynandras, monoicas ou androgynas, dioicas, polygamas, e cryptogamicas

Flores mon- di- tri- tetr- pent- hex- hept- oct- enne- dec- dodec- icos- polyandii; di- tetradynamici; mon-di- polyadelphi; syngenesii; gynandri; monoici, s. androgyni; dioici; polygami, e cryptogamici. Taõbem ha flores endecandras (endecandri) ou de onze estames, como as da brownea; todas estas denominaçoẽs, como as da nota seguinte, saõ dadas naõ so as flores, mas taõbem aos vegetaes que as produzem.
. Elle lhes deo igualmente o nome das ordens do seu systema, e as denominou taõbem
Mono- di- tri- tetra- penta- hexa- hepta- deca- dodeca- polygyni.
[p. 208] monogynas, dyginas trigynas, tetragynas, pentagynas, hexagynas, heptagynas, decagynas, dodecagynas, e polygynas.
Todos estes termos naõ precizaõ de ser aqui explicados; elles se entenderaõ facilmente por meyo da explicaçaõ dos titulos das classes e ordens do systema sexual, que heide expor no fim deste Compendio.

CAPITULO XVIII. Das flores monstruosas, ou viçadas.

Assim como entre os animaes nascem alguns com huma estructura differente em parte da ordinaria da sua especie, e que por isso lhes daõ o nome de monstros, do mesmo modo entre os vegetaes se encontraõ muitas vezes individuos, os quaes ainda que conservem parte da estructura, e habito externo da sua especie, se desviaõ contudo della em parte, principalmente na flor; e em razaõ disto os Botanicos lhes daõ igualmente o nome de monstros (monstra, seu plantae monstrosae).

Todas as flores viçadas e mutiladas (flores luxuriantes, et mutilati) saõ monstros. Nas primeiras os tegumentos dos organos sexuaes saõ de tal modo multiplicados, que as partes essensiaes da fructificaçaõ ficaõ mais ou menos destruidas; esta producçaõ por mais agradavel que pareça aos floristas, jardineiros, e a quaesquer pessoas em geral, he contudo considerada pelos botanicos como opposta a ordem natural, e como huma verdadeira degradaçaõ causada pela [p. 209] pela redundancia dos succos nutritivos. Nas mutiladas pelo contrario a falta de calor sufficiente e as doenças fazem faltar as partes, que alias costumaõ ter naturalmente sem que porisso outras augmentem.

Nas flores engrandecidas (flores grandificati, s. injuriantes) aindaque a corolla naõ degenera quanto ao numero das petalas ou lacinias, e postoque naõ falta, contudo como em razaõ dos succos abundantes vem a ser maior do que naturalmente devera ser, como se observa na galeopsis, prunella, Etc. semelhantes flores devem porisso ser contadas no numero das viçadas modicamente. No mesmo numero se devem taõbem contar as que tem hum calyz còrado fora do costume natural, como succede às vezes no quejadilho.

As flores, a que chamaõ verdadeiramente viçadas, saõ de tres sortes, a saber, semidobradas, dobradas, e proliferas

Os floristas dividem as flores somente em singellas e dobradas desta ou daquella cor, e naõ ha para elles mais dvisoẽs em Botanica.
.

A flor semidobrada (flos multiplicatus, s. semiplenus) he aquella, cuja corolla tem mais ordens de petalas ou maior numero de lacinias do que costuma ter naturalmente, conserva o pistillo e alguns estames, e dá algumas sementes fecundas. O perianthio e involucro rarissimamente degeneraõ de modo que cheguem a constituir huma flor semidobrada, e ainda que o calyz contra o natural costume possa mudar de cor

Nesta circumstancia o calyz pode fazer parecer a corolla semidobrada, e porisso deve haver grande cuidado de o naõ confundir com ella, nem por conseguinte dar erradamente à flor o nome de emidobrada.
, como succede ás vezes no quejadilho, [p. 210] isto so deve ser considerado como hum pequeno viço
Naõ deixaõ contudo de haver exemplos de calyces consideravelmente viçados: as escamas do calyz dos cravos augmentaõ as vezes de tal modo, que formaõ huma espiga de figura particular; na festuca ovina, e algumas gramas das montanhas alpinas o casulo das flores degenera em folhas; na plantago maior a espiga degenera as vezes em folhas floraes de tal sorte que as flores ficaõ inteiramente suffocadas, o que succede taõbem ás escamas do amentilho nalgumas especies de salgueiro, quando os insectos estragaõ os organos sexuaes.
. As flores petaleadas saõ as que mais ordinariamente vem a ser semidobradas, como por ex. as da nigella, papoila, dormideira, pessegueiro, anemone, hepatica, &c. contudo naõ deixaõ de haver taõbem flores monopetalas semidobradas, como temos exemplos na datura stramonium, e campanula trachelium. Nesta sorte de flores viçadas o augmento das petalas ou lacinias he mais ou menos consideravel, constando humas vezes de duas ou tres series, outras vezes de quatro ou mais
Donde alguns lhe daõ o nome de flos duplicatus, triplicatus, quadruplicatus, mas he melhor denominalas flores serie duplici, triplici, quadruplici, multiplici, s. multiplicatâ.
.
Nellas a fructificaçaõ naõ deixa de medrar em parte havendo sempre algumas sementes perfeitamente fecundadas. Os estames ou os nectarios, que nestas flores passaõ ordinariamente a ser petalas, augmentaõ-nas as vezes de modo que parecem ser semelhantes ás polypetalas naturaes, e he precizo ter cuidado de naõ as confundir com ellas; a nymphoea, por ex. o cactus, e mesembryanthemum saõ polypetalas naturaes, a sua fructificaçaõ he sem viço, e huma das suas sementes semeada em terra competente reproduz a especie com flores polypetalas, em tudo semelhantes áquella de que a dicta semente he originaria; o que naõ tem lugar nas petaleadas [p. 211] multiplicadas por viço, porquanto se semeamos a semente de huma flor petaleada semidobrada, da nigella v. g., em hum terreno competente
O viço das flores semidobradas he denominado semidobrêz, ou multiplicaçaõ (multiplicatio, s. semimpletio); este viço pode ser propagado por sementes, quando o terreno he cultivado ou incompetente.
, as corollas da nova planta teraõ somente huma so serie de cinco petalas, como naturalmente costumaõ ter.

A flor dobrada (flos plenus) propriamente tal he aquella, cuja corolla dobra de tal modo, que todos os estames ficaõ convertidos em petalas ou lacinias. O pistillo nestas flores ordinariamente ou he transformado assim como os estames, ou apertado e suffocado de modo que fica esteril

Quando o pistillo e os estames saõ transformados em petalas, a flor he denominada eunucha (flos ennuchus); se o viço poupou o pistillo, e hum ou dois estames, e se isso naõ obstante o fructo fica inteiramente esteril, a flor deve ser contada no numero das dobradas, e naõ das semidobradas.
. Sendo pois deste modo destruidas as partes essensiaes da fructificaçaõ se entende facilmente, que huma flor dobrada (segundo a propria, accepçaõ botanica deste termo) fica inteiramente esteril, e naõ se podem, esperar della sementes algumas fecundas.

A dobrêz (impletio), tem ordinariamente lugar nas flores petaleadas, como v. g. nas da maceira, pereira, pessegueiro, cerejeira, gingeira, amendoeira, romeira, murta, roseira, morangueiro, rainunculo, anemone, papoila, dormideira, craveiro, açucena peonia ou roza albardeira, tulipa, narcizo, jonquilho, violetta, chagas, goiveiro, malva, alcea ou malva da China, hesperis matronalis, hibiscus, caltha, anemone hepatica, aquilegia, nigella, agrostema coronaria, silene, lychnis, fritillaria, &c. Naõ deixaõ [p. 212] contudo de haver alguns exemplos de flores monopetalas sojeitas a dobrar como saõ por ex. as do jacintho, açafraõ, colchico, quejadilho, tuberosa, datura, &c.

As monopetalas dobraõ por meyo do augmento das lacinias, e as petaleadas pelo augmento do numero das petalas, o qual se faz naõ so à custa dos organos sexuaes mas ainda por meyo da transformaçaõ dos nectarios, como se vè nas esporas, nigella, e aquilegia; a dobrez contudo desta ultima segundo se tem observado pode ser de tres modos; 1º pela transformaçaõ total dos nectarios em petalas; 2º pela transformaçaõ total das petalas em nectarios; 3º pela dobrez dos nectarios, conservadas contudo as cinco petalas, e neste cazo os espaços entre ellas ficaõ occupados cada hum por tres nectarios encravados huns nos outros. No narcizo as vezes só os nectarios dobraõ, outras vezes tanto dobraõ as petalas, como os nectarios. A saboeira de Inglaterra (saponaria officinalis hybrida), os novelos ou rosa de Gueldres (viburnum opulus globosum, s. roseum), e a peloria (antirrhinum linaria peloria), subministraõ tres exemplos extraordinarios de dobrez. A primeira he huma variedade da saboeira ordinaria com a corolla de cinco petalas transformada em monopetala semelhante á da genciana

Gerardo foy o primeiro que descobrio esta flor, Mortono contudo assegura que ella ja senaõ acha em Inglaterra no lugar onde Gerardo a encontrou; dizem que hoje so se da em alguns jardins que naõ da sementes fecundas, e que so se conserva por meyo de raizes.
. Os novelos saõ huma variedade de cerdeira (viburnum opulus); a cerdeira ou especie natural dá flosculos [p. 213] dispostos em cymeira, as corollas dos que estaõ no centro ou disco saõ campanuladas, de cinco lacinias e contem organos hermaphroditos, as do ambito ou rayo saõ arrosetadas, maiores do que as do disco, e sem estames nem pistillo
O Dr Gmelin observou contudo algumas cymeiras, em que os flosculos do rayo naõ eraõ neutros, mas tinhaõ estames, e os denominou por conseguinte masculos.
; mas nos novelos a cymeira he multiplicada e toma a forma de hum novello, os flosculos do disco saõ estereis e neutros, como saõ os da circumferencia da cymeira da especie de que degeneraraõ, e semelhantes a elles na grandeza nesta circumstancia a dobrez consiste na esterilidade, e grandeza augmentada das corollas, no que se assemelha á dobrez das flores compostas.
A da peloria taõbem he bastantemente notavel; esta planta da-se ordinariamente entre as linarias, e se assemelha intimamente a ellas no habito externo, no calyz, cor da corolla, e germe do pistillo de suas flores; estas circumstancias e o naõ dar sementes fecundas
Wiggers diz ter observado sementes fecundas nesta planta, e senaõ houve engano, este facto favorece o parecer dos que pensaõ que ella deve constituir hum genero á parte. Ha algumas flores femininas que muitas vezes naõ daõ sementes fecundas, em razaõ de lhes faltar o individuo macho perto dellas, como se observa nas palmeiras, figueiras, &c.; semelhantes flores naõ devem porisso ser tidas por viçadas, porque a sua esterilidade naõ provem de huma structura viçada.
a fez considerar como huma variedade hybrida de linaria ou linaria monstruosa; as flores naturaes da linaria tem huma corolla mascarina com hum esporaõ e quatro estames, e as da peloria tem a corolla regular, fendida em cinco lacinias, com cico estames, e com cinco esporoẽs, e nisto se diz consistir a sua dobrez.

[p. 214]

A semidobrez e a dobrez das flores pode ter lugar tanto nas que saõ simplez, como nas compostas. Huma flor simplez petaleada em estado de viço pode facilmente destinguir-se de huma polypetala natural pelo modo que ja expuz; ella se poderà taõbem destinguir de huma flor composta natural pela razaõ de ter somente o pistillo no centro ou naõ ter pistillo algum, como o rainunculo dobrado; nas flores compostas naturaes, como por ex. nas da alface e chicoria, cada flosculo tem o seu pistillo e estames.

As flores compostas, como ja expliquei fallando da corolla, ou saõ inteiramente ligulosas, ou inteiramente tubulosas, ou radiadas. Nas flores radiadas a dobrez pode ter lugar, 1º em razaõ dos flosculos tubulosos do disco tomarem a forma dos flosculos do rayo, como se ve nalgumas especies de gyrasol, cravo de defuncto, calendula, chrysanthemum, anthemis, matricaria, achillea ptarmica, centaurea cyanus, &c.; 2º quando conservados os flosculos do rayo, os do disco se alargaõ e alongaõ demasiadamente, e tem menos lacinias ou denticulos no seu orificio como se tem visto na serratula arvensis; 3º quando as coróllulas ligulosas do rayo se mudaõ em tubulosas, como se tem observado na bonina, matricaria, e cravo de defuncto. Nas flores compostas inteiramente tubulosas, como por ex. a macella gallega, he rarissimo haver dobrez, e quando existe, he semelhante á do 2º modo com que dobraõ as radiadas. Nas flores inteiramente ligulosas a dobrez so se conhece, e se distingue do estado natural pela razaõ de que os estigmas se alongaõ muito, os germes [p. 215] augmentaõ, saõ mais compridos do que o calyz e divergem, como se tem observado na escorcioneira, lapsana communis, e tragopogon pratense.

Huma flor composta radiada no estado de dobrez naõ deve ser confundida com as inteiramente ligulosas naturaes, como saõ a serralha, dente de leaõ, &c; estas flores tem todos os seus flosculos hermaphroditos, nas radiadas dobradas pelo contrario naõ há antheras em flosculos alguns, nem taõbem algumas vezes pistillos perfeitos. Tem se observado que se huma flor composta natural, como a bonina, cravo de defuncto, matricaria e chrysanthemum, tem no rayo flosculos com pistillos, os flosculos transformados do disco os conservaõ igualmente; mas se os do rayo naõ tem pistillos naõ os tem taõbem os flosculos viçados do disco, como acontece na dobrez do gyrasol, centaurea, e calendula.

Ha muitas familias de plantas que daõ constantemente flores sem dobrez nem viço algum notavel, taes saõ por ex. as das ordens naturaes, a que Linneo chama Inundadas e Holeraceas

Inundatae, Holeraceae. Vej. Lin. Meth. Nat. Fragm. Ord. 48. e 53.
que daõ flores sem corolla, como a tabûa, espinafre e acelga, as Verticilladas
Verticillatae. Ibid. ord. nat. 58.
ou Labiadas, como a salva, e alecrim; as Personadas
Personatae. Ib. ord. nat. 59. Deve-se contudo exceptuar a Linaria, na supposiçaõ de que a peloria he huma variedade viçada desta planta.
, como a escrophularia; as Asperifolias
Asperifoliæ. Ib. ord. n. 43.
, como a borragem; as Estrelladas
Stellatæ. Ib. ord. n. 44.
, [p. 216] como a ruiva, e amor de hortelaõ; as Umbrelladas
Umbellatae. Ib. ord. nat. 22. Deve-se contudo exceptuar o viço das umbrellas proliferas.
, como o coentro e salva; e as Leguminosas
Papilionacea. Ib. ord nat. 55.
, como o feijaõ, e caracolleiro; nesta ultima familia contudo naõ haver alguns exemplos, ainda que raros, de deixa de flores dobradas; ellas se tem observado na giesteira, na clitoria ternatea, coronilla varia, e anthyllis vulneraria.

A flor prolifera (flos prolifer), he a que lança de si outra flor ou pequenas folhas; ordinariamente he dobrada; no primeiro cazo he denominada flor prolifera de flores (prolifer floriferus), e no segundo flor prolifera de foliolos (prolifer foliiferus). A prolificaçaõ de flores he de dois modos, ou originaria do centro ou dos lados; na do centro o pistillo brota de si outra flor para cima posta sobre hum pedunculo, e tem lugar algumas vezes nas flores simplez, como nos cravos, ranunculus tuberosus, anemone hortensis, geum urbanam, rosa gallica, &c; na dos lados, o calyz commum brota de si muitas outras flores pedunculadas, e tem lugar nas flores compostas e aggregadas, como na bonina, calendula officinalis, saudade, e no hieracium falcatum proliferum de Gaspar Bauhino. As flores proliferas de foliolos saõ raras, observaõ-se contudo algumas vezes nas rozeiras e anemones

Na scrophularia aquatica algumas vezes os organos sexuaes saõ transformados em fasciculos de foliolos e o mesmo se tem visto no dipsacus sylvestris, &c. Ha fructos que taõbem saõ proliferos de foliolos, como as peras, uvas, &c; elles ficaõ nesta circumstancia sem sementes, por causa destas se terem convertido em foliolos.
.

[p. 217]

A prolificaçaõ (prolificatio) naõ so tem lugar nas flores, mas ainda nas umbrellas simplez e cymeiras, em razaõ destas brotarem de si outras contra o seu costume natural, do que temos exemplos no cornus suecica, selinum palustre, &c.

A flor mutilada (flos mutilatus), segundo Linneo

Alguns estendem a accepçaõ deste termo às flores, a que faltaõ quaesquer partes que costumaõ ter naturalmente, sem porisso augmentarem em outras; com effeito algumas vezes o numero dos estames e dos estyletes diminue, e se tem visto flores aggregadas passarem a ser simplez, quando o terreno he exsucco, e magro.
he aquella, em que falta a corolla, quando a devera ter, como se ve em algumas violettas, ipomaea pes tigridis, tussilago anandria, campanula perfoliata, &c. Estas flores naõ deixaõ contudo de ser fecundas.

[p. 218]
TERCEIRA PARTE. Da Habitaçam dos Vegetaes, e de algumas circumstancias relativas à sua estructura.
CAPITULO XIX. Da Habitaçam dos Vegetaes.

A Patria ou habitaçaõ das plantas (locus natalis, s. plantarum habitatio), he o lugar em que ellas costumaõ nascer sem soccorro algum de cultura, e he considerada pelos Botanicos debaxo das relaçoẽs de paiz, clima, sitio e terreno.

Pelo termo de paiz (regio) entendem imperios, reynos, provincias, e quaesquer destrictos proprios a certas especies de plantas.

Por clima (clima) os Botanicos entendem três sorte de dimensoẽs terrestres, a saber, latitude, longitude, e altura do lugar. A latitude he a distancia que vay desde o equador athe o polo artico ou antarctico, e comprehende noventa graos tanto da banda do norte como do Sul, o que faz a quarta parte do ambito da terra; e longitude he o ambito da terra, ou espaço de 360 graos, começando do meridiano da Ilha de Ferro athe ao mesmo ponto do dicto meridiano; a altura he a medida perpendicular que medea entre a superficie do mar e o cume de [p. 219] huma elevada montanha; ella se costuma calcular ordinariamente com o soccorro de hum barometro. A altura falha muito menos, do que a latitude e longitude, relativamente a reconhecer a semelhança das plantas, porquanto he bem notorio que muitos lugares que se achaõ na mesma latitude ou longitude daõ plantas inteiramente differentes, ao mesmo tempo que as das montanhas da Suissa, Lapponia, Brasil, Siberia, Pyreneos, Olympo, &c. saõ ordinariamente semelhantes.

Os principaes climas segundo os Botanicos saõ denominados.

1º O Indico (Indicum), que comprehende os lugares situados debaxo da Zona Torrida na Asia, Africa, e America, principalmente insulares e das costas maritimas aonde naõ ha vestigios de inverno, nem frios que condensem o ar da respiraçaõ de modo que o façaõ sensivel à vista; as plantas florecem neste clima pela maior parte duas vezes no anno em razaõ do calor continuado; em muitos lugares as chuvas duraõ alguns mezes, o que faz destinguir no anno somente duas estaçoẽs. Os vegetaes destes paizes ordinariamente brotaõ e reforçaõ nos jardins da Europa durante a primavera e outono, e enlangoecem no estio e inverno sem contudo perderem as suas folhas.

2º. Egypciaco e Arabico (Aegypiacum e Arabicum), comprehende os lugares aonde ha hum calor fervido e areas adentes, sobre as quaes senaõ pode andar descalço; nelles naõ chove durante a maior parte do anno, e dahi procede que o maior numero das suas plantas indigenas tem raizes bolbozas e tuberosas, [p. 220] por meyo das quaes se podem conservar sem agoa largo tempo.

3º. Austral (Australe), comprehende o espaço que vay desde a Ethyopia athe ao Cabo da Boa Esperança, e igualmente o reyno do Peru e grande parte do Brasil, aonde o calor he menos fervido do que no clima Indico. Como o estio deste clima tem lugar exactamente no tempo que corresponde ao nosso inverno, daqui procede que os vegetaes transplantados deste clima florecem na Europa ordinariamente perto do solsticio do inverno.

4º. Europeo meridional (Europaeum meridionale), comprehende Portugal, Hespanha, a França meridional, Italia, Hongria athe á Morêa, e o Archipe-lago. Alguns o dividem em clima do continente e insular, incluindo neste segundo as ilha Europeas do Mediterrano, nas quaes o calor he maior do que o da terra firme; outros ajuntaõ os climas da Syria, Media e Armenia, por acharem nelles as mesmas plantas que se daõ no clima meridional da Europa.

5º. Europeo septentrinal (Europaeum septentrionale), comprehende a Lapponia, Suecia, Dinamarca, Prussia, Allemanha, Suissa, Hollanda, Flandres, Inglaterra, e parte do norte da França.

6º Oriental (Orientale) comprehende o grande Continente da Asia septentrional, a Siberia e Tartaria desde os confins da Syria e Persia athe aos da China; as plantas deste clima florecem ordinariamente logo que a atmosphera começa a aquecer, como entre nos florecem as da primavera.

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7º. Occidental (Occidentale) comprehende a America septentrional athe a Carolina, e igualmente o Iapaõ; as plantas deste clima florecem ordinariamente no outono.

8º. Alpino (Alpinum), he proprio das montanhas alpinas, que saõ as mais elevadas que ha no globo terrestre, cobertas de neve em varios lugares, aonde naõ ha primavera nem outono, mas sim hum longo inverno, e curto estio de dois mezes ou menos, como saõ os Alpes da Suissa, as Cordilheiras da America meridional, &c. As plantas deste clima nascem, florecem e fructificaõ dentro de pouco tempo.

O sitio (situs) he o lugar aonde costuma naturalmente nascer e nutrir-se qualquer planta, e he ou terrestre ou aquoso ou parasitico. As plantas aquaticas tem as suas raizes ordinariamente apegadas á terra, e o resto do seu corpo mergulhado n'agoa inteiramente ou em parte; ha contudo algumas, como v. g. os limos, lemna, ulva, certas especies de fucus, &c. que se nutrem dentro d'agoa sem terem contudo contacto algum com a terra, e ha outras que somente tem a raiz encravada em hum terreno humido ou ensopado em agoa e o resto exposto ao ar.

1º Sitios aquosos.

O mar, ou agoa marina (mare, s. aqua marina) he hum fluido aquoso naturalmente impregnado de sal commum; as plantas que se dão n'agoa do mar ordinariamente saõ destituidas de raizes, nutrem-se pelas suas porosidades, e naõ supportaõ jamais frios rigorosos nem os gelos do inverno (como o fucus, e ulva); daõ-lhes o nome de plantas marinhas (pl. marinae).

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As prayas, e costas maritimas (littora, littorale solum, loca maritima), saõ lugares immediatamente proximos ao mar, cobertos pelas marés, açoitados das ondas e dos ventos, mais ou menos arenosos e salgados. As plantas que se daõ neste sitio contem alcali marino, saõ hum tanto succulentas, e aindaque a agoa salgada lhes he mais conveniente, naõ deixaõ contudo de se dar bem nas terras areentas; taes saõ por ex. as salgadeiras, a salsola, salicornia, crambe maritima, &c. Estas plantas saõ por alguns botanicos denominadas maritimas (maritimae).

As fontes (fontes), saõ mananciaes de agoa doce

Ha fontes de agoa salgada, e he bem facil de entender que regaõ plantas que saõ de natureza semelhante á das maritimas.

fresca, e cristallina; a terra regada com a agoa das fontes (fontanum solum), dá a beccabunga, salsa, angelica, e muitas outras plantas, cujas raizes exigem de ser continuamente regadas com agoa corrente.

Os rios (fluvii), saõ largas e prolongadas correntes de agoa doce e fresca; a terra banhada d'agoa dos rios (solum fluviale) dá taõbem algumas plantas particulares, como v. g. o potamogeton, ranunculus aquaticos, &c.

As ribeiras, margens dos rios e das lagoas (ripae), saõ lugares cobertos de agoa na estaçaõ do inverno, & descobertos no tempo do estio; nellas costumaõ dar-se a salicaria, o lycopus europaeus, a lysimachia vulgaris, &c.

Pégos, lagos limpos (lacus, lacustre solum), saõ lugares que contem agoa pura, e profunda; o seu fundo naõ he lodoso, mas tem huma certa firmeza ou solidez; daõ-se nelles a nymphaea, subularia, isoetes, &c.

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Lagoas profundas, paûes, albofeiras

Nos damos o nome de albofeiras (paludes maritimae), ás grandes lagoas que saõ vizinhas do mar, e contem agoa salgada e doce misturadas: em alguns lugares costumaõ abrir estas lagoas a fim de desalagar os campos, e os aproveitar em pastos e searas.
(cespitosae paludes), saõ lugares que tem grande altura de agoa, o fundo molle, lodoso, limoso, ou coberto de estragos de vegetaes, daõ-se nellas a andromeda, sphagnum, &c.

Tanques, charcos, fossos (stagna, paludes, palustre solum), saõ pequenas lagoas baxas, limosas, lodosas, que se seccaõ inteiramente no estio; daõ-se nelles a tabûa, lirios, junças, &c.

Alagadiços (inuadata loca), saõ terrenos alagados pelas chuvas do inverno, & que se seccaõ no veraõ; daõ-se nelles o arroz, canna de assucar, tamargueira, &c.

Pantanos, bréjos, tremedaes (loca uliginosa), saõ terrenos balofos, ensopados d'agoa pôdre, que naõ daõ feno, nem saõ proprios para searas; daõ-se nelles a ulmaria, quejadilho, valeriana dioica, &c.

2º Sitios terrestres.

Montes, oiteiros (montes, colles, solum montanum, s. collinum), saõ lugares elevados, na parte superior lavados dos ventos, sabulosos, e seccos; daõ-se nelles a carlina, arnica, &c.

Montanhas, serras nivosas (alpes, juga montium, solum alpinum), saõ os lugares mais altos da terra, que ordinariamente estaõ nevoados, cobertos de neve no cume (a qual em alguns se derrete inteiramente no estio, em outros jamais se acaba de derreter) asperos, lavados dos ventos, e sem arvores na parte [p. 224] superior; daõ-se nelles algumas especies de azedas, violetta, alchimilla, &c.

Rochas, penhas (rupes, rupestre solum), saõ lugares alcantilados, pedregosos, e aridissimos; daõ-se nelles a cymbalaria, aloe, mesembryanthemum, sedum, &c.

Campos, campinas (campi, campestre solum), saõ lugares incultos descobertos, seccos, e hum tanto asperos; daõ-se nelles a bisnaga, bonina, e muitas outras plantas ordinariamente herbaceas.

Prados (prata, pratense solum), saõ terras baxas incultas, valles humidos cobertos de plantas herbaceas viçosas, e serrados para que nelles naõ entre o gado no estio; daõ-se nelles o ranunculus acris, o lotus corniculatus, scabiosa succisa, escorcioneiras, trevos, e outras muitas plantas, que constituem o copioso feno que nos paizes do norte da Europa cortaõ no estio, seccaõ, e recolhem para sustentar os gados no inverno.

Pastos (pascua), saõ campina abertas com plantas destinadas a nutrir os gados, hum tanto sabulosas, e menos ferteis do que os prados; daõ-se nelles a prunella, euphrasia, &c.

Searas (agri, segetes, agreste solum), saõ terras lavradas em que se semeão legumes e sementes, de que se costuma fazer paõ; daõ-se nellas as esporas, joyo, verdeselha, hervinha, &c.

Alqueives (arva, arvense solum), saõ terras lavradias, que se deixaõ descançar algum tempo; nas terras alqueivadas costumaõ dar-se o raphanus raphanistrum sinapis alba et arvensis, o murriaõ, algumas especies de macella, o abrolho, a agulha de pastor, &c.

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Jardins, hortas (horti, culta, solum hortense), saõ terrenos muito estercados, cavados, regados, e cultivados todo o anno; daõ-se nelles as ortigas, murujem, amor de hortelaõ, &c.

Esterqueiras (fimeta), saõ os lugares em que se accumulaõ os excrementos dos gados, misturados com alguns estragos de vegetaes; daõ-se nelles as ortigas, o estramonio, asperugo, &c.

Bordas dos caminhos (versurae), vallados e seves (aggeres, sepes) saõ considerados como lugares estercados, e o mesmo saõ as bordas das cazas, dos muros, ruas, praças e mercados (ruderata, ruderale solum), as plantas proprias destes lugares saõ por ex. a poa annua, erysimum officinale, lolium perenne, almeiraõ, tanchagem, &c.

Mattas ou arvoredos raleados (sylvoe, solum sylvestre), saõ lugares que constaõ de hum terreno sabuloso, duro, aspero, pouco fertil, sombrio, com arvores ralas, e de raizes á flor da terra; entre estas arvores daõ se algumas especies de urze, de hypnum, melampyrum sylvestre, &c.

Brenhas, espessuras, bosques densos (nemora, nemorosum solum), saõ lugares cobertos de hum matto alto e muito espesso, o seu terreno he humido, hum tanto balofo, naõ exposto aos rayos do sol nem aos ventos no estio, e juncado de folhas no inverno; as plantas que se daõ entre as arvores das brenhas florecem ordinariamente na primavera, saõ pallidas e de huma contextura fragil, como saõ v. g. a convallaria polygonatum, pulmonaria officinalis, paris, sanicula europaea, asarum, fumaria bulbosa, &c.

Matto baxo (fruteta, ericeta, virgulta, dumesa) saõ [p. 226] lugares duros e asperos, cobertos de arbustos ou arvores baxas, como saõ entre nos os tojaes, urzaes, &c.

Queimadas (ambusta), saõ os lugares, cujo matto foy destruido com fogo, a fim de os fertilizar com as cinzas dos vegetaes queimados, e de os dispor para pastos, ou searas.

3º Sitios parasiticos.

Os sitios parasiticos (loca parasitica), saõ o corpo de qualquer vegetal, ao qual huma planta parasita esta adunada, ou aferrada de modo que delle tira a substancia com que se nutre; estes lugares saõ humas vezes o tronco, e ramos das plantas lenhosas, como aquelles em que se vê o viscum, lichen, boletus, &c. outras vezes o tronco, ramos, e folhas de plantas herbaceas, como aquelles em que se da a cuscuta, e as vezes mesmo saõ as raizes, como aquellas a que estaõ apegadas a orobanche maior, e a lathraea clandestina.

Por terreno (terra, solum), os botanicos entendem a natureza do chaõ proprio a qualquer planta, e o destinguem ordinariamente em quatro sortes, a saber, arêa, argilla, greda, e terra vegetosa.

A area (arena), he hum composto de pequenos graõs seccos, duros, quarzozos, e desadunados; ella varia quanto a grandeza dos seus graõs, como se vê na area das empulhetas, na das escrivaninhas, na das prayas, e na area grossa a que chamamos saibro. Ordinariamente acha-se misturada com alguma das outras terras, e he neste estado misto de terreno que nasce e vegeta bem hum grande numero de plantas, como a canneira, pinheiros, urzes, digital, serpaõ, tojo, espargo, herva turca, &c.

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A argilla (argilla), he huma terra unctuosa e de grande tenacidade quando humedicida, susceptivel de endurecer consideravelmente, e naõ faz effervecencia com os acidos; acha-se sempre misturada mais ou menos com outras terras, e lhe damos algumas vezes o nome de piçarra. Quando ella se acha misturada com huma boa porçaõ de cré, daõ-lhe o nome de marga (marga), e neste estado costuma servir para fertilizar as terras. Os terrenos argillosos saõ favoraveis á vegetaçaõ de hum grande numero de plantas, taes como os papoilas, verbascos, bolsa de pastor, &c.

A greda ou cré (creta), he huma terra arida, que se acha nos oiteiros seccos e pouco fecundos; quando he para faz effervescencia com os acidos; suppoem-se ter a mesma origem, que as pedras calcareas; acha-se ordinariamente misturada com outras terras, e neste estado he conveniente á vegetaçaõ da verbena, esferro cavallo ou ferradurina, da reseda, e muitos outros vegetaes.

A terra vegetosa (humus), acha-se por toda a superficie do globo terrestre em mais ou menos quantidade, e deve a sua origem á descomposiçaõ dos vegetaes e animaes. E sua cor varia em razaõ das terras, com que se acha misturada, parece contudo que a mais pura he a que tem huma cor denigrida. He summamente fertil

Kylbel he de opiniaõ que o principal alimento dos vegetaes consiste nas particulas finissimas, e subtis da terra vegetosa. ( Dissert sobre a causa da fertilidade das terras.)
, e nella se da naturalmente bem a maior parte dos vegetaes
Se nos tempos primitivos do globo terrestre cada hum dos vegetaes teve o seu clima, sitio, e terreno proprio, a natureza parece ter-se eximido deste habito pouco a pouco, porquanto vemos hoje plantas, que se daõ igualmente bem por toda a parte.
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Do que tenho exposto athe aqui sobre a habitaçaõ natural dos vegetaes se collige claramente, que differindo ella segundo os diversos climas, sitios, e terrenos, toda a habitaçaõ artificial deve imitar as suas diversidade o mais que for possível. A habitaçaõ artificial, de que fallo aqui, saõ todos os jardins botanicos, em que ha hum grande numero de plantas exoticas, ou aquaticas naturaes do paiz e de terrenos particulares, e que porisso mesmo requerem os soccorros da arte para se poderem conservar. Estes soccorros consistem principalmense em que cada canteiro ou alegrette do jardim naõ conste so de huma casta de terra mas de muitas differentes, de maneira que cada planta tenha a terra que lhe he propria. As que saõ naturaes dos bosques, e requerem sombra devem ser guarnecidas de huma sombrella

He hum vazo de barro, huma grande choca de lata, ou hum cesto cylindrico de vime, abertos de ilharga, que servem para fazer sombra ou para abrigar a planta dos ventos.
; as que se daõ em agoas enxarcadiças ou lagoas devem manter-se em fossos, ou lagos feitos adequadamente de modo que as agoas nelles sejaõ estagnantes; as que se daõ na borda dos rios ou d'agoa corrente das fontes devem por-se nos regatos de alguma fonte, ou do chafariz do jardim, ou nas magens de algum lago de agoa agitada. As plantas indigenas da Zona Torrida, e paizes quentes da Africa, Asia, e America, devem no inverno se enserradas em estufas de calor [p. 229] regulado. Nos jardins Botanicos do norte da Europa costumaõ ordinariamente haver tres sortes de estufas, a saber, a estufa forte (caldarium), a estufa temperada (tepidarium), e a estufa froxa (frigidarium). Na primeira costumaõ enserrar aquellas plantas, que nem ainda no estio podem expor-se sem danno ao ar livre do jardim, e porisso as conservaõ todo o anno enserradas, e aquecidas com hum calor regulado de 12 athé 36 graos, segundo o thermometro de Reaumur. Na segunda saõ contidas algumas plantas succulentas da Ethyopia, e outras que costumaõ no estio expor-se ao ar livre do jardim, cobertas com estufins
Saõ campanas de vidro, ou pequenas guaritas envidraçadas, com as quaes se costumaõ nos jardins cobrir as plantas indigenas dos paizes quentes a Asia, Africa, e America.
, ou sem elles; durante o tempo em que estaõ nesta estufa saõ aquecidas com hum calor de 4 athe 12 graos.
Na terceira saõ reclusas todas aquellas plantas que exigem menos calor, como o loireiro, romeira, oliveiras, e algumas outras dos paizes quentes do sul da Europa; ellas saõ aquecidas somente desde Outubro athe Mayo pouco mais ou menos, e requerem desde 2 athe 10 gráos de calor em quanto estaõ na estufa. Nos paizes meridionaes da Europa, principalmente em Portugal, aonde os calores saõ mais intensos, e os invernos incomparavelmente menos frios do que nos paizes do norte da Europa naõ ha precizaõ de tanto apparato nem de tantos gastos de estufas, e os jardins Botanicos, que se achaõ hoje sabiamente estabelecidos em Lisboa, e seus suburbios bastaõ para verificar esta assersaõ
Naõ faço aqui mençaõ de muitas outras circumstancias relativas aos jardins botanicos por me parecem menos proprias do presente tractado, e demais disso ellas saõ hoje bastantemente conhecidas em Portugal, o sabio Naturalista que tem a inspecçaõ do Jardim Real do Palacio da Ajuda, e do da Universidade de Coimbra naõ nos deixou nada que dezejar nesta materia.
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CAPITULO XX. Do Habito dos Vegetaes.

O Habito de huma planta parece naõ ser outra coiza, no rigor do termo, senaõ a sua estructura considerada externa, e internamente durante o tempo da sua vida; estructura, por meyo da qual ella differe de todos os individos de diverso genero, diversa especie ou variedade, e se conforma pelo contrario com todos os que pertencem ao mesmo genero, especie ou variedade, a que ella he relativa. Esta estructura considerada exteriormente he a configuraçaõ, e face externa das partes da planta presentadas aos nossos sentidos, sem estrago anatomico, sem soluçaõ de continuidade, nem descomposiçaõ chymica: considerada internamente he a sua organizaçaõ e constituiçaõ, em que se comprehendem as partes organicas e constitutivas, escondida a nossos sentidos pela continuidade de superficie, e sò patenteadas por meyo de estragos anatomicos, roturas, e descomposiçoẽs chymicas. Estes dous modos de considerar a estructura de hum vegetal indicaõ, que o seu habito devera por conseguinte ser dividido em externo e interno, estabelecendo-se o primeiro sobre [p. 231] tudo o que diz respeito à estructura externa, e o segundo no que respeita somente á interna. Mas os Botanicos naõ costumaõ fazer estas differenças, nem seguir este rigor, elles fazem so mençaõ do habito externo (habitus, s. facies externa), e huns entendem por elle toda a configuraçaõ exterior que hum vegetal prezenta á primeira vista, ou toda a razaõ de semelhança e dessemelhança que elle tem com outros nas suas partes, sem exceptuar as da fructificaçaõ, outros daõ o nome de habito externo somente ás razoẽs de affinidade ou desconformidade, que os vegetaes tem entre si em hum certo numero de partes, comprehendem promiscuamente no habito externo algumas relaçoẽs, que rigorosamente so pertencem

Como saõ a succulentia e sabores.
ao habito interno, e excluem delle as partes da fructificação. As principaes relaçoẽs em que consiste o habito dos vegetaes, segundo Linneo, saõ a germinaçaõ, o cotyledonismo, radicaçaõ, ramificaçaõ ou situaçaõ dos ramos, intorsaõ, gomoscencia ou a formalidade e disposiçaõ dos gomos, folheatura, estipulatura, tichismo, hispidez, armatura, glandulaçaõ, succulencia, e inflorecencia
Linneo fallando do habito dos vegetaes naõ fez mençaõ alguma da fructificaçaõ, e nos exemplos que deo do caracter habitual se vê claramente tela excluído do habito externo dos vegetaes. Vej. Phil. Bot. num. 168.
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Eu já tractei de algumas destas relaçoẽs nos capitulos precedentes; nos seguintes so farei mençaõ das que omitti, ou naõ expliquei cabalmente, e ajuntarei demais disso algumas, que naõ deixaõ de ser uteis para fazer conhecer a natureza dos vegetaes.

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CAPITULO XXI. Da Germinaçam, e Cotyledonismo.

TODOS os vegetaes que hoje existem saõ originarios ou de bolbos, ou de gomos, ou de sementes; huns foraõ continuados

As plantas dizem-se continuadas por qualquer sorte de raizes e ou pelos gomos, e propagadas pelas sementes; pelo que hum bacelo ou arvore enxertada naõ he rigorosamente huma nova planta, mas sim huma planta continuada, do mesmo modo os bolbos caulinos, e as folhas, que cahindo por terra nella brotaõ, continuaõ a sua especie e naõ a propagaõ; porque as plantas verdadeiramente novas ou propagadas saõ as que naceraõ de sementes.
por plantaçaõ, dispersaõ, ou enxertia, outros propagados por meyo de semeaçaõ. As sementes achando-se em hum estado penamente maduro naõ precizaõ de outras maõ, que as semêe mais do que a da natureza; humas saltaõ elasticamente hum tanto alem do lugar que as produzio, outras por meyo de suas alas, caudas, pappilhos, e outros appendiculos saõ impellidas pelos zephyros a differentes distancias, e outras em fim saõ espalhadas pelas correntes e ventos; para as cobrir de terra
As sementes taõbem saõ semeadas artificialmente pelos homens como he notorio, ou casualmente pelos animaes quando ellas se apegaraõ aos seus pelos, ou depois de terem sido engolidas, mas neste segundo cazo nem sempre conservaõ o seu principio vital, potencial e germinativo, porque o calor do ventriculo, e intestinos lhes destroe o dicto principio. As toupeiras, minhocas, porcos, coelhos, e outros animaes que mechem, fossaõ, e cavaõ a terra contribuem taõbem por casualidade a cobrir hum grande numero de semente.
, saõ bastantes os chuveiros, ventos e correntes; [p. 233] e nisto consiste a semeaçaõ natural (seminatio, satio).
Tendo sido cobertas de terra, podem nella persistir sem germinar differentes espaço de tempo, segundo a sua contextura e natureza, humas hum so dia, outras dois, tres, &c. athe cincoenta dias, outras em fim hum, dois annos ou mais
Miller distribue as semente quanto á sua duraçaõ em tres clas-ses; na 1º poem as que germinaõ no outono, ou logo depois da sua madureza; na segunda as que germinaõ no anno seguinte; e na 3º as que se podem semear no segundo anno, ou mais tarde. A differente duraçaõ ou conservaçaõ da virtude germinativa das sementes depende de muitas circunstancias, como por ex. da sua natureza mais ou menos oleosa, farinhosa, e resinosa, da solidez ou da debil contextura da sua casca, da profundidade em que estaõ na terra sepultadas e protegidas contra o calor, frio, humidade, estado de fermentaçaõ, de fricçaõ, vermes, &c. &c. Ha algumas que apenas estaõ maduras germinaõ logo ainda mesmo dentro das suas capsulas, como as da avicennia tomentosa; ha outras que pouco tempo depois que cahem da planta materna perdem a virtude germinativa, como o caffé, e ha outras em fim que a conservaõ muitos annos tanto na terra como fora della. Norbergio observou que as sementes da herva sancta germinaõ, depois de estarem oito annos debaxo da terra: Munchausio assegura, que as do chrysanthemum segetum se conservaraõ debaixo da terra vinte annos ferteis, segundo Olmi as da malva crispa conservaraõ a sua fertilidade prolifica desasette annos. Brockio attesta que as dos goiveiros encarnados germinaraõ, passados dez annos, e deraõ flores dobradas. Du Hamel diz que as de huma especie de mimosa se conservaraõ ferteis vinte annos: segundo Triewal (Philos. Transact. vol. XLII) as do melaõ germinaraõ depois de 42 annos; e segundo Home as do centeio guardadas 140 annos naõ perderaõ a sua fertilidade. Nestas assersoẽs poderá haver exaggeraçaõ, mas ellas indicaõ ao menos que a virtude germinativa pode conservar-se muitos annos nas sementes; e por meyo dellas se poderaõ explicar as maravilhosas reproducçoẽs de algumas plantas, cuja raça se julgava de todo extincta. Entre as sementes que mais tempo podem conservar a sua vis germinativa as de algumas cryptogamicas tem o primeiro lugar, porque podem durante algus seculos resistir aos frios, e aos mais intensos calores sem a menor alteraçaõ.
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A germinaçaõ (germinatio), parece começar na fermentaçaõ propria para pôr em [p. 234] acto
Alguns physiologistas dizem que as sementes, ainda fora da terra, e desde o tempo que se separaraõ da planta materna athe ao momento primario da fermentaçaõ, naõ deixaõ de ter vida, mas isto so se pode conceder tomando o termo vida em hum sentido extenso por potencia intrinseca germinativa.
ou despertar, pelo assim dizer, o principio vital potencial, que se acha no corculo da semente.
A humidade penetrando pelas suturas da casca (se as ha), e pelo embigo da semente, ajudada do calor competente estabelece hum movimento intestino nas cotyledones, e na plantula seminal, amollece-as pouco a pouco, e dá principio á vegetaçaõ; amollecidas e inchadas sufficientemente as cotyledones, rebentaõ os tegumentos, e a radicula e plumula começaõ a engrossar e prolongar-se, nutridas pelos succos lacteos, que lhes saõ transmittidos pelas cotylédones; huma dirige-se para baxo a fim de formar a raiz, e a outra destinada a ser tronco cresce para cima e surde da terra, pondo fim ao periodo da germinaçaõ seminal.

A disposiçaõ e forma das cotylédones no estado da germinaçaõ he chamada cotyledonismo (placentacio, s. cotyledonismus); mas antes de tractar desta disposiçaõ em particular he precizo advertir, que as sementes humas saõ chamadas acotyledones (acotyledones), quando parecem constar somente de corculo, por naõ serem nellas as cotyledones bem sensiveis, como saõ as dos musgos

Em todas as sementes ha cotyledones, ainda mesmo nos musgos, segundo Meese, e Hedwig; mas como nestas e outras sementes semelhantes as cotyledones naõ saõ bem apparentes, e ou se consomem na terra sem jamais se verem, ou precizaõ de hum microscopio para se poderem destinguir no periodo da germinaçaõ, continuar-lhes-hemos a dar o nome de acotyledones, conforme o uso de muitos Botanicos.
, e de outras plantas [p. 235] cryptogamicas; outras monocotylédones (monocotyledones), quando tem huma so cotyledone, como saõ as da cebola, palmeiras, trigo, cevada, e de todas as gramineas e liliaceas; outras dicotyledones (dicotyledones), quando tem duas cotyledones, como o feijaõ, fava abobara, nabo, couve, salva, pereira, &c,; outras em fim saõ denominadas polycotyledones (polycotyledones)
Eu uso aqui deste termo na accepçaõ que lhe dá Linneo; porque segundo alguns Botanicos modernos as polycotyledones saõ todas dicotyledones divididas em lacinias. Adanson diz que as sementes do pinheiro saõ dicotyledones com duas cotyledones partidas em lacinias profundas, e que as do pinus cedrus tem seis lacinias, e as do pinus strobus seis athe dez.
, quando tem mais de duas cotylédones, como as do pinheiro, acypreste, e linho
O Dr. Jussieu, e alguns outros Botanicos applicaõ estes termos naõ so ás sementes, mas taõbem as plantas que daõ semente acotyledones, monocotyledones, e dicotyledones; pelo que o polytrichum he acotyledone, a cebola monocotyledone, e o feijoeiro e pinus dicotyledone. Segundo o dicto Botanico as classes primitivas naturaes, devem ser fundadas no numero das cotyledones. Linneo contudo naõ parece ser desta opiniaõ, porquanto diz que no mesmo genero natural podem haver especies com sementes, que diffiraõ no numero das cotyledones, como saõ por ex. as especies de cactus e pinus.
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Nas sementes monocotylédones no estado de germinaçaõ a cotylédone fica sempre dentro do tegumento, consome-se, ou converte-se toda em alimento da tenra plantula, e por este motivo he que Linneo diz que as monocotyledones na germinaçaõ saõ rigorosamente acotyledones; a sua plumula consta de hum sò foliolo, e naõ ha por conseguinte mais do que huma so folha seminal, devendo-se considerar as outras immediatas, como folhas radicaes. No trigo, cevada, e todas as mais gramineas a cotyledone he furada pela [p. 236] plumula e radicula (perforata), e igualmente o tegumento, o qual vem por fim a ficar sem cotyledone, occo e exsucco; ella he unilateral nas palmeiras (unilateralis) e reductosa (reducta), na cebola.

Nas sementes dicotyledones no estado de germinaçaõ as duas cotyledones contribuem para a preparaçaõ dos succos nutritivos da plumula e radicula, e ordinariamente passaõ depois a ser folhas seminaes bastardas

Segundo Linneo (Philos. Botan. n. 136), cotyledones et folia seminalia sunt synonyma in plantis; eu ja expuz o que pensava a este respeito, quando tractei das sementes; esta assersaõ applicada ás cotyledones de todas as semente dicotyledones parece ser sujeita a algumas excepçoẽs, ainda mesmo no cazo que lhes queiramos dar o nome de folhas seminaes bastardas; porquanto ha algumas que em lugar de tomarem a apparencia de folhas saõ caduças, ou se engilhaõ dentro de pouco tempo, como se vê nas das ervilhas, e nas de algumas especies de feijaõ.
, que differem sempre na forma das folhas seminaes verdadeiras, e das radicas e caulinas. Quanto á disposiçaõ, as cotyledones destas sementes dizem-se ser: inalteradas (immutatae), quando conservaõ desde o principio da germinaçaõ athe ao fim della quasi a mesma configuraçaõ e disposiçaõ, e saõ oppostas ás franzidas, dobradas ao meyo, &c. como por ex. saõ as das semente das plantas da Didynamia, e das que tem por pericarpo huma vagem, pomo, ou drupa: franzidas (plicatae), quando nellas se divisaõ algumas pregas, como nas do algodoeiro; dobradas ao meyo (duplicatae), como nas da malva, rabaõ, e em todas as semente das plantas cruciferas: obvolvidas (obvoluae), ou quasi enganchadas huma com outra, como na helxine: espiraes ou encaracolladas (spirales) quando formaõ huma especie de rosca, como [p. 237] na salsola, e nas Holeraceas (de Linneo): bipartidas (bipartitae), na pentapetes phaenicea: reductosas (reductae), no coentro, salsa, e outras umbrelladas; quando as cotyledones saõ reductosas, a radicula esta na ponta da semente, e a plumula na base. O cotyledonismo ordinariamente he uniforme nas sementes das especies do mesmo genero e familia natural; vemos contudo algumas excepçoẽs nas do pinus, cactus, e geranium, neste ultimo as cotyledones humas saõ pinnatifidas, trifendidas, pecioladas, lobadas com cinco lacinias, outras saõ cordiformes, crenadas, hirsutas, &c. No aesculus hippocastanum huma das cotyledones he maior do que outra.

CAPITULO XXII. Dos Gomos, e do seu brotamento.

O principio de vida, por meyo do qual se conservaõ perennemente as especies vegetaes, reside na sementes, nos gomos, e bolbos. Alguns physicos pensaõ que estes tres meyos de que se serve a natureza para perpetuar a vida dos vegetaes saõ essensialmente a mesma coiza, e lhes daõ o nome de gomos seminaes, radicaes, e caulinos: elles observaõ que em alguns alhos, e ainda em algumas plantas Cryptogamicas a a natureza no lugar onde costuma produzir flores, dá bolbos ou gomos os quaes reproduzem as especies taõ perfeitamente como as sementes, que nas axillas das folhas ou ramos, lugar proprio dos gomos, se vem algumas vezes bolbos decadentes, os quaes cahindo [p. 238] na terra reproduzem a sua especie, como os bolbos radicaes ordinarios; que a estructura dos bolbos radicaes he summamente analoga à dos gomos caulinos; que os gomos radicaes das plantas vivaces, e os bolbos ordinarios saõ de huma natureza identica; que nalgumas sementes como v. g. nas das nymphaea nelumbo se vem antes da germinaçaõ algumas folhas perfeitas assim como se observaõ nos gomos, e que se ha gomos floraes, ha do mesmo modo taõbem bolbos floraes, como v. g. saõ os da tulipa

Este bolbo com effeito contem no seu centro huma flor bem visivel sem soccorro algum de lente; todas as vezes que no outono ou inverno dessequei com cautella os seus cascos externos e internos, sempre nelle observei bem destinctamente as petalas, antheras e pistillo da flor. Alguns asseguraõ taõbem ter observado o mesmo em muitos outros bolbos, e ainda mesmo nas raizes da anemone hepatica, e d'algumas especies de pedicularis.
. A brevidade, e estreito limites deste Compendio naõ me permittem de poder discutir esta materia com a extensaõ que ella merece, somente observarei aqui que a natureza chega aos mesmos fins por meyos humas vezes analogos e accidentalmente differentes, outras vezes essensialmente diversos quanto à estructura, e modo: o modo v. g. com que as sementes saõ formadas e fecundadas, os seus tegumentos e cotyledones bastaõ para as fazer distinguir dos bolbos e gomos; a estructura destes e circunstancias relativas ao modo com que saõ produzidos naõ deixaõ taõbem de estabelecer entre elles caracteres sufficientes para os destinguir essensialmente, como depois explicarei; postoque se naõ possa negar que a germinaçaõ das semente, e o brotamento dos bolbos e gomos tenhaõ grande analogia entre si.

[p. 239]

Os gomos (gemmae)

Nos taõbem damos aos gomos o nome de olhos (oculi) novedios, grelos, botoẽs, e borbulhas, mas o termo de gomo he o mais proprio, e o mais geral; o termo olhos he ordinariamente so applicado a vide; novedios e grelos parece-me que se devéram reservar para os gomos das plantas herbaceas; botam, somente se deve applicar aos gomos floraes, e a qualquer flor antes de desabotoar: borbulha so se diz dos gomos dos enxertos, e na phrase enxertar de borbulha: o vulgo costuma dar aos bagos da laranja e limaõ o nome de gomos, mas basta ter humas leves noçoẽs de Botanica para conhecer que isto he huma impropriedade, e corrupçaõ de termo.
, segundo a accepçaõ mais rigorosa do termo, saõ hum principio de folhas, de peciolos, estipulas ou flores, envolto nas escamas corticaes de hum tronco lenhoso. Estas escamas saõ de ordinario hum tanto seccas, papyraces, imbricadas humas sobre outras, guarnecidas por dentro de huma especie de felpa curta, e as vezes de hum succo unctuoso, ou viscoso afim de resgardarem dos frios, e neves durante o inverno as mimosas partes que enserraõ, taes saõ por ex. os gomos dos choupos, amendoeiras, freixos, loireiros, pereiras, ulmeiros, &c. A maior parte das arvores da Europa, e paizes frios tem gomos, mas debaixo da Zona torriada, e climas quentes da Asia, Africa e America saõ raras as arvores que daõ gomos, porquanto nestas o movimento da seiva continua em todo o anno com grande uniformidade, ou quasi igual, o que naõ succede nas dos paizes frios, aonde ha invernos desabridos, durante os quaes a vegetaçaõ he suspendida, e o movimento da seiva summamente lento.

Os gomos da mesma sorte que os bolbos saõ hum verdadeiro abrigo contra os rigores do inverno ao [p. 240] embryaõ que envolvem, e porisso Linneo lhes chamou com propriedade invernadoiros (hybernacula)

Hebenstreit diz contudo que as sementes taõbem saõ invernadoiros, porque as cotyledones e tegumentos abrigaõ a plantula nelles reclusa durante hum ou mais invernos.
: saõ contudo, como acima disse, essensialmente differentes entre si, e differentes das sementes; as razoẽs que ordinariamente os Botanicos assignaõ desta differença podem reduzir-se ás seguintes: 1º. que as plantas rigorosamente se dizem nascer ou ser propagadas por sementes, e continuadas por bolbos e gomos: 2º. que a semente começa huma nova planta, e que o bolbo e gomo continua a antiga: 3º. que a semente he hum ovo vegetal, que conserva hum embryaõ fecundado dentro de huma casca secca, pegado a cotyledones, e que o gomo pelo contrario o conserva dentro de escamas seccas pegado á medulla; que o embryaõ do bolbo esta dentro de tunicas polposas, e succulentas pegado a huma ou mais raigotas; e que ambos os embryoẽs tanto do gomo, como do bolbo naõ saõ fecundados: 4º. que os bolbos saõ formados da base das folhas velhas de huma planta morta, os gomos enserraõ principios de folhas novas de huma planta viva, e que as sementes procedem da flor e enserraõ cotyledones: 5º. que os bolbos estaõ postos sobre radiculas dentro da terra, os gomos sobre o tronco e as sementes no estado e plena madureza naõ estaõ sobre a raiz, e cahem do tronco: 6º que nem os bolbos nem a plantula seminal arrancada da semente podem enxertar-se, assim como podem ser os gomos arrancados das arvores ou arbustos.

[p. 241]

Os gomos dizem-se terminaes (terminales), quando se achaõ situados nas pontas do tronco ou ramos: ordinariamente saõ solitarios, contudo na syringa vulgares achaõ-se dois a dois, e no aesculus pavia tres a tres.

Axillares (axillares), quando existem nas axillas, ou angulos formados pelo tronco e base das folhas ou seus peciolos, como se vê em hum grande numero de arvores.

Oppostos (oppositae), quando se achaõ dois no tronco ou ramos, fronteiros hum ao outro, e saõ ou peciolares (petiolares), como no buxo, medronheiro, freixo, loireiro, sabugueiro, madresylva, &c. ou estipulares (stipulares), como no rhamnus catharticus, e cephalanthus.

Alternos (alternae), quando estaõ postos nos dois lados do tronco ou ramos, gradualmente alternados, do modo que expliquei fallando das folhas alternas, e saõ ou peciolares (petiolares), como no salgueiro, nogueira, aroeira, &c. ou estipulares (stipulares, s. stipulaceae), como no choupo, ulmeiro, carvalho, figueira, amoreira, castanheiro, &c. ou peciolares com estipulas na base do peciolo (stipulaceo-petiolares), como na pereira, maceira, roseira, sylva, sorveira, &c.

Nullos (nullae), quando naõ existem na arvore ou arbusto.

Folheares (foliares, s. foliiferae), quando somente contem folhas, como os da figueira e betula alnus. Estes gomos saõ mais agudos do que os seguintes.

Floraes (florales, s. floriferae) quando somente contem flores, como os do damasqueiro, pessagueiro, [p. 242] amendoeira, &c. Estes gomos saõ hum tanto obtusos, e verdadeiros botoẽs, elles contem ou flores femininas como na aveleira e carpe, ou masculas como no pinheiro e abeto, ou emfim flores hermaphroditas como no ulmeiro, amendoeira, pessegueiro, &c. Ordinariamente succede que estes gomos daõ taõbem folhas, e porisso se lhes dá nesta circumstancia o nome de mixtos (communes, s. foliifero-floriferae.)

Ha muitas arvores, cujos gomos huns saõ folheares outros floraes, como o pessegueiro, ulmeiro, amendoeira, &c.; sabe se contudo pela observaçaõ, que os gomos folheares podem tornar-se floraes, e que estes podem taõbem vir a ser puramente folheares. Hum ramo de ulmo, de salgueiro, e de outras muitas arvores sendo plantado em huma terra competente naõ dará durante muito tempo mais do que gomos folheares, sem embargo de que na arvore, donde o cortaraõ, dava muitos gomos floraes, e os daria ainda, se nella estivesse. Os arbustos plantados em vazos, ou caxas daõ todos os annos gomos floraes e fructos, mas se os tiramos fora dellas, e os plantamos numa terra pingue, e á larga, naõ daraõ durante muito tempo senaõ gomos folheres; se os tornamos a metter em caxas ou vazos recomeçaraõ a dar, como dantes, gomos floraes e fructos. Hum ramo de huma arvore fructifera torcido, curvado, ligado ou privado de hum pequeno cincho de casa, mudará muitos dos seus gomos folheres em floraes, e por conseguinte dara fructos não somente mais depressa, mas taõbem em maior abundancia. Sobre esta observaçaõ fundaraõ os antigos a cultura das videiras, podando-as e empando-as, porque por meyo da poda a empa se diminue a [p. 243] seiva, e se modera o seu movimento nimiamente accelerado, que aliás nutriria a planta em demasia, e lhe faria viçar todos ou quasi todos os seus gomos floraes, tornando-os em folheares.

Folheatura dos gomos.

A palavra gomo tomada numa accepçaõ extensa comprehende, alem dos gomos do tronco das arvores e arbustos os das suas raizes, os do tronco e raizes das plantas herbaceas, aos quaes chamamos

A palavra grelo significa naõ so hum gomo herbaceo, mas ainda o talo ou troco tenrinho, em cuja ponta se acha o dicto gomo; as vezes damos taõbem este nome á plumula das sementes germinadas, e neste sentido dizemos: o milho esta grelado, a cevada começa á lançar grelo, &c.
grelos e novedios (asparagi, s. turiones) e ainda mesmo os botoẽs das flores.

Passado o inverno, e amornando-se a atmosphera, a seiva começa a ter maior movimento, faz inchar pouco a pouco os gomos, e se restabelece a vegetaçaõ, que os frios tinhaõ suspendido. Brotaõ emfim os gomos, e neste brotamento os botanicos observaõ que ha huma complicaçaõ nas folhas, a qual como invariavel naõ deixa de ser propria para se poderem tirar della caracteres habituaes, e lhe chamaõ folheatura dos gomos (foliatio, s. vernatio). He facil de observar esta complicaçaõ, se cortamos transversalmente com hum canivete os gomos brotados na raiz e tronco; em huns e outros as folhas saõ [p. 244] complicadas differentemente, o que foy a causa de lhes darem as diversas denominaçoẽs seguintes.

Involutosas (involuta), quando as duas margens lateraes de qualquer das folhas se enrolaõ para dentro na sua face superior, e formaõ duas pequenas volutas longitudinaes, como saõ as do choupo, violetta madresylva, maceira, tanchagem, urtiga, &c. Ellas saõ ou oppostas ou alternas segundo a situaçaõ, que depois vem a ter no tronco ou ramos.

Revolutosas (revoluta), saõ o contrario das precedentes; tem as suas duas margens lateraes enroladas para fora ou para a banda da face inferior, e formaõ duas pequenas volutas logitudinaes, como no alecrim, loendro, azedas, alfavaca de cobra, &c. Ellas podem ser ou oppostas, ou alternas.

Obvolvidas ou enganchadas (obvoluta), quando duas folhas se achaõ hum tanto dobradas, e cada huma dellas recebe na cavidade da sua dobra a metade da outra, de sorte que ficaõ logitudinalmente enganchadas, como se vê na salva, craveiro, escabiosa, &c.

Enroladas (convoluta), quando duas folhas se enrosçaõ huma na outra

As denominaçoẽs de involutosas, revolutosas euroladas, dobradas ao meyo, e franzidas saõ igualmente aplicadas a huma ao folha.
, e figuraõ hum papeliço acappellado, como se vê na caneira, na canna indica, pé de bezerro, e na maior parte das gramas.

Dobradas ao meyo (conduplicata), quando saõ dobradas em duas metades iguaes, e approximadas desde a sua nervura dorsal athe ao fio das magens, como na faya, aveleira, gingeira, roseira, sylva, [p. 245] potentilla, &c. Nas folhas compostas os foliolos saõ approximados huns aos outros desde o peciolo commum athe as suas pontas, como no freixo, çumagre, nogueira, &c.

Imbricadas (imbricata), saõ parallelas, encostadas a prumo humas ás outras, e as interiores menores, como no loireiro, nespereiro, gilbarbeira, alfeneiro, &c.

Acavalleiradas (equitantia) saõ conchegadas, e humas cobrem as outras de modo que as duas margens da folha exterior abarcaõ as duas da folha interior, e convergem sobre a nervura dorsal della, como nos lirios, junças, e algumas gramas. Estas folhas segundo a figura, que presentaõ juntas, saõ denominadas bigumeas ou trigumeas (ancipitia, aut triquetra).

Franzidas (plicata), quando tem logitudinalmente muitas pregas, como a malva, a althea, videira, alchimilla, &c.

N. B. A estas oito sortes de folheatura alguns botanìcos ajuntaraõ taõbem a das folhas reclinadas, e frondes circinaes que brotaõ das raizes, e devem ser observadas sem as cortar no periodo em que começaõ a romper á superficie da terra.

Folhas reclinadas (reclinata), tem as margens e disco coarctados ou engruvinhados, e formaõ huma especie de cabeça encurvada, para o peciolo, como as do acónito, anemone, &c.

Frondes circinaes (frondes circinales, s. foliatio circinalis), brotaõ de modo que ficaõ com a ponta, e [p. 246] divisoẽs lateraes encaracolladas. Estas frondes ou folhas quando o espique ou peciolo que as sostem começa a elevar-se hum tanto, figuraõ de algum modo hum bago de bispo, saõ proprias dos fetos e palmeiras.

Petaleaçam ou abotoaçam da corolla.

A petaleaçaõ ou abotoaçaõ da corolla (aestivatio), he o estado de complicaçaõ em que ella se acha immediatamente antes de desabotoar. Diz-se valviforme (valvata), se as suas petalas presentaõ no dicto periodo huma configuraçaõ semelhante ás das valvulas de hum casûlo: inequivalve (inaequivalvis), se figura valvulas de diversa grandeza: retorcida (contorta), quando as petalas ou lacinias saõ torcidas entre si, como no loendro, congossa, &c. Ella tem ainda algumas denominaçoẽs semelhantes às da folheatura dos gomos, que facilmente se poderaõ entender pela explicaçaõ acima dada.

CAPITULO XXIV. Do Collapso ou Sono das folhas.

O tempo de vela das folhas (foliorum vigiliae), segundo os botanicos, he o espaço, diurno em que ellas tem as suas folhas abertas, e o de sono pelo contrario he ordinariamente todo o espaço da noyte. Este estado de sono das folhas (somnus foliorum), consiste em hum collapso ou mudança de posiçaõ, que [p. 247] ellas costumaõ ter durante o tempo de vela. Hum grande numero de plantas he susceptivel desta mudança nas suas folhas

E igualmente nas suas flores, como ja disse; eu naõ fiz mençaõ das differentes posiçoẽs, que constitue o sono das flores, porque facilmente se podem entender pelas que exponho aqui relativamente às folhas.
. Este phenomeno depende de huma estructura mais ou menos irritavel, e da prezença e auzencia de varias causas externas, que fazem jogar mais ou menos a mobilidade das fibras; estas causas saõ a frescura e humidade da atmosphera em certos graos, a materia da luz, e a materia electrica
A materia electrica da atmosphera em tempo de trovoadas basta para fazer fechar as folhas e flores; isto he confirmado pelas experiencias feitas na sensitiva, a qual sendo artificialmente electrisada fecha as suas folhas do mesmo modo que no tempo de trovoada. Esta planta contudo, segundo se tem observado, abre ainda mesmo numa perfeita obscuridade as sua folhas pela manhaan, e as fecha à noyte.
.

As folhas neste estado de collapso saõ chamadas dormentes, e segundo as differentes posiçoẽs, que nellas se observaõ, receberaõ as denominaçoẽs seguintes, das quaes humas saõ relativas ás folhas simplez, outras ás compostas.

1º As simplez saõ denominadas:

Folhas dormentes convergentes, ou que se achaõ em collapso de convergencia (somnus connivens); saõ oppostas e tem as suas faces superiores conchegadas huma á outra taõ apertada, e regularmente, que parecem huma so folha; por esta posiçaõ resguardaõ das chuvas, e demasiada humidade da noyte os [p. 248] botoẽs das flores e os tenros gomos (a armoles hortense, e murujem).

Folhas dormentes recostadas, ou em collapso de recosto (somnus includens) saõ alternas, conchegadas ou encostadas ao tronco, e ficaõ cobrindo e abrigando os tenros gomos ou flores, que medeaõ entre ellas e o tronco (aenóthera biennis, sida abutilon, ayenia pusilla.)

Folhas dormentes ambientes ou em collapso de circuiçaõ (somnus circumsepiens) tem durante o dia huma posiçaõ horizontal, mas elevadas de noyte cingem a ponta do tronco, e formaõ humas com outras á roda delle huma figura afunilada (a mandragora, o estramonio, bidens tripartita, e malva peruviana.)

Folhas dormentes munitivas ou em collapso de munimento (sommus muniens); saõ ordinariamente as ultimas junto das pontas dos ramos ou tronco, guarnecidas de longos peciolos; durante o dia tem huma posiçaõ horizontal; mas inclinado-se ou arqueando de noyte para baxo formaõ á roda do tronco huma especie de abobada (impatiens noli me tangere, sigesbeckia orientalis, achyrantes aspera.)

2º. As compostas saõ denominadas:

Folhas dormentes dobradas ou em collapso de do bramento (somnus conduplicans), saõ dobradas a o meyo, isto he, tem os seus foliolos ou pinnulas com as faces superiores conchegadas, bem como as folhas de hum livro; so differem das convergentes em terem muitos foliolos approximados (as faveiras, [p. 249] o lathyrus odoratus, colutea arborescens, e hedysarum onobrychis.)

Folhas dormente involtosas ou em collapso de involuçaõ (somnus involvens), os seus foliolos convergem ou somente se tocaõ pelas pontas, e deixaõ entre as suas bases hum intervallo em forma de cavidade (a acetosella, alguns trevos, medicago polymorpha, lotus ornithopoides.)

Folhas dormentes divergentes ou em collapso de divergencia (somnus divergens), quando os seus foliolos ficaõ approximados pelas suas bases, mas com as pontas desviadas ou divergentes (o meliloto ou trevo de cheiro.)

Folhas dormentes dependuradas ou em collapso de precipicio (somnus dependens), os seus foliolos estaõ inclinados para baxo e como dependurados (lupinus hirsutus, hedisarum canadese, robinia pseudo-acacia, amorpha fructicosa.)

Folhas dormentes inversas ou em collapso de inversaõ (somnus invertens), os seus foliolos ficaõ inferiormente aoproximados dois a dois ao peciolo commum, e o mesmo tempo inversos, isto he, a sua face superior fica sendo interna e encoberta, ao mesmo tempo tempo que a inferior fica sendo externa (a canafistula).

Folhas dormentes imbricadas ou em collapso de imbricaçaõ (somnus imbricans), os seus foliolos saõ revirados como os das inversas precedentes, e alem disso ficaõ dispostos à maneira de telhas cobrindo todo o peciolo commum (a sensitiva, tamarindus indica, gleditsia triacanthos).

[p. 250]
CAPITULO XXV. Da Intorsam.

Por intorsaõ (intorsio, s. torsio) os Botanicos entendem as curvaturas, reviramentos, ou enroscamentos das partes dos vegetaes, e a denominaõ uniforme (conformis), se as dictas partes se curvaõ ou enrolaõ todas para a mesma banda, e difforme (difformis), se nem todas se curvaõ, ou quando se enrolaõ e curvaõ para differentes lados indeterminadamente.

Huma das principaes especies de intorsaõ he a volubilidade, ou enroscamento dos troncos e gavinhas, ora para a direita, ora para a esquerda, como ra expuz em seu lugar.

A intorsaõ pode ter taõbem lugar nas flores

O torcimento das corollas deve ser observado no estado da flor fechada, ou no periodo em que a flor começa a desabotoar.
, porquanto se observa no loendro, congossa, asclepias, &c. ser a corolla retorcida para à esquerda, e na gentiana e pedicularis ser retorcida para á direita. A resupinaçaõ da corolla do manjeriçaõ, alfazema, rosmarinho, &c. (corollae resupinatio) he taõbem huma especie de intorsaõ, que consiste em estar o labio inferior no lugar onde devera estar o superior, e vice versâ.

Pode taõbem haver intorsaõ nos pistillos, como se vê na silene, cucubalus, spiraea ulmaria, e helicteres.

As espigas das plantas asperifolias, taes como a [p. 251] cynoglossa, heliotropium, myosotis, echium, &c. tem todas huma intorsaõ espiral na sua extremidade, em forma de voluta.

As fibras da base das praganas da avena, e stipa, as da cauda das capsulas do geranium, e das valvulas da capsula da impatiens, &c costumaõ formar longitudinalmente hum intorsaõ espiral semelhante á de hum fio torcido.

CAPITULO XXVI. Da Glandulaçam, e Escabrosidade.

Debaxo dos nomes de glandulaçaõ, e escabrosidade (glandulatio, scabrities) os Botanicos comprehendem as excrescencias destinadas as secreçoẽs dos vegetaes, e muitas producçoẽs que fazem a sua superficie aspera, escabrosa. Ainda que muitas destas producçoẽs so diffiraõ levemente entre si, ellas tem contudo recebido bem diversas denominaçoẽs, as quaes se podem reduzir principalmente a quatorze, a saber: glandulas, verrugas, callos, pontos, graõs, visiculas, mamillos, tuberculos , utriculos, folliculos, poros, fossulas, pustulas, e cicatrizes.

As glandulas (glandulae), segundo toda a extensaõ do termo, saõ qualquer excrescencia ou porosidade superficial, que serve a alguma secreçaõ; mas huma accepçaõ restricta, as glandulas saõ pequenas excrescencias ordinariamente globulares, que se achaõ na superficie das plantas, e saõ destinadas a filtrar e preparar os succos proprios da especie, a que [p. 252] pertencem; algumas saõ guarnecida de pelos, outras naõ tem pelos alguns; humas saõ assaz viziveis à vista simplez, outras precizaõ de lente para bem se destinguirem. As que naõ precizaõ de lente saõ as mais proprias para notas caracteristicas; daõ se nos peciolos das folhas como no martyrio, nas serraturas, ou dente das folhas serreadas como no salgueiro e amendoeira, nas antheras como na adenanthera, junto da bas dose estames como no goivo e couve, por toda a flor e por todo o corpo da planta (menos na raiz), como na fraxinella

Quanto à forma, e outras circumstancias relativas as glandulas, Vej. o Cap. dos Gland da Prim. Parte deste Comp.
.

Verrugas (verrucae), saõ glandulas grossas e hum tanto chatas ou concavas, com as que se vem nos peciolos das folhas do noveleiro, e ricinus

Taõbem se da o nome verrugas a certos tuberculos ou receptaculos de algumas especies de lichen.
.

Callos (calli) saõ pequenas glandulas, pontos, ou globulos duros, contudo algumas vezes este termo he usado taõbem para significar a mesma coiza que cicatrizes ou fossulas superficiaes (pedicularis palustris, protea hirta, obliqua, &c.)

Pontos (puncta), saõ salpicos minimos glandulosos, taes como os que se vem nas flores da fraxinella. Este termo he taõbem usado para significar certas fossulas minimas dos receptaculos, como dos de dente de leaõ, e certos salpicos corados das folhas, como nalgumas especies de mesembryanthemum.

Graõs (granula, s. grana), saõ certas [p. 253] excrescencias globulosas, e callosas que se daõ nos tegumentos das flores da labaça, e outras especies de rumex.

Vesiculas (vesicula, papulae), saõ excrescencias cellulosas ou pequenas bolhas coradas, e transparentes, que contem dentro em si alguns succos proprios, como saõ as que se vem na superficie de huma laranja, e que contem o seu oleo essensial

Taõbem se da o nome de vesiculas as pequenas cellulas succulentas, de que consta qualquer bago de laranja ou limaõ, e ás fructificaçoẽs gelatinosas do fucus.
e as do mesembryanthemum cristallinum.

Mamillos ou tuberculos (mamilli, s. tubercula), saõ pontos carnudos, pontudos, e ordinariamente mais largos na base, como os do cactus mamillaris, e algumas euphorbias

Os tuberculos em algumas especies de lichen saõ pontos escabrosos e pulverulentos, que constituem o receptaculo da sua fructificaçaõ. Nas folhas da pulmonaria e outras asperifolias os pontas asperos, que as salpicaõ saõ taõbem chamados tuberculos.
.

Utriculos (utriculi)

Os utriculos considerados em geral podem ser divididos em internos e externos; os internos dependem da dissecçaõ, e microscopio para se poderem observar, elles saõ destinados à preparaçaõ dos succos proprios, e digestaõ dos succos nutritivos; os externos saõ os que se achaõ na superficie dos vegetaes, huns saõ pouco apparentes, dos quaes ja fiz mençaõ debaixo do nome glandulas utriculares, outros saõ assaz apparentes de modo que ainda mesmo sem lente se podem observar, e saõ os de que tracto presentemente.
, saõ huma especie de excrescencia vesicular, que contem o liquor de alguma secreçaõ. A sua figura varia segundo as differentes plantas; a nepentes distillatoria tem na ponta das suas folhas utriculos oblongos, cylindricos, e guarnecidos de hum operculo; as folhas da sarracenia [p. 254] purpurea tem utriculos tubulosos, e os que se achaõ no centro da umbrella da margravia umbellata saõ longos, desunidos, direitos, e terminados como a petala concava do acónito.

Folliculos (folliculi) saõ excrescencias vesiculares que contem huma substancia aeriforme, elles saõ urceolares e semicirculares nas folhas da aldrovanda vesiculosa, hum tanto globosos e guarnecidos de duas pontas nas raizes de differentes especies de utricularia.

Poros (pori) este termo tem entre os Botanicos huma extensa significaçaõ, elles entendem por poros em geral certos meatos de differente largura e profundidade, que tem os seus orificios na superficie dos vegetaes; nelles comprehendem 1º. os poros finissimos, chamados taõbem vasos absorbentes, inhalantes, exhalantes, e tracheas; 2º. os poros largos da casca, como os que se vem na casca da cortiça, e nas cascas, da noz da amendoa, e outras semelhantes, que parecem antes merecer o nome de lacunas, fendas, buracos ou carcômas da casca, do que ser chamados pòros; 3º os poros fungosos, que saõ certos pequenos tubos ou alveolos que se vem bem destinctamente nos umbraculos dos boletos, e saõ considerados como organos relativos à fructificaçaõ destas plantas, 4º. os poros antherinos e estigmaticos, que se achaõ nas antheras e estimas das flores, como se vê nas antheras do tomateiro, e outras especies de solanum, e no estigma do amor perfeito; 5º os poros capsulares que saõ certos furos que se vem nas capsulas da campanula; 6º emfim, os poros excretorios ou glandulares, que saõ os que Linneo comprehende no [p. 255] artigo da glandulaçaõ, e os que por conseguinte pertencem a este capitulo; estes poros saõ certas pequenas cavidades superficiaes, que se observaõ nas folhas da urena lobata, e hibiscus tiliaceus, e na base dos peciolos do polygonum scandens).

Fossulas (fossulae, s. foveae), saõ pequenas cavidades excretorias, como v. g. as que se achaõ na base das petalas da coroa imperial, e outras especies de fritillaria.

Cicatrizes ou pustulas

Taõbem se da o nome de pustulas a huma especie de enfermidade dos fructos feridos pelo granizo, como saõ as que se vem nas pera a que o vulgo chama peras pedradas.
(cicatrices, s. pustulae), saõ especies de verrugas ou tuberculos alastrados, taes como os que se vem nos ramos do hypericum balearicum, e laurus indica.

Algumas glandulas e vasos superficiaes costumaõ naturalmente lançar de si hum humor viscoso ou glutinoso (viscositas, s. glutinositas); este humor he observado naõ so na casca do tronco e ramos, mas taõbem nas folhas, flores, e gomos, que em razaõ de serem lubrificados ou barrados por huma semelhante substancia saõ chamados viscosos. Como a preparaçaõ deste fluido pertence igualmente a vasos internos, e o costumaõ extrahir de muitas plantas por meyo de incisoẽs, pareceme ser mais proprio de tractar da sua natureza no capitulo seguinte.

[p. 256]
CAPITULO XXVII. Da Succulencia.

Por succulencia (succulentia, s. lactescentia), os botanicos entendem a qualidade, e cor dos succos que vertem os vasos de huma planta, quando a ferimos ou quebramos.

Os succos das plantas dizem-se ser: aquosos (aquosi succi), quando naõ saõ corados e se assemelhaõ á agoa commua (a videira), lacteos (lactei, albi), se saõ da cor de leite, como nas euphorbias e papoila, amarellos (lutei), como na celidonia; vermelhos (rubri), como os do rumex sanguineus, e os dos ramos tenros do carthamus lanatus.

O succos preparados pelos vasos proprios dos vegetaes que sejaõ extrahidos por meyo de huma incisaõ artificial, quer derramados na casca por ex- sudaçaõ ou rotura, adquirem muitas vezes huma consistencia mais ou menos densa, e saõ chamados neste estado resinas, gommas, e gomas-resinas. As re- sinas (resinae), podem facilmente reconhecer-se, e distinguir-se das gomas pela razaõ de arderem rapidamente no fogo, e de se dissolverem em espirito de vinho e naõ em agoa, como saõ o pez, therebentinas, &c. A gomma (gummi), pelo contrario, naõ arde no fogo, e dissolve-se em agoa e naõ em espirito de vinho, como se vê na goma arabia e na das gingeiras e amexieiras; a goma-resina (gummi-resina), dissolve-se parte em espirito de vinho e parte em agoa, como se vê na que he extrahida da aloe.

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CAPITULO XXVIII. Do Sexo das plantas.

O Sexo das plantas he fundado sobre o das suas flores, e por conseguinte quasi todas as denominaçoẽs, que se costumaõ dar a estas relativamente ao sexo, se podem com propriedade dar taõbem ás plantas que as produzem. Pelo que as plantas dizem-se masculinas (plantae mares), quando daõ somente flores masculas; femininas (feminae), se daõ somente flores femininas; hermaphoditas (hermaphroditae), se daõ flores hermaphroditas; monoicas (monoicae), quando no seu tronco ou ramos daõ flores humas masculinas outras femininas, como o milho, melaõ, e abobara; dioicas (dioicae), quando em dois individuos da mesma especie ha hum que dà flores masculinas e outro femininas

O nome de dioica he neste cazo somente dado a especie, porque os individuos saõ plantas ou masculinas ou femininas, e o mesmo se deve entender do nome polygama, quando he dado as plantas proprias da Polygamia dioecia e trioecia.
, como a mercurial e lychnis dioica; polygamas (polygamae), rigorosamente saõ as que daõ no mesmo tronco flores hermaphroditas e unisexuaes, como a esponjeira e alfavaca de cobra, mas este nome he taõbem applicado as especies que daõ flores hermaphroditas e unisexuaes em troncos diversos, como o freixo, figueira, e alfarrobeira.

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Os modernos costumaõ dar o nome de hybridas, ou mulinas (hybridae) a certas plantas, que procedem de duas especies diversas, assim como no reyno animal os mulos procedem do coito do jumento e egoa, individos especificamente differentes. Este effeito tem lugar nos vegetaes em razaõ de cahir o po fecundante das flores de huma especie sobre o pistillo das flores de outra; as sementes que provêm desta fecundaçaõ saõ as que produzem as plantas hybridas

Segundo a opiniaõ de alguns Botanicos todas as especies de plantas que ha hoje na face do globo terreatre saõ as mesmas que haviaõ nos dias primitivos da terra; elles so admittem novas variedades e jamais novas especies; outros pelo contrario saõ de parecer que ha muitas novas especies procedidas do coito entre individuas especificamente differentes. Esta ultima opiniaõ naõ me parece ser bem fundada, e as plantas hybridas provaõ contra ella. As differentes plantas que procedem de differentes individos ou saõ mestiças, ou mulinas, As mestiças saõ as que provem de duas especies ou variedades, e daõ sementes fecundas; se cortamos v. g. os estames a huma tulipa vermelha, e apolvilhamos o seu pistillo com o po dos estames de huma tulipa brança, as sementes da dicta tulipa vermelha produziraõ tulipas humas vermelhas, outra brancas, outras variegadas de vermelho e branco, as suas sementes seraõ fecundas, e semelhantes plantas por conseguinte devem ser chamadas mestiças. As plantas mulinas rigorosamente taes saõ as que procedem de duas especies analogas, ou do mesmo genero, e daõ sementes sempre estereis ou incapazes de reproduzir individuo algum. Tanto as mestiças como as mulinas naõ saõ outra coiza mais do que variedades, a pezar de que algumas tenhaõ sido consideradas como verdadeiras especies; as mulinas tem quasi todo o habito externo d'alguma das plantas de que descendem, ou naõ differem da especie senaõ no viço e infecundidade da flor. Vej. O termo Hybridae plantae, no Dicc. Bot. vol. 2.
, as quaes ainda que floreçaõ naõ daõ sementes fecundas, e so se podem conservar por meyo de suas raizes ou ramos, como he v. g. a peloria, saponaria hybrida, &c.

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CAPITULO XXIX. Do Viço, e Degeneraçam das plantas.

O viço dos vegetaes (luxariatio), he considerado por alguns botanicos ou como floral ou como habitual; o floral he relativo às partes da fructificaçaõ, e delle fallei jà em seu lugar; o habitual consiste na mudança que algumas causas occasionaes fazem nas partes da vegeteçaõ, isto he, em quaesquer partes que naõ saõ flor nem fructo, e como esta alteraçaõ tem lugar nas plantas da mesma especie e as faz variar, e degenerar costumaõ taõbem dar-lhe o nome de variaçaõ ou de degeneraçaõ (variatio, s. degeneratio); mas estes dois termos tem huma accepcaõ mais extensa.

O viço tem lugar ás vezes no tronco,quando as plantas vem a ser cespitosas (cespitosae) lançando da mesma raiz em hum terreno pingue muitos troncos, aindaque aliás no terreno que lhes he natural somente lançaõ hum

Basta muitas vezes cortar o tronco pela base para fazer huma planta cespitosa.
; ou se ellas vem a seu fittaceas (fasciatae), isto he, se os seus caules se coadunaõ, ou nascem adunados de modo que formaõ hum so, comprido, largo, e chato como huma fitta, este phenomeno tem lugar algumas vezes no rainunculo, acelga, espargo, chicoria, celosia, escorcioneira, tragopogon, &c. e pode ser occasionado artificialmente. O viço faz [p. 260] taõbem que algumas arvores lançaõ hum grande numero de raminhos tecidos huns com os outros à maneira de hum minho de pega, ou confundidos e embarçados entre si, como se achaõ os cabellos na doença chamada plica Polonica, e he por este motivo que semelhantes plantas saõ chamadas implicadas (plicatae); o carpinus, betula, e espinheiros saõ sujeitos a este viço nos paizes do norte. Os troncos quadrados algumas vezes taõbem adquirem hum maior numero de angulos, em razaõ da grande abundancia de succos. As folhas naõ deixaõ de ser sujeitas a viçar, e se observa que as estreitas passaõ a ser largas; que hum terreno humido faz fender ás vezes as folhas inferiores, e o terreno secco as superiores; que as folhas oppostas passaõ a ser verticilladas tres a tres e quatro a quatro, como se observa no murrião e lysimachia, que os trevos as vezes tem quatro foliolos, em lugar de tres, e a potentilla sette ou nove em lugar de cinco em cada folha; em fim, he assaz commum de as ver tornar crespas e bolhosas.

A degeneraçaõ das plantas pode ter lugar de muitos modos, em razaõ da cultura, mudança de terreno, clima, idade, &c. A cultura naõ amansa menos as feras do que as plantas; ella lhes faz perder os seus espinhos, hispidez, e toda a sorte de pelos, amacia a aspereza dos seus succos, e adoça muitas vezes o amargo e acidez dos seus fructos; as plantas que cultivamos em nossos jardins, hortas, e pomares daõ disro huma clara prova; o estado inculto ou bravio era o seu estado natural; parecenos que lho melhoramos pelas enxertias e amanhos, e pensamos que degeneraõ todas as vezes que por falta da devida cultura [p. 261] tornaõ a ser bravas; mas na realidade aos olhos de hum sabio naturalista he huma verdadeira degeneraçaõ o que chamamos estado de melhoramento; huma amexieira, huma alcachofa hortense, ás quaes a cultura fez perder os seus espinhos, vivem degeneradas em quanto se conservaõ neste estado; mas logo que abandonadas á revelia da natureza recobraõ seus espinhos, devem ser consideradas como restituidas ao seu estado natural.

O terrenos differentes fazem muitas vezes que as folhas largas venhaõ a ser estreitas, que sejaõ glabras em huns e hispidas ou peludas em outros, e que os troncos tenhaõ differentes direcçoẽs. O clima naõ deixa taõbem de fazer degenerar as plantas quanto à sua duraçaõ, e as plantas que nos paizes quentes saõ vivaces, taes com as chagas, boa noyte, manjerona, ricinus, &c. transplantadas nos paizes frios vem a ser annuaes. A idade faz algumas vezes perder os aculeos e hispidez aos troncos, e as vezes mesmo lhes faz tomar huma forma arborea e mudar a figura de suas folhas, como se vê na hera.

O viço e degeneraçaõ podem fazer variar de muitos modos huma mesma especie, mas delles naõ resultaõ jamais novas especies, e he erro crer por ex. que a avea cortada antes da florecencia degenere de tal modo que no anno seguinte se converta em senteio, ou que o trigo em huma terra magra degenere em senteio, este em cerada, a cevada em joyo, &c. O corculo das semente he sempre huma plantula propria, segundo as leys da natureza, para continuar a forma especifica do ente que a produzio, porque aliás teriamos novas creaçoẽs; elle he formado [p. 262] da medulla da planta materna, ou de huma substancia similar de modo, que naõ pode perpetuar senaõ Individuos especificamente semelhantes aquelle a quem esteve apegado no tempo, em que foy gerado e nutrido. Do mesmo modo os ramos, gomos, e bolbos por mais variedades, que possaõ dar, sempre conservaõ os caracteres e essencia da sua especie, porque saõ della meros pedaços vitaes. Pelo que dizer, que hum ramo ou colmo de avea v. g. pode dar huma espiga com sementes de senteio, he querer mudar a natureza das vegetes e fingir chimeras.

CAPITULO XXX. Das Doenças dos vegetaes.

Os differentes estados da atmosphera, os excessivos calores ou frios, qualquer vicio notavel da transpiraçaõ, a obstrucçaõ dos vazos, a plenitude e condensaçaõ dos succos, e as corrosoẽs e picadas dos insectos saõ as principaes causas das doenças dos vegetaes (morbi). Ellas saõ taõ numerosas que podiaõ formar o sujeito de hum bom tractado pathologico

Athe ao presente naõ temos ainda huma boa pathologia nem therapeuteia dos vegetaes, semelhantes tractados seriaõ summamente uteis á agricultura, e naõ deixariaõ taõbem de ser proveitosos á Botanica fundamental.
; as que saõ mais ordinarias e de que commumente tractaõ os botanicos saõ as seguintes.

Ferrugem (rubigo), he hum po da cor da ferrugem do ferro, que salpica as folhas ordinariamente na sua [p. 263] face inferior: he frequente nas gramas, na alchimilla, rabus saxatilis, e nalgumas especies de euphorbia, e de senecio.

Bolor (erysiphe), esta especie de doença consiste em hum bolor branco, composto de cabecinhas fuscas e rentes que salpicaõ as folhas, e se vê no luparo, e nalgumas especies de lamium, lithospermum, galeopsis e acer.

Cravagem (clavus), saõ pontas denigridas que se observaõ as vezes nas sementes do senteio e junças.

Fogagem (ustilago, uredo), he huma especie de carie das sementes de maneira que a planta, em vez de dar sementes, da huma farinha negra: observa-se muitas vezes nas espigas da cevada, avea, trigo e outras gramas, como taõbem nalgumas especies de escorcioneira, e tragopogon.

Crestamento do sol (aestus, s. aestuatio), quando saõ crestadas pelos grandes calores, e desmayaõ de tal sorte que ordinariamente perecem. Os antigos quando viaõ desmaiar huma planta e morrer por hum golpe de sol

Chamaõ golpe de sol aos raros solares subitamente descortinados de huma nuvem espessa, e vibrados ardentemente sobre a terra.
costumavaõ dizer que ella perecia de quebranto ou assombramento (sideratio).

Ensoamento (sitis), quando por falta de agoa ou de sufficiente humidade desmayaõ hum tanto, mas tornaõ a restabelecerse, sendo regadas, ou sobrevindo chuvas.

Friagem (pernio), quando saõ em parte crestadas do frio, ou feridas pelo granizo.

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Geladura (congelatio), quando todos os seus succos saõ congelados, ou que o movimento destes he de tal modo estorvado e suspendido pelo frio, que morrem.

Marasmo ou atrophia (fames, marasmus, s. atrophia), quando por falta de terra, de succos competentes, ou qualquer outra causa emagrecem summamente ou perecem de magreza.

Corpulencia (polysarchia), quando engrossaõ mais do natural em razaõ dos demasiados succos, e nimia nutriçaõ.

Cancro (cancer), he hum grande inchaço causado pela extravasaçaõ dos succos, sem contudo rebentar a epiderme.

Plethòra ou plenitude (plethora), segundo alguns naturalistas he huma demasiada abundancia de succos de modo que se extravasaõ por meyo de algumas roturas da epiderme, o que constitue hemorrhagias mais ou menos consideraveis; as resinas, gomas, gomas-resinas saõ, segundo elles, especies de hemorrhagias vegetaes occasionadas por huma plenitude de succos.

Picadas, e ninhos dos insectos (morsus, nidique insectorum); esta casta de animaes naõ so mordem, e retraçaõ as plantas para com ellas se nutrirem, mas ainda para nellas deporem seus ovos, hum dos factos notaveis, a que os dirige o seu instincto: deste effeito resultaõ muitas excrescencias e desordens na estructura ordinaria das partes dos vegetaes que elles atacaõ, como saõ por ex. as galhas, ou bugalhos (gallae), que se observaõ nos carvalhos, salgueiros, &c. as quaes são certas excrescencias esponjosas com os ovos do insecto no centro; o bedegar da rosa de [p. 265] caõ (bedeguar) especie de novello resinoso e hirsurto; os follilhos (follicuti) como os que se vem nos ramos e folhas dos choupos, ulmeiros, &c; as escamaçoẽs (squammationes) como as do abeto, e salix rosea; e as contorsoẽs (contorsiones) como as do cerastium, veronica, lotus, &c. Os insectos causaõ taõbem algumas monstruosidades nas flores, fazendo-as dobrar, prolificar, &c como ja notei em seu lugar.

CAPITULO XXXI. Da Grandeza ou Medida.

A grandeza ou medida (magnitudo, s. mensura), he como a notei, ou relativa ou obsoluta; a relativa he a largura, ou comprimento das partes dos vegetaes comparadas humas com as outras; a absoluta consiste nas dimensoẽs conhecidas, ou nas que saõ deduzidas das partes e estatura do corpo humano, que se reduzem as seguintes.

Hum cabello (capillus) he o diametro ou grossura de hum cabello, que se suppoem ser a duodecima parte de huma linha, e neste sentido as partes dos vegetaes dizem-se ser verdadeiramente capillares, (capillares) quando saõ da grossura de hum cabello.

Huma linha (linea), he a largura que costuma ter a raiz de huma unha, excepto a do dedo pollegar, e se suppoem ser a duodecima parte de huma pollegada: neste sentido a grandeza diz-se ser linhear ou de huma linha (linearis).

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Huma unha (unguis), he o comprimento della, que se suppoem ser seis linhas ou meya pollegada, e neste sentido a grandeza diz-se ser de huma unha (unguicularis).

Huma pollegada (pollex, s. uncia), he o diametro do dedo pollegar ou taõbem o espaço que vay desde a sua ultima junta athe à ponta, que se suppoem ser doze linhas, e neste sentido a grandeza diz-se ser de meya pollegada (semiuncialis) de huma pollegada (uncialis, s. pollicaris), de pollegada e meya (sesquiuncialis, s. sesquipollicaris) de duas pollegadas, &c. (biuncialis, &c.).

Huma maõ travessa (palmus), he a largura de quatro dedos reunidos, excepto o pollegar, e se suppoem ser tres pollegadas; neste sentido a grandeza diz-se ser de meya maõ travessa, de huma maõ travessa, e de maõ travessa e meya (semipalmaris, palmaris, sesquipalmaris).

Hum palmo de craveira, hum palmo maior (dodrans), he o espaço que medea entre a extremidade do dedo pollegar, e a do minimo bem estendidos, o que se suppoem ser nove pollegadas, donde a grandeza se diz ser de hum palmo de craveira (dodrantalis).

Hum palmo bastado ou palmo menor (spithama), he o espaço que medea entre a extremidade do dedo pollegar, e a do dedo mostrador, seu immediato, bem estendidos, o que se suppoem ser sette pollegadas, donde a grandeza se diz ser de hum palmo bastardo (spithamea).

Hum pe (pes), he pouco mais ou menos o espaço que medea desde o sangradoiro do braço athe á bado dedo pollegar, o que se suppoem ser doze [p. 267] pollegadas, donde a grandeza se diz ser de meyo pe (semipedalis de hum pe (pedalis), de pe e meyo (sesquipedalis) de dois pés, &c. (bipedalis, &c.)

Hum covado natural (cubitus), he o espaço que vay desde o cotovelo athe a ponta do dedo grande, que se suppoem ser desasette pollegadas; a grandeza diz-se ser de hum, dois, tres covados naturaes, &c. (cubitalis, bicubitalis, tricubitalis, &c.)

Hum braço (brachium), he o espaço que vay desde o sovaco athe á ponta do dedo grande, o que se suppoem ser dois pez, donde a grandeza se diz ser de hum braço (brachialis).

Huma braça, ou a altura de hum homem (orgya, altitudo humana, s. hexapoda), he o espaço que vay da extremidade de huma maõ athe a da outra, estando os braços abertos, o que se suppoem ser seis pès, donde a grandeza se diz ser de huma braça (orgyalis, s. sexpedalis).

CAPITULO XXXII. Da Cor, Cheiro, e Sabor dos vegetaes.

As cores dos vegetaes (colores), de que tracto presentemente neste artigo, naõ somente saõ as que respeitaõ ás partes da fructificaçaõ, aonde costumaõ ser infinitamente variadas, mas taõbem as que saõ relativas a toda a superficie de qualquer das suas partes. Os antigos consideravaõ as cores como huma das principaes notas do habito externo, com que [p. 268] se podiaõ destinguir as especies; Linneo criticou fortemente este sentimento, dizendo que se bem que ellas podiaõ servir para fazer destinguir as variedades, naõ subministravaõ caracteres seguros para estabelecer especies; alguns modernos contudo naõ admittem inteiramente este parecer, e pensaõ que elle he sojeito a excepçoẽs, como direi em outro lugar. Os differentes gráos de intensidade, com que a natureza còra as flores naõ se podem perfeitamente exprimir nem com vozes, nem com penna, e raras vezes ainda mesmo o pincel as bem imita. Alguns pensaõ que se podiaõ dar sufficientes idéas de muitas dellas, comparando-as com as cores fixas das substancias de que usaõ os pintores e tintureiros; este parecer podia ser adoptado se os Botanicos julgassem ser necessario empregar os nomes exactos das cores na descripçaõ de qualquer planta, mas commumente desprezaõ esta circumstancia, e porisso bastará fazer so mençaõ aqui das cores ordinarias, de que elles costumaõ usar algumas vezes, as quaes se podem reduzir ás seguintes.

Branco cor de leite (albus, niveus, s. lacteus), como as açucenas, jasmins, e ordinariamente as flores da primavera e bagas doces; esbranquiçado, alvadio (albicans, incanus), como saõ as folhas de algumas especies de verbasco.

De cor vidrenta ou de cristal (hyalinus, s. vitreus); cor d'agoa (aqueus, s. undulatus) estas cores observão-se muitas vezes nos filetes dos estames e no estylete do pistillo.

Cinzento (cinereus); cor de chumbo (plumbeus, lividus.)

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Negro (niger); fusco, pardo (fuscus); fullo, baço (fullus); a cor negra observa-se muitas vezes nas raizes o sementes, mas he raro de a ver nos fructos e ainda muito mais raro na corolla.

Pallido (luridus); cor de pêz (piceus, ater).

Amarello (luteus); cor de enxofre (sulphureus, flavus); estas cores saõ proprias da maior parte das antheras, e das corollas das flores semiflosculosas de Tournefort, como taõbem de hum grande numero das que se daõ no outono.

Açafroado (croceus); cor de fogo (flammeus, fulvus).

Gris ou griseo (gilvus) cor de tejolho (testaceus).

De cor da ferrugem do ferro (ferruginens).

Vermelho (ruber); as flores do estio, e bagas azedas tem ordinariamente esta cor; vermelho cor de sangue (sanguineus); vermelho cor de carne, ou encarnado (incarnatus); escarlatino, cor de escarlata (coccineus, puniceus); cor de rosa (roseus).

Purpureo, cor de purpura (purpureus, phaeniceus, s. tyrianthinus); purpureo claro (diluté purpureus); purpureo escuro (saturatè purpureus, s. atropurpureus); roxo (violaceus, janthynus, caeruleo-purpureus).

Azul (caeruleus); azul celeste (cyaneus); estas cores saõ mui frequentes nas corollas.

Verde (viridis); verde cor de alho porro (prasinus); verdemar (thalassinus); verdenegro (atroviridis). A cor verde he propria da maior parte das folhas e do calyz; mas he rarissima na corolla.

Garço (glaucus, glaucinus, caesius); a cor garça participa da verde e da azulada, e porisso muitos a [p. 270] comparaõ com propriedade á cor da pedra preciosa chamada beryllo.

Do Cheiro.

O cheiros das plantas (odores), de que faço aqui mençaõ saõ relativos naõ sò as flores e fructos, mas taõbem às folhas, ramos, troncos, raízes e a quaesquer partes vegetaes. Todas as plantas rigorosamente fallando tem hum cheiro particular

Todos os corpos tem hum cheiro particular, como se collige da indagaçaõ olfativa, por meyo da qual o caõ reconhece as pizadas de seu senhor, e o vay em fim achar.
, mas como este em algumas nos he muito pouco sensivel, que ainda mesmo naõ causa impressaõ alguma notavel sobre o nosso olfacto, daqui procede chamarmos a esta sorte de plantas inodoras ou sem cheiro algum (inodorae). Os cheiros saõ summamente variados naõ ao no mesmo genero, mas ainda no mesmo individuo, tendo ordinariamente as partes da fructificaçaõ cheiros differentes entre si, e differentes das outras partes, e a raiz differindo taõbem nesta circunstancia algumas vezes de todo o mais corpo da planta. A pouca semelhança que ha nos cheiros, e as differentes impressoẽs que cada hum delles costuma causar segundo as differentes pessoas, tem impossibilitado sempre os Botanicos de bem os reduzir a distribuiçoẽs geraes; Linneo tentou contudo de os destinguir o melhor que pôde, do modo seguinte.

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As plantas ou saõ de hum cheiro suave e agradavel (suaveolentes), ou de hum cheiro pesado, fetido, e desagradavel (graveolentes); entre os cheiros suaves saõ numerados o fragante, o almiscarado e o aromatico, e nos desagradaveis saõ considerados o alliaceo, o hircoso, viroso, e nauseoso.

Cheiro fragrante (fragans), he agradavel sem contudo ser almiscarado nem aromatico; tal he por ex. o do jasmim, açucena, goivo e outras muitas flores; pode-se dar igualmente em todas as mais partes das plantas, como se vê na manjerona, ouregaõ, manjericaõ, segurelha, herva cidreira, alfazema, tomilho, serpaõ, &c.

Almiscarado (ambrosiacus) he forte, penetrante, e se assemelha hum tanto ao de almiscar, tal he o que se observa no geranium moschatum, malva moschata, chenopodium ambrosioides, &c.

Aromatico (aromaticus), he fragante ao olfacto e se da igualmente a conhecer o acto da mastigaçaõ; está sempre reunido com hum principio acre ou picante; tal he por ex. o cheiro da canella, cravo da India, e do Maranhaõ, da noz moscada, alcanfor, casca de laranjas, &c.

Cheiro alliaceo, ou de alho (alliaceus) he forte, misto com hum principio acre, proprio do alho ou evidentemente semelhante ao do alho; tal he o da cebolla e de todas as especies de alho, o da assa fetida, o do erisymum alliaria, &c.

Cheiro hircoso (hircinus) he forte, desagradavel, e se assemelha hum tanto ao cheiro fetido dos sovacos dos braços, a que alguns chamaõ catinga ou [p. 272] cheiro de bode; tal he o que se observa no geranium robertianum, e chenopodium vulvaria.

Cheiro viroso (teter, s. virosus) he fetido, desagradavel, sem contudo ser alliaceo nem hircoso, tal he por ex. o do cravo de defuncto, o do sabugueiro, o do opio, o de algumas especies de cotula e anthemis, o do linho canamo, do meimendro, dos cogumelos, &c. Elle se diz ser nauseoso (nauseosus), se he forte, e o olfacto o naõ pode supportar repetidas vezes, ou quando excita nausa, dores de cabeça, &c. tal he o da arruda, sisymbrium tenuifolium, do helleborro, datura, &c.

Do Sabor.

Os sabores das plantas (sapores), saõ summamente variados naõ so nas differentes especies, mas ainda na mesma especie, e no mesmo individuo. Os differentes terrenos, os sitios, e cultura daõ aos fructos da mesma especie gostos bem diversos; huma planta na idade tenra ordinariamente tem hum gosto differente do que tem na idade adulta; o sabor dos fructos differe quasi sempre do que tem o corpo da planta que o produzio, e ainda no mesmo fructo ha sabores bem diversos, como se vê na romaan, pessego e laranja, reconhecendo-se nos bagos daquella e no miolo dos caroços destes hum gosto bem differente do resto do fructo.

Rigorosamente fallando naõ ha no reyno vegetal planta alguma insipida, todas tem hum sabor herbaceo (herbaceus) mais ou menos perceptivel, mais [p. 273] ou menos occulto, segundo os sabores, com que se acha confundido. O sabor herbaceo na murugem v. g. he simplez ou dominante, e se assemelha ao sabor aquoso; nas acelgas e espinafres reconhece-se ser hum tanto composto de principios oleosos e salinos; contudo como as impressoẽs que semelhantes plantas causaõ sobre os organos do gosto saõ muito modicas, e se destinguem pouco das que causa ordinariamente a agoa, daqui procede dizer-se commumente que ellas tem hum sabor insipido ou aquoso (insipidus, s. aquosus), o qual he considerado como a primeira especie de sabor.

A segunda especie de sabor he o azedo (acidus), como o do limaõ, ginja, e groselha: nestes e outros semelhantes fructos o sabor acido esta sempre reunido com huma pequena porçaõ do austero, e nas cerejas, maçaans, amoras, &c esta mais ou menos enfraquecido pela substancia saccharina, que nellas constitue o sabor doce, misto com elle.

Austero ou estyptico (stypticus), he o que se observa nas galhas do carvalho, e na casca das arvores.

Acerbo (acerbus), he hum gosto composto de azedo e de estyptico

Esta especie de sabor he ordinariamente confundida pelos autores com o acido ou com o estyptico.
, proprio de todos os fructos verdes; acha-se contudo nalguns fructos ainda no estado de madureza, como v. g. nos abrunhos bravos.

Doce (dulcis), he o que se acha na cana de assucar, na raiz do alcaçûz, no colmo das gramas, nos figos, tamaras, &c.: ordinariamente esta misturado [p. 274] com huma leve acidez, e as vezes taõbem com hum pouco de estypticidade, ou acrimonia, como no polypodio, avenca, feto macho, &c.

Salgado (salsus), he o que se observa em algumas plantas maritimas, como nalgumas especies de salsola salicornia.

Amargozo (amarus), ordinariamente esta confundido com o estyptico, acre ou aromatico; na genciana parece ser puro; no rhubarbo he misto com o estyptico; na casca de laranja e limaõ está misto com o aromatico; na curcuma junto com o acre; na assa foetida reunido com o sabor nauseoso; nas terebenthinas e outras substancias resinosas he denominado amargo-balsamico; na chicoria, almeiraõ, dente de leaõ e outras analogas daõ-lhe o nome de amargo-refrigerante, e o que se acha dentro dos caroços e nalgumas pevides he chamado por alguns amargo de amendoa.

Acre ou picante (acris), he o que se acha nos alhos, cebolas, agrioẽs, mastruços, pimentaõ, &c.; ordinariamente esta combinado com outros sabores; na curcuma por ex. esta misto com o amargo, na gengivre com o aromatico, e na polygala senega com o nauseoso.

Aromatico (aromaticus), he hum sabor acre misto com huma substancia de sensaçaõ fragrante; he mais ou menos puro á proporçaõ que o principio aromatico he mais ou menos dominante sobre o acrimonioso, e dahi procede que a canella tem hum sabor aromatico mais puro do que a gengivre. O sabor aromatico acha-se taõbem algumas vezes misto com o amargo, como se vê nas cascas de limaõ e de laranja.

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Nauseoso (nauseosus) he acre, misto com hum principio fetido ou nauseoso

Alguns consideraõ o nauseoso como hum gosto simplez, e daõ por exemplo o opium, mas esta substancia he hum tanto acre e amargosa.
, como na polygala senega. As vezes o nauseoso acha-se taõbem reunido com o sabor amargoso, como na assa foetida.

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QUARTA PARTE. Dos Systemas Botanicos, e suas partes em geral.
CAPITULO XXXIII. Dos Systemas ou Methodos.

Em quanto o numero dos vegetaes geralmente conhecidos foy facil de reter de memoria, ou reduzido somente aos curtos limites de huma materia medica, naõ conhecemos que houvesse destribuiçaõ alguma, que merecesse o nome de systema ou methodo; tal foy o estado da Botanica entre os antigos Gregos e Romanos, e na idade media athe à restauraçaõ das lettras na Europa. Depois desta epoca o numero dos vegetaes conhecidos tendo consideravelmente augmentado, Cesalpino vendo claramente que sem huma disposiçaõ methodica senaõ podia adiantar o estudo dos entes do reyno vegetal, imaginou hum systema, com que os tirou do informe cahos em que jaziaõ; outros sabios seguiraõ depois o seu exemplo, e hoje os systemas em Botanica saõ de huma necessidade absoluta.

A Botanica no estado actual, em que se acha, naõ so costuma tractar dos termos technicos, que conduzem a fazer conhecer hum vegetal por meyo deste ou daquelle systema, mas igualmente ensina em geral o que he hum systema ou methodo Botanico, [p. 277] e como elle se costuma destribuir segundo as regras da boa critica. Estas relaçoẽs e partes didacticas parecem ser inseparaveis em qualquer bom tractado elementar desta sciencia; porque se hum verdadeiro Botanico naõ somente se deve achar em estado de poder entender todos os systemas relativos aos vegetaes, mas taõbem de poder traçar novos; a Botanica por conseguinte deve naõ menos empregarse no que contribue a comprehendelos do que a formalos.

Hum systema ou methodo em Botanica (systema, s. methodus) he hum corpo de doutrina composto de certo numero de generos supremos, e subalternos que conduzem gradativamente ao destincto conhecimento das especies vegetaes. Os generos supremos saõ chamados classes; os subalternos ordinariamente saõ dois, huns medios chamados ordens, e outros infimos denominados simplezmente generos; estes ultimos contem as especies, e estas as suas variedades. Em certo modo hum systema pode comparar-se

Esta comparaçaõ, ainda que naõ he em tudo exacta, naõ deixa contudo de contribuir para fazer conhecer a progressaõ das destribuiçoẽs dos systemas.
na sua gradaçaõ destribuitiva a hum exercito dividido primeiramente em regimentos os quaes se subdividem em batalhoẽs, estes em companhias, e estas emfim em soldados: demais disso assim como para formar hum exercito he precizo reunir soldados em companhias e as companhias em batalhoẽs, estes em regimentos, e estes emfim em hum corpo regular, do mesmo modo para formar hum systema he preciso reunir as especies em generos, estes em ordens, as ordens em classes e [p. 278] estas em hum corpo indicado por meyo de huma tabella ou clave.

Mas para proceder com mais clareza, e dar ideas mais exactas dos systemas Botanicos, devo advertir que todos os que athe agora se tem imaginado podem ser reduzidos a tres sortes, a saber, systemas naturaes, artificiaes, e mixtos de naturaes e artificiaes. No systema natural

Este methodo he chamado natural por conservar as affinidades das plantas do modo que a natureza nolas prezenta aos olhos; mas nenhum dos que athe agora se tem publicado he livre de defeitos, nem merece no rigor do termo o home de methodo da natureza. Os me thodos e systemas, diz acertadamente M. de la Mark, saõ como os nomes, nem huns nem outros se achaõ naturalmente nas plantas.
chamado taõbem methodo synthetico ou de composiçaõ, o Botanico principia a examinar primeiramente as especies e a ajuntalas em generos infimos, guiado pelas affinidades, e semelhança de caracteres, pondo o seu unico cuidado nesta combinaçaõ: concluido este extenso trabalho, quer elle seja relativo ás plantas de hum so paiz, quer às de todo, o reyno vegetal, tendo imposto o nome a cada hum dos dictos generos passa a novas combinaçoẽs, e do mesmo modo examinando todos os generos infimos em toda a extensaõ dos seus caracteres, reune os que segundo elles tem mais analogia, e forma outros generos maiores, a que dá o nome de ordens. Emfim, observando as relaçoẽs em que concordaõ todos os generos, que tem examinado, forma terceiros generos supremos, que considera como classes ou familias naturaes, dalhes titulos adequados, e reune os dictos titulos em huma tabella [p. 279] denominada
Esta clave dos systemas naturaes deve ser o catalogo dos titulos das familias naturaes; mas ordinariamente como as familias saõ numerosas os systematicos Naturistas por querer simplilicala e abbreviala, reunem as classes naturaes a hum pequeno numero de classes primarias, as quaes de ordinario saõ fundadas em huma so nota caracteristica, e por este modo o seu methodo vem a ficar mixto.
a clave do systema (clavis systematis)
A clave de qualquer systema, segundo alguns botanicos, he rigorosamente huma tabella synoptica, e requer esta condiçaõ para ser boa; mas se o numero das classes he pequeno, a clave pode ser facil sem ser distribuida synopticamente.
.
No systema artificial, chamado taõbem methodo analytico ou de partiçaõ, o Botanico lançando a vista por todas as plantas de hum paiz ou de todo o reyno vegetal, que assaz conhece, traça hum projecto geral fundado em certos caracteres ou principios arbitrarios, e tractando de o executar, o seu primeiro trabalho he de formar as divisoẽs supremas que devem constituir as classes, depois passa ás outras subalternas athe descer ás especies, qui reune ou distribue segundo os principios do seu methodo: donde se vê que a clave neste systema precede as divisoẽs subalternas, e que no natural he posterior a ellas, e o ultimo trabalho. No systema mixto os generos infimos saõ formados syntheticamente, e as ordens e classes analyticamente, de sorte que as familias naturaes humas se achaõ inteiras, outras desfiguradas, misturados os seus generos com outros que com elles naõ tem affinidade natural, como he o systema de Linneo
Este systema naõ he puramente artificial, o seu Autor trabalhou primeiramente nos generos, a que chama naturaes, e depois servio-se delles empregando-os em classes e ordens artificiaes; donde nasce hum dos grandes defeitos do dicto systema, havendo muitos generos, cujas especies naõ tem geralmente o caracter da ordem ou da classe, e ás vezes mesmo nem o da classe nem o da ordem (como v. g. o polygonum persicaria.) Alem disso a classe cryptogamia naõ tem relaçaõ com as demais; os caracteros naõ saõ tirados dos organos sexuaes, nesta classe, e algumas das suas ordens saõ proprias de hum methodo natural.
, e raramente se encontraraõ Systemas naturaes e [p. 280] artificiaes que guardem as suas leys ou deixem de ser mixtos.

O methodo synthetico he o que conserva mais as affinidades, e o que se chega mais à natureza, mas as suas divisoẽs saõ sujeitas a serem longas e difficeis; nos seus titulos parece haver falta de nexo, os caracteres dos generos parecem obscuros e confusos; as razoẽs de affinidade saõ tiradas de muitas partes, e jamais de huma so ou de poucas, donde resulta que elle so costuma agradar aos que estaõ ja adiantados em Botanica. O methodo analytico ou artificial he opposto à natureza, dissolve e sacrifica ás suas leys as affinidades, e as plantas de huma classe ou ordem natural se achaõ nelle misturadas com as da artificial ou arbitraria. Sem embargo disto, he o mais simplez e facil, serve de hum grande soccorro á memoria e conduz ao conhecimento das plantas por hum caminho plano e abbreviado. Por esta razaõ, e porque as suas divisoẽs genericas saõ estabelecidas sobre o exame de huma das partes das plantas, e agrada mais aos principiantes (que naõ gostaõ nem entendem ordinariamente as grandes combinaçoẽs de caracteres) sem deixar contudo de agradar taõbem e de ser bastantemente util ainda mesmo aos Botanicos consumados; mas para agradar a estes he precião que elle guarde exactamente as suas leys.

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Ha taõbem huma sorte de distribuiçaõ analytica chamada synoptica (divisio synoptica, s. synopsis), que consta de divisoẽs semelhantes ás ramificaçoẽs das taboas genealogiças, mais ou menos longas, mais ou menos numerosas, sem limites certos genericos, ou sem se limitarem a classes, ordens, generos e especies, como as dos systemas ou methodos artificiaes ordinarios. Linneo

Lin. Phil. Botan. n. 153 et 154.
naõ admitte semelhantes divisoes no numero das systematicas genuinas. Mas os que seguem que todos os generos saõ divigoẽs arbitrarias, e que os systemas Botanicos saõ puramente huma disposiçaõ gradativa destas divisoẽs athe ás especies, saõ de parecer que a distribuiçaõ synoptica merece o nome de systema artificial naõ menos do que qualquer dos systemas artificiaes ordinarios, que se dizem ser limitados a tres sortes de divisoẽs genericas. Elles accrescentaõ que naõ ha systema algum que rigorosamente conste so destas tres sortes de divisoẽs, mas que todos bem considerados saõ mixtos de synopticos tanto nas suas claves, como nas mais destribuiçoẽs gradativas. Contudo ainda admittindo que a divisaõ synoptica seja huma especie de methodo artificial, que conduz a descobrir o nome das especies, e que ajuda aos que trabalhaõ em descobrir o verdadeiro methodo natural de classar os vegetaes, naõ se pode negar que em hum methodo puramente synoptico, tal como o que seguio o cavalheiro de la Mark na sua Flora de França, as divisoẽs saõ summamente fastidiosas, nimiamente longas, complicadas, e mais sujeitas a enganos do que as dos systemas [p. 282] artificiaes ordinarios, em razaõ do maior numero de operaçoẽs que he precizo fazer progressivamente antes de chegar ao conhecimento da planta, de que dezejamos saber o nome, e porisso naõ me parece que elle se deva seguir em huma destribuiçaõ geral de todas as especies do reino vegetal, ainda que possa ter lugar relativamente ás plantas de huma so familia, ou de hum so paiz
A destribuiçaõ synoptica he taõbem empregada na clave dos systemos para facilitar a achar as classes.
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Todos os methodos e systemas que athe agora se tem imaginado em Botanica saõ mais ou menos defeituosos, e naõ me parece possivel que possa haver algum sem imperfeiçoẽs. Alguns Botanicos saõ de parecer que todos os entes do reino vegetal, que se achaõ proxima, ou remotamente dispersos sobre a face do nosso Globo, formao entre si huma cadea, e fazem parte de hum todo progressivo; que cada individuo pertence a esta cadea em geral, e ao mesmo tempo em particular a huma especie, as especies a generos naturaes, estes a familias naturaes, e que estas familias formaõ gradativamente hum todo encadeado que constitue à clave do verdadeiro methodo natural, em cuja investigaçaõ se devem occupar todos os botanicos, por naõ haver outro na natureza. Elles accrescentaõ que este methodo fora traçado pelo Autor da natureza, cuja profunda sabedoria vinculou todos os entes do universo huns com os outros, e cada hum delles com o todo; que se por ora o naõ podemos plena e perfeitamente perceber, o descobriremos quando tivermos as descripçoes de todas as plantas, que ha no [p. 283] globo terrestre; que prezentemente basta para nos convencer disto observar a gradaçaõ das plantas imperfeitas ás perfeitas, e os fragmentos do dicto methodo natural assaz bem reconhecidos nas familias naturaes das gramas, labiadas, leguminosas, umbrelladas, cruciferas, e algumas outras de que tractaõ os systemas naturaes, os quaes segundo elles naõ saõ outra coiza mais do que pequenos esforços que dirigem a descobrir o verdadeiro methodo natural. Contudo na opiniaõ de outros Botanicos semelhante methodo he o mesmo que a pedra philosophica: admittindo, dizem elles, que senaõ tenhaõ perdido especies nas vastas inundaçoẽs, volcanos e outras revoluçoes do nosso Globo, e que os entes do todo o reyno vegetal se achem encadeados huns com os outros, e cada hum delles com o todo, nem porisso podemos esperar de chegar a ter esse perfeito methodo denominado o unico da natureza; antes pelo contrario isso mesmo parece opporse a obtelo. Essa cadea, ou laço com que os entes vegetaes saõ viculados, naõ saõ outra coiza mais do que as suas affinidades; ora estas affinidades, seraõ sempre irremediaveis obstaculos á perfeiçaõ de qualquer methodo ou systema.

A progressaõ das affinidades, em qualquer me thodo que se pode idear, ou he synthetica ou anaIytica, em linha de ascenso ou de descenso: a progressaõ analytica naõ pode ter lugar em hum methodo natural, e a synthetica sera sempre insufficiente á sua perfeiçaõ. Na supposiçaõ dada, a natureza poz laços naõ equivocos entre todos os entes vegetaes: por conseguinte naõ poz balizas nas classes nem em generos alguns, e os seus limites seraõ sempre [p. 284] inconstantes. Se olhamos attentamente para cada hum dos caractéres das plantas de classes assaz analogaa entre si, e denominadas naturaes, vemos que posto que existem na maior parte dellas, faltaõ contudo em algumas, que saõ muito poucas as que tem todos os caracteres constantemente

O lepidium ruderale, e cardamine impatiens saõ classadas entre as plantas da familia das cruciformes, e contudo naõ tem corolla alguma; o teucrium, ajuga, e acanthus, que se achaõ entre as labiadas, tem a corolla de hum so labio.

As hortelaans, ainda que tem muitas notas caracteristicas da familia natural das labiadas, naõ se assemelhaõ a ellas ha corolla e estames senaõ imperfeitamente. A olaia e sophora que muitos grandes Botanicos contaõ entre as leguminosas naõ tem os estames adunados como ellas; o astragalus tem a vagem de duas cellulas, e a amorpha tem a corolla de huma so petala, sem embargo disso estes generos pertencem á familia natural das leguminosas, que costumaõ ter a vagem de huma so cellula, e a corolla de quatro petalas. Emfim, ainda mesmo entre as especies do mesmo genero dicto natural, ha plantas que differem bastante nas suas partes, principalmente quanto ao numero e sexo, como v. g. saõ as especies de lepidium, polygonum, phytolacca, cleome, mimosa, &c, &c.

, e que muitas das dictas plantas naõ tem em tudo huma affinidade mutua. Se comparamos huma destas classes com outras vizinhas analogas observamos que os caractéres que faltavaõ em algumas das plantas da dicta classe se achaõ nas das classes immediatas, unidos a outros novos caractéres, que as fizeraõ excluir da primeira classe. Donde resulta que os laços ou affinidades que os Botanicos Naturistas consideraõ nos vegetaes, como meyos para podermos descobrir o verdadeiro methodo natural, naõ saõ para isso taõ favoraveis como elles pensaõ, antes aliás parece, que a natureza nos esconde taõ profundamente o seu artificio, que talvez jamais lhe poderemos arrancar hum tal segredo.

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Sem embargo de que este ultimo sentimento seja assaz provavel, contudo naõ se segue que devamos abandonar inteiramente o projecto de trabalhar em hum methodo natural o mais perfeito que nos for possivel. Todos os grandes Botanicos saõ deste parecer

Haller, Adanson, Jussieu, e Linneo saõ entre os modernos os que fizeraõ as melhores tentativas, que dirigem a este methodo; mas desgraçadamente naõ saõ inteirameite concordes nas metas e generos das suas familias naturaes.
, e convem que ha familias naturaes; a inspecçaõ por ex. da fructificaçaõ e de todo o habito externo da salsa, coentro, cenoira, herva doce, &c. nos indica claramente huma intima analogia entre todas estas plantas, e nolas fará sempre considerar como entes de hum mesmo vasto genero ou familia. E se os Botanicos naõ convem prezentemente aonde este genero começa e onde termina, poderaõ, des cobertas todas as plantas da terra, ajustar os seus limites por huma razoavel approximaçaõ, e practicar o mesmo a respeito das mais familias; o que produzirá grandes utilidades principalmente para estabelecer a respeito das propriedades dos vegetaes melhores regras do que temos prezentemente.

Naõ se segue igualmente que devamos desterrar de Botanica qualquer sorte de systema artificial, e que devamos so occuparnos em fazer methodos naturaes que conduzaõ à perfeiçaõ do methodo dezejado. Os principiantes naõ podem passar sem hum systema artificial, elles naõ se embaraçaõ com affinidades, nem com gradaçoẽs naturaes, e so dezejaõ saber por meyo de poucas operaçoẽs o nome da planta, que encontraõ misturada com outros individios numerosos [p. 286] e de formas differentes. Pelo que sera sempre necessario nas escolas naõ empregar outra sorte de systemas para os introduzir ao estudo de Botanica. Os diversos systemas artificiaes foraõ a causa do progresso que tem feito a Bolanica; cada systematico foy obrigado a observar de novo todos os vegetaes ja observados, a verificar os caracteres conhecidos, e a forcejar por descobrir outros adequados ao seu systema; donde resultou que muitas partes e notas caracteristicas, que dantes tinhaõ sido desprezadas, foraõ bem descriptas, contribuiraõ para melhor fazer reconhecer as affinidades, e enriqueceraõ a Botanica. Os systemas analyticos asem de contribuirem para o adiantamento da Botanica seraõ sempre huns catalogos judiciozos e uteis, pela sua simplicidade, pela brevidade das suas gradaçoẽs, e por ajuntarem os materiaes destinados á construcçaõ de hum bom methodo natural, os quaes hum genio feliz enriquecido de observaçoẽs podera algum dia vir a por em execuçaõ; e ainda mesmo no cazo de termos hum bom methodo natural naõ deixaraõ de servir de ajudarnos juntamente com elle para achar os nomes das plantas com maior certeza e segurança. Eu naõ sou do parecer dos que dizem que basta que haja hum so systema artificial em Botanica, e que os Botanicos deveraõ cuidar em aperfeiçoar hum dos que existem e seguilo geralmente, abando nados todos os outros, por mais aperfeiçoado que seja hum systema artificial tera sempre seus lugares obscuros, seus lados fracos, e naõ sera izento de difficuldades. Nem sempre as partes, que vemos em huma planta, que queremos conhecer, saõ as que servem de fundamento ao systema que seguimos; as [p. 287] que nos podiaõ servir, muitas vezes naõ se achaõ em madureza, ou tem passado; contudo as dictas partes que vemos saõ assaz sufficientes em outro systema para nos fazer conhecer a planta. As notas caracteristicas de hum genero saõ muitas vezes assaz custosas de se perceberem por hum systema, ao mesmo tempo que os caracteres do mesmo genero saõ bastantemente claros e faceis em outro systema. Hum estame abortado, ou supranumerario basta para embaraçar os que usaõ de hum systema sexual, e naõ sabem valerse de outro; em summa, as difficuldades que se achaõ em hum systema podem vencerse com o uso de muitos juntos. Donde resulta, que sem embargo de que demos a preferencia a hum systema, naõ devemos deprezar os mais, principalmente se elles seguem exactamente as suas leys, e saõ formados segundo as regras da boa critica.

CAPITULO XXXIV. Das Classes e Ordens.

Todo o trabalho dos systematicos versa sobre a disposiçaõ, e sobre a denominaçaõ das partes que dispoem, como se collige do que expuz no capitulo precedente. Estas partes ou saõ genericas ou especificas ou variantes. As genericas que constituem as maiores divisoẽs de qualquer disposiçaõ systematica ou methodica saõ ordinariamente as classes, ordens, e generos infimos, e todas ellas saõ sujeitas ás mesmas leys methodicas com bem pouca differença.

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Huma classe (classis), no parecer dos Botanicos modernos, he hum aggregado de muitos generos medios conformes nas partes da fructificaçaõ

Alguns Botanicos modernos saõ de parecer que as classes naturaes devem tirar os seus caracteres naõ so da fructificaçaõ, mas ainda de todo o habito externo, e da mesma sorte os generos infimos, como depois exporei mais extensamente.
, estabelecido segundo os principios da natureza e arte. A ordem (ordo), he hum aggregado de generos infimos estabelecido segundo os mesmos principios, por ser huma subdivisaõ da classe feita para que melhor se possaõ destinguir os generos infimos, que alias causariaõ confusaõ pelo seu grande numero.

As classes humas saõ naturaes outras artificiaes. As naturaes saõ formadas syntheticamente, e constaõ de muitos generos naturaes

Eu naõ me embaraço aqui com a grande questaõ dos naturalistas, se ha ou na naõ generos naturaes, e tomo os termos na accepçaõ, em que Linneo os tomou, segundo a qual hum genero natural he hum aggregado de especies conformes no mesmo caracter natural.
, todos analogos entre si em muitos caracteres, como são as classes das gramineas, umbrelladas, &c. Ellas saõ proprias de hum methodo natural, e se distinguem das classes artificiaes por serem fundadas em muitos caracteres; saõ às melhores na estimaçaõ de alguns autores de materia medica, e dos que dezejaõ hum perfeito methodo natural. As classes artificiaes saõ formadas anaIyticamente, e naõ tem por fundamento a reuniaõ de numerosos caracteres, com as precedentes, mas saõ de ordinario fundadas sobre hum ou dois somente, como saõ as classes Diandria, Octandria, Icosandria, Polyandria, &c. do systema de Linneo. Estas classes [p. 289] saõ proprias dos systemas artificiaes ou mixtos, e nellas se achaõ às vezes familias naturaes inteiras misturadas com generos que naõ lhes saõ analogos; outras vezes todos ou parte dos seus generos naõ tem affinidade alguma natural; outras vezes emfim todos os seus generos succedem por acazo ter huma natural analogia
Esta circumstancia he rara, e so tem lugar quando huma familia natural succede ter entre as muitas notas caracteristicas huma essensial e perpetua, da qual o systema artifcial ou mixto se vale para fundar huma classe, como se vê na Monadelphia de Linneo.
; as classes Syngenesia, Pentandria, Polygamia, Triandria, Monadelphia, &c. do systema de Linneo subministraõ exemplos de todas estas circumstancias.

As ordens, como subdivisoẽs das classes, devem seguir a sua formalidade methodica; por conseguinte as das classes naturaes devem ser fundadas em muitas notas caracteristicas, e as das artificiaes em huma so

Ha alguns methodos denominados naturaes, que devem ser con siderados como mixtos; nelles ha duas, ou tres sortes de classes, como he por ex. o do Dr. Jussieu, as primeiras, e as vezes as segundas quando ha tres sortes de classes, rigorosamente saõ artificiaes, e as ultimas subalternas, a que os seus autores chamaõ ordens, saõ as que verdadeiramente merecem o nome de classes naturaes. Muitas das ordens, que Linneo nos deixou nos seus Fragmenta Methodi Naturalis, devem taõbem ser consideradas como classes naturaes ou fragmentos dellas. Daqui se pode colligir que hum verdadeiro methodo natural, que seguir as suas leys com exactidaõ, deve constar de hum grande numero de classes, e que no dicto methodo ha bastante difficuldade em formar devidamente as ordens. Os autores de methodos naturaes, que estabelecerem as classes em muitos caracteres e fundarem as ordens em hum so, faltaraõ as leys da uniformidade methodica, pela razaõ de que os seus generos medios naõ ficaraõ uniformes aos infimos e supremos, e se assemelharaõ ás ordens artificiaes.
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Alguns Botanicos costumavaõ dividir em duas grandes classes primarias todos os entes do reyno vegetal, a saber, em plantas herbaceas e lenhosas, ou em hervas e arvores; mas a doutrina da fructificaçaõ fez abolir esta sorte de distribuiçaõ primaria que parecia pertencer mais aos troncos

Esta divisaõ naõ me parece ter sido fundada em nota alguma constante; porquanto vemos hervas annuaes e biennaes que tem o tronco de huma consistencia lenhosa; sabemos que a mesma especie de planta pode ser berbacea na Europa, e lenhosa na America; que ha hervas que saõ mais altas do que as arvores; e ainda mesmo a presença dos gomos he insufficiente, porque na Europa ha arvores que naõ tem gomos, como os naõ tem taõbem as dos paizes situados debaxo da Zona Torrida.
do que às flores. Ella naõ p de ser admittida em huma methodo natural; quasi todos os modernos convem hoje que todos os generos devem ser fundados em caracteres tirados das partes da fructificaçaõ, e que todos os vegetaes que nellas convem devem ser reunidos, e separados quando nellas disconvem, observadas aliás todas as mais condiçoẽs necessarias. Ora segundo estes principios he facil de conhecer que a divisaõ das plantas em arvores e hervas naõ pode ter lugar, porquanto ha muitas arvores, que tem nas suas flores e fructos huma intima affinidade com a fructificaçaõ de algumas hervas de maneira que se achaõ misturadas com estas naõ so na mesma classe natural, mas ainda no mesmo genero infimo, como temos exemplos nas leguminosas
Quando as hervas, arbustos, e arvores parecem formar huma gradaçaõ de menor a maior nas especies do mesmo genero infimo, pode-se sem duvida fundar nellas huma distribuiçaõ; mas esta distribuiçaõ he so parcial, e naõ a de que fallo presentemente.
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Nos systemas artificiaes e mixtos quanto mais [p. 291] longas saõ as classes, tanto mais oppostas saõ á natureza, e difficultozas, como saõ por exemplo a Pentandria e Syngenesia do systema de Linneo, e porisso alguns Botanicos lhes preferem o uso das taboas synopticas que observaõ fielmente as suas leys methodicas. As ordens muito extensas taõbem saõ fastidiosas, e causaõ confusaõ em achar os generos infimos. Nos methodos puramente naturaes, as classes ou familias sendo muito numerosas, saõr notadas do mesmo defeito, e porisso os seus autores ordinariamente as reunem em outras artificiaes supremas e primarias, as quaes constituem a sua clave; mas elles deveraõ reflectir que os seus methodos saõ só proprios dos que estaõ ja adiantados em Botanica, e que podem por conseguinte muito bem passar sem esta clave artificial, que senaõ concilia com as suas leys methodicas, posto que sirva de facilidade.

Todas as ideas precedentes saõ relativas á disposiçaõ das classes e ordens. Quanto á sua denominaçaõ, devo advertir primeiramente que os nomes que ha em Botanica podem ser reduzidos a duas sortes ou technicos ou systematicos. Os nomes technicos saõ os que servem para descrever todas as partes dos vegetaes, elles devem ser immutaveis em todos os systemas, e formar a linguagem da Botanica

Desgradaçamente nos naõ temos ainda hum bom tractado elementar que fixe a accepçaõ de todos estes termos; alguns delles saõ obscuros por se naõ acharem ainda definidos, e outros em prejuizo do progresso da Botanica tem accepçoẽs inconstantes segundo as differentes opinioẽ se caprichos dos systematicos, ou segundo as differentes partes a que saõ applicados; o que he defeituoso, porque nas sciencias vale mais usar de muitos termos ou de periphrases, do que de equivocos; à força de querer-mos muito abbreviar, confundimos; os termos imbricatus, nudus, simplex, &c. saõ disto huma evidente prova; hum mesmo termo devera sempre ter a mesma accepçaõ, quer fosse applicado à raiz, quer as folhas, flores, fructos, &c.
clara, [p. 292] fixa e incorrupta. Os systematicos saõ os que servem nos differentes systemas, e como estes seguem differentes leys e saõ fundados em differentes partes dos vegetaes, se entende facilmente que devem ser sujeitos a mudança; os das classes, ordens, generos infimos e especies
Os nomes dos generos infimos saõ menos sujeitos a mudancas do que os das ordens e classes. Os nomes das especies, ou saõ triviaes, ou differenciaes especificos aggregados em huma phrase; huns e outros saõ sujeitos a mudança no cazo que se descubraõ novas especies, ou as descobertas, e ja conhecidas se mudem para outros generos; os triviaes contudo podiaõ, como direi em outro tractado, ser fixados como os technicos e servir a todos os systemas; deste modo somente as phrases especificas, e os nomes genericos intimos e simperiores ficariaõ sujeitos ás mudanças systematicas.
saõ deste numero.

Os nomes das classes saõ mais arbitrarios do que os dos generos infimos, e os das ordens saõ ainda mais arbitrarios do que os dos dictos generos e os das classes. Os nomes das classes e ordens saõ chamados mudos e os dos generos infimos, especies e variedades saõ denominados sonoros, pela razaõ de que naõ costumamos pronunciar os primeiros, mas taõ somente os segundos, quando fallamos de qualquer vegetal; dizemos v. g. pereira, açucena branca, salva officinal variegada, rainunculo aquatico capillar, mas jamais se disse, açucena branca monogynia hexandria.

Segundo a opiniaõ de quasi todos os modernos depois de Linneo, os nomes das classes, e ordens devem somente ser tirados d'alguma das partes da [p. 293] fructificaçaõ, e naõ do uso, virtudes, raiz, tronco, folhas, modo de florecer, &c; elles consideraõ por conseguinte como improprios os titulos de cordiaes, bolbosas, arvores, arbustos, hervas, succulentas, asperifolias, verticilladas, dorsiferas, corymbosas, &c. De mais disso naõ so devem ser tirados das partes da fructificaçaõ, mas devem taõbem ser fundados em huma nota caracteristica essensial, como saõ por ex. os titulos de cruciformes, siliquosas, papilionaceas, leguminosas, &c.

Cada classe deve ter hum so nome, e o mesmo se deve entender a respeito das ordens; este nome naõ deve ser longo ou muito composto, nem aspero ou difficil de pronunciar, mas harmonioso, e curto; taes saõ por ex os de rosaceas, labiadas, dipétalas, digynia, monandria, &c.

Alguns Botanicos costumaõ dar a huma familia ou classe natural o nome de hum genero infimo mais conhecido na dicta familia ou classe, pondo o dicto nome no plural, dizendo, V. g. as abobaras, as açucenas, as malvas, &c. ou usaõ de hum termo derivado do nome dos, dictos generos infimos, dizendo v. g. as cucurbitaceas, as liliaceas, as malvaceas, &c. Estes titulos saõ proprios dos methodos naturaes, e se achaõ as vezes taõbem nos systemas mixtos

Como saõ v. g. os titulos das familias da cryptogamia de Linneo fetos, musgos, algas, e fungos.
; elles podem adequadamente ser applieados às familias, que saõ formadas syntheticamente; o nome de hum genero conhecido prezenta com felicidade ao espirito a idea de huma familia, indicando que [p. 294] as plantas distribuidas debaxo delle saõ summamente analogas nos seus caracteres ao dicto genero. Linneo pensava que todas as vezes que se applicava a huma familia natural o nome de hum genero infimio, era melhor dar ao dicto genero outro nome differente, e essa foy a razaõ porque abolio os nomes genericos
Palma, fungus, alga, muscus, filix.
de palmeira, cogumelo, alga, musgo, e feto sem embargo de terem o cunho de huma alta antiguidade; e lhes substituio outros menos conhecidos.
Adanson, e Jussieu desprezaraõ com razaõ este sentimento; persuadidos que senaõ deviaõ multiplicar nomes sem necessidade, e que semelhantes termos como claros se deviaõ preferir a quaesquer outros desuzados ou barbaros, que ordinariamente se costumaõ empregar; e com effeito naõ se deve desprezar nada que pode contribuir a clarificar a linguagem de huma sciencia, que sendo em si mesma difficil, o sera cada vez mais, se multiplicarmos os obstaculos que poem o seu escuro idioma.

Eu podera tractar aqui ainda de muitas outras circumstancias relativas á boa disposiçaõ e denominaçaõ das classes e ordens; mas como as classes saõ consideradas como generos das ordens, as ordens como generos dos generos infimos, e por conseguinte sujeitas quasi em tudo às mesmas regras methodicas destes ultimos, o leitor entendera facilmente o que falta aqui pelo que direi no capitulo seguinte.

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CAPITULO XXXV. Dos Generos.

Os generos, como ja adverti, huns saõ superiores outros infimos; no capitulo precedente dei as noçoẽs geraes relativas aos superiores, restame illuminar estas noçoẽs por meyo de huma mais extensa theoria, ou pelas leys didacticas dos generos infimos, que devem fazer o objecto do prezente capitulo.

Hum genero infimo (genus), segundo alguns Botanicos he hum aggregado de especies conformes no mesmo caracter natural fundado na fructificaçaõ; mas como ha muitos generos infimos que constaõ de huma so especie, outros pensaõ que hum genero infimo naõ he outra coiza mais do que huma divisaõ systematica que comprehende debaxo de huma palavra e caracter, muitas especies de plantas conformes na fructificaçaõ, ou huma so de fructificaçaõ desconforme das especies vizinhas. Esta ultima definiçaõ naõ agrada contudo geralmente, querendo alguns que a conformidade ou desconformidade deve consistir naõ so na fructificaçaõ, mas nas mais partes relativas ao habito externo, e outros accrescentaõ que he improprio dizer que os generos infimos saõ huma divisaõ systematica, quando todos saõ huma obra da natureza, assim como as especies.

Todas estas ideas tem por objecto as duas mais famosas questoẽs debatidas em Botanica: 1º se os caracteres genericos devem somente ser tirados das [p. 296] partes da fructificaçaõ, excluidas todas as mais do habito externo? 2º. Se todos os generos saõ arbitrarios, ou se ha alguns que sejaõ obra da natureza, como são todas as especies?

Gesnero, Cesalpino, Columna e outros foraõ de opiniaõ que os generos somente deviaõ ser estabele cidos sobre as partes da fructificaçaõ; Linneo seguio este parecer, e a sua grave authoridade o fez seguir por hum grande numero de modernos, mas nem todos adoptaraõ este sentimento, elles opposeraõ a esta theoria o exemplo dos zoologistas, que no reyno animal omittem ordinariamente os caracteres que a natureza poz nos genitaes, e julgaõ sufficientes os que se deduzem dos outros organos. Opposeraõ demais disso que os organos sexuaes e outras partes da fructificaçaõ dos vegetaes, a que se dava a prerogativa, naõ lhes eraõ mais essensiaes do que aquellas em que residia a sua vida, como a casca e medulla; que haviaõ muitas plantas, principalmente cryptogamicas, em que as partes da fructificaçaõ eraõ muito pouco apparentes, incommodas, e insufficientes para nellas se estabelecer bons destinctivos genericos, os quaes pelo contrario se achavaõ nas outras partes e que por conseguinte se devia recorrer a ellas; que os caracteres habituaes bastavaõ muitas vezes sem a inspecçaõ da flor para determinar a familia (a que pertencia hum individuo) e algumas vezes taõbem o seu genero; que era muito util em hum methodo natural, e em medecina reconhecer, as plantas sem flor, porque esta era muito menos duravel do que as mais partes, e que por conseguinte os caracteres fundados nestas partes valiaõ mais neste respeito [p. 297] do que os da fructificaçaõ; que naõ se devia desprezar parte alguma dos vegetaes, porque todas contribuiaõ a fazelos reconhecer com mais certeza; que a theoria da fructificaçaõ desprezadora do habito externo

O habito externo neste sentido indica todas as partes de hum vegetal que naõ pertencem à flor e fructo; de modo que as bractéas e pedunculos fazem já parte do habito externo.
se oppunha ao progresso da Botanica, que tinha por fim o descobrimento de hum bom methodo natural; que no habito externo a natureza esconde hum rico thesoiro de caracteres, o qual nos revelaria sem duvida se bem a soubessemos estudar; que o numero das cotylédores das sementes ou cotylédonismo, e a situaçaõ do corculo na semente subministravaõ os mais invariaveis caracteres primitivos, e que estas relaçoẽs caracteristicas pertenciaõ naõ menos ao habito externo do que á fructificaçaõ; que emfim se Linneo a pezar de ser acerrimo defensor da doutrina da fructificaçaõ naõ deixou de admittir os caracteres do habito externo nas familias dos seus fragmentos do methodo natural; se elle se valeo dos caracteres da inflorescencia nos generos infimos das umbrelladas, amentilhosas, e espadiceas, sem embargo de que estes caracteres pertencem mais ao habito externo do que à fructificaçaõ, naõ ha por conseguinte impropriedade alguma, antes he util empregarmos nos generos, quaesquer que sejaõ, os caracteres do habito externo, porque estes conduzem a fortificar os que saõ fundados na fructificaçaõ. Dizer por ex. que o Polygonum tem o tronco articulado, e as articulaçoẽs ou juntas envaginadas, he [p. 298] dar hum subsidio aos seus caracteres da fructificaçaõ, isto he, ao destinctivo de que constaõ de huma so semente aguda e trigumea; dizer, que as labiadas nascem de sementes de duas cotylédones, que tem as raizes fibrosas, que as suas folhas brotaõ enganchadas, saõ oppostas e simplez, naõ tem estipulas, e que as suas flores saõ oppostas ou em verticillo, &c. he ajudar os caracteres da fructificaçaõ desta familia, os quaes nos indicaõ que nella ha hum caliz tubuloso, huma corolla monopetala irregular de dois labios, apegada ao receptaculo, com quatro estames de que dois saõ mais curtos, o germe quadripartido e tornado emfim em quatro sementes nuas reclusas no fundo do calyz, o estylete terminado em dois estigmas, &c; de maneira que com a reuniaõ de todos estes destinctivos tirados de todas as partes das plantas daremos sempre hum mais seguro conhecimento dos generos, que he hum dos mais proveitosos trabalhos em Botanica. Estas consideraçoẽs naõ tem dobrado os defensores da theoria da fructificaçaõ; elles repondem ordinariamente, que a Botanica tendo muito mais especies que descrever e classar do que a zoologia, e sendo os organos de que esta deduz os caracteres genericos muito mais numerosos do que os daquella devem ambas seguir diversas leys methodicas; que nos animaes os ventriculos do coraçaõ e outros organos relativos ao movimento, sensibilidade, digestaõ e respiraçaõ saõ mais proprios para dar extensos resultados communs do que saõ os genitaes, o que succede pelo contrario nos vegetaes, em que os dictos organos subministraõ vastos destinctivos geraes e uniformes, tanto pelo seu numero, e pela infinidade [p. 299] de formas, como pela sua posiçaõ e apego; que os caracteres, deduzidos do habito somente, serão sempre insufficientes para fundar nelles hum methodo, ou nunca poderaõ ser fundamentaes e primarios; que os fundamentaes so sè podem tirar da fructificacaõ, e que os tirados do habito saõ accessivos e presuppoem a existencia dos precedentes; que pode succeder que na inflorecencia, nas folhas, e outras partes do habito se achem notas uniformes, capazes de ajudar a caracterizar hum genero ou familia, mas que estas notas por si so seraõ insufficientes; que pelo contrario na fructificaçaõ se achaõ sempre notas sufficientes para caracterizar qualquer sorte de generos sem depender das notas do habito externo, como se prova pelo systema de Linneo em que todos os generos saõ fundados em notas tiradas somente da fructificaçaõ; que por conseguinte ainda que seja acertado consultar o habito externo na formaçaõ dos generos, naõ ha necessidade de lhes ajuntar o caracter habitual, mas basta o que he fundado nas notas da fructificaçaõ para os fazer reconhecer com certeza; e emfim que o numero das cotylédones e situaçaõ do corculo, como relativos a semente, rigorosamente pertenciaõ à fructificaçaõ, e o mesmo eraõ os caracteres tirados das umbrellas nas umbrelladas, dos amentilhos, e espadices em razaõ destas partes dizerem relaçaõ ao calyz, que se considera em geral como pertencente á fructificaçaõ. Esta resposta naõ tem parecido justa, nem convincente aos da primeira opimiaõ, e com effeito ainda que se devaõ sempre preferir as partes da fructificaçaõ a quaesquer outras do habito externo, e consultalas em primerio lugar relativamente às [p. 300] affinidades, e formaçaõ dos generos, como sendo as mais essensiaes, parece que senaõ deve desprezar em todos os cazos o uso das notas destinctivas tira das das outras partes; estes destinctivos reunidos com os da fructificaçaõ podem vir a ter a força de essensiaes, nelles parecem ainda mesmo indespensaveis na determinaçaõ dos generos infimos das grandes familias naturaes, como v. g. das gramineas, umbrelladaa &c. cujos generos na opiniaõ dos Botanicos mais imparciaes naõ tem athe agora sido geralmente bem caracterizados somente pela fructificaçaõ.

Quanto à segunda questaõ, Linneo e outros modernos saõ de parecer que todos os generos saõ naturaes, que naõ saõ obra da arte, mas sim do Autor da natureza, que os formou nos primitivos dias do globo terrestre, e que por conseguinte senaõ devem deslacerar, ampliar, contrahir como cada hum quizer ou conforme a theoria de qualquer Botanico; daõ por ex. os generos ranunculus, acónitum, nigella, claytonia, passiflora, hybiscus, e outros semelhantes, que bem examinados parecem indicar que os vegetaes foraõ formados no principio huns segundo a forma dos outros. Esta opiniaõ tem contra si a autoridade de muitos celebres Naturalistas e Botanicos

O Conde de Buffon, o Dr. Daubenton, Oeder, La Mark, &c.
, que asseguraõ que postoque as ideas de cada especie de vegetal saõ subministradas pela natureza, immudaveis, ou somente sujeitas a duvidas que facilmente se podem decidir pela experiencia, naõ he o mesmo relativamente aos generos. Estes variaõ, naõ tem limites certos, dependem do diverso exame, e das [p. 301] differentes ideas de semelhança e dessemelhança que cada Botanico escolhe, de hum maior ou menor numero de caracteres juntos ou do caracter deduzido de huma nota simplez, querendo huns que estas notas ou caracteres sejaõ tirados da flor, outros do fructo, e outros de todo o habito externo. Humas vezes, differenças bem leves saõ bastante razaõ a alguns Botanicos para separarem hum pequeno numero de especies intimamente analogas, e dellas formarem muitos generos infimos, outras vezes pelo contrario hum grande numero de especies diversas em muitos, e graves caracteres que constituem huma classe inteira em hum systema e nelle formaõ differentes generos, so serve em outro para formar hum genero infimo. Parà que hum genero infimo fosse rigorosamente natural era precizo, que as suas extremidades ou simites fossem certos e mvariaveis, mas isto he o que vemos todos os dias desmentido pela experiencia; muitos generos que pareciaõ immudaveis em razaõ das suas especies terem entre si tal semelhança que nenhuma parecia poder-se-lhe tirar, nem alguma outra das conhecidas ajuntar, tem sido desmembrados. Isto he facil de perceber, porquanto por mais immutavel que pareça ser hum genero pode haver contudo huma especie incognita, que tenha humaintima affinidade com huma das especies conhecidas do dicto genero, e esta com ella maior affinidade do que com todas as suas antigas congeneres; vindo pois a dicta especie incognita a ser descoberta, e naõ pertencendo a genero algum conhecido, he claro que reunida com a antiga especie sua analoga formará hum novo genero de duas especies, com des [p. 302] membramento do antigo genero. Naõ he raro ainda suceeder vermos huma ou mais especies conhecidas passar aos novos generos descobertos; vemos taõbem as vezes as especies novas alargar os limites dos antigos generos, augmentar as suas intensidades gradativas, e subministrar-lhes novos vizos; outras vezes succede que hum antigo genero he dissolvido, e inteiramente abolido, repartindo-se as suas especies parte por hum novo genero parte por outros antigos, Os generos da familia das umbrelladas tem sido tantas vezes mudados, quantos tem sido os differentes systemas. He verdade que vemos affinidades bem notadas entre as especies de muitos generos, e entre os generos de muitas familias, mas naõ temos huma plena noticia dos limites destas affinidades, nem sabemos os pontos extremos onde hum genero ou familia começa e termina fixamente; antes pelo contrario notamos ordinariamente està ou aquella especie de hum genero encadear-se com as de outro vizinho taõ intimamente e por visos taõ equivocos, que naõ sabemos a qual dos dictos generos com mais razaõ pertença
A natureza, diz o Conde de Buffon, caminha a occultos passos; naõ se sobmette a nossas divisoẽs, antes parece zombar dellas; passa de especie em especie, e às vezes de genero a genero por modos imperceptiveis, e porisso se achaõ muitas vezes especies, que saõ como hum genero intermedio, ou passagem das do anteoedente ao subsequente: esta he a principal razaõ porque he impossivel de formar hum perfeito methodo ou systema geral de toda a Histotia Natural, e ainda mesmo das suas partes.
. He raro o genero, cujas especies tenhaõ em tudo huma mutua affinidade, ou naõ diffiraõ n alguma parte da fruetificaçaõ, e este he hum dos grandes obstaculos de fixar os seus limites. Ainda que [p. 303] vemos nesta ou naquella familia hum certo numero de especies terem huma nota constante e essensial isto naõ he regra certa para sempre as reunir debaxo do mesmo genero; as especies de epilobium e de anothera por ex. tem todas hum calyz de tubo longo, e isso naõ obstante pertencem na opiniaõ de Linneo a dois generos;, as do sayaõ, conchello, e sedum tem todas nectarios apagados à base do pistillo, e pertencem contudo a tres generos no parecer do mesmo Botanico; pelo contrario as especies de betula, e alnus que elle a principio pensava se deviaõ separar em dois generos foraõ por elle emfim reunidas em hum por terem em cada escama do amentilho tres flosculos, e pela mesma razaõ huma leve differença no apego dos estames das especies de aloe e agave, o persuadio em fim a formar com ellas dois generos, apezar do habito externo dantes lhe ter indicado o contrario; por huma leve semelhança nos estames, esteve quasi persuadido a fazer do alecrim huma especie de salva
Vej. as primeiras ediçoẽs do seu Genera plantarum, aonde consulta os Botanicos a respeito da reuniaõ das especies destes e outros generos.
; a analogia intima da fructificaçaõ e habito externo das especies de potentilla e tormentilla naõ foy sufficiente para inteiramente o convencer a reunilas em hum so genero, a differença de caliz o moveo a polas em dois generos, ao mesmo tempo que esta mesma differença naõ bastou para que separasse a ficaria do ranunculas. Isto bastarà para mostrar que os generos, que este celebre Botanico formou, naõ saõ naturaes nem geralmente proprios [p. 304] para servir a qualquer methodo, como elle pensava; demais disso todos os Botanicos de hoje sabem que muitos delles tem sido mudados tanto na vida como depois da morte do seu autor, e que nenhum tractado systematico, que se tem modernamente publicado sobre os vegetaes de differentes paizes, se tem podido inteiramente servir delles
Ha especies (diz Mr. de la Mark, Flor. Franc. vol. 1.) que sendo como gradaçoẽs naõ pertencem nem a hum nem a outro genero vizinho, sem embargo de serem inclusas em hum delles. Talvez virá tempo, em que, deseobertas todas as plantas que ha no nosso Globo, cada genero fique so com huma espeoe, e cada especie com tantas variedades, quantos forem os individuos. Entre os generos, que Linneo formou, ha mais de quatro centos que tem so huma especie, elle se vio obrigado algumas vezes por novas observaçoẽs a mudar muitas especies dos generos em que dantes as tinha posto, e se hoje fosse vivo, e quizesse attender ainda às que naõ tem o caracter do seu genero, e às que naõ seguem as leys da classe e ordem em que estaõ postas, talvez naõ deixaria de fazer bastantes mudanças.
. Donde resulta em summa, que he impossivel fazer generos inva riaveis e que todos saõ arbitrarios, ou lhes chamem classes, ou ordens, ou generos infimos. Nada deve impedir aos Botanicos de confessar ingenuamente que senaõ podem reduzir as affinidades a limites certos, e he precizo a pezar de todas as commodidades da arte render esta homenagem,á natureza.

Taes saõ as principaes reflexoẽs que se costumaõ de ordinario oppor ao parecer de Linneo, e dos que seguem que todos os generos saõ naturaes, mas ainda que dellas resuste que todos os generos tem limites arbitrarios, e que neste sentido naõ merecem rigorosamente o nome de naturaes, contudo como algumas vezes penetramos felismente as verdadeiras affinidades de hum certo numero de especies [p. 305] vegetaes, e formamos generos e familias de antes assaz analogos na sua estructura natural quando isto tem lugar parece me que semelhantes generos e familias podem conservar a denominaçaõ de naturaes em huma accepçaõ menos rigorosa, pela razaõ das suas especies terem entre si huma intima semelhança natural, reconhecida por todos os Botanicos.

Sendo os generos infimos huma divisaõ systematica, que comprehende, debaxo de hum caracter e palavra, huma ou mais especies, do modo que acima expuz, he precizo explicar o que os Botanicos entendem por caracteres genericos e as suas leys didacticas, sem desprezar as que respeitaõ às denominaçoẽs de cada genero.

O caracter de hum genero (character) he a sua definiçaõ, ou qualquer idea geral deduzida de huma ou de muitas notas, capaz de bem o destinguir de qualquer outro. Segundo Linneo ha quatro sortes de caracteres genericos, a saber, o habitual, facticio, essensial e natural. O caracter habitual he tirado das notas do habito externo, e exprime huma conformidade geral nas partes vegetaes, que naõ dizem respeito à fructificaçaõ; os antigos costumavaõ servir se desta sorte de caracter

Elles comprehendiaõ neste caraeter todas as partes das plantas, ainda mesmo as fiores e fructos, e reconheciaõ às vezes as affinidades das congeneres melhor do que alguns systematicos; os hervolarios ainda hoje, somente por meyo do habito externo, sabem destinguir hum grande numero de plantas.
, mas a doutrina sobre os sexos dos vegetaes, e a theoria da fruetificaçaõ o fez cahir em desprezo, de maneira que hoje naõ [p. 306] tem lugar nos generos infimos
Alguns Botanicos modernos, como ja disse, saõ de opiniaõ que aindaque senaõ deva preferir o caracter habitual a todo o que he tirado da fructificaçaõ, se podem contudo ajuntar a este algumas notas tiradas, do habito externo para mais o facilitar e tornar seguro.
. O caracter facticio ou artificial, he fundado em mais ou menos notas, sufficientes contudo para fazer destinguir com certeza hum genero de todos os mais da mesma ordem ou divisaõ artificial, como v. g. quando se da por caracter generico à açucena, o ter a corolla de seis Pétalas e campanulada, hum rego longitudinal por nectario, e huma capsula de valvulas reunidas com pêlos acancellados: elle he proprio dos generos de hum methodo artificial, como V. g. o de Tournefort
Todos os caracteres genericos abbreviados que se achaõ no Systema Vegetabilium de Linneo ou saõ essensiaes ou facticios.
; mas pode ficar sendo inutil applicado a outro methodo principalmente natural, ou precizar de ser emendado, descobertos novos generos.
O caracter essensial he fundado em huma ou duas notas singulares, e por meyo de huma breve idea faz destinguir hum genero de todos os mais da mesma divisaõ, e as vezes ainda mesmo de todos os generos conhecidos, como he o caracter deduzido do nectario no martyrio, e rainunculo, o do appendiculo escodellado do calyz da seutellaria, &c. O caracter natural he fundado em hum aggregado de notas tiradas de todas as partes da fruetificaçaõ, proprio para fazer destinguir hum genero de todos os demais ja conhecidos no reyno vegetal: como o mais exteriso inclue as notas dos outros caracteres menores e resumidos como saõ o facticio e essensial, e alem disso algumas que saõ commuas [p. 307] a outros generos cuja reuniaõ o constitue naturalmente proprio de hum so genero. Elle he empregado nos generos dos methodos naturaes ou mixtos, e segundo Linneo he melhor ainda do que o caracter essenSial, porque este pode vir a deixar de ser essensial, descoberto hum novo genero, que tenha a mesma nota em que elle he fundado, e o natural pode ficar servindo com tanto que se emende hum pouco
Linneo foy o primeiro que ideou caracteres naturaes, e os publicos no seu Genera plantarum, saõ o fundamento dos generos, no seu parecer, mas rigorocamente o fundamento dos generos he o caracter natural de cada especie considerado separadamente.
.
Tal he por ex. o caracter generico da Açucena dado por Linneo do modo seguinte.

AÇUCENA

Lilium. A traducçaõ, que dou aqui ao publico do caracter generico natural da Açucena, podia ser menos concisa; mas os que conhecem o quanto a lingua Portuguesa se chega à matema latina, tanto no didactico como em qualquer outro estylo, certamente naõ me notaraõ aqui de ousado: aproveitei-me do favor que o seu proprio genio me offereceo.
.

Calyz. Nullo.

Corolla. De seis petalas, campanulada, e estreitada na parte inferior. Pecalas levantadas, encostadas humas as outras, com huma quilha obtusa no dorso, mais largas e mais patentes na parte superior as suas pontas saõ obtusas, grossas, e recurvadas para fora.

O Nectario: he hum rego longitudinal, que se acha gravado em cáda huma das petalas, do meyo para baxo.

[p. 308]

Estames. Seis filetes, assovelados, levantados, e mais curtos do que a corolla. Antheras oblongas, e vacillantes.

Pistillo. O germe oblongo, hum tanto cylindrico o com seis estrias. O estylete cylindrico, e do comprimento da corolla. O estigma hum tanto mais grosso do que o estylete, e triangular.

Pericarpo. Huma capsula oblonga, e com seis regos; obtusa, concava, e trigòna, no cume; composta de tres cellulas, e tres valvulas, reunidas com pelos tecidos em grade.

Sementes. Saõ numerosas, encostadas em duas ordens, chatas, e semi circulares pelo lado externo.

N. B. As petalas em algumas especies tem as pontas nimiamente recurvadas de modo que ficam encaracolladas: O nectario em algumas especies he acompanhado de felpa, e em outras glabro.

[p. 309]

Todos os caracteres genericos devem, segundo Linneo, ser tirados do numero, figura, proporção e situaçaõ de todas as partes da fructificaçaõ. Quanto as mais partes, que constituem o habito externo da planta, o seu parecer foy, que postoque se deviaõ passar em silencio, mereciaõ sempre de ser bem observadas e attendidas por naõ multiplicarmos os generos por leves causas, e nos arriscarmos a fazer generos erroneos. Na formaçaõ dos caracteres devemSe examinar em todas as especies anasogas todas as partes da fructificaçaõ, ainda as mais miudas, e as que escapaõ á vista, ou precizaõ de lente para serem observadas; devem se considerar as notas em que ellas convem e desconvem, combinar a primeira especie com todas as mais, e todas com a primeira, porque naõ ha caracter infallivel sem primeiramente ser conferido e verificado em todas as especies. Na formaçaõ do caracter natural devem-se somente mencionar as notas em que convem todas as especies, e excluir como superfluas aquellas em que as dictas especies desconvem; estas notas devem ser desertptas com termos technicos

Demais disso devem ser escritas em difterentes paragraphos, segundo as differentes partes da fructificaçaõ, e ter por titulo em cima o nome do genero, como se vè no exemplo dado do caracter generico da Açucena.
, breves, decentes, claros, e naõ tirados de semelhancas
Os termos tirados de semelhanças sempre presuppoem ideas claras do primeiro simile, que nem todos podem ter, e porisso se devem evitar o mais que for possivel; devem-se contudo exceptuar os que se achaõ bem defindos, e adoptados pela arte, ou tirados decentemente das partes externas do corpo humano, como dedo, maõ, orelha, etc. Quanto aos obscenos deduzidos de vulva, penis, scrotum, praeputium, testiculi, &c. devemos evitalos, ou para melhor dizer abolilos inteiramente em Botanica, porque temos outros que podem explicar sufficientemente as mesmas ideas sem ferir a modestia. A Botanica he hoje cultivada por muitas pessoas modestas de hum e outros sexo, que naõ podem tolerar semelhante abuso; elle teve origem no pessimo gosto de alguns medicos dos seculos passados e principio deste, os quaes por toda a parte naõ viaõ senaõ objectos e termos anatomicos ainda os mais obscenos e sordidos; a Botanica que elles sós professavaõ naõ podia escapar a esta corrupçaõ, e com aquella mesma frivolidade, com que os applicavaõ a mais nobre entranha do homem (testes enim et nates cerebro tribuerunt) os applicaraõ taõbem ás mais bellas partes dos vegetaes. Linneo adoptou este mesmo gosto de termos, e com razaõ o Dr. Boehmer e outros modernos o censuraõ de os ter muitas vezes prodigalizado; porquanto podramos muito bem passar na descripcaõ das escamas cordiformes, e convergentes das sementes do melampodium sem os termos de formam vulvae, sem o de calyx peniformis no caracter especifico da datura metel, sem o do receptaculo elongato in praeputium no fructo do teixo, sem o de capsula scrotiformis no fructo da mercurial, &c. &c.
. Quanto mais constante he huma [p. 310] parte da fructificaçaõ em muitas especies, tanto he mais certa nota generica ou propria para estabelecer o genero. O numero relativo aos estames, pistillo, calvz, corolla e fracto nem sempre he constante em alguns generos; elle diversifica mais facilmente do que a figura. Quando em hum mesmo individuo achamos flores que diversicaõ no numero das partes, sera sempre mais seguro guiar-nos pelo numero que-se acha na maior parte das suas flores
Linneo (Phil. Bot. p. 123 diz que todas as vezes que em huma planta as flores diversificaõ no numero das suas partes, so se deve attender ao da primeira flor, isto he, ao das flores terminaes, e porisso classou a ruta, chrysosptenium, monotropa, tetragonia, evonymus, philadelphus, e adoxa em classes ou ordens contrarias ás que indica o namero dos organos sexuaes das flores dos lados; mais isto naõ tem sido adoptado por todos os modernos, e com justo motivo; supponhamos por ex. que huma planta da quiuze flores, a terminal com cinco estames e todas as mais que se seguem lateralmente ou desabotoaõ depois, tem todas quatro estames, se a classamos antes na Pentandria do que na Terrandria, a flor terminal sendo huma so e dosflorecendo primeiro que todas as outras porá certamente hum grande obstaculo aos que quizerem achar a classe da planta pelas fiores fateraes que observaõ, pois lhes he necessario estar sempre presentes no periodo em que desabotoa & dicta primeira flor, para poder reconhecer a sua classe; pelo contrario se a classamos na Tetrandria, ninguem duvida que em todo o tempo em que ella der flores, todos poderaõ descobrir facilmente a sua classe. He verdade que a natureza mostra de ordinario nas primeiras fiores todo o Seu vigor e perfeiçaõ, mas às vezes este vigor passa a ser viço, e por conseguinte o mais seguro sera sempre guiarmos pela maior parte das flores, quando quizermos determinar o numero das suas partes.
.

[p. 311]

A figura da flor he hum guia mais seguro, e mais digno de attender-se em geral na formaçaõ dos generos do que a do fructo. Sem embargo de que os antigos parecem ter feito maior cazo da estructura do fructo, contudo todas as vezes que as flores convem, e os fructos differem (concorrendo aliás todas as mais condiçoẽs requisitas) em hum certo numero de especies, todas estas devem ser reunidas

Este parecer he de Linneo, e como o mais methodico e proprio para evitar multiplicidade de generos fundados em leves motivos, parece me que devera ser seguido por todos os Botanicos; contudo o Dr. Jussieu se desviou delle, adoptando a opiniaõ dos antigos, e desunindo por conseguinte em differentes generos as especies ou falsos generos, que Linneo tinha reunido em hum so no rhamnus, pyrus, e prunus, deste modo segundo elle, a pereira, maceira, e marmeleiro çaõ tres generos, e naõ especies de hum so.
de baxo de hum so genero. A figura da corolla naõ deixa algumas vezes de diversificar nas especies do mesmo genero, como se
O Dr. Jussieu e alguns outros modernos querem (contra Linneo) que as especies de geranium, principalmente em razaõ da regularidade e irregulidade da corolla, devem ser divididas em dois generos; mas a anologia das mais partes da fructificaçaõ provaõ a favor do parecer di Linneo.
vê por exemplo nas [p. 312] do geranium.
A sua monopetalidade succede as vezes taõbem diversificar naõ sò nas especies do mesmo genero, mas ainda na mesma especie, como se vê na carica. A proporçaõ das partes da fructificaçaõ he sujeita a diversificar muito nas especies do mesmo genero; pelo contrario a situaçaõ das dictas partes, principalmente a do receptaculo he sempre constante, e por conseguinte della se podem deduzir excellentes caracteres.

As flores viçadas, monstruosas, e mutiladas naõ devem jamais ser fundamento de caracteres genericos, que sò devem ser tirados das flores naturaes. A prole, no cazo de prolificaçaõ, nos fara reconhecer o estado de viço; o calyz, e ultima ordem de petalas podem contribuir para dar-nos idea do estado de huma flor viçada, mas para melhor o reconhecer-mos sera precizo semear ou transplantar a planta viçada no seu terreno natural ou em hum chaõ magro. O calyz he menos sujeito a viço do que os estames e corolla, e os estames menos sujeitos a elle do que as petalas. O nectario, aindaque em algumas flores he sujeito a viçar, naõ deixa contudo de ser hum bom fundamento de caracteres genericos.

Pode haver huma nota singular commua a muitas especies, mas nem porisso se segue que devaõ sempre pertencer a hum so genero; pelo contrario, pode haver na maior parte das espocies de hum genero huma nota singular, que falte nas outras taõbem proprias do dicto genero, e naõ se segue porisso que se devaõ desmembrar, e com ellas constituir dois generos. [p. 313] Nestas circunstancias he precizo attender muito a analogia de todas as partes da fructificaçaõ, sem desprezar contudo o habito externo, e ter sempre presentes estas leys fundamentaes "que naõ se devem reunir plantas que convem so em poucas notas, sendo aliás muito dessemelhantes em todas as mais; nem taõbem que huma planta se deve separar das suas analogas em razaõ de huma nota, quando aliàs convem com ellas em todas as mais ou na maior parte."

No catalogo dos generos de huma ordem ou divisaõ systematica, deve haver cuidado de dispor proximos huns aos outros os que tem mais affinidade entre si, porque esta disposiçaõ naõ so facilita a achar os nomes das especies, mas presenta taõbem commodamente ao leytor as ideas de anologia, e encadeamento dos generos huns com outros, as quaes lhe saõ muitas vezes necessarias.

Tenho exposto em geral o que pertence às leys didacticas de huma disposiçaõ generica, restame tractar das que dizem respeito à denominaçaõ. Depois que hum Botanico descobrio ou formou hum genero, ou depois que observou que hum certo numero de especies convinhaõ no mesmo caracter natural, e por conseguinte pertenciaõ a hum so genero, segue-se imporlhe o nome. Este nome he chamado generico por ser geral e commum a muitas especies, ou idoneo a se lo no cazo que o genero tenha huma so especie; poem-se como titulo sobre huma descripçaõ generica ou caracter natural do genero, e se costuma taõbem pôr antes de qualquer nome trivial ou phrase especifica. Portanto todas as [p. 314] especies que convem no mesmo caracter generico, ou que formaõ hum so e mesmo genero, devem ter hum so e mesmo nome generico, e por conseguinte as que differem em genero devem ter hum nome generico differente.

Como o idioma universal, de que se servem os Botanicos, he o latino, o leytor entendera facilmente que eu somente me occuparei aqui em mencionar as regras relativas aos nomes genericos escriptos em latim, as quaes ce podem reduzir às seguintes.

Todo o nome generico genuino deve convir com igual propriedade a qualquer das especies; a sua significaçam ou idea etymologica nam deve ser adequada a humas especies e inadequada as outras congéneres: porisso os melhores nomes genericos sam aquelles, cuja etymologia he desconhecida, ou cuja significaçam nam allude á estructura, propriedades, usos vegetaes, &c. mas so serve de conservar a memoria de alguma personagem benemerita principalmente dos grandes Botanicos, e dos que se assinalaram em protegelos, ou em promover a Botanica. Segundo Linneo os nomes genericos, cuja significaçaõ envolve hum caracter essensial, ou hum destinctivo habitual, podem ser considerados no numero dos melhores, taes como v. v. o de adenanthera, e glycyrrhiza, o primeiro indicando o caracter essensial de hum genero, cujas especies tem todas huma glandula nas antheras, e o segundo indicando o destinctivo habitual de outro, cujas especies tem todas a raiz doce: mas na supposiçaõ

Esta hypòthese he assaz possivel e conforme à doutrina de Linneo, que confessa que hum caracter essensial pode deixar de o ser, descobertas novas especies, e que huma nota singular pode convir ora a muitos generos, ora somente á maior parte das especies de hum so genero. Vej. Phil. Bot. de Charact.
que se descubra huma [p. 315] nova planta, que sem embargo de naõ ter a glandula nas antheras, tenha em tudo o mais huma taõ intima affinidade com as mais especies de adenanthera, que mereça por todas os respeitos de ser considerada como congenere das dictas especies, e que appareça taõbem outra, que naõ obstante ter a raiz insipida, mereça por todos os mais motivos de ser huma especie de glycyrrhiza, necte cazo os nomes genericos não convem com propriedade ás novas especies, antes so servem de dar huma falsa idea dellas. O mesmo Botanico diz que se devem rejeitar os nomes genericos barbaros, isto he, que naõ tem a raiz etymologica no latim ou no grego; mas como elle admitte por bons os nomes dos Botanicos, alatinados, os quaes na realidade saõ barbaros, o dicto sentimento naõ parece dever ser seguido, muito principalmente por serem de ordinario os nomes barbaros alatinados os melhores genericos, e os que tem a etymologia no grego ou latim commumente os peiores por naõ convirem geralmente a todas as especies
Chrysanthemum v. g. significa etymologicamente flor cor d'oiro mas como a especie leucathemum he hranca, se confiamos na etymologia, diremos: flor cor d'oiro branca, o que he absurdo.
.
O nome de Boerrhaavia v. g. que naõ allude a parte alguma da fructificaçaõ, nem do habito externo, &c. mas taõ somente quer dizer: Planta que nos conserva a memoria do grande Boerrhaave, pode porisso mesmo ser applicado a infinitas especies com igual propriedade, porque em qualquer dellas a memoria de [p. 316] Boerrhaave pode igualmente ser perpetuada. Linneo diz taõbem que os nomes genericos latinos ou gregos de que naõ sabemos a etymologia naõ saõ os melhores nem dignos de serem imitados. Que nos emporta saber as etymologias, quando sabidas nos conduzem ordinariamente a erro? Naõ vale mais ignorar as estymologias do lilium, quercus, beta, rosa, populus, &c, do que sabelas e ver que segundo ellas os dictos nomes naõ seriaõ adequados a todas as suas especies?

Donde se segue que senaõ devem usar nomes genericos fundados em semelhanças das partes

Principalmente as obscenas, e porisso senaõ devem imitar os termos phallus, clitoria, orchis, &c.
do corpo humano como auricula, umbilicas veneris, &c. em ideas pathologicas, como verrucaria, paralysis, &c. em ideas therapeuticas, como ptarmica, cardiaca, hepatica, vulneraria, &c. nem de usos externos contra os insectos e vermes como v. g. cimifuga, nem em ideas de instrumentos de officiaes, trastes, moveis, e coizas semelhantes empregadas em usos economicos, como v. g. saõ os de biserrula, sagittaria, bursa pastoris, camara, &c, porquanto semelhantes nomes jamais poderaõ competir adequadamente a todas as especies. Pelo mesmo motivo saõ incompetentes os que envolvem a idea da habitaçaõ, como molucella, ternatea, parietaria, littorella, &c. porque a mesma planta que se da nas Moluccas e em Ternate se pode dar na America, a que se dá nos muros, pode habitar em outros lugares, e alem disso semelhantes nomes seraõ inadequados ás congeneres que se podem descobrir em outras differentes habitaçoẽs e paizes. Do [p. 317] mesmo modo saõ improprios os nomes que terminaõ em oides ou formis, como cuminoides, sediformis; primeiramente porque presuppoem ideas de outras plantas que podemos ignorar, e em segundo lugar porque he rarissimo que semelhantes nomes convenhaõ a mais de huma so especie. Igualmente todos os nomes proprios de animaes ou suas partes, como locusta, scolopendrum, buglossum, cynoglossum, &c. ou ainda dos mineraes, como granatum, plumbago, &c.; porquanto alem de senaõ deverem confundir as denominaçoẽs dos entes dos reynos da natureza, as semelhanças, e motivos que elles tem por fundamento saõ ordinariamente vagos, ou obscuros, e podem naõ convir a todas as especies. Eu naõ sei porque razaõ Linneo admitte, como bons, os nomes genericos formados de duas palavras gregras como v.g. chrysocome, e diz que senaõ devem tolerar os latinos compostos taõbem de duas palavras, aindaque indiquem as mesmas ideas que os gregos compostos como v. g. comaurea; no meu parecer huns e outros rarissimamente merecem ser usados, porque ou saõ longos, ou quando o naõ sejaõ, saõ sujeitos a dar ideas, que naõ convem com igual propriedade a todas as especies, circumstancia que se oppoem á condiçaõ e natureza de hum nome generico. Pelas mesmas razoẽs senaõ devem usar taõbem nomes compostos de huma palavra grega e outra latina como v. g. pseudoruta, pseudodictamnus, muito principalmente, se envolvem na sua composiçaõ algum nome generico conhecido, como saõ os dois citados; nem taõbem os compostos de huma barbara e outra latina como toluifera, indigofera, &c.

[p. 318]

O nome generico deve ser inteiro e naõ constituido por duas palavras separadas como v. g. dens leonis, porque esta separaçaõ he contraria á facilidade e simplicidade methodica. Linneo he de parecer que os nomes genericos substantivos saõ melhores do que os adjectivos, e que os diminutivos ainda que toleraveis naõ saõ os melhores, mas todos elles me parecem igualmente bons quando convem adequadamente a todas as suas especies, e guardaõ as mais leys necessarias.

Os nomes de arvore, herva, planta, vegetal, arbusto, e surbarbusto (arbor, herba, planta, vegetabile, frutex, suffrutex), como nimiamente geraes aos entes do reyno vegetal saõ improprios dos generos infimos, e se reunimos qualquer delles a outro termo como por ex. arvore da vida, herva de S. Ioaõ, arvore das açucenas, &c. (arbor vitae, herba S. Joannis, liriodendron, &c.) naõ ficaõ sendo menos improprios, como se collige do que fica acima dicto. Os nomes de siliqua, nóz, folha, espiga, tuberosa, bolbosa, e em summa qualquer termo technico naõ deve servir de nome generico, porque todos saõ destinados pela arte comente á descripçaõ das partes do genero e das suas especies. He pois huma regra geral que a significaçaõ de hum nome generico quer seja grego quer latino daõ deve ser equivoca, ou identica com as dos termos technicos, nem ainda com as que se empregaõ para indicar a habitaçaõ das plantas, e porisso os nomes v. g. phyllon, polyanthes, alpina, que querem dizer, folha, multifloro, indigena das serras geladas, saõ improprios de ser usados como genericos. Naõ se devem taõbem formar dos nomes technicos [p. 319] ajuntandolhes huma ou duas syllabas como v. g. terminalia.

Os nomes genericos naõ devem ser escritos com lettras gregas, mas latinas; naõ devem ser longos, difficeis de pronunciar-se ou malsoantes, como v. g. callophyllodendron, acrochordodendros, caráxeron, mas curtos

Naõ devem ter mais de doze lettras, segundo Linneo; no meu parecer, nenhum nome generico ou especifico deve ter mais de cinco syllabas.
e harmoniosos; a sua terminaçaõ deve ter o cunho latino, facil e assaz usado, e naõ ser barbara ou exquisita como v. g. tetrahit, quamoclit; Linneo considera por menos usadas, e como taes oppostas á facilidade, todas as terminaçoẽs em e, i, u, ois, n, como v. g. ballote, seseli, phu, hedyphois, e triglochin. Deve taõbem haver cuidado de naõ formar nomes genericos de outros ja usados, ajuntandolhes huma ou duas syllabas, ou mudando-lhes a terminaçaõ, porque isto causaria confusaõ; por este motivo seriaõ maos v. g. os nomes adonia, saliunca, myrtillus, porque temos adonis, salix, e myrtus de que elles pouco differem, e do mesmo modo lycopus e lycopsis, lycoperdon e lycopersicum, que saõ muito semelhantes e terminaõ em hum som equivoco quasi rimado.

Segundo Linneo os nomes genericos que se achaõ adoptados naõ se devem mudar por outros mais competentes ou melhores, porque todos os dias achariamos ainda outros mais adequados e jamais cessariamos de innovalos, se tivessemos autoridade para isso. Esta idea parece-me ser acertada quanto aos bons nomes genericos, que hoje se achaõ adoptados, e que [p. 320] competem com igual propriedade a todas as suas respectivas especies; mas quanto aos que saõ maos ou vierem a selo, naõ vejo razaõ forte que empeça de mudalos, em hum bom systema de nomenclatura, que fixe os nomes de todos os vegetaes

Este meu sentimento talves parecera estranho a alguns Botanicos, mas eu espero de publicar em outro tractado o modo com que elle se podera pôr em execuçaõ sem os inconvenientes que se costumaõ commumente objectar.
.

Cada novo genero deve ter hum novo nome; mas se for preciso partir hum genero antigo em dois ou mais, o nome do antigo ficará, ás especies mais conhecidas, medicinaes, ou ás que melhor competir a sua significaçaõ etymologica, e as de mais especies do dicto antigo genero seraõ destribuidas debaxo de outro nome generico ou formado enteiramente de novo, ou tirado da synonymia das dictas especies, que se devem sempre preferir no cazo que seja bom.

[p. 321]
CAPITULO XXXVI. Das Especies.

As especies saõ a subdivisaõ do genero, assim como esta subdivide a ordem. Toda a especie (species) he huma forma vegetal creada nos primitivos dias da terra pelo Deos da natureza, e conservada em successivas reproducçoẽs de plantas hermaphroditas, monoicas, dioicas, ou polygamas sempre essensialmente semelhante. Esta semelhança naõ deve ser tomada em hum sentido exactissimo, e em todos os accidentes, mas somente na estructura essensial, porquanto he sujeita a variedades ou a certas differenças accidentaes e de pouca duraçaõ. Donde se deduz que tantas saõ as formas essensialmente diversas que hoje vemos, quantas saõ as especies. Estas formas foraõ dadas no principio aos primeiros individuos de cada especie juntamente com certas leys generativas; em razaõ destas leys tem sido conservadas athe agora e seraõ perpetuadas em quanto existir a prole dos dictos individuos; ellas jazem, pelo assim dizer, potencialmente retractadas na estructura intima do corculo das suas sementes; este corculo ou conserva a sua estructura propria e força germinativa, ou naõ; se naõ conserva estas condiçoẽs perecerá infallivelmente, e se as conserva dara o producto que se achava retractado na sua intima estructura, isto he, hum individuo que tenha a mesma forma da planta materna que o gerou. O terreno e algumas outras causas [p. 322] externas poderaõ fazelo desviar hum pouco da forma costumada, mas elle seguira sempre as leys da sua estructura essensial ou conservará sempre sufficientes notas caracteristicas da sua especie original. Se huma planta por ex. varia nos fructos ou divisaõ das folhas, a forma do tronco, flores, sementes, &c. apontaraõ a especie a que elle pertence. Donde resulta que podem haver muitas novas variedades, mas naõ especies novas, nem

As transformaçoẽs das sementes saõ assaz desmentidas pelas razoẽs mencionadas; alem disso naõ consta que nos jardins Botanicos aonde ha muitas mil plantas jamais se tenhaõ observado; as disseminaçoẽs clandestinas e a germinaçaõ das sementes que estiveraõ alguns annos occultas illesamente debaxo da terra saõ certamente a causa occasional de semelhantes enganos.
metamorphoses de especies, como alguns tem disputado.

As especies tem seus caracteres, assim como os generos; estes caracteres saõ chamados especificos: os dos generos devem, segundo Limneo, ser tirados so das partes da fructificaçaõ, mas os das especies podem ser deduzidos de todas as partes da planta. Os caracteres especificos saõ de tres sortes ou essensiaes, ou synopticos, ou naturaes; os dois primeiros presentaõ em huma phrase (posta depois do nome generico) as principaes notas constantes, pelas quaes huma planta differe de todas as outras conhecidas no mesmo genero; o ultimo contem em muitas phrases o de talhe exacto de todas as partes de huma planta quer seja solitaria no seu genero, quer acompanhada de outras congeneres conhecidas. O caracter essensial he fundado em huma nota singular differencial, propria de huma so especie, e enunciada em duas ou tres [p. 323] palavras, como v.g. tanchagem de hastea uniflora, betula de folhas redondas, e crenuladas; quando se pode descobrir este caracter, deve-se extinguir o synoptico, como mais extenso, e se nos o podessemos obter em todas as especies, a sua brevidade, facilidade e certeza poriaõ certamente a Botanica no seu summo grao de perfeiçaõ. O caracter synoptico he fundado em huma aggregaçaõ de notas destributivas, das quaes humas convem ás especies proximas, outras differem dellas, mas achando-se reunidas em huma somente a fazem destinguir de todas as mais congeneres conhecidas, como v.g. quando dizemos: salgueiro de folhas serreadas, glabras, ovadas, agudas, e quasi rentes. Vêse claramente que este caracter he sempre mais extenso do que o essencial, mas quanto menos extenso for, tanto melhor sera, contanto que a sua brevidade o naõ faça ficar insufficiente, defeito que alguns Botanicos notaõ nalguns das especies do systema de Linneo. Ordinariamente costuma ser annunciado por doze athe quatorze vocabulos quando muito, e com effeito parece que este numero he sufficiente aos caracteres synopticos ainda considerados na sua maior extensaõ; porquanto supponhamos por ex. que hum genero he vastissimo e consta de cem especies (o que he rarissimo); todas estas especies por hum methodo synoptico seraõ quando muito divididas 1º em duas vezes 50

Se ellas saõ susceptiveis de se dividir 1º. v. g. em tres partes como 26, 34, 40, he claro que as subdivisoẽs daraõ ainda menos vocabulos.
; 2º cada cincoenta em duas vezes 25; 3º este numero em [p. 324] 13
Ponho 13 em lugar de 13 mais 12 por evitar prolixidade nas subdivisoẽs posteriores, entendendo-se facilmente que 13 deve ser dividido em 7 e 6, e 12 em duas vezes 6 e assim dos mais.
; 4º este em 7; 5º este em 3; 6º este em dois e hum; 7º estes dois em hum; o que quando muito daria quatorze termos, sette adjectivos e sette substantivos, e ainda estes ultimos em razaõ de serem repetidos algumas vezes fariaõ diminuir o numero, como se pode ver no ex. seguinte: 50 caule lenhoso; 25 folhas oppostas; 13 folhas pinnuladas; 7 foliolos serreados; 3 foliolos ovaes; 2 pedunculos unifloros; 1 pedunculos bracteados; onde se vê que sem embargo de haverem quatorze termos, se podem contudo reduzir a onze, naõ repetindo os termos folhas, foliolos e pedunculos, e deste modo o caracter synoptico seria enunciado (N.. .)
(N...) lugar do nome generico.
de caule lenhoso; com folhas oppostas, e pinnuladas; foliolos serreados, e ovaes; pedunculos uniflores e bracteados. O caracter natural de huma especie he a descripçaõ de todas as suas partes consideradas desde o estado de germinaçaõ e radicaçaõ athe a fructificaçaõ inclusivamente; elle inclue todas as notas, pelas quaes ella convem e desconvem com as mais plantas do reyno vegetal, he immutavel, em todos os systemas, e ainda no cazo que se descubraõ milhares de plantas novas jamais sera alterado, se huma vez foy delineado bem ao natural, e ficou sendo hum perfeitissimo retracto da planta a que so compete; elle envolve em si, pela sua grande extensaõ, as notas fundamentaes dos outros caracteres naõ so especificos [p. 325] mas ainda genericos, e no meu sentimento huma obra que contivesse os exactos caracteres naturaes de todas as plantas conhecidas seria o mais precioso monumento de Botanica, ou para melhor dizer, hum rico archivo Botanico de que se poderiaõ servir illuminadamente todos os systematicos. O modo de poder contribuir para que a pesteridade chegue a gozar de huma obra semelhante seria fazer uso destes caracteres exactos na descripçaõ das plantas de qualquer paiz, a que chamaõ Floras ou Phytographias, em lugar de empregar somente os caraoteres synopticos, essensias, ou pedaços de caracteres naturaes, como muitos
A razaõ que elles costumaõ dar ordinariamente he, que as longas descripçoẽs saõ fastidiosas e naõ se lêm; mas deveraõ reflectir que as descripçoẽs breves ou phrases synopticas e essensiaes saõ sujeitas a mudanças e a serem insufficientes em novos systemas ou descobertas novas plantas; e que pelo contrario hum caracter natural especifico bem delineado he immudavel, e como tal se recorrera sempre a elle, e sera sempre lido por todos os verdadeiros Botanicos, ainda que o naõ seja pelos que so querem ter huma noticia superficial de Botanica. Vale mais gastar muitos annos, e fazer obras solidas do que edificar sobre a area apressadamente só por granjear em pouco tempo o nome de architecto.
costumaõ hoje fazer; eu naõ contrarío nisto o uso dos caracteres resumidos, que reconheço serem muito uteis pela sua brevidade e facilidade, mas como elles variaõ segundo os systemas, sou de parecer que se devem por em hum catalogo à parte.
O que descobre huma nova especie deverá taõbem publicar sempre em primeiro lugar o seu caracter natural, e depois delle o caracter abbreviado, pelo qual elle a destingue das suas congeneres segundo o genero do systema, que segue. Alguns Botanicos costumavaõ ajuntar o caracter [p. 326] synoptico ou essensial a huma especie solitaria no seu genero
Como v. g. Mathiola de folhas asperas, hum tanto redondas, e de fructo denigrido: assim especificada pelo Padre Plumier, celebre botanico d'Elrey de França no serviço da America.
, Linneo se oppoz com razaõ a este abuso, dizendo que semelhantes destinctivos eraõ superfluos, e que se deviaõ deixar entre as mais notas do caracter natural athe se descobrir huma segunda especie; e com effeito hum caracter essensial ou synoptico sendo a differença especifica por conter as notas distinctivas, pelas quaes huma especie differe das suas congeneres conhecidas, se estas naõ existem, naõ pode haver destinctivo.
Mas eu naõ vejo que haja nesta circumstancia sufficiente razaõ de omittir o caracter natural especifico nos catalogos geraes das especies do reyno vegetal
Como saõ o Species plantarum, e o Systema vegetabilium de Linneo.
, e de pôr simplesmente o nome e caracter do genero, como se costuma hoje fazer; supponhamos que nos queremos servir de hum dos dictos catalogos para herborizar em hum paiz, e que encontramos huma especie nova, intimamente conforme em todas as notas genericas à primeira especie solitaria ja conhecida: como poderemos nos saber se he huma nova especie, ou he a ja conhecida?
O caracter generico que vemos não nos illumina, nem nos faz duvidar; se nos tiveramos prezente o caracter natural especifico da planta solitaria no seu genero, poderiamos combinando naõ sò as suas partes da fructificaçaõ, mas ainda as de todo o habito externo com as da planta que [p. 327] vemos, decidir facilmente que ella he differente da planta que encontramos, mas como o não temos no catalogo nem nos podemos lembrar clara e completamente delle, arriscamo-nos a desprerar de a colher para o nosso hervario, decidindo erradamente, e em prejuizo do progresso de Botanica, que he a mesma especie ja conhecida, muito principalmente se a dicta nova especie tem muitas notas habituaes semelhantes a ella. Peloque, penso que o caracter natural
Este caracter como involvendo em si todas as notas da fructificaçaõ e mais partes do habito externo, satisfaz completamente a ambas as relaçoẽs de genero e especie, debaxo das quaes se podem considerar semelhantes plantas solitarias. Eu tractarei mais particularmente deste sujeito na minha Specinomia vegetabilium.
das especies solitarias em seus generos deve sempre ser mencionado nos predictos catalogos.

As notas differenciaes, em que se costumaõ fundar os caracteres essensial e synoptico, saõ tiradas do numero, figura, proporçaõ e situaçaõ das partes constantes ou menos sujeitas a variar. As raizes podem subministrar excellentes notas destinctivas, mas como ordinariamente senaõ podem metter nos hervarios, e que para as poder observar he precizo sempre arrancar a planta, o que senaõ deve fazer nos jardins, naõ devemos recorrer a ellas senaõ no cazo urgente de naõ ter outros meyos de bem destinguir as especies, como succede por ex. nas orchideas. Podemos, em lugar dellas, servirnos dos troncos, ramos, pedunculos, peciolos, e principalmente das folhas, as quaes fornecem ordinariamente as mais bellas, e naturaes differenças. Os gomos, bolbilhos sobreradicaes, as armas, bracteas, estipulas, glandulas, e a [p. 328] inflorescencia ou disposiçaõ das flores podem taõbem dar-nos muitas vezes excellentes sinaes destinctivos. O cotanilho, felpa e pêlos saõ ordinariamente empregados nos caracteres synopticos como notas concomitantes; ellas saõ contudo as menos seguras, porque costumaõ falhar ás vezes em razaõ da cultura, terrenos e idade das plantas

Todas as vezes que os individuos naõ tiverem outra differença mais do que os pêlos, naõ se devem reputar por differentes especies, assim o Thymus serpillum e glabrum saõ sò variedades da mesma especie; a Herniaria glabra e hisurta, de que Linneo fez duas especies, parecem taõbem ser somente variedades, e talvez ainda muitas outras.
. As notas das partes da fructificaçaõ, quando contribuem para formar o caracter generico natural de modo que ficaõ sendo geraes a todas as especies, naõ podem entrar nos destinctivos synopticos ou essensiaes especificos, por ser contradictorio convir e desconvir ao mesmo tempo; mas quando naõ saõ geraes podem muito bem servir de fundamento aos dictos caracteres, e Linneo se utilizou dellas para caracterizar as especies de tilha, lepidium, viola
A viola mirabilis ainda que dá na primavera flores radicaes petaleadas, como no estio todas as suas flores caulinas saõ despetaleadas e dellas resulta o fructo, a falta de corolla foy julgada ser huma excellente nota para a caracterizar especificamente.
, gentiana, phytolacca, hypericum, polygonum, &c, &c.
Os sexos masculino ou feminino saõ insufficientes destinctivos para poderem constituir diversas especies; o canamo feminino v. g. naõ he huma especie differente do canamo masculino, mas huma so especie
Os sexos separados saõ postos no numero das variedades naturaes pelos Botanicos modernos. Os antigos antes de Camerario naõ tendo hum exacto conhecimento dos sexos, davaõ ás vezes o nome de macho á planta, que pensavaõ ter mais virtude medicinal ou ser mais vigorosa do que outra intimamente analoga, e esta porisso mesmo que tinha menos virtude, vigor, ou extensaõ era segundo elles denominada femea; daqui procederaõ os erros de darem os dictos nomes ás hermaphroditas, e ás cryptogamicas de sexo obscuro, como v. g. paeonia mas, paeonia faemina, filix mas, filix faemina, &c, e de chamarem masculas as que eraõ femininas e vice versâ, como se vê no canamo e mercurial.
; porem o ser huma [p. 329] planta dioica, monoica ou hermaphrodita pode servir algumas vezes de nota sufficiente para constituir hum dos dictos caracteres especificos ou contribuir a formalos, como v. g. quando hum genero tem duas especies huma dioica e outra monoica, dez especies oito hermaphroditas e duas dioicas, &c.
A duraçaõ annual, biennal ou perennal das plantas naõ he huma nota sempre constante, e depende mais do lugar da habitaçaõ do que da natureza da planta, as chagas por ex., a manjerona, &c. saõ vivaces nos paizes quentes de que saõ indigenas, e annuaes transplantadas nos paizes frios; por este motivo Linneo considerou sempre semelhantes duraçoẽs como muito fracos destinctivos, elle confiou mais sobre as duraçoẽs relativas das partes, taes como a persistencia, decadencia, e caduquez, e as empregou tanto nos caracteres especificos como genericos.

A cor varia muito na mesma especie; a raiz da cenoira ora he amarella ora vermelha ou branca; as do rabaõ radisio huma vezes he branca outras denigrida; as folhas da mesma especie de aquifolio, buxo, persicaria, amarantho papagayo, &c. ora saõ inteiramente verdes ora variegadas; na faya, na alface e armoles hortense saõ ou verdes ou vermelhas, e nas couves naõ deixaõ taõbem de haver exemplos de [p. 330] mudança de cor nas folhas. Mas nenhuma parte be mais sujeita a variar de cor na mesma especie do que a corolla passando ora a cores mixtas ora a cores simplez, de que temos exemplos nos jacinthos, tulipas, rainunculos

Tournefort contou em huma sò especie de jacintho 36 variedades, 93 em huma especie de tulipa, e mais de 200 em huma de rainunculo.
anemones, quejadilho, orelha de urso, goivos, cravos, &c.; a cor azul e vermelha passaõ facilmente para branca; no cravo, trevo, papoila, rosa, betonica, serpaõ, &c. temos bastantes exemplos da mudança de vermelha em branca, e na verdeselha, borragem, chicoria, &c. da azul em branca; no trevo de cheiro, verbasco, tulipa, &c da amarella em branca; nas ervilhas e boninas, da branca em purpurea; no açafraõ, da azul em amarella; da vermelha em azul no murriaõ, &c, &c. Os pericarpos e sementes taõbem saõ sujeitos a variar de cor; quanto aos pericarpos, temos exemplos nas ameixas, maçans, groselhas, framboêzas, &c.; e quanto ás sementes o milho, feijaõ, e dormideiras nos presentaõ taõbem variedades de cor assaz evidentes. Donde resulta que as cores dos vegetaes aindaque possaõ entrar no caracter natural das especies, naõ saõ
Esta regra geral he sujeita a algumas excepçoẽs no parecer de alguns Botanicos; algumas especies de Lichen e Agaricus segundo elles, naõ se podem bem destinguir sem empregar os caracteres fundados nas cores, e as divisoẽs synopticas das especies de gnaphalium e achillea, fundadas na cor branca e amarella das flores, saõ bem acertadas, e seguras; elles pensaõ que ha flores de cores fixas, e muitas que rarissimamente mudaõ de cor; que por conseguinte naõ ha razaõ sufficiente para naõ as empregarmos nos caracteres synopticos; segundo elles, Linneo estabeleceo a este respeito huma regra nimiamente severa, e devera attender que muitas das notas tiradas da determinaçaõ das folhas, e direcçaõ do tronco, que elle admittio geralmente como excellentes, saõ algumas vezes menos seguras do que as cores de algumas flores.
notas seguras, em que se possaõ fundar os synopticos ou essensiaes.

[p. 331]

Os cheiros como variaõ segundo os olfactos de differentes individuos, e naõ saõ susceptiveis de se poderem bem definir, naõ podem subministrar destinctivos claros das especies, nem ainda mesmo os que saõ denominados cheiros comparativos ou allusivos aos das plantas mais conhecidas; como v. g. ao do limaõ, herva doce, herva cidreira, cravo, canella, &c. Os sabores variaõ taõbem naõ so segundo os diversos organos gustativos, e idades de cada individuo, mas ainda segundo os terrenos e climas, e emfim podem ser adoçados e abrandados pela cultura: donde se collige que devem ser excluidos dos caracteres synopticos e essensiaes; demais disso as observaçoẽs gustativas saõ arriscadas, havendo algumas plantas, de que basta que hum modico succo toque a lingua para envenenar.

Os defeitos procedidos de enfermidade, mutilaçaõ, de viço ou monstruosidade em qualquer parte que se achem nas plantas saõ incapazes de poder servir de notas em caracter algum especifico; as flores dobradas, semidobradas, proliferas e mutiladas devem somente ser consideradas como notas naõ naturaes, que so podem caracterizar huma variedade de especie: alem disso as plantas, a que ellas pertencem, sendo originarias das especies naturaes, conservaõ sempre os sufficientes destinctivos da sua propria [p. 332] especie, e da mesma sorte que hum monstro naõ constitue especie entre os animaes, assim taõbem entre os vegetaes.

As virtudes e tisos diéteticos, medicinaes, e economicos, como naõ constituem partes das plantas, nao devem ser fundamento de caracteres especificos, ainida que possaõ entrar nas descripçoẽs historicas das es pecies; donde se segue que saõ erroneos todos os termos empregados nas phrases especificas destinados a indicar as virtudes e ussos, como v. g. purgativo, antiscorbutico, officinal, usual, venenoso, mortal, sadio, saudavel, dormideira, furioso, alimentar comestivel, bom para bassoiras, penteador, usado dos tintureiros, bom para tintas, &c., &c.

Os diversos climas, paizes e quaesquer lugares relativos á habitaçaõ das plantas, como sendo-lhes accidentaes, naõ podem subministrar boas notas especificas. Alem disso as plantas que se daõ em huma parte do nosso globo podem-se dar em outra; temos exemplos de muitas especies naturaes da Lapponia e Siberia, as quaes se achaõ igualmente no Canadá, outras que naõ saõ mais particulares á Europea do que á Africa, e outras emfim que sendo indigenas da Asia nascem naturalmente taõbem na America; as mesmas especies, que se daõ nas lagoas, achaõ-se ás vezes nas altas montanhas; ha algumas que se daõ tanto nos charcos como nos bosques, e outras que saõ raras em hum paiz e abundantes em outro. Os que vem huma grande collecçaõ de plantas de todas as partes da terra em hum jardim Botanico, ou em hum copioso hervario de plantas seccas ou estampadas, e dezejaõ descobrir o nome de huma planta [p. 333] ou estudala por hum systema, so se podem servir dos termos relativos à sua estructura, ficando-lhes indifferentes ou superfluos todos os que dizem respeito, á sua habitaçaõ. Donde resulta que os termos geographicos, e todos os que saõ relativos á habitaçaõ das plantas, naõ devem entrar em caracter algum especifico, e que por conseguinte saõ erroneos os de Africana, Europêa, Asiatica, Americana, occidental, oriental, austral, Portugueza, Hespanhola

Este defeito ficou nos nomes triviaes.
, Brasileira, Italiana, Franceza, &c. e igualmente os de sylvestre, palustre, aquatica, campestre, agreste, montana, maritima, que nasce nos muros, rochas, searas, séves, alqueives, prados, prayas, bosques, &c. como taõbem os de hortense, rara, vulgar, &c.

Os tempos de crescer, e florecer, como sujeitos a mudar e accidentaes ás plantas, naõ podem ser fundamento de notas especificas, e por conseguinte se empregariaõ erradamente nos caracteres especificos os termos de serodeo, temporaõ, da primavera, outono, estio, inverno, de Março, Mayo, de todos os mezes, de huma hora, que florece de noyte, &c.

A grandeza absoluta, ou commensurativa das plantas he sujeita a variar muito segundo o terreno, clima, abundancia de succos, &c e porisso fornece notas pouco seguras; o gyrasol v. g. em hum terreno magro darà folhas da largura de maõ travessa, e em hum chaõ pingue dalas-ha de dobrada largura. Pelo contrario, a grandeza relativa, por meyo da qual as partes da mesma planta saõ comparadas humas com as outras, subministra notas assaz seguras, e se pode adequadamente empregar nos caracteres essensiaes e [p. 334] synopticos, pode-se por ex. caracterizar muito bem huma especie de lobelia, dizendo que ella tem pedunculos curtissimos e o tubo da corolla compridissimo. A grandeza allusiva, por meyo da qual huma planta he vagamente comparada com outra, naõ deve jamais ser empregada em caracter algum especifico; porque quando eu vejo huma especie he rarissimo que tenha huma perfeita idea da grandeza daquella a que se faz allusaõ, e que naõ vejo; demais disso pode succeder que eu naõ tenha conhecimento algum da planta, a que se faz allusaõ; peloque todos os termos fundados em semelhante grandeza saõ erroneos, como v. g. maximo, minimo; anaõ, gigantesco, altissimo; grande, pequeno; maior, menor, mediano; alto, baxo, de folhas largas, de folhas estreitas; de grandes flores, de pequenas flores; e emfim todos aquelles que saõ acompanhados dos adverbios mais, menos, muito ou pouco, como v. g. de folhas mais largas, de folhas mais estreitas, de caule menos grosso, de caule muito alto, de caule pouco alto, &c. Donde se collige taõbem que todos os graos de comparaçaõ de huma especie com outra em qualquer relaçaõ, que for da sua estructura naõ devem ser usados nos caracteres especificos, como v. g. se dissessemos folhas menos peludas, mais redondas, mais agudas, &c. Da mesma sorte todas as notas comparativas de huma especie com outra naõ devem jamais ser admittidas em caracter algum; ellas saõ obscuras, formaõ hum circulo vicioso de ideas, e suppoem ou que a planta a que se faz allusaõ he ja bem conhecida, o que ordinariamente naõ succede aos principiantes, ou que nasce junto da planta comparada, o que raras vezes [p. 335] tem lugar; peloque sempre sera vicioso dizer v. g. tasneira com folhas de serralha, clinopodio com face de ouregaõ, cirsio com raiz de helleboro, Adonis com flor de pampilhos, &c. Nem sera menos vicioso usar de diminutivos e das termimçoẽs em oide ou forme, como v. g. genciana gencianella, isto he, pequena genciana que se assemelha á grande, couve asparagoide ou asparagiforme, isto he, couve que se asselha na forma ao espargo.

Todos os termos empregados nas phrases especificas, ou destinados a exprimir as notas caracteristicas, devem ser claros, breves, e proprios naõ se de vem por conseguinte usar os figurados, como v. g. dizer urtiga morta ou fatua, em lugar de inerme, gentil por muito cheiroso, de flor ou de folha por flores ou folhas, &c. Saõ igualmente improprios todos os que saõ deduzidos de huma ordem numeral, como v. g. rainunculo primeiro, segundo, terceiro, &c. e os que exprimem o nome de alguma personagem como v. g. trevo de Gaston, narcizo de Tradescancio, &c., porque semelhantes nomes naõ daõ ideas de nota alguma que se acha na planta. Da mesma sorte os que saõ fundados em hypotheses, como v. g. dictamno verdadeiro, falso, ou bastardo, e os que daõ ideas vagas e muito arbitrarias, como v. g.. flores lindas, feas, &c. Nenhum adiectivo deve ser usado sem ter antes hum substantivo technico

A technelogia viria por este modo a ser inconstante e muito vaga, o que seria defeito; porquanto deve ser fixa, em razaõ de se oppor á corrupçaõ da sciencia, conservando a certeza e clareza da sua linguagem.
, porque aliás ficaria ambiguo, naõ se sabendo qual he a parte da [p. 336] planta a que he applicado, como v. g. seria vicioso dizer Datura glabra em lugar de Datura pericarpiis glabris, Menyanthes ovata, em lugar de Menyanthes foliis ovatis, &c. Tanto os substantivos como os adjectivos devem ser technicos, e naõ se devem usar os seus synonymos, aindaque adequados
Este e outros muitos defeitos ficaraõ nos triviaes, de que usa Linneo no seu Species plantarum, nomen clatura, que ordinariamente se oppoem a que as leys da boa critica estabelecidas pelo mesmo Botanico naõ sejaõ uniformes.
; nem os devemos taõbem exprimir por periphrases, as quaes so podem ter lugar na falta de termos facultativos.
Devemos cuidar o mais que nos for possivel em usar de termos positivos, e em naõ empregar os negativos formados pelo adverbio negativo nam anteposto a hum positivo; porque os negativos postoque dizem o que naõ he, naõ daõ idea clara do que he, como v. g. sementes naõ glabras por escabrosas, folhas naõ fendidas por inteiras, &c; podemos facilmente cahir neste defeito, quando queremos exprimir ideas oppostas, e porisso devemos saber quaes saõ os positivos que se devem oppor a outros positivos, e telos sempre na lembrança, como saõ por exemplo os seguintes.

[p. 337] Redondo, Anguloso. Quasi redondo, Oblongo. Obtuso, Agudo. Serreado, Denteado, Crenado, Integerrimo. Cotanilhoso, Fepuldo, Peludo, Glabro. Tubuloso, Repleto. Mociço. Simples, composto. Peciolado, Pedunculado, Rente. Levantado, Encaracollado. Postrado. Patente. Roliço, Anguloso. Simplicissimo, Ramoso. Laxo, Irto. Remotos, Approximados. Bastos, Ralos. Desvaricados, Coarctados. Delgados, Grossos. Adelgaçado, Engrossado. Herbaceo, Lenhoso. &c., &c.

Ha contudo alguns nomes compostos das particulas privativas latinas e, in, ou do a priativo grego

Como v. g. enervis, enodis, eglandulosus, inermis, indivisus, impunctatus, inarticulatus, acaulis, &c; alguns destes termos podem traduzir-se pelas palavras Portuguesas compostas da particula des.
, e outros simples com huma significaçaõ privativa
Como v. g. muticus, nudus.
, os quaes estaõ reconhecidos geralmente por technicos, e se costumaõ usar em lugar de positivos contra positivos, como saõ v. g. os seguintes.

[p. 338] Partido, Fendido, Indiviso. Aculeado, Espinhoso, Inerme. Venoso, Desvenoso. Nervoso, Desnervoso. Entronquecido, Cauleoso, Destronquecido Coberto,
Este termo he opposto ainda a muitos outros. Vej. Nudus no Dicc. Bot.
.
Aristado, Desaristado. &c, &c.

Todos os termos assimilativos, isto he, destinados a exprimir semelhanças, naõ devem ser usados nas phrases especificas, porque he rarissimo que o asse melhado represente o seu simile perfeitamente, e demais disso este fica muitas vezes sendo obscuro como v.g. se dicessemos: folhas semelhantes ás segures Romanas. Devem-se contudo exceptuar os que se achaõ definidos ou geralmente adoptados, e os que saõ decentemente

Vej. a Nota relativa aos termos assimilativos destinados á descripçaõ dos caracteres genericos.
deduzidos das partes externas do corpo humano, porque tanto huns como outros naõ podem ser notados de obscuridade.

As phrases expressivas dos caracteres especificos devem ser postas depois dos nomes generico e trivial, como v. g. Açucena branca, de folhas dispersas; corollas campanuladas, e glabras por dentro. Naõ devem constar de termos superfluos, como seriaõ por ex. os que indicassem todas as variedades, ou se opposessem a ellas; nem ser taõ succinctas, que lhes faltem [p. 339] os termos sufficientes para bem caracterizar a especie. Ordinariamente naõ se costumaõ pôr virgulas, nem conjunçaõ alguma entre os termos adjectivos referidos ao mesmo substantivo em huma phrase synoptica ou essensial, mas sera mais acertado virgular, e por no fim a conjunçaõ copulativa, quando houverem muitos dos dictos adjectivos, como v. g. Salgueiro branco, de folhas lanceoladas, pontudas, serreadas, e empubescidas por ambas as faces. A conjunçaõ dis junctiva pode ter lugar no cazo que se devaõ indicar ideas oppostas, como v. g (N.) de espigas rentes, ou pedunculadas: (N.), de folhas inteiras ou fendidas. Quando se fizer mençaõ de partes differentes sera sempre acertado usar de ponto e virgula, como v. g. Piteira Americana de folhas denteadas-espinhosas; com hastea ramosa. O parenthese naõ he admittido entre os termos das hrases especificas, porque indica excepcaõ ou falta de ordem. Como o caracter natural de qualquer especie exige ser descripto em muitas phrases, segundo as differentes partes de que consta; cada phrase deve ser posta separadamente para maior clareza, como exporei mais particularmente, quando tractar da descripçaõ das plantas.

Antes de Linneo as especies eraõ somente nomeadas com o seu caracter synoptico ou essensial, posto immediatamente depois do nome generico; e em razaõ disto todos os termos que nelles entravaõ, e ainda os mesmos caracteres eraõ chamados nomes especificos (nomina specifica). Elle conservou a mesma accepçaõ, e uso; mas vendo que naõ era possivel de retelos de còr, e que eraõ sujeitos a mudança, descobertas novas especies, imaginou de pôr entre elles e o nome [p. 340] generico hum termo

As vezes saõ mais, como v. g. Impatiens noli me tangere: Panicum crus galli, &c; mas isto he raro.
, que servisse de alliviar a memoria, e juntamente como de titulo fixo do caracter ou definiçaõ especifica, ao qual chamou nome trivial ou usual da especie (triviale, s. usuale), como he v. g. o nome de branca no exemplo seguinte: "Açucena branca, de folhas dispersas; corollas campanuladas, e glabras por dentro." Segundo o mesmo Botanico, esta sorte de nomes naõ tem leys fixas
Eu publicarei na minha Specinomia vegetabilium as regras, a que os triviaes se podem sujeitar, e proporei hum systema de nomenelatura invariavel em todas as destribuiçoẽs methodicas ou systemicas, que se possaõ imaginar em Botanica.
, e com effeito nelles se achaõ todos os defeitos, que saõ criticados nos termos relativos aos caracteres especificos, e ainda muitos outros mais; porquanto humas vezes a sua significaçaõ naõ convem à especie, que intitulaõ, outras vezes he equivoca convindo a muitas do mesmo genero; e se algumas vezes succede por acazo indicarem o caracter essensial da planta, isto he raro, e nem porisso deixaõ de ser sujeitos ao inconveniente de ficar inadequados e erroneos, descubertas novas especies.
Os usuaes, que saõ rigorosamente os que se usaõ na conversaçaõ e vida commua, ou que sendo genericos em hum systema vem a ser triviaes em outro pela reuniaõ dos generos, como saõ v. g. soldanella, tinus, ilex, saxifraga, armeria, &c. &c. tem o inconventente de serem algumas vezes applicados à especies de diversos generos ou de serem ora triviaes ora genericos. Donde se collige que melhor fora reduzir todos os triviaes e usuaes a leys certas e dar-lhes o nome de especificos, que so lhes compete com propriedade, e naõ aos caracteres essensiaes ou synopticos, que [p. 341] verdadeiramente naõ saõ nomes, mas phrases ou hum aggregado de termos technicos, que exprimem o caracter ou definiçaõ da especie.

Quanto á disposiçaõ das especies, facilmente se entende pelo que tenho dicto neste capitulo, que as que tiverem mais affinidade entre si devem estar mais conchegadas.

[p. 342]
CAPITULO XXXVII. Das Variedades.

Huma variedade em Botanica (varietas), he huma forma vegetal desviada accidentalmente, por alguma causa occasional, da forma primitiva creada de que he originaria; ou para o dizer mais breve, he a especie accidentalmente mudada depois da creaçaõ. Eu não incluo nestas definiçoẽs as variedades naturaes creadas, que consistem nos sexos, mas fallo taõ somente das variedades casuaes que tem havido, ha, e podem ter lugar nas reproducçoẽs das especies primitivas. As variedades naturaes creadas saõ huma estructura vegetal creada em tudo identica a outra, mas differente no sexo ou n'alguns accidentes. Suppondo pois, como he provavel, que o Autor da natureza creasse no principio n'algumas especies vegetaes os dois sexos individualmente separados, assim como nas especies dos animaes; as variedades naturaes creadas saõ por conseguinte taõ antigas como a sua especie; porquanto consistindo a especie nas partes da estructura em tudo identicas e commuas aos dois sexos, e sendo as variedades naturaes creadas fundadas nestas mesmas partes acompanhadas da differença sexual, estas so por abtracçaõ methaphysica e naõ por ordem de tempo se podem perceber separadas da sua especie. Mas na hypothese de que todas as especies, que saõ hoje dioicas, foraõ creadas hermaphroditas, e [p. 343] que huma causa occasional, alguns seculos depois da creaçaõ, as tornou dioicas, neste cazo a unisexualidade somente deve constituir huma variedade casual, e naõ na tural creada.

As variedades saõ taõ proprias do reyno vegetal, como do animal; porque assim como vemos na mesma especie canina, caẽs d'agoa, de fila, perdigueiros, galgos, sabujos, &c., &c. assim taõbem opservamos na mesma especie de pereira, as que daõ peras bojardas, carvalhaes, flamengas, do conde, gervasias, pardas, &c.; e notamos na mesma especie de murriaõ plantas de flores escarlatas e outras de flores azues. Todas estas variedades saõ reputadas em hum e outro reyno por casuaes

Se admittissemos a hypòthese (que se tem por improvavel) de que algumas das variedades de caens, pereiras, e as duas dos murrioẽs acima mencionadas existiraõ em diversos lugares da terra no mesmo tempo primitivo da creaçaõ da sua especie, ou de que saõ taõ antigas como ella, neste cazo ficariaõ sendo variedades naturaes creadas pela razaõ de terem sahido das maõs do Autor da natureza taes como as vemos hoje, ou terem nascido immediatamente taes dos germes que elle creara, e naõ serem occasionadas pelos terrenos, climas, &c. nas consecutivas reproducçoẽs.
, em razaõ de serem a especie desviada accidentalmente da sua estructura primitiva por causas occasionnaes. Estas causas no reyno vegetal costumaõ ser: o calor, frio, sombra, exposiçaõ differente, doenças, picadas dos insectos, a cultura, clima, terreno secco, humido, &c.
Os ventos, chamados pelos sexualistas, conductores dos prazeres ou dos amores das plantas, podem taõbem ser contados entre as causas das variedades, e ainda mesmo as abelhas (segundo Hales) pela razaõ de levarem comsigo de flor em flor o po fecundante de differentes especies de antheras.
, e às vezes taõbem a idade, como se vê na [p. 344] hera, que varia inteiramente de folhas
Na sua idade vigorosa tem as folhas lobadas, e algumas ovadas, mas na velhice todas saõ ovadas, e o tronco he arboreo.
na velhice.

Os Botanicos ordinariamente naõ costumaõ fazer mençaõ nos seus catalogos systematicos das variedades de cada especie, e apenas indicaõ algumas: elles pensaõ que jamais poderiaõ terminar os dictos catalogos, se emprehendessem de mencionar todas as variedades do reyno vegetal, e que ainda no cazo que fosse possivel terminalos, o estudo de Botanica ficaria summamente longo e fastidioso. Naõ negaõ contudo 1º, que se devaõ bem conhecer e conservar as que saõ uteis e agradaveis; 2º que se deva saber, destinguir o que he variedade do que he especie. Quanto ao primeiro artigo, deixaõ esse trabalho aos Autores que tractaõ da Botanica applicada às artes de pharmacia, de materia medica, horticultura, jar dinagem, e qualquer outra parte de agricultura, quanto ao segundo artigo confessaõ que sem a dicta distinçaõ se multiplicaria erroneamente o numero das especies, o que se opporia á clareza e brevidade methodica, que exige o estudo dos vegetaes; elles deraõ por conseguinte algumas regras tendentes a destinguir as variedades das especies, as quaes da mesma sorte que as que foraõ referidas no capitulo precedente, aindaque estaõ talvez bem desviadas da perfeiçaõ, a que hum mais profundo estudo da natureza as poderá conduzir, devem contudo ser presentadas aos que se daõ à Botanica, por naõ terem por especies entes, que dellas so differem levemente.

Todo o viço ou monstruosidade, que tem lugar no [p. 345] numero, figura, proporçaõ ou situaçaõ das partes de qualquer vegetal, constitue huma variedade; e assim como no reyno animal hum monstro ou hum eunucho somente saõ individuos imperfeitos da sua especie, assim taõbem o saõ as plantas monstruosas e eunuchas, como as que daõ flores dobradas, semidobradas, proliferas, e mutiladas. Todas as plantas enfermas, mestiças, ou mulinas,

Vej. o que disse a respeito destas plantas nos seus Cap. respectivos.
saõ rigorosas variedades. A grandeza absoluta ou commensurativa, a duraçaõ annual, biennal e perennal, as cores, cheiros e sabores saõ muito inconstantes nos individuos da mesma especie, e ordinarios fundamentos de muitas variedades.

Reduzir as differentes variedades á mesma especie he hum trabalho algumas vezes muito mais difficil do que ajuntar as especies debaxo do mesmo genero. Muitas vezes basta o caracter da especie para fazer reconhecer a variedade; mas ha algumas variedades que exigem muitas reflexoẽs e experiencia, requerem hum attento exame de todas as suas partes, ainda as mais miudas, e huma combinaçaõ destas com as das suas congeneres e às vezes com as das especies do genero vizinho, para se poderem reduzir á especie de que emanaõ. Ha algumas especies e ainda mesmo familias inteiras, em que os individuos so costumaõ variar na raiz; ha outras, em que elles variaõ nas folhas, grandeza do tronco e ramos, na cor e pelos; e ha outras emfim, cujos individuos somente soffrem mudanças nas flores ou fructos. Naõ se devem jamais perder de vista as causas occasionaes; muitas plantas [p. 346] indigenas das montanhas, e que nessas costumaõ ter o tronco postrado, se encontraõ muitas vezes em outros lugares differentes com o tronco levantado; algumas amphibias saõ curvadas dentro d'agoa e levantadas fora della; o rainunculo bolboso tem o tronco levantado, quando habita nas encostas dos oiteiros expostas ao sol, e he pelo contrario reptante nos lugares humidos e sombrios. Os sitios montanhosos fazem que as folhas inferiores sejaõ mais inteiras e as superiores mais divididas; os lugares humidos fazem de ordinario fender as folhas inferiores, e os seccos as superiores. Ha alguns terrenos que fazem as folhas rugosas, bolhosas, e franzidas; outros que lhes fazem perder os pelos. De todas as causas occasionaes a cultura he a que me parece contribuir mais para à producçaõ das variedades; ella muda as folhas em crespas, ondeadas, e repolhudas, falas maiores, abranda o seu amargor, e igualmente o acido e acerbo dos fructos, torna-os succulentos de quasi exsuccos, e faz perder os pelos aos troncos e ramos, a sua escabrosidade, e ainda mesmo os seus espinhos. He precizo pois remontar a estas e outras causas occasionaes para podermos, em cazo de duvida, decifrar huma variedade; se conjecturamos v. g. ser a cultura e terreno a causa da mudança accidental da especie, semeemos ou transplantemos a planta degenerada no seu terreno natural, e veremos que abandonada ao estado inculto tornarà mais cedo ou mais tarde à sua estructura e condiçaõ especifica. Esta experiencia he necessaria algumas vezes relativamente áquellas variedades, que saõ constantes em muitas geraçoẽs, e se continuaõ por sementes, de maneira que parecem [p. 347] especies, como saõ v. g. as que daõ em nossos jardins e hortas flores semidobradas, folhas repolhudas, crespas,

Ha plantas contudo, cujas folhas no terreno natural saõ crespas, e Linneo se servio dellas no caracter synoptico da malva crispa, mentha crispa, &c.; mas ha outras que elle julgou variaveis, e por conseguinte so proprias para constituir variedades, como as da chicoria crespa, tanacetum crispum, a matricaria crespa, &c.
ondeadas, &c, hum grande numero de arvores
As pereiras, maceiras, amexieiras, &c. sendo plantadas nos matos, e deixadas á ley da natureza costumaõ dar fructos menos bons do que as cultivadas; e aindaque naõ temos hum sufficiente numero de experiencias que nos demostre o seu estado retrògrado sendo semeadas repetidas vezes nos matos, ha contudo grande probabilidade que depois de varias geraçoẽs tornariaõ á sua especie primitiva sylvestre, de que tinhaõ emanado.
de fruta de nossos pomares, &c. Se virmos algumas plantas de folhas menores, ou mais estreitas perpetuar-se por sementes, e convirem em tudo o mais com outras vulgares, que tiverem folhas largas ou maiores, como saõ v. g. a salva menor e o canabraz de folhas estreitas; semelhantes plantas deveraõ sempre ser consideradas como variedades, assim como os pigmeos Lapponezes so constituem huma variedade do homem de estatura ordinaria.

Os Botanicos quando querem indicar as partes ou notas variaveis que constituem as variedades de huma especie, costumaõ algumas vezes mencionalas depois do caracter especifico vistoque as differenças especificas

As especies e variedades, que a natureza lança do seu seyo fecundo, tem caracteres, que se devem considerar como geraes nas primeiras, e particulares nas segundas; porque se posessemos hum caracter variavel por especifico, seguirse-hia que apparecendo-nos hum individuo, que naõ tivesse o dicto caracter variavel, aindaque fosse da mesma especie original, naõ o poderiamos reconhecer antes o teriamos por huma nova especie, donde resultaria multiplicarmos entes sem necessidade, e formarmos muitas especies falsas. Pelo que todas as vezes que hum Botanico tiver a menor duvida, se huma planta he especie ou variedade, deverá sempre indicar a sua duvida, quando fizer mençaõ della, por ver se a experiencia de outros o illumina.
devem convir a todas as variedades, da [p. 348] mesma sorte que as notas genericas convem a todas especies; mas por evitar repetiçoẽs do caracter da especie, no cazo que hajaõ muitas variedades que referir, melhor sera polas todas depois do dicto caracter em hum paragrapho separado, como v.g. para declarar as variedades do Murriaõ dos alqueives (Anagallis arvensis) se poderá dizer:

M. dos alqueives. Com folhas indivisas; caule estirado. Varia nas flores, sendo as suas corollas ora escarlatas, ora azues, e algumas vezes tambem variegadas de branco e purpureo.

Em lugar de dizer:

M. dos alqueives, com folhas indivisas; caule estirado; flores azues.

M. dos alqueives, com folhas indivisas; caule estirado; flores escarlatas.

M. dos alqueives, com folhas indivisas; caule estirado; flores variegadas de branco e purpureo.

Donde se vê que às notas variaveis devem ser pospostas ás especificas, no cazo que dellas se haja de fazer mençaõ. Os nomes que exprimem estas notas nas phrases especificas saõ por alguns Botanicos chamados variantes (variantia); mas para fallar com propriedade, o nome variante so me parece devera ser chamado aquelle, que se posesse depois do trivial, [p. 349] como v. g. seriaõ os termos verde, repolhuda, e murciana na nomenclatura seguinte:

Couve hortense verde.

Couve hortense repolhuda.

Couve hortense murciana.

He raro encontrar nos catalogos dos Botanicos systematicos esta sorte de nomes; elles so cuidaõ da nomenclatura dos generos e especies, e desprezaõ a das variedades, deixando a ao cuidado dos lavradores, horteloẽs e floristas, que segundo as suas differentes phantasias sabem dar nomes a todas as plantas que variaõ na grandeza dos troncos, nas folhas, e nas flores e fructos.

CAPITULO XXXVIII. Das Descripçoens das plantas.

A descripçaõ das pantas ou he analytica ou historica. Descrever huma planta analyticamente he dar ideas expressivas do numero, figura, proporçaõ e situaçaõ de todas as partes, de que consta o seu caracter natural; descrevela historicamente he dar a descripçaõ analytica e alem disso tudo o que diz respeito à mesma planta, sem embargo de naõ ser parte constitutiva do seu caracter natural Botanico.

A descripçaõ analytica deve ser feita no lugar, em que a planta nasce e habita naturalmente, e naõ nos jardins, aonde a cultura a pode fazer variar ella abrange todo o estado progressivo da planta [p. 350] desde a sua germinaçaõ athe à madureza e quéda das sementes, sem desprezar a menor parte do habito externo nem as minimas da fructificaçaõ, que precizaõ de huma lente para bem se divisarem (o que succede poucas vezes). Cada huma das dictas partes deve ser exposta com termos technicos, e em paragraphos separados por evitar confusaõ. Quando observarmos alguma variedade, notala-hemos no paragrapho da parte, a que ella for relativa. Devem-se omittir as circumstancias que dizem respeito á physiologia, e historia da planta, por serem consideradas como superfluidades nas phrases de huma descripçaõ puramente analytica

Estas circumstancias devem reservar-se para a descripçaõ historica; ha contudo algumas, que sem embargo de pertencerem rigorosamente á descripcaõ historica naõ deixaõ de ser por alguns Botanicos mencionadas de passagem na analytica, como saõ por ex. a irritabilidade da Dionaea muscipula e Sensitiva, as cores dos succos, e a consistencia destes mesmos succos, ou resinas e gomas, quando saõ vertidas da casca sem aberturas artificiaes.
. Eu apontarei aqui somente hum dos exemplos, que Linneo assignou
O Philos. Botan. Num. 326-330.
, por me parecer que bastará para dar huma idea practica de qualquer descripçaõ puramente analytica; no cazo de diversas circumstancias, em que hajaõ partes de mais ou de menos, &c. o leitor instruido nos principios expostos neste Compendio saberá facilmente como se deve haver.

[p. 351]

Descripçam Analytica da Tilha da Europa

Tilia Europaea, Lin. Nos damos taõbem a esta arvore o nome de til e de telha.
.

Germinaçam*********

Linneo naõ fez mençaõ da disposiçaõ das cotyledones, da figura das folhas seminaes, e de tudo o que pertence ao estado da germinacaõ das sementes; isto he hum defeito, porque toda a descripçaõ analytica deve começar por este estado da planta, e quando naõ houver occasiaõ de o observar, deve-se indicar do modo acima expresso, para que outros que tiverem esta occasiaõ nolo descrevaõ.
.

Radicaçam. Raiz lenhosa, ramosissima, tortuosa, e de epiderme decadente; ramos cylindricos, terminados em radiculas capillares, tortuosas, e com algumas ramificaçoẽs.

Tronqueadura. Caule arboreo, cylindrico, ramosissimo, de casca grossa, porossa, coberta de huma epiderme estriada e gretada no troço annoso, mas glabra e liza no troço tenro; ramos patentes cylindricos, tortuosos de huma folha para à outra junto das extremidades, e salpicados de alguns pontos espalhados sem ordem.

Gomoscencia. Gomos alternos, covados, estipularesfolheares, formados de quatro ou cinco escamas ovadas, obtusas, levemente enroladas para dentro, e hum tanto carnudas na base; as duas externas saõ menores e desiguaes.

Estipulatura. Estipullas em quanto reclusas nos gomos saõ oppostas, ovadas, glabras, integerrimas, concavas, e involvem as folhas; depois do brotamento saõ extrafolheaceas, & caducas.

[p. 352]

FOLHEATURA.

Eu tomo aqui este termo em huma accepçaõ mais extensa do que Linneo lhe costumava dar, entendendo por ella naõ so a disposiçaõ, que tem as folhas tenras dentro dos gomos e no seu brotamento, mas ainda todo o estado das folhas adultas e seus peciolos.
.

Folhas em quanto reclusas nos gomos ou no seu brotamento dobradas ao meyo, rugosas, unilateraes selpudas em ambas as faces; folhas adultas cordiformes, alternas, agudas, venosas, serreadas com serraturas desiguaes, glabras na face superior ou salpicadas de pêlos curtissimos e muito pouco apparentes, e felpudas nos veios maiores da face inferior e nas suas anastomòses.

Peciolos hum tanto cylindricos, lizos, mais curtos do que a folha, e dispostos nos ramos quasi disticadamente; o espaço que medea de huns a outros ou entre os seus pontos de apego, he mais curto do que a folha.

Inflorecencia

As bracteas e pedunculos, como partes as mais chegadas ás flores, e fundamento da sua diversa disposiçaõ, saõ com propriedade postos aqui debaxo da divisaõ da Inflorecencia.
.

Bracteas lanceoladas, hum tanto obtusas, esbranquiçadas, integerrimas, cada huma adunada ao pedunculo commum desde o meyo athe a base, e igual no seu comprimento ao dicto pedunculo.

Pedunculos solitarios, laterifolios, mais compridos do que o pecioso, filiformes, recompostos; os communs ou primarios tripartidos, os secundarios lateraes taõbem ordinariamente tripartidos, e o medio [p. 353] indiviso, de modo que todos vem a soster sette flores

Estas divisoẽs do pedunculo commum, e o numero das flores variaõ muito.
.

Flores racimosas, e elevadas quasi á mesma altura.

Fructificaçaõ.

Calys. Perianthio partido em cinco lacinias concavas, de cor aloirada, quasi da grandeza das petalas, e decadentes.

Corolla. De cinco petalas oblongas, obtusas, pallidas, e crenadas no cume.

Estames. Filetes numerosos, de trinta athe quarenta, assovelados, do comprimento da corolla, e apegados ao receptaculo. Antheras hum tanto globosas.

Pistillo. Germe hum tanto globoso e cotanilhoso. Estylete filiforme, e da altura dos estames. Estigma obtuso e pentágono.

Pericarpo. Huma capsula cotanilhosa, globosa pentagona, de cinco cellulas, e cinco valvulas coriaceas, as quaes costumaõ arbrtrse pela base.

Sementes. Solitarias e hum tanto globosas: saõ dycotylẽdones, e contem no centro o corculo guarnecido de hum asterisco de cinco lacinias quasi iguaes.

N. B. Ordinariamente quatro sementes abortam, de modo que a capsula fica sendo de huma so cellula e contem sò em si a unica semente, que costuma medrar.

[p. 354]

A descripçaõ historica de huma planta, ou segundo outros a historia natural de huma planta comprehende alem da sua descripçaõ analytica, a synonymia, etymologia do seu nome usual, habitaçaõ cultura, o tempo vegetativo, o tempo de sono e vigilias das suas folhas e flores, a sua estructura interna ou natureza considerada physiologica e chymicamente, os seus usos mediornaes e economicos, e emfim a sua figura bem estampada. He verdade que ordinariamente huma descripçaõ historica naõ contem todas estas circumstancias, e se limita so em conter a descripçaõ analytica, synonymia, habitaçaõ

A synonymia e habitaçaõ, como circumstancias as mais necessarias, costumaõ taõbem por se nos catalogos das especies depois dos caracteres synopticos ou essensiaes.
, usos, e huma boa estampa da planta; mas como a historia natural de algumas plantas pode comprehender todas as circumstancias referidas, seria desacertado deixar de as inculcar aqui.

A synonymia he hum aggregado de citaçoẽs dispostas em paragraphos separados e successivos, nos quaes se indicaõ naõ so os diversos nomes, caracteres synopticos, essensiaes, ou

A synonymia he ordinariamente muito limitida e imperfeita nos catalogos systematicos a respeito das variedades, o que certamente he hum defeito, porquanto a noticia das variedades serve de conservar o verdadeiro caraeter da especie sem obecuridade nem consusaõ, e contribue para fazer evitar enganos de ter por especie o que so he variedade.
variantes da planta de que tractamos, mencionados nas obras de differentes autores, mas ainda os nomes dos dictos autores e os titulos de suas obras. Estas citaçoẽs saõ muito uteis tanto no tractado de qualquer planta em [p. 355] particular, como nos catalogos geraes de todas as especies de hum paiz, ou de todas as que saõ conhecidas no reyno vegetal; porquanto por meyo de hum so nome podemos fazer conhecer todos os que tem tido a planta de que tractamos, ou os de cada planta do nosso catalogo, e alem disso todas as suas descripçoẽs, estampas, o que se soube ou ignorou em qualquer tempo depois do seu descobrimento, quem foy o que a descobrio ou primeiramente della fez mençaõ, emfim tudo o que diz respeito à sua analyse botanica e historia natural; pelo que hum catalogo systematico, que contivesse a synonymia completa de todas as plantas
O infatigavel Gaspar Bauhino vendo que muitos nomes davaõ ideas de muitas differentes plantas, e que por conseguinte causavaõ huma grande confusaõ no estudo dos vegetaes, emprehendeo de se oppor a este inconvemente, e nos deo no seu Pinax hum bom tractado de synonymos, o qual foy depois continuado por Sherardo, Dillenio, e Sibthorpio; mas este tractado esta ainda bem distante da sua perfeiçaõ.
conhecidas, seria em Botanica hum estimavel indice tanto dos livros dos homens como do da natureza.
Quando se escreverem os synonymos por-se-haõ em paragraphos separados, como acima indiquei, e no fim de cada hum o nome do Autor, a sua obra, e o numero das paginas em que falla do nome ou caracter da planta, de que tractamos. Quando muitos autores derem a huma planta o mesmo nome, ou lhe assignarem o mesmo caracter synoptico ou essensial, bastarà polo huma so vez, citando depois os dictos autores e suas obras Quanto à ordem de pòr os synonymos, quando houver muitos, o melhor sera começar pelos dos autores modernos, continuando successivamente athe aos dos [p. 356] mais antigos, ou athe ao descobridor da planta, qual sera acertado de notar com hum asterisco*. No fim dos synonymos porse-há o nome vulgar, que costumaõ dar à planta os naturaes do paiz, o qual serve para facilitar o seu conhecimento, e às vezes da algumas luzes sobre a historia da planta.

A noticia da habitaçaõ das plantas he taõbem de grande utilidade; ella serve de indicarnos o lugar aonde as podemos ir buscar para os nossos herva rios, afim de conservarmos o claro conhecimento dellas em successivos tempos, mostra nos aonde as podemos ir colher para os differentes usos medicinaes e economicos, instrue nos sobre a qualidade do terreno que lhes he proprio (estabelecendo nisto o principal fundamento da agricultura), e emfim conven cenos que naõ ha na terra lugar algum inteiramente esteril, ou que taõ somente ha lugares estereis relativamente a esta ou aquella planta, mas naõ a todas. Donde resulta que na deseripeaõ historica de qualquer planta a noticia da sua habitaçaõ he absolutamente necessaria.

O tempo vegetativo inclue 1º o espaço de tempo em que a semente de huma planta jaz debaxo da terra, desde o dia em que foy semeada athe áquelles em que a plantula seminal, rebentados os tegumentos, brota fora delles, e a sua plumula começa a apontar á flor da terra; este espaço he chamado por alguns Botanicos tempo da germinaçaõ ou incubaçaõ das sementes

Germinatio, seu incubatus seminum. Alguns Botanicos assignaõ tres sortes de vida ao germe ou corculo das sementes: huma comaterna, que elle recebeo e conservou na planta que o produzio, vegetando com ella athe ao estado de plena madureza; outra inactiva por meyo da qual conserva illesa a sua estructura, a vis productiva e vegetativa, sem contudo vegetar pela razaõ de que o movimento dos seus fluidos he nimiamente lento, e as suas funçoẽs vitaes estaõ muito entropecidas e adormentadas em certo modo como as das cobras, lagartos, formigas, &c. durante o inverno, no qual parecem mortos; esta sorte de vida, segundo elles, he a que tem o germe desde a quéda das sementes athe á germinaçaõ exclusivamente; outra emfim germinativa, que começa na germinaçaõ. Zullingero admitte nestes tres differentes estados das sementes huma especie de fermentaçaõ continuada, querendo que ella comece na fecundaçaõ, e que no segundo estado sirva de aperfeiçoalas e dispolas para receber os succos da terra, que contribuem para à germinaçaõ, accrescentando que se este entrevallo for longo ou a fermentaçaõ nimiamente prolongada destruirá a vis vegetativa dilatando-lhes os vazos athe rompelos e fazendo evaporar as particulas oleosas. Mas este segundo estado vital, e de fermentaçaõ parecem ser demasiadamente hypotheticos; a dureza e seccura, que observamos entaõ nas sementes, naõ nos indicaõ que nellas haja movimento de succos nem funçoẽs vitaes, e por conseguinte so se lhes pode admittir vida, tomando a idea desta palavra em hum sentido nimiamente amplo. Pelos mesmos motivos naõ parece que haja antes da germinaçaõ movimento algum intestino, e se o houvesse concorreria tanto para a fermentaçaõ como para a putrefacçaõ. Portanto todo o movimento fermentativo que tem lugar na germinaçaõ he inteiramente novo. Quando as sementes se achaõ debaxo da terra, e que a humidade penetrando pelos poros dos seus tegumentos, ou pela sua cicatriz umbilical, faz amollecer o corculo e as cotylédones, ajudada do calor conveniente, a sua substancia farinosa tornase pouco a pouco em lactea, e se percebe nelles hum sabor mais doce e hum cheiro particular; todos estes phenomenos indicaõ huma mistura interna das suas partes constitutivas occasionada por hum movimento intestino, e como elles senaõ observaõ de modo algum antes que a humidade e phlogisto competentes tivessem entrado no germe e cotylédones, o movimento, que he hum effeito destas causas, he inteiramente novo assim como ellas o saõ nas sementes.
; 2º a enfolhescencia (frondescentia), [p. 357] ou dias e mez em que huma arvore ou planta vivace costuma lançar as suas primeiras folhas; este tempo deve ser observado em hum certo numero de annos; 3º a preflorescencia (praeflorescentia, s. efflorescentia), [p. 358] ou os dias e mez, em que huma planta dá as suas primeiras flores, observados em hum certo numero de annos
Na preflorescencia se deverá taõbem fazer mençaõ, se a planta florece duas ou mais vezes no anno, e em que dias e mezes.
; 4º a fructescencia (fructescentia) ou os dias e mez em que os fructos de huma planta costumaõ estar
Notar-se-ha taõbem na frutescencia, se a planta da duas ou mais vezes fructos no anno, e em que mezes.
plenamente maduros, observados em hum certo numero de annos; 5º a desfolha (defoliatio) ou os dias e mez, em que costumaõ cahir as folhas de huma arvore ou arbusto
A circumstancia de huma planta conservar as suas folhas todo o anno, ou de naõ perder humas sem que comecem a nascerlhe outras, pode ser referida tanto no tractado da desfolha como da enfolhescencia.
, feitas as observaçoẽs a este respeito em hum certo numero de annos; 6º a idade da planta (aetas, s. tempus vigendi), a qual se conhece nas arvores pelas camadas concentricas ou aros annuaes. Todas estas circumstancias naõ deixaõ de ter sua utilidade em agricultura, e physica, e porisso merecem de ser attendidas pelos Historiadores Botanicos.

A noticia dos differentes oleos, leves, pezados, liquidos, concretos, tirados por destillaçaõ ou expressaõ, a dos diversos saes alcalinos, do sal commum, nitro, assucar, tartaro, acidos, differentes gazes, &c.

Das substancias que entraõ na composiçaõ dos vegetaes humas saõ commûas a todos, como v. g os oleos, os alcalis fixos, os gazes, a agoa, e terra; outras saõ menos geraes e somente proprias a hum certo numero, como v. g. o alcali volatil que se acha nos cogumelos, mostarda, trigo, &c. o alcali mineral que se dá nas especies de salsola, de salicornìa, e outras plantas maritimas, o sal commum que se acha na salsola soda, o nitro na alfavaca de cobra, gyrasol, &c, o sal de Glauber na tamargueira, o tartaro nas uvas, o sal ammoniaco na cigude, o enxofre na inula helenium, e rumex patientia, o alcanfor no alcanforeiro, hortelaan apimentada, labiaes e algumas compostas (segundo Gaubio e Neuman), os oleos essensiaes, como o que se dá nas cellulas vesiculares da casca da laranga, flores fragrantes e partes cheirosas das plantas, os oleos corados, como o oleo azul que se tira da camomilla, os oleos pezados ou que vaõ ao fundo d'agoa como o do cravo da India, os acidos particulares a certos fructos, raizes e sobreraizes; a materia saccharina que se dà em hum grande numero de flores, fructos, e em todas as gramas (e talvez em todos os vegetaes) &c, &c.
, que as operaçoẽs chymicas nos fazem conhecer nos vegetaes, nao se deve omittir nas suas [p. 359] descripçoẽs historicas, porquanto lança grande luz sobre a sua natureza, e he necessaria á Medicina e ás artes.

Os usos economicos e médicinaes naõ devem ser omittidos em qualquer descripçaõ historica por mais incompleta que seja a respeito de outras circumstancias; a Botanica deve a elles a gua origem, e desde os primitivos dias da especie humana athe hoje o estudo dos vegetaes foy sempre dirigido à sua utilidade. Eu darei algumas breves noçoẽs sobre estes usos no Capitulo XL.

Como a Botanica naõ pode demonstrar a fé dos caracteres por hum rigor mathematico

A certeza que adquirimos do nome de huma planta por meyo dos caracteres, que lemos nos livros dos Botanicos, naõ pode jamais chegar ao grao de evidencia mathematica, ou vir a ter força de demonstraçaõ, por muitas razoẽs, principalmente porque nas descripçoẽs que se costumaõ dar de qualquer planta sempre falta alguma circumstancia, e como pode haver no globo terreste huma especie em tudo semelhante nos caracteres dados a outra, e dessemelhante nos omittidos, podemos por conseguinte facilmente enganar-nos dandolhe o nome de estoutra.
, e que he muitas vezes difficil de poder reconhecer algumas plantas pelos sinaes caracteristicos, que dellas se daõ; [p. 360] os botanicos costumaõ ajuntar tanto às descripçoẽs analyticas como historicas as estampas das plantas, de que tractaõ, supprindo por este modo aos defeitos que ha nas dictas descripçoẽs
Vej. Estampa XXIX e XXX deste Compendio, vol. 2.
. Esta reuniaõ faz o estudo dos vegetaes facil, e agradavel; mas he precizo que as estampas sejaõ gravadas em cobre como deve ser. A estampa de huma planta he hum monumento que a deve transmittir à posteridade, e porisso deve ser fiel; para ser fiel he preciso que o pintor e abridor sejaõ botanicos, ou ao menos que hum botanico presida a toda a obra da estampa. Deve-se, sendo possivel, representar toda a grandeza da planta, e situaçaõ das suas partes, e evitar o abuso dos antigos que nos prezentavaõ hum choupo, e hum pé de murujem com a mesma grandeza, e os troncos postrados ou reptantes de algumas plantas como levantados. Quando naõ for possivel gravar a planta inteira segundo a sua grandeza natural, gravar se ha ao menos
Vej. a Estampa XXX deste Compendio.
hum ramo com flores e fructos ao natural, e ao lado se ajuntará o retracto da planta inteira em pequeno vulto (como fez o Dr. Oeder na sua Flora Dinamarqueza).
He precizo representar o ambito, polpa, substancia, superficie, e ainda mesmo as mais miûdas partes, como v.g. as bractéas, estipulas, pelos, glandulas e quaesquer outros minimos corpusculos organicos, que se achaõ na superficie. Naõ serà desacertado que algumas vezes o artifice use de huma lente ou microscopio para amplificar algumas partes alem do natural, quando estas [p. 361] forem miudas ou pouco apparentes (do que se fará mençaõ na descripçaõ da estampa). Por-se-haõ ao lado todas as partes da fructificaçaõ, se poderem caber na estampa, ou aliás gravar-se-haõ em outra
Vej. a Estampa XXIX deste Compendio.
, e naõ se devem desprezar os nectarios e quaesquer partes minimas accessivas, que muitas vezes saõ necessarias aos botanicos para nellas fundarem caracteres genericos ou especificos. As partes das plantas, principalmente as da fructificaçaõ devem ser illuminadas com cores que imitem as naturaes, applicadas com o pincel ou por impressaõ, segundo o methodo com que Mr. Bulliard as illumina no seu Hervario de França.

Tendo exposto as circumstancias que saõ proprias de huma descripçaõ historica, resta-me actualmente dar hum exemplo della: servir-me-hei para este fim da descripçaõ que deo o Dr. Lettsom da arvore do Chá, a qual contem as principaes circumstancias de que fiz mençaõ, e me parece sufficiente para dar ao leitor clara idea do que he huma semelhante descripçaõ.

[p. 362]
CAPITULO XXXIX. Descripçam historica da ARVORE DO CHÁ
Thea. O Dr. Joaõ Coakley Lettsom publicou a Descripçaõ, que traduzo aqui do Inglez, com o titulo de Historia Natural da arvore do Chá, em Londres, no anno de 1772, ajuntando-lhe huma estampa debuxada e gravada por Miller, a qual por causa da sua grandeza mandei copiar em duas, que se podem ver no fim do Tomo 2. deste Comp.
§. 1. Anályse do Habito externo e Fructificaçam.

GERMINAÇAÕ .... ... ... .

O Autor naõ fez mençaõ da germinaçaõ, radicaçaõ, e gomoscencia nem das cotylédones, porisso as deixo em claro.
.

RADICAÇAÕ . . . . . . .

TRONQUEADURA

Os Autores differem muito a respeito da grandeza desta arvore: M. Le Compte diz que ella varia na grandeza desde dois pás athe duzentos de alto, e que as vezes he taõ grossa que dois homens mal a podem abarcar; porem notou depois que as arvores do Chá, que vio na Provincia de Fokien naõ tinhaõ mais de cinco ou seis pés de alto. Vej. a sua Viag. da China. Lond. p. 228. Mr. du Halde cita hum autor Chinez que tractou das arvores do Chá, o qual diz que variavaõ de altura desde hum athe trinta pés. Descript, de a Chine, e History of China. Lond, vol. VI. p. 22 Vej. taõbem o Spectacle de la Nature, tom. I, pag. 486. edit. 1732, à Paris: e Concorde de la géographie. Kempfer, autor fidedigno, diz que ella cresce athe á altura da estatura humana. Amoen. Exot. Lemgov, p. 605. He provavel que este he o justo meyo da sua altura, porquanto Osbek assegura ter visto em vazos algumas arvores do Chá, que naõ tinhaõ de alto mais do que huma vara ou ana Ingleza. Voyage to China, vol. 1 pag. 247. Vej. taõbem Ekberg's account of the Chinese husbandry, vol. II p. 303.
: Caule lenhoso, arboreo, [p. 363] cylindrico, e ramoso: ramos alternos, vagos ou dispostos sem ordem regular, hum tanto rijos, de cor hum tanto cinzenta, e avermelhados junto da ponta.

GOMOSCENCIA. . .

ESTIPULATURA. Estipulas solitarias, assoveladas, e levantadas.

FOLHEATURA.

Folhas alternas, ellipticas, obtusamente serreadas, com a margem recurvada entre as serraturas, chanfradas no topo

Esta circumstancia postoque assaz visivel naõ foy athe agora notada por autor algum, nem ainda mesmo por Kempfer, que disse que as folhas terminavaõ em huma ponta aguda. Amaen. Exot. p. 611.
, integerrimas na base, glabras, polidas, bolhosas, venosas na face inferior, de firme contextura, e pecioladas.

Peciolos curtissimos, roliços na parte inferior, gibbosos, e chatos-canaliculados na parte superior.

INFLORESCENCIA.

Pedunculos axillares, alternos, solitarios, curvados, unifloros, engrossados, e estipulosos.

FRUCTIFICAÇAÕ.

CALYZ. Perianthio monophyllo, muito pequeno, plano, partido em cinco lacinias obtusas, redondeadas, e persistentes.

[p. 364]

COROLLA de seis petalas

Entre varios centos de flores seccas, que o autor teve occasiaõ de examinar, diz que apenas em cada vintena achara huma que naõ tivesse variado; humas tinhaõ somente tres pétalas, outras nove, e outras hum numero differente entre tres e nove. As flores que lhe pareceraõ ter o seu verdadeiro numero natural constavaõ de seis pétalas largas, das quaes as tres externas eraõ menores, mas da mesma figura. As flores que observou na planta do jardim do duque de Northumberland, na qual fundou a presente descripçaõ, quasi todas tinhaõ seis petalas. Entre ellas contudo vio huma que lhe pareceo ter oito petalas, e naõ pôde deixar de confessar que ordinariamente em semelhantes flores o numero das partes varia muito: talvez esta foy a causa do engano, em que cahio o infatigavel Dr. Hill, e o professor Linneo, que fundado na sua autoridade deo ao Chá duas especies, verde e bohy, assignando nove pétalas ao primeiro e seis ao bohy. Vej. Amaen. Acad. vol. VII p. 248. Hill. Exot. t. XXII. Kaempfer. Amaen. Exot. p. 607. Breyn. Exot. pl cent. I. p. III.
subrotundas, e concavas; as duas exteriores, que constituem a parte externa do botaõ da flor, saõ menores e desiguaes; as quatro internas maiores, iguaes, e recurvadas antes de cahirem.

Estames. Filetes numerosos (quasi duzentos)

O Dr. Lettsom diz que em huma flor que recebera do exacto Naturalista Joaõ Ellis contara mais de 280 estames.
, e mais curtos do que a corolla. Anthéras cordiformes, e bicellulares
Kempfer descreve as antheras como simples.
.

PISTILLO. Germe globoso-trigono. Tres estyletes

Linneo classou o Chá na Polyandria Monogynia, isto foy engano, parque a planta pertence á ordem Trigynia, pela razaõ das suas flores terem tres estyletes, desadunados athe ao topo do germe, aonde somente começaõ a adunarse, como o Dr. Lettsom assegura ter observado nas da planta, que floreceo no mez de Outubro do anno de 1771, no jardim do Duque de Northumberland em Sion.
adunados somente na base, assovelados, recurvados, do comprimento dos estames, apertados por [p. 365] elles e conchegados de modo que parecem adunados em hum sò corpo
Este foy o motivo do engano de Linneo, que lhe fez classar esta planta na ordem Monogynia. O engano he facil quando só se examinaõ flores seccas.
; depois das petalas e estames terem cahido, apartaõ-se huns dos outros, desvariaõ, e augmentando de grandeza ficaõ emfim murchos sobre o germe. Estigma simples.

PERICARPO. Capsula tricócca, tricellular, e aberta na sua madureza pelo cume em tres direcçoẽs.

SEMENTES solitarias, globosas, e angulosas no lado interno: cotylédones.

S. 2. Synonymia.

Os nomes triviaes que se costumaõ dar a esta planta saõ os de

He provavel que o nome de Chá seja derivado da palavra Japoneza Tsjáa, e o de Thea da Chineza Théh: alguns pertendem contudo que este ultimo termo he antes derivado da Japoneza; seja o que for, basta saber que o dicto termo, com muito pouca differença de lettras, e pronunciaçaõ, he o mais usado para significar a planta de que se tracta aqui.
Chá bohy e Chá verde: Thea bohea et viridis
Linneo applicou os termos bohea et viridis a duas especies; mas na realidade naõ ha senaõ huma especie desta planta, e a differença de Chá verde e bohy depende somente da natureza do terreno, da custura e modo de seccar as folhas; porquanto tem-se observado que a arvore do chá verde plantada no sitio, em que se dá o chá bohy produz o chá bohy, e vice versâ. Alem disso o Dr. Lettsom assegura ter examinado varios centos de flores tanto da arvore do chá bohy como do verde, e diz que achara sempre nos seus caracteres botanicos a mesma uniformidade. Vej. As direcçoens para transportar as sementes e plantas de paizes remotos, publicadas em Inglez pelo sabio Joam Ellis.
.

[p. 366]

Os autores que publicaraõ tractados, ou fizeraõ mençaõ desta planta saõ numerosos, e entre elles ha alguns que a naõ viraõ jamais

Vej. Jac. Breynii Exot. cent. I. p. 114, 115.
. Eu citarei aqui primeiramente aquelles de que Linneo fez mençaõ no seu tractado das Especies de Plantas
Vol. II. p. 589. edit. novissima, curante J. Jac. Reichard. O Dr. Lettsom cita huma ediçaõ precedente a esta, na qual ha huma synonymia mais breve.
.

Thea floribus hexapetalis. Hort. cliff. 204. Mat. med. 136. Amaen. acad. 7. p. 239 t. 4 Hill. exot. t. 22. Blackw. t. 352.

Thée. Kaempf. Jap. 603 t. 606.

Thée frutex. Bart. act. 4. p. 1. t. 1. Bont. Jav. 87. t. 88 Barr. rar. 128. t. 904.

Thé Sinensium. Breyn. Cent. 111. t. II2. Ic. 17 t. 3. Bocc. mus. 114. t. 94.

Cháa. Bauh. pin. 147.

Evonymo affinis arbor orientalis nucifera, flore roseo, Pluk. alm. 139. t. 88. f. 6.

Der braune Thee, oder Theebou. Linn. Pflanzensyst 4. p. 19.

Thea floribus enneapetalis. Hill. exot. t. 22.

Thea Sinensis. Blackm. t. 351. R.

Der grune Thée. Linn. Pflangzensyst. 4. p. 22.

Alem dos autores sobredictos ha ainda outros muitos, que tractaraõ desta planta exotica, dos quaes

Vej. Jac. Breynii Gedanensis Exoticorum, aliarumque minus cognitarum plantarum, cent. I. 1678. p. 114.
os principaes saõ os seguintes.

Johann. Petr. Maffeus rerum indicarum, libro VI, p. 108. et lib. Xll. p. 242. Ludov. Almeyd. in eod. opere lib. IV select. epist.

[p. 367]

Petr. Jarric. tom. II. lib. II. cap. XVII.

Matth. Ric. de Christian. exped. apud Sinas, lib. I cap. VII.

Alois Frois, in relat. Japonicâ.

Nicol. Trigaut. de Regno Chinae, cap. III. p. 34.

Linscot. de Insulâ Japonicâ, cap. XXVI p.35.

Bernhard. Varen. in descriptione Regni Japoniae, cap. XXIII, p. 161.

Joh. Bauhin. Histor, univers, plantar. 1597, tom. III lib. XXVII. cap. I. p. 5. 6.

Alex. Rhod. Sommaire des divers Voyages et Missions apostoliques du R. P. Alexandre de Rhodes, de la Compagnie de Jésus, à la Chine et autres royaumes de l'Orient, avec son retour de la Chine à Rome; depuis l'année 1618 juoqu'à l'an 1653, p. 25.

Les Lettres curieuses et édifiantes des Jésuites.

Nicol. Tulpii. Observ. med. lib. IV cap. LX. p. 380. Leidae 1641, in-8.

Adam. Olearii. Persianische Reise-Beschreibung, lib. V cap. XVII. p. 599. in-fol. 1656. Hamburg, 1696, Amstel. 1666, in-4º.

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[p. 368]

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[p. 390]

A primeira estampa desta arvore publicada nas Memorias da Academia de Copenhague (Acta Haffniensias) sò nos dà huma imperfeita idea della, por ter sido copiada de huma planta secca. Boncio publicou depois outra, a qual aindaque gravada sobre hum debuxo feito na India, aonde elle podia ter visto a planta, he pouco melhor do que a precedente. A de Plukenet he mais natural, e a de Breynio publicada depois della he ainda muito melhor; mas de todas a mais exacta he a que publicou Kempfer

Amoenit. Exot. p. 618 e seg. Vej. taõbem a sua historia do Japaõ publicada por Scheuchzer. Lond. 2 vol. fol. App. P. 3. Geoffr. Mat. Med. vol. II. pag. 276.
adjunta a huma bella descripçaõ; esta estampa contudo naõ he livre de defeitos, e se presume que ella foy copiada de alguma planta secca imperfeita, ou mutilada pelas fraudulentas maõs dos Chinas
Osbeck na sua viagem da China, fallando da Camellia conta o facto seguinte: "Num mercado comprei a hum cego hum pe desta planta com lindas flores brancas e vermelhas. Mas tendo-a depois observado em minha caza, achei que as flores tinhaõ sido tiradas de outra planta; os calyces das flores falsas tinhaõ sido taõ astutamente embutidos nos da Camellia, que me teria sido difficil de descobrir o engano, se as flores naõ tivessem começado a murchar-se. Este exemplo me ensinou a ser mais circumspecto no tracto com os chinas; mas aigumas vezes sem embargo de toda a circumspecçaõ naõ se podem evitar os seus astutos enganos." Vol. VII. p. 17.
.

S. 3. Paizes em que se dá o Chá, quando e como se introduzio o seu uso na Europa.

Naõ consta que a arvore do chá seja cultivada [p. 391] senaõ na China e Japaõ

Alguns autores ajuntaõ taõbem o reyno de Siam.
, e se pode com razaõ concluir que ella he natural de algum destes paizes ou talvez de ambos. A sua grande cultura procede do frequente uso que os habitantes dos dictos paizes fazem da infusaõ das suas folhas; e aindaque nos naõ sabemos verdadeiramente qual fosse o motivo que deo origem a este uso, he provavel que foraõ empregadas como hum correctivo da agoa, que segundo se diz costuma ser salobra, e de mao gosto na maior parte daquelles paizes
Le Compte journey through the empire of China, p. 112.
.
Kalm nos dá huma excellente prova dos bons effeitos do chá em semelhantes cazos." O chá, diz este curioso viajante
Kalm's; travels into North America, vol. II. p. 314. O traductor Inglez ajuntou a nota seguinte: "Nas minhas viagens pelas de ertas planicies, alem do rio Volga, tive varias vezes occasiaõ de observar os mesmos effeitos do Chá, e creyo que qualquer viajante nas mesmas circumstarcias as achara assaz exactas."
, tem differente estimaçaõ entre as diversas naçoẽs e pessoas que usaõ delle; eu não deixo de conhecer que ficariamos muito bem, e as nossas bolsas ainda melhor, senaõ usassemos de chá e caffé; mas quero ser imparcial, e dizer a favor do chá, que se elle he util, a sua utilidade tem certamente lugar nas viagens, como a minha, feitas no tempo do estio por hum vasto sertaõ, aonde senaõ pode levar vinho nem outros liquores, e aonde a agoa ordinariamente he incapaz de beberse, por se achar cheya de insectos.
Em semelhantes casos fervida e bebida com cha he summamente agradavel, e na verdade naõ posso assaz exprimir o excellente gosto, que lhe achei em [p. 392] semelhantes circumstancias. Esta infusaõ alenta o cançado viajante mais do que se pode imaginar, como experimentei, e muitos outros viajantes, que tem atravessado as desertas espessuras da America: nestas viagens, o chá he quasi taõ necessario como os viveres."

Este genero começou a introduzir-se na Europa, quasi no principio do seculo passado, pela Companhia Hollandeza. Perto do anno de 1666

Hannay's Journal of eight days journey vol. II. pag. 21. O mesmo autor abserva que o arratel de cha nesse tempo valia mais de onze mil reis.
os Lords Arlington e Ossory compraraõ huma certa quantidade em Hollanda e a trousseraõ para Inglaterra, aonde começou a usar se nas cazas das pessoas ricas pouco a pouco, athe que emfim passou de ser bebida da moda a ter hum uso universal.

He bem certo contudo que antes do dicto anno ja se costumava tomar chá nas lojas de bebidas de Londres; porquanto consta que no anno de 1660 se tinha posto hum tributo

Oito dinheiros por cada gallon da dicta bebida. Shors's Introductory preface to the natural history of Tea. p. 13.
em todas as lojas relativo a esta bebida.

Quasi no anno de 1679 Cornelio Bontekoe, medicou Hollandez publicou hum tractado sobre o chá, caffé, e chocolate em Hollandez, no qual defendeo zelosamente o uso do chá, negando que elle podesse causar detrimento ao estomago, ainda que delle se tomassem no dia cem ou duzentas taças. Eu naõ assegurarei, se interesses politicos foraõ causa de huma [p. 393] semelhante assersaõ; mas como o Dr. Cornelio Bontelkoe era physico mór do Eleytor de Brandeburgo, e provavelmente gozava de grande reputaçaõ, não se pode negar que o seu parecer naõ promovesse summamente o uso do chá: com effeito a introducçaõ e gastos do chá augmentaraõ de tal modo em Inglaterra, que no fim do seculo passado o seu uso era commum em todas as classes do povo. Elle he presentemente taõ extenso, que se diz que monta ao menos a tres milhoẽs de arrateis cada anno

Alem da grande quantidade de chá que todos os annos se introduz em Inglaterra por contrabando.
, e se sabe que a Companhia da India tem ordinariamente provisão para tres annos nos seus armazens.

He provavel que o chá que os Hollandezes começaraõ a introduzir na Europa foy comprado no Japaõ, visto que nesse tempo faziaõ hum grande commercio no dicto paiz. Mas prezentemente o grande mercado do chá he a China, e a provincia Fokien

Nesta Provincia a arvore he chamada Thée ou Té, nome que os Europeos conservaraõ mais geralmente, por ser o termo com que se costumaõ explicar no lugar em que o compraõ na dicta Provincia. Le Compte, p. 227. Du Halde, vol. IV p. 21.
he o paiz principal que provê deste genero tanto o dicto Imperio como a Europa.

S. 4. Terreno, e cultivo.

De todos os autores, que tem tractado sobre o cultivo do chà, Kempfer merece principalmente a nossa confiança por ter escrito a este respeito no [p. 394] Japaõ, aonde o vio practicar. Elle nos diz, que os Japonezes naõ cultivaõ esta planta em vergeis ou campos particulares, mas somente na borda das suas terras, e sem destinçaõ de terreno. Como as sementes do chá contem huma grande quantidade de oleo, e em razaõ disso saõ sujeitas a adquirirem ranço, e se alterarem facilmente, costumaõ semear muitas juntas, desde seis athe quinze; tiraõ-nas dos vasos em que as tinhaõ mettido, e sem mais preparaçaõ nem escolha introduzem-nas na terra em hum buraco de quatro ou cinco pollegadas de profundidade; mas ordinariamente sò a quinta parte dellas succede germinar. Ellas vegetaõ depois sem mais trabalho algum; mas os lavradores, que tem mais industria, costumaõ todos os annos mondar as hervas ruins que nascem ao pe dellas, e lhes estercaõ a terra. Em quanto a planta naõ tem tres annos, as suas folhas naõ saõ proprias para se colherem, mas tanto que chegou a esta idade, as folhas saõ em grande abundancia, e as mais excellentes que se costumaõ apanhar. A sua estatura na idade de sette annos he a altura ordinaria dos homens; mas como entaõ dá poucas folhas, e cresce mui lentamente, cortaõ-lhe o tronco por baxo, e esta operaçaõ faz rebentar hum grande numero de renovos, os quaes daõ no estio seguinte huma tal saffra de folhas, que os donos ficaõ assaz bem compensados de seus trabalhos e da esterilidade dos annos precedentes. Alguns lavradores contudo esperaõ que ella tenha dez annos para lhe cortarem o tronco.

O chá he cultivado e preparado na China do mesmo modo que se practica no Japaõ, segundo a [p. 395] noticia que temos de autores e viajantes fidedignos; mas como os Chinas precizaõ de huma grande quantidade de chá, para poderem prover os estrangeiros, e o interior do Imperio, naõ se limitaõ, como os Japonezes, a guarnecer as bordas de suas terras com esta planta, mas costumaõ cultivala por toda a parte, e formaõ com ella grandes vergeis. Os valles, as ingremes encostas dos oiteiros, as margens e ribanceiras dos rios, os lugares abrigados do vento norte, ou huma exposiçaõ meridional, como se explicaõ os Botanicos, saõ os sitios em que melhor se dá esta planta; ella naõ deixa contudo de poder supportar as grandes variaçoẽs de calor e frio, poisque florece taõ bem no clima meridional de Cantam

O melhor chá he produzido em hum clima brando e temperado. Os paizes circumvezinhos de Nanquim, que medeaõ entre os de Cantam e Pequim, daõ melhor chá do que quaesquer destes. O clima de Inglaterra naõ he taõ favoravel a esta arvore como alguns pensaraõ, porquanto temos exemplos de ter nelle perecido com o rigor do frio, aindaque seja notorio que huma florecesse no jardim de Kew somente com o calor natural do sol, duas no jardim de Mile-end que pertence ao infatigavel J. Gordon, e que duas expostas ao ar livre durante o estio crescessem muito bem no jardim do Dr. Fothergill em Upton.
, como no septentrional de Pequim, que se acha na latitude de Roma, e aonde sem embargo disso os grãos de frio (segundo as observaçoẽs meteorologicas) saõ no inverno taõ rigorosos, como em alguns lugares do norte da Europa
Du Halde e outros autores observaraõ que o frio em alguns lugares da China he muito desabrido. Nos sertoẽs da America septentrional, e nos vastos continentes, os graos de calor e frio saõ muito mais fortes do que nas ilhas e lugares maritimos que se achaõ na mesma latitude, porque o ar do mar he menos sujeito a variaçoẽs a este respeito do que o que corre sobre os vastos continentes; o mar, os grandes lagos, &c, tem nas diversas estaçoẽs do anno quasi a mesma temperatura.
.

[p. 396]
S. 5. Colheita das folhas.

A colheita do chá he feita no Japaõ em certas estaçoẽs do anno por homens assalariados para este fim, e costumados a este modo de vida. Elles naõ apanhaõ as folhas ás manchêas, mas somente huma á huma, e postoque este trabalho seja fastidioso, cada hum delles naõ deixa contudo de apanhar no dia desde quatro athe dez ou quinze arrateis. Os differentes tempos, em que ordinariamente costumaõ colher as folhas no Japaõ, saõ tres segundo Kempfer

Amaenit. Exot. pag. 618 e seg. History os Japan. Appendix ao vol. II. p. 6 e seg.
.

I. A primeira colheita começa no meado da primeira lua antes do equinoxio da primavera, na qual começa taõbem o primeiro mez do anno dos Japonezes, periodo, que corresponde quasi ao fim do nosso mez de Fevereiro ou principio de Março. As folhas que se apanhaõ nesta colheita saõ chamadas Tsjáa Fiqui, ou chá moido, pela razaõ de serem reduzidas em po com hum moinho de maõ, e neste estado tomadas em agoa quente (vej. O S. 8.): ellas saõ colhidas muito tenras e poucos dias depois de terem brotado; saõ destinadas para os princepes, e pessoas ricas, que so as podem comprar por serem caras em razaõ da sua raridade, e daqui procedeo o darem-lhes taõbem o nome de chá imperial ou superfino.

[p. 397]

Esta sorte de chá tem ainda outros nomes entre os Japonezes, deduzidos dos principaes lugares em que elle se costuma colher, como por ex. os de Tsjáa Udsi, Tsjáa Taque Saqui. O apanho das folhas he feito nestes lugares com hum cuidado e aceyo extremo; eu darei aqui huma breve noticia do que se pratica em hum dos dictos lugares, isto he, na aprazivel montanha de Udsi. Esta montanha está situada no destricto de huma villa maritima do mesmo nome, pouco distante da cidade de Miaco, e hé reconhecida como o melhor terreno, e de clima o mais favoravel á cultura do chá; em razaõ disto foy serrada de seves e cercada de hum largo fosso para maior segurança. As arvores do chá estaõ plantadas nesta montanha em fileiras regulares formando entre si passeios agradaveis, e ha hum certo numero de pessoas empregadas annualmente na sua custura, e aceyo. Os homens que devem apanhar as folhas no espaço de algumas semanas, antes de começarem a colheita, costumaõ absterse de toda a casta de alimentos grosseiros, e de tudo o que pode contribuir a communicar algum mao cheiro ou sabor; e quando as arrancaõ da arvore usaõ sempre de hum par de luvas finas

Na colheita das outras castas de chá naõ se costumaõ usar estas delicadezas.
. Esta sorte de chá imperial
O chá que os Hollandezes vendem debaxo deste nome naõ pode ser o verdadeiro chá imperial; porque os princepes do Japaõ costumaõ mercalo por hum preço muito mais caro no seu paiz, do que aquelle pelo qual o denominado chá imperial se compra na Europa. Kaempfer. Amaen. Exot. p. 617. History os Japan. App. p. 9. Neumann's chemistry by Lewis. p. 373.
he levado [p. 398] á corte do Imperador para uso da sua familia pelo Superintendente dos trabalhos da montanha, acompanhado de huma forte escolta de soldados e de numeriosa comitiva.

II. A segunda colheita he feita no segundo mez dos Japonezes, periodo que corresponde quasi ao fim de Março ou principio de Abril. Neste tempo ainda que algumas folhas naõ tenhaõ chegado ao seu pleno grao de crescimento, naõ deixaõ contudo de serem apanhadas promiscuamente com as perfeitas; separaõ-nas depois em varios sortimentos segundo a sua idade, grandeza e bondade; as mais novas saõ escolhidas com hum particular cuidado, e as vendem muitas vezes por chá imperial ou da primeira colheita. O chá desta segunda colheita he chamado pelos naturaes do paiz Tutsjáa, ou chá da China, por ser tomado de infusaõ á moda Chineza (§. 8.), e he vendido aos négociantes e tendeiros depois de ter sido dividido em quatro classes, ou sortimentos, cada hum com seu nome differente.

III. A terceira e ultima colheita he feita no terceiro mez dos Japonezes, que corresponde quasi ao nosso mez de Junho, tempo em que as folhas saõ numerosas e se achaõ no grao do seu completo crescimento. Esta casta de chá he chamado pelos natuares do paiz Bantsjáa; he o mais grosseiro, e destinado ao uso da plebe. (§. 8.)

Em alguns lugares os proprietarios costumaõ fazer somente duas colheitas no anno, a primeira corresponde á segunda acima mencionada, e a segunda á [p. 399] terceira; outros costumaõ fazer huma

Neste cazo as folhas mais baxas do tronco, duras, e menos succulentas provavelmente se deixaõ ficar nas arvores. Vej. Eckeberg's Chinese husbandry in Osbeck's voyage vol. II. p. 303.
so colheita geral, que corresponde à terceira e ultima sobredicta: contudo todas estas colheitas saõ separadas em differentes sortimentos relativos a cada huma dellas.

Eu notei ja (§. 4.) que as arvores do chá se davaõ ordinariamente nas ingremes encostas dos oiteiros, e nas ribanceiras, aonde se corre risco, e ás vezes mesmo he impracticavel ir apanhar as folhas, aindaque sejaõ hum chá excellente. Os chinas em alguns lugares vencem esta difficuldade com hum singular artificio; elles sabem de tal modo irritar huma raça de macacos grandes que costumaõ habitar nestes despenhadeiros, que os animaes enfurecidos quebraõ os ramos das arvores do chá, e lhes atiraõ, com elles de raiva ou como em despique; estes ramos saõ pouco a pouco amontoados, e ultimamente delles se tira huma grande quantidade, de chá. Eu tenho visto este modo de apanhar o chá indicado em algumas pinturas chinezas, que reprezentaõ os methodos das colheitas e modos de curar o chá; alem disso hum homem fidedigno e curioso que ha muitos annos serve de capitaõ nas naos da Companhia da India e tem ido muitas vezes á China, me assegurou sinceramento que esta circumstancia era hum facto notorio naquelles paizes.

As colheitas do chá entre os Chinas saõ taõbem feitas em certas estaçoẽs do anno

Du Halde's History of China, vol. VI. p.21.
, mas naõ posso assegurar se saõ nos mesmos periodos que as [p. 400] dos Japonezes; he muito provavel que sejaõ feitas quasi nos mesmos tempos, visto ser certo que estas duas naçoẽs tem huma communicaçaõ frequente, e fazem huma com outra hum grande commercio
Ibid vol. II. p. 300. Kempfer nota na sua historia do Japaõ, que o commercio entre estas naçoẽs data de hum tempo immemorial; antigamente os Chinas tinhaõ muito maior commercio com os Japonezes do que tem presentemente; a affinidade de religiaõ, costumes, livros, linguas sabias, artes, e sciencias faz que elles achem no Japaõ huma livre tolerancia. History os Japan. vol. I. p. 374.
.

Terminadas as colheitas do chá, naõ ha familia alguma que deixe de ir aos templos dar graças ao Creador por hum semelhante beneficio.

§. 6. Modo de curar ou preparar o Chá.

Ha no Japaõ edificios publicos destinados à preparaçaõ do chá, e estabelecidos com taes regulamentos que qualquer pessoa que naõ tem as com modidades sufficientes nem a pericia necessaria para huma semelhante operaçaõ costuma remetter a elles as folhas das colheitas de suas terras. Estas cazas contem cinco athe dez ou vinte pequenas fornalhas de quasi tres pés de alto, guarnecidas na bocca superior de huma larga bacia de ferro

Alguns escritores fazem mençaõ de que nestas fornalhas se costuma taõbem usar de bacias de cobre, e suppoem que a efflorecencia verde que se vê no cobre serve de augmentar a verdura do chá verde; mas as experiencias feitas pelo Dr. Lettsom mostraõ que esta hypothese he muito mal fundada. (Vej. S. 7.)
, de muito [p. 401] pouca profundidade, redonda, ou quadrada, com as bordas hum tanto dobradas á roda da boccas da fornalhas, o que serve naõ so para indicar os graos de calor mas contribue taõbem para que as folhas naõ caihaõ fora da bacia. Ha taõbem nas dictas cazas huma meza comprida e baxa, coberta de esteiras, em que se costumaõ pôr as folhas, que enrolaõ os homens que se achaõ assentados a roda della. Aquecida a bacia, athe hum certo grao, com hum pequeno fogo que se lhe faz por baxo na fornalha, hum dos operarios experientes lança nella huns poucos de arrateis das folhas que se tem apanhado ha pouco tempo, e como as folhas frescas e cheyas de succos se fendem facilmente apenas tocaõ a bacia, todo o cuidado do operario consiste em as mudar com a maõs de huma banda para á outra com toda a possivel ligeireza, em quanto naõ tem aquecido de modo que naõ as possa manejar. Chegado este momento, lança maõ de huma pá de ferro semelhante a hum abano, tira as da bacia, e as estende sobre as esteiras, junto das quaes se achaõ os enroladores. Estes tomando entaõ de cada vez huma pequena quantidade começaõ a enrolalas nas palmas de suas maõs, somente em huma direcçaõ, em quanto outros operarios tem o cuidado de as abanar para que mais depressa se esfriem, e conservem mais tempo o seu enrolado.

Esta operaçaõ he repetida duas, tres, ou mais vezes antes que o chá seja guardado nos armazens, para que toda a humidade das folhas fique inteiramente dissipada, e o seu enrolado senaõ desfaça de modo algum. Em todas as repetiçoẽs, a bacia he menos aquecida, e a operaçaõ practicada mais [p. 402] lentamente, e com maior cautella

Este cuidado he necessario na preparaçaõ do chá verde, porque alias se lhe naõ conservaria a sua cor verde nem o seu cheiro.
. Terminadas todas as operaçoẽs, o chá he separado em differentes sortimentos, e guardado para os usos do paiz e para vender aos estrangeiros.

Como as folhas do chá Fiqui (§ 5 e 8.) saõ ordinariamente reduzidas em pó antes de servirem nas bebidas; saõ taõbem por esse motivo as que entre todas precizaõ de ficar mais seccas. Algumas dellas, em razaõ de terem sido apanhadas muito pequenas e tenrinhas, saõ somente escaldadas em agoa quente, tiradas immediatamente, e postas a seccar, sem as enrollarem de modo algum athe de todo ficarem seccas.

A gente do campo costuma preparar as folhas das suas arvores do chá em caldeiras de barro

Isto taõbem se practica na China. Vej. Eckeberg's Chinese husbandry in Osbeck's. voyage. vol. II. p. 303.
, o que satisfaz igualmente aos mesmos fins com menos trabalho e gastos, e porisso as vendem mais baratas.

Para completar a preparaçaõ do chá, costumaõ, passados alguns mezes, tiralo dos vasos em que o tinhaõ mettido, e polo a seccar a hum fogo muito brando para o privarem de alguma humidade, que lhe tivesse ficado, ou que podesse ter adquirido.

O chá commum he guardado em boyoẽs de barro de bocca estreita; mas a melhor casta de chá, de que usa o Imperador e Nobreza, he mettido em boyoẽs de porcellana, ou de loiça da China. O chá Bantsjáa ou mais grosseiro he guardado pela gente do campo em cestas feitas de palha e em forma de [p. 403] barris, as quaes costumaõ dependurar no tectos das cazas junto da fresta por onde sahe o fumo, persuadidos de que esta situaçaõ naõ causa perjuizo algum ao chá.

Tal he o methodo de que se servem os Japonezes, segundo Kempfer, relativamente á preparaçaõ do seu chá. Quanto ao chá da China, os autores tractaõ mui superficialmente tanto da sua cultura como da sua preparaçaõ. Le Compte

Journey through the empire of China.
contudo diz que os chinas tem bom chá, e que as folhas saõ apanhadas em quanto saõ pequenas, tenras e cheyas de succos; que elles ordinariamente começaõ a colhelas no mez do Março ou Abril, segundo a vegetaçaõ da primavera he temporaan ou serodea, que as expoem depois ao vapor de agoa fervendo para as amollecer, e que tanto que este as penetrou, as estendem em laminas de cobre
Vej. o S. 6 e 7 a este respeito. Quanto ao que diz Le Compte a respeito das folhas se enrolarem por si mesmo, pareceme que este viajante se enganou nesta parte, naõ sendo verosimil que o chá que nos trazem da China possa ter adquirido hum taõ perfeito gráo de enrolamento como lhe vemos, somente com o calor e sem mais trabalho.
postas sobre o fogo, as quaes as seccaõ gradualmente athe ficarem pardas, e se enrollarem por si mesmo do modo que as vemos.

Segundo as pinturas chinezas, as quaes postoque toscas naõ deixaõ contudo de darnos ideas fieis, he certo que as arvores do chá habitaõ pela maior parte nos paizes montuosos entre altos rochedos, encostas ingremes, e em lugares às vezes inaccessiveis, e o trabalho que tem os chinas de fazerem varedas, de [p. 404] armarem palanques ou tranqueiras fixas, e de se servirem do furor dos macacos, indica que todos os dictos lugares daõ hum chá do mais excellente. Parece taõbem segundo as suas pinturas que as arvores do chá saõ ordinariamente da altura de hum homem ou pouco mais; os homens que apanhaõ as folhas naõ saõ jamais nellas representados sobre as arvores, e as varas de ganchos que lhes vemos nas maõs parecem serem destinadas somente para com ellas curvarem para si os ramos das arvores, que se debruçaõ sobre os ribeiros, rios, rochas e lugares inaccessiveis, e naõ para dobrarem os cumes ou ramos superiores das arvores, que se daõ nas planicies.

Elles escolhem e separaõ as folhas em differentes sortimentos depois de as terem apanhado, e as curaõ quasi do mesmo modo que practicaõ os Japonezes. Os operarios contudo enrolaõ as folhas mesmo sobre as bacias das estufas ou fornalhas dispostas em fileira, e semelhantes ás dos laboratorios de chymica ou das grandes cozinhas. Parece-me taõbem que as seccaõ muitas vezes, expondo-as ao sol estendidas em cêstas largas e de pouco fundo; depois de seccas separaõ com huma peneira as maiores das mais pequenas, e estas ultimamente do cisco e pò.

O mais fino e excellente chá he posto pelos chinas em vasos conicos, semelhantes a hum paõ de assucar refinado, feitos de estanho ou chumbo, e cobertos com aceadas esteiras de folhas de bambû, ou taõbem em caxas de pão quadradas, forradas de huma lamina fina de chumbo, e alem disso com folhas seccas e papel, e neste modo he vendido aos estrangeiros. [p. 405] O chá commum he mettido em cestos, e despejado depois em caxas, quando o vendem aos Europeos

Os Chinas naõ parecem ser taõ aceados como os Japonezes na preparaçaõ do chá; Osbeck diz que os servos dos Chinas costumaõ calcar o chá nas caxas com os pes descalços. Voyage to China. v. I, pag. 252.
.

S. 7. Variedades de Chá.

Alem dos differentes sortimentos que se costumaõ fazer no tempo das colheitas das folhas do chá, como ja notei (§. 5.), as suas variedades saõ ainda summamente augmentadas, segundo a bondade da sua preparaçaõ

Du Halde's history of China, vol. I. p. 21. Osbeck, voyage to China, vol. I. p. 246 et seg.
. As destinçoẽs, que os Europeos costumaõ fazer do chá, saõ em menor numero do que entre os Chinas, e podem ser reduzidas ás seguintes variedades.

I. Chá verde. 1º Chá imperial, ou superfino, o qual tem a folha grande e laxa, a cor hum tanto verde, e hum leve cheiro agradavel. 2º Chá Hytian, ou Hiquion, chamado entre nos chá Hyson, do nome de hum mercador da India que foy o primeiro que o trousse à Europa: as suas folhas saõ pequenas e enroladas apertadamente, a cor verde e azulada

Os Chinas tem outra casta de chá hyson, a que chamaõ hysonutchin, que he de folhas curtas e estreitas; ha taõbem outra sorte de chá verde, a que elles chamaõ gobé, que tem as folhas estreitas e compridas.
. 3º. Chá Singlo ou Sanglo, nome deduzido do lugar em que he cultivado.

[p. 406]

II. Chá bohy. 1º. Chá Suchuen, ou Sutchon, a que os Chinas chamaõ Saatyan ou Sutyan, communica huma cor verde amarellada a agoa, em que he lançado de infusaõ

O chá Padre Sutchon tem hum gosto e cheiro melhor do que o chá commum Sutchon; as folhas saõ largas e amarelladas, naõ enrolladas mas abertas, e embrulhadas em massos de papel, que pezaõ meyo arratel cada hum. He comprado e levado à Russia pelas cafilas de mercadores da dicta naçaõ, preciza de muito cuidado para naõ ser alterado no mar, e he raro em Inglaterra.
. 2º. Chá Camo ou Sumlo, assim chamado do nome do lugar em que he colhido, tem hum cheiro suave de violetta, e communica huma cor pallida a agoa, em que he lançado de infusaõ. 3º Chá Congo ou Bonfo, tem as folhas mais largas do que os dois seguintes, e communica a agoa da infusaõ huma cor hum tanto mais carregada; as suas folhas saõ semelhantes na cor as do chá bohy ordinario
Ha taõbem huma sorte de chá chamado Linquisam, que raras vezes se acha sem ser misturado com outras variedades; elle tem as folhas estreitas, e asperas, e os Chinas fazem com elle ás vezes huma casta de chá pecco, ajuntando-o ao chá congo. Vej. Osbeck, voyage to China, vol. I. p. 249.
.
4º. Chá pecco, a que os Chinas chamaõ chà bacco ou pacco, he conhecido pelas pequenas flores brancas, que se achaõ misturadas com elle. 5º Chá bohy commum, a que os Chinas chamaõ moji, tem as folhas todas da mesma cor
O melhor chá bohy he chamado pelos Chinas Taoquyon. Ha taõbem huma variedade inferior chamada Ancai, do nome do lugar em que elle se dà. No destricto de Honam perto de Cantam ha hum chá mui grosseiro, a que os Chinas chamaõ Thé Honam ou The Culi; as suas folhas saõ amarellas ou hum tanto pardas, e tem o gosto menos agradavel do que todos os mais chás.
.

III. Chá em balas, differe dos precedentes pela sua [p. 407] forma, sendo feito em bolos, balas ou pilulas de diversa grandeza. 1º. Chá em balas grossas; o que tenho visto mais volumoso pezava duas onças, e lançado de infusaõ communicava a agoa hum gosto semelhante ao do bom chá bohy. 2º. Chá em balas miudas, he huma variedade de chá verde, chamado taõbem tiothé, e enrolado de modo que se assemelha na figura a huma ervilha. 3º Chá bombardeiro, he o mais miudo, e assim chamado por se assemelhar no volume quasi aos graõs da polvora bombardeira.

Os chinas preparaõ taõbem hum extracto de chá, e se servem delle como de hum excellente remedio nas fevres e outras muitas doenças, dando-o para excitar hum copioso suor, dissolvido em huma grande quantitade de agoa. Este extracto humas vezes he formado em pequenos bolos da largura de huma moeda de tres vintens em prata ou pouco mais, outras vezes em rolos volumosos.

Todas as variedades de chá procedem de huma so especie de arvore, como ja acima notei (§. I.) Kempfer, que he deste parecer, attribue as differenças dos chás ao terreno, cultivo da planta, à idade em que as folhas saõ apanhadas, e à sua preparaçaõ

Isto confirma o que notei no §. I.
. Todas estas circumstancias podem influir mais ou menos sobre as variedades do chá; naõ assegurarei contudo se algumas dellas dependem ainda de outras circumstancias. Eu metti de infusaõ todas as castas de chá verde e bohy que pude haver, abri as suas differentes folhas, e as estendi sobre papel, para comparar a sua grandeza, e contextura e por [p. 408] esse meyo poder descobrir a sua idade; ultimamente achei que as folhas do chà verde eraõ taõ largas, e quasi taõ fibrosas como as do chà bohy, o que me faz conjecturar que as differenças procedem menos da idade do que das outras circumstancias.

Na Europa, como he bem notorio, o terreno, cultivo, e exposiçaõ tem huma grande influencia sobre todos os generos de plantas; vemos muitas vezes na mesma provincia, e ainda na mesma comarca ou destricto a mesma especie ter huma differença evidente; esta differença deve ser ainda muito maior no Japaõ e principalmente nas terras do continente da China, aonde o ar he em algumas partes demasiadamente frio, em outras temperado, e em outras nimiamente calmoso. Eu naõ deixo contudo de pensàr que o methodo de preparar as folhas tenha alem disso taõbem bastante infiuencia sobre as differenças dos chás. Eu sequei as folhas de algumas plantas da Europa segundo o modo acima descripto (§. 5.), e posso assegurar que ellas se assemelhavaõ tanto às do chá exotico, que as pessoas a quem dei a sua infusaõ a beberaõ sem a menor suspeita. Algumas das dictas folhas conservaraõ bem o seu enrolado, e ficaraõ com huma taõ bella cor verde como as do melhor chá verde estrangeiro; outras contudo que preparei ao mesmo tempo assemelhavaõ-se mais às do chà bohy

Hum certo grao de calor moderado faz conservar melhor a cor verde e o cheiro, do que huma desiccaçaõ apressada; no primeiro cazo he precizo seccar as folhas muitas vezes ao fogo.
.

O resultado destas experiencias podera servir de [p. 409] base de maiores indagaçoẽs a este respeito, que talvez algum dia viraõ a ser de grande importancia á naçaõ Ingleza.

Seria util cuidarmos em descobrir, se os Chinas antes de nos vender o seu chá costumaõ usar de algum ingrediente ou preparaçaõ propria para dar a cor

As infusoẽs das differentes castas do bom cha bohy naõ differem muito na cor das do verde.
, e cheiro
Algumas pessoas intelligentes que habitaraõ algum tempo em Cantam me asseguraraõ que as folhas do cha dos arrebaldes desta cidade tem muito pouco cheiro em quanto estaõ na arvore, e o mesmo se observa nas das arvores que existem em Inglaterra, e taõbem nas dós ramos seccos que tem vindo da China; donde parece seguir-se que o cheiro particular dos differentes chas he devido em parte a alguma especial substancia, com que os preparaõ, e em parte ao methodo da desiccaçaõ. A simplez desiocaçaõ basta às vezes somente para tornar as plantas mais cheirosas, fazendo coucentrar as suas moleculas odorantes; e nos temos exemplos disto em muitas raizes, como v. g. nas da Inula campana.
particulares às differentes variedades de chá. Hum dos meus Amigos, homem perito, me assegurou "que em huma das pinturas chinezas da collecçaõ que comprou, na qual se acha representado tudo o que diz respeito à preparaçaõ do chà, se observaõ muitas figuras de operarios, que parecem estar separando differentes castas de chá, e pondo-as a seccar ao sol, e que junto dellas se achaõ varios cestos cheyos de huma substancia muito branca, e em grande quantidade." Ainda que naõ sabemos de certo o que seja esta substancia, nem para que sirva, contudo he muito provavel que ella seja empregada na preparaçaõ do chà, porque he raro que os Chinas ponhaõ nas suas pinturas alguma coiza que naõ seja relativa às suas artes, ou que naõ [p. 410] pertença ao objecto, de que tractaõ nas dictas pinturas.

Alguns autores attribuem a cor do chà verde a huma efflorecencia das laminas de cobre (S. 6.) em que suspeitaõ que as folhas foraõ curadas; mas esta supposiçaõ he destituida de fundamento, porque o alcali volatil lançado em huma infusaõ do dicto chá jamais pôde descobrir a menor porçaõ de cobre, tornando-a azul

A centesima parte de hum graõ de cobre, dissolvida em hum quartilho dos liquidos competentes, basta para azular o licor, se nelle lançamos hum alcali volatil. (Neumann's chemistry, by Lewis, p. 62.) Segundo as experiencias feitas com o dicto alcali, o melhor chá imperial naõ tem dado o menor indicio da presença deste metal.
. Outros ainda com menos fundamento attribuiraõ a dicta cor a huma caparosa verde
Vej. Schort on Tea, p. 16. Boerhaave attribuia taõbem a cor do chá verde a esta substancia.
; mas como esta substancia he hum sal de ferro, devia nesta supposiçaõ ter denigrido immediatamente as folhas, e communicado à infusaõ do chà huma cor purpurea ferrete
Lembra-me a este respeito o galante logro que succedeo a hum rancho de pessoas, que tinhaõ ajustado de ir huma tarde passear ao campo, e completar o divertimento com a sua mimosa merenda de chá. A agoa de que usavaõ no lugar, e que se tinha mandado ferver para o chá, era tirada de huma fonte de agoas ferreas; pelo que immediatamente que foy lançada no bule que continha as folhas, a infusaõ ficou como tinta de escrever e incapaz de servir a attonita companhia de uso algum, a naõ ser o de communicar por papel a sua triste, e inesperada abstinencia.
.
Naõ seria talvez mais provavel dizer que os chinas còraõ o sobredicto chà com huma tinta verde, tirada de algumas substancias vegetaes?

[p. 411]
§. 8. Bebida do Chá na China e Japam.

Nem os Chinas nem os Japonezes se servem do chà logo depois da sua preparaçaõ; guardaõ-no ao menos hum anno, porquanto dizem que tomado fresco ou antes de hum anno he narcotico, e sujeito a perturbar os sentidos

Kaempfer Am. ex. p. 625. Hist. of Jap. 2 vol. App. p. 10. 16.
. Os Chinas costumaõ lançar agoa quente cobre o chá, e tomar a infusaõ do modo que se practica hoje na Europa, imitado delles; mas a sua bebida he simplez porque naõ lhe ajuntaõ nem leite nem assucar, como os Europeos
Osbeck's, voyage to China, vol. I. p. 299.
.
A nobreza e pessoas ricas do Japaõ usaõ do chá reduzido em po fino com hum moinho de maõ, e o tomaõ do modo seguinte: poem-se diante das pessoas que devem tomar o chá huma meza com o apparelho adequado, e com o chá moido posto dentro de huma caxa; lançada a agoa quente nas chicaras, tira-se da dicta caxa com a ponta de huma faca mediocre a quantidade que nella pode caber, e se lança em cada huma das chicaras: depois meche-se a bebida muito bem com hum curioso instrumento denteado athe lançar escuma
Este chá he chamado coitsjaa, isto he, chá denso, para o ditinguir do chá feito e bebido de infusaõ á Chineza, como elles practicaõ com outros chás inferiores. (S. 5).
, e neste estado he offerecida aos circumstantes, e tomada sem a deixar [p. 412] esfriar
Segundo Du Halde este methodo de tomar o chá he taõbem usado em algumas provincias da China. History of China, vol. IV. p. 22.
.
Fazer o chá, e prezentalo com hum modo polido e airoso he huma prenda que se ensina a ter aos Japonezes de ambos os sexos, como a dança e outras partes de huma educaçaõ polida se ensinaõ aos Europeos.

O povo usa de hum chá inferior (S. 5.) fervido, e logo que amanhece o poem ao lume numa caldeira cheia d'agoa, dentro de hum sacco, ou condeça proporcionada, e bem apertada no fundo do vaso para naõ causar incommodo ao vazar da agoa. O chá que costumaõ ferver deste modo he o bantsjáa (S. 5.) por ser composto de partes mais fixas, e que senaõ podem extrahir plenamente por infusaõ. Esta he a sua bebida ordinaria, e na China do mesmo modo, como indicaõ bem claramente as suas pinturas; porquanto todas as pessoas que trabalhaõ ou dentro de caza ou no campo saõ ordinariamente representadas com hum bule e chicaras ao pé de si

No Japaõ ha lojas, de chá nas estradas, campos, bosques frequentados, e em todos os lugares aonde ha grande concurso de povo, e he raro que os viajantes uzem de outra bebida nas suas viagens. Kaempfer's hist. of Jap. by Scheuehzer, vol. II. p. 428.
.

S. 9. Plantas comparadas e substituidas ao Chá.

Depois da grande acceitaçaõ que entrou a ter o chá na Europa, os botanicos naõ podiaõ deixar, tanto [p. 413] por curiosidade como por interesses do commercio, de fazer investigaçoes por descobrir a planta que dava estas preciosas folhas, ou lhes substituir as de outro vegetal, que com ellas mais se parecessem. Simaõ Pauli, medico Dinamarquez, foy o primeiro botanico que pertendeo ter descoberto na Europa a verdadeira planta do chà: tendo aberto algumas folhas do chà exotico, e observado que ellas se assemelhavaõ summamente às da Myrica gale

De Linneo; em Londres he chamada murta de Hollanda, e gale no norte de Inglaterra; da-se em grande abundancia em todo o paiz de Brabante, e nos lugares septentrionaes da Europa.
, defendeo teimosamente que humas e outras eraõ produccoẽs da mesma éspecie de planta, sem embargo de que outros botanicos da Europa refutassem o seu sentimento, e que o Dr. Cleyer
Elle mandou taõbem ao Dr. Mentzel de Berlim alguns ramos, cujas figuras foraõ depois publicadas nas Memorias da Academia de Copenhague, e nas Ephemerides de Allemanha.
lhe mandasse da India alguns ramos e folhas do verdadeiro chà.

O Padre Labat depois delle julgou taõbem ter descoberto na ilha da Martinica

Vej. Nouveau voyage aux îles de l'Amérique.
a verdadeira planta do chá, dizendo, que a planta indigena da dicta ilha se parecia em tudo com a da China (que elle assegura ter semeado e observado depois de crescida na America). Mas segundo a descripçaõ que da, a planta parece ser huma especie de Iysimachia, ou a que ordinariamente chamaõ os insulares chá da America
He hum arbusto assaz commum nas Antilhas.
.

Muitos outros ainda julgaraõ ter descoberto a [p. 414] verdadeira planta do chá do oriente, mas todos estes descobrimentos se acharaõ errados. A planta que mais se assemelha he a que Kempfer chama Tsubaqui

Ha prezentemente no jardim botanico de Upsal dois pés desta planta; elles foraõ trazidos da China, no anno de 1755, por M. Lagerstom, director da Companhia Sueca da India, na supposiçaõ de serem plantas do chá, mas depois que floreceraõ, se conheceo que eraõ dois individuos da especie Tsubaqui, a que Linneo chama Camellia. Este celebre Professor diz "que as folhas da Camellia saõ taõ semelhantes ás do verdadeiro chá, que poderaõ facilmente enganar o mais habil botanico, por differirem somente em ser hum tanto mais largas. (Amaen. Acad v. VII p. 251. Vej. taõbem Ellis directions, &c. p. 28) As folhas da camellia, que foraõ ha pouco remettidas da China a Londres, eraõ obtusamente chanfradas como as do chá, o que as faz ainda ser mais equivocas; Kempfer diz que se costumavaõ misturar com o chá as folhas de huma especie de Tsubáqui para lhe dar bom cheiro. Amaen. Exot. p. 858.
.

A semelhança da forma das folhas, do gosto e cheiro fez que em alguns paizes lhe substituiraõ as folhas de differentes plantas da Europa, entre as quaes se contaõ as da salva, murta, betonica, agrimonia, e muitas outras

Vej. Simon Pauli de abusu theae et tabacci; e taõbem Neumann's chemistry, by Levis, pag. 375.
; as mais usadas contudo foraõ duas especies de Veronica
Veronica officinalis, et Veronica chamaedris de Linneo, Vej. Pechlin Theophilus bibaculus. Franckfort. 1684. Francus de Veronica vel Theezantem. Vej. taõbem a dissertaçaõ de Mr. Buchoz Sur les plantes qu'on peut substituer au Thé. Paris, I786. in-fol.
. Eu naõ sei se o uso d'alguma das plantas que os Europeos substituiraõ ao do chà estrangeiro era mais ou menos saudavel do que elle; o certo he que todas ellas vieraõ a cahir em deprezo, naõ se usando hoje desde os paços athe as cabanas senaõ o genuino chà da Asia.

[p. 415]
S. 10. Modo de transportar da China as sementes, e arvore do Chá em estado de vegetar na Europa.

As tentativas, que se tem feito para transplantar na Europa a arvore do chà, tem sido muitas vezes inefficazes ou pela razão de se terem mercado màs sementes, ou por falta de naõ se lhes saber conservar o seu principio vegetativo. Todas as vezes que ao sahir dos portos da China senaõ cuidar em obter sementes frescas, sans, maduras, brancas bem gradas, e humidas por dentro, todas as cautellas que depois se tomarem para as conservar seraõ superfluas.

Essas poucas de arvores do chà, que hoje temos na Europa, saõ devidas principalmente a dois industriosos methodos de conservar as suas sementes; hum consiste em as envolver em cera bella depois de bem seccas ao sol, e outro em as metter mesmo envolvidas nas suas capsulas dentro de bottes de estanho bem tapados

Vej. Directions for bringing over seeds and plants, from the East-Indies, by J. Ellis, em cuja obra se daõ as instrucçoẽs necessarias tanto para escolher as boas sementes como para as conservar no tempo das viagens do mar. Vej. taõbem The naturalist's and traveller's companion, onde se tracta do modo de descobrir e conservar os objectos de historia natural. (sect. III) Eu advirtirei aqui que o melhor methodo de conservar as partes da flor inteiras he de as metter em frascos de espirito de vinho, de boa agoardente de canna, ou agoardente de cabeça. As flores do illicium floridanum foraõ remettidas deste modo ao sabio naturalista J. Ellie, e chegaraõ bem conservadas, como se publicou no ultimo vol. das Transacçoẽs Philosophicas. (LX.)
.

Contudo a pezar de todas estas cautellas, e das [p. 416] sementes serem boas, algumas vezes as suas partes não deixaõ de se alterar na passagem do mar, e perder inteiramente a sua vis germinativa. Peloque o melhor methodo consiste em as semear, depois de sahir de Cantam, em huma boa terra balofa, e em cobrir as caxas com huma rede de arame para que os ratos e outros animaes naõ as estraguem: as dictas caxas naõ devem ser expostas a hum ar demasiado, nem postas em lugar, em que sejaõ borrifadas da agoa do mar (sendo possivel.) Naõ se deve deixar seccar nem endurecer a terra, mas de quando em quando se regará com agoa doce ou da chuva; e depois que as sementes tiverem germinado, as plantulas seraõ entretidas sempre humidas, e guardadas do sol ardente. A maior parte das plantas do chà, que hoje temos em Inglaterra, foraõ obtidas por este methodo; e aindaque algumas das novas plantas pereçaõ no mar, contudo algumas escapaõ, e he provavel que por este modo poderemos vir a ter as mais curiosas e uteis producçoẽs vegetaes, em que a China tanto abunda

Ha taõbem ainda outro methodo practicado com as sementes do norte da America, que consiste em as inetter em caxas entre camadas de musgo de modo que possaõ nelle livremente germinar; na passagem do mar as caxas saõ penduradas no tecto da camara do navio, e tendo chegado a Londres, se lhes mudaõ as sementes para vasos de terra juntamente com o musgo em que estavaõ, ajuntandolhe ainda outro novo. Este methodo tem muitas vezes sido mais feliz do que todos os outros, e se poderá taõbem practicar com as sementes do chá e outras do oriente; quanto ás do chá, seja qual for o methodo que se quizer practicar, he precizo semealas quando o navio chegar a ilha de St. Helena, ou taõbem quando tiver passado o Tropico de Cancer, estando quasi em trinta gráos de latitude do Norte.
.

As tenras plantas do chà medraõ muito bem nos [p. 417] jardins dos suburbios de Londres, reclusas nos abrigadoiros ou estufas brandas; algumas contudo supportaõ bem o ar livre no estio. Os seus renovos saõ succulentos; as suas folhas tem huma bella cor de verde escuro, e saõ do comprimento de huma athe trez pollegadas. Provavelmente dentro de poucos annos poderemos por meyo dos seus renovos multiplicar consideravelmente o numero destas plantas. Ha muitos vegetaes exoticos, os quaes, assim como as constituiçoẽs humanas, requerem hum certo periodo de tempo primeiro que se habituem ao novo clima, ou sejaõ naturalizados; ha muitas plantas que no primeiro tempo, em que foraõ introduzidas neste paiz, naõ podiaõ supportar os nossos invernos e precizavaõ de abrigo, as quaes contudo supportaõ prezentemente os mais rigorosos frios; as magnolias e muitas outras saõ huma clara prova desta observaçaõ. Como os graos de frio em Pequim excedem às vezes os deste paiz, como ja disse, pode ser que as arvores do chà dentro de poucos annos venhaõ a supportar o nosso clima de modo que emfim fiquem naturalizadas, e sejaõ hum artigo de commercio

A careza dos viveres e dos jornaes em Inglaterra seria contudo muito menos favoravel para estabelecer o commercio da cultura do chá do que na China, aonde os dictos viveres saõ muito baratos, e igualmente os jornaes. Osbeck diz, que os jornaleiros occupados no apanho do chá raramente ganhaõ mais cada hum delles do que quinze reis por dia, e que contudo esta quantia he sufficiente para lhes dar com que vivaõ. Voyage to China, vol I. p. 298.
, como succedeo às batatas da terra
Gerard diz (no seu Hervario publicado no anno de I597, p. 780.) que as batatas da terra se davaõ nas Indias, na Barbaria, Hespanha e outros paizes quentes; que elle tendo comprado na Praça de Londres algumas raizes as plantara no seu jardim, e que nelle floreceraõ e duraraõ athe ao inverno, mas que nesta estaçaõ pereceraõ e apodreceraõ. Elle accrescenta, que nesse tempo se costumavaõ assar estas raizes no borralho, e que depois huns as comiaõ ensopadas em vinho e outros com azeite, vinagre e sal; que alguns contudo costumavaõ cozelas com ameixas, e preparalas ainda de outros modos cada hum segundo o seu gosto.
que hoje parecem ser indigenas [p. 418] deste paiz. He provavel contudo que os lugares da America septentrional que se achaõ na mesma latitude que Pequim saõ mais favoraveis à cultura desta arvore do que os de Inglaterra; porquanto nelles o calor do estio faz rebentar os vegetaes mais cedo, de modo que os renovos sendo mais temporoẽs tem tempo de adquirir a força e vigor sufficiente antes que o inverno comece, o que naõ succede em Inglaterra, aonde as arvores brotaõ mais tarde e os frios do inverno chegaõ mais cedo, donde resulta que alguns renovos ou tenras plantas muitas vezes perecem em hum grao de frio muito menos rigoroso, do que o de Pequim e lugares frios da America septentrional.

S. 11. Usos do Chá.

Depois que o uso da infusaõ do chá foy geralmente adoptado na Europa, os seus effeitos relativamente á saude deversificando segundo as constituiçoẽs das pessoas, que a tomavaõ, deraõ occasiaõ a diffetes opinioẽs. Huns por terem algumas vezes observado alguns maos effeitos no seu uso se preoccuparaõ de tal sorte contra elle, que o desapprovaraõ como geralmente pernicioso; outros pelo contrario tendo [p. 419] nelle reconhecido alguns bons effeitos o consideraraõ como geralmente saudavel, e lhe attribuiraõ demasiadas virtudes. Esta contrariedade de opinioẽs tem sido defendida por alguns Medicos

Vej. Joh. Ludov. Hannemane de potu calido in Miscell, curios. Simon Pauli de abusu Theae et Tabacci. Tissot sobre as doenças de pessoas estudiosas e de vida sedentaria. Waldsmick. Disput. var. argum. &c.
, como succede todas as vezes que se adoptaõ meras supposiçoẽs por experiencias e factos imparcialmente referidos.

S. 12.

Ha contudo alguns medicos que evitando os dois extremos sobredictos admittem o seu uso, naõ deixando porem de reconhecer que elle algumas vezes he nocivo. Com effeito ha bastantes pessoas de differentes idades e temperamentos, que durante muitos annos, e quasi toda sua vida tomaraõ chà em abundancia sem sentir a menor indisposiçaõ; ao mesmo tempo que outras soffreraõ muitas incommodidades pelo terem tomado em grande quantidade.

Para fixar pois os limites dos bons e maos effeitos desta bebida, he precizo huma grande perspicacia e imparcialidade. He difficil de tirar conclusoẽs certas meramente das experiencias analyticas; as partes do chà que parecem produzir os effeitos oppostos mencionados saõ principalmente as mais grosseiras. Eu mencionarei aqui algumas experencias que fiz com todo o cuidado, mas naõ posso deixar de confessar ao mesmo tempo que ellas naõ nos indicaõ sufficientemente em que consista aquella propriedade relaxante [p. 420] e sedativa, ordinariamente taõ refrigerante e agradavel aos que usaõ da bebida da chà, nem de que proceda pelo contrario que algumas pessoas experimentaõ della taõ desagradaveis effeitos; a observaçaõ poderà melhor instruir-nos nesta difficultosa investigaçaõ.

Experiencia 1º. Tomei igual quantidade de huma forte infusaõ de chà verde superfino, e de chà bohy commum, taõbem forte; tomei demais disso huma semelhante quantidade do licor que me restou da destillaçaõ mencionada na experiencia 3º*, e outra igual, de agoa simplez; metti cada huma destas quantidades em seus vasos separados e nelles lancei duas oitavas de carne de boy, que havia quasi dois dias que tinha sido morto. As oitavas de carne, que tinha lançado n'agoa simplez, apodreceraõ dentro de quarenta e oito horas, e as que tinha posto nas duas infusoẽs de chà, e no licor que restou depois da destillaçaõ citada naõ mostraraõ sinaes alguns de podridaõ senaõ quasi depois de settenta horas

Vej. Percival's Experimental Essays, p. 119 e seg. aonde se referem muitas engenhosas experencias e observaçoẽs a este respeito.
.

Experiencia 2º. Lancei nas infusoẽs fortes de todas as castas de chà verde e bohy, que pude haver, iguaes quantidades de sal de ferro (sal martis)

Nesta experiencia as infusoẽs eraõ de quatro onças, em cada huma haviaõ duas oitavas de chá, e hum graõ de sal de ferro. Vej. Neumann's chemistry, by Lewis, p. 377. Short on lhe nature and properties of Tea, p. 29.
, e todas as dictas infusoes tomaraõ immediatamente huma cor purpurea ferrete. Segundo estas experiencias he evidente que tanto o chá verde, como o bohy [p. 401] possuem huma virtude antiseptica (Exp. 1º) e astringente (Exp. 2º) applicados às fibras dos animaes mortos.

Experiencia 3º Sem embargo disto, como muitas vezes tinha observado que a bebida do chá, principalmente o verde de boa qualidade e bastantemente cheiroso, era notavelmente relaxante nas pessoas de huma constituiçaõ debil e delicada, tractei de proseguir as minhas investigaçoẽs, e para este fim:

--*-- Destillei em agoa simplez meyo arratel do melhor e mais cheiroso chà verde que pude haver, e obtive huma onça de agoa assaz cheirosa, transparente, e sem oleo algum, a qual sendo tractada com o sal de ferro, como expuz na Experiencia 2º naõ deo o menor indicio de astringencia.

--*-- A porçaõ do liquor aquoso, que tinha res tado da destillaçaõ sendo depois evaporada athe á consistencia de extracto, ficou com hum leve cheiro, e sabor muito amargoso, e astringente. A quantidade do extracto, que obtive nesta operaçaõ, pesou quasi cinco onças, e meya.

Experiencia 4ª. --*-- Injectei na cavidade do abdomen e membrana cellular de huma raan quasi tres drachmas da agoa cheirosa destillada, de que acima fiz mençaõ (Exp, 3ª --*--). Passados vinte minutos, huma das duas pernas da raan começou a sentir consideravelmente os effeitos da injecçaõ, e ficou inteiramente sem movimento nem sensibilidade alguma

Vej. a este respeito Smith, Tentamen inangurale de actione musculari. Edimb, p. 46.
: seguio-se hum torpor universal, que durou [p. 402] nove horas, depois das quaes o animal recobrou gradualmente o seu antigo vigor.

--* *-- Injectei taõbem do mesmo modo em outra raan huma porçaõ do licor, que tinha restado depois da destillaçaõ do chà verde acima mencionada (Exper. 3ª); mas a injecçaõ naõ produzio effeito algum sensivel.

Experiencia 5ª --*-- Appliquei huma porçaõ da agoa cheirosa destillada (de que fiz mençaõ na Exper. 3ª --*--) aos nervos ischiaticos descarnados, e á cavidade do abdomen de huma raan. Dentro de meya hora as duas extremidades posteriores ficaraõ inteiramente paralyticas e insensiveis, e quasi huma hora depois o animal expirou.

--*-- Appliquei do mesmo modo a outra raan o licor que tinha ficado depois da destillaçaõ (mencionada na Exper. 3ª.); mas naõ observei effeito algum sedativo ou paralytico.

--***-- Appliquei taõbem às mesmas partes e nas mesmas circumstancias o extracto (mencionado na Exper. 3ª --**--) dissolvido em agoa; mas naõ lhe vi produzir effeito algum sensivel.

Segundo estas experiencias parece que os effeitos sedativos e relaxantes do chà procedem principalmente do seu principio fragrante, que se acha em grande abundancia especialmente em algumas varredades de cha verde

Huma pessoa delicada tendo tomado duas drachmas da agoa cheirosa acima mencionada sentio immediatamente huma grande nausea e hum prostamento geral de forças, que lhe durou algumas horas, e confessou depois que costumava ordinariamente experimentar estes mesmos effeitos todas as vèzes que tomava a infusaõ do chá verde superfino. Ha taõbem algumas pessoas delicadas que basta fazerlhes cheirar o dicto chá verde para sentirem os referidos effeitos.
. O que parece ainda confirmar esta [p. 403] assersaõ he que os Chinas naõ costumaõ fazer uso desta planta (S. 8.) sem a terem guardado depois da sua preparaçaõ ao menos doze mezes, por Conhecerem que em quanto fresca tem huma qualidade soporifera e embriagante
O Dr. Lettsom cita a este respeito os seguintes versos de Lucrecio: Arboribus primum certis gravis umbra tributa est Usque adeo, capitis faciant ut saepe dolores, Si quis eas subter jacuit prostratus in herbis, Est etiam in magnis Heliconis montibus arbos Floris odore hominem tetro consueta hecare. (Lucr. B.6.) O Poeta diz nestes versos que a sombra de certas arvores causa dores de cabeça, e que nas montanhas Heliconias haviaõ algumas, cujas flores matavaõ com o seu activo cheiro. Neste segundo cazo os affluvios odorantes nocivos saõ adequadamente allegados a favor do que diz o Dr. Lettsom; mas naõ he o mesmo a respeito da sombra nociva das arvores; as dores de cabeça que as vezes se apanhaõ á sombra das arvores naõ procedem dos effluvios odorantes, mas da má qualidade dos gazes que exhalaõ as tracheas das folhas, &c. Vej. Experiences sur les Vegetaux, par Mr. Ingen-Housz na edic. de 1780, p. 61-64, e na segunda edic., p. 607-611; &c.
.

S. 13.

Como as experiencias de que acima fiz mençaõ me naõ parecem por si sòs sufficientes para fixar com exactidaõ os saudaveis ou nocivos effeitos do chá sobre o corpo humano, serà precizo recorrer à observaçaõ, e nella procurar factos, que nos possaõ illuminar e conduzir a inferencias mais seguras respectivamente aos dictos effeitos.

[p. 404]

O uso de tomar chá todas os dias, como huma agradavel bebida, faz esquecernos ordinariamente de indagar as suas propriedades medicinaes; eu cuidarei contudo de o considerar aqui em ambos estes respeitos. Das pessoas, que gozaõ de boa saude e saõ sadias, rarissimamente succede encontrar-se alguma que se queixe do uso do chà; ellas o consideraõ como huma excellente bebida, que as anima para o trabalho e as alenta depois delle. Tem-se visto algumas em hum e outro sexo que desde a sua infancia athé à velhice continuaraõ o uso do chà, sem delle receberem algum mao effeito, ou queixa que merecesse de ser-lhe attribuida. As pessoas contudo a quem isto succede saõ de ordinario sadias, fortes, de vida sobria, activa e laboriosa. Entre as que saõ menos fortes e menos robuctas ha algumas que se queixaõ do uso do chà, e lhes attribuem certas indisposiçoẽs; humas asseguraõ que depois de terem tomado chà ao almoço sentem huma certa perturbaçaõ de espiritos, e menos firmeza nas mãos para escrever e para outras occupaçoẽs, que nellas requerem huma exacta firmeza (este effeito contudo provavelmente so as incommoda pouco tempo); outras pelo contrario supportaõ bem o chà pela manhaan, mas quando o tomaõ de tarde confessaõ que elle lhes causa huma certa agitaçaõ, e as incommoda com hum tremor involuntario.

Ha muitas pessoas que apenas tomaõ huma so taça de chá, sentem immediatamente hum embrulhamento de estomago; ha outras, que depois de terem tomado esta bebida, sentem na regiaõ epigastrica, e bocca do estomago huma dor aguda, [p. 405] acompanhada de tremores geraes. Mas as constituiçoẽs tenras e delicadas saõ ordinariamente as que mais softrem do abundante uso do chà, sendo frequentemente attacadas de dores de estomago e intestinos, de affecçoẽs espamodicas, de huma grande agitaçaõ de espiritos, e pertubadas com o menor som ou estrondo; as suas ourinas saõ pallidas, claras, e em grande abundancia.

§. 14.

Os effeitos do chà seriaõ na verdade determinados com maior certeza, se as pessoas, que estaõ habituadas a tomalo em grande abundancia, naõ mostrassem tanta repugnancia em communicar-nos com exactidaõ as incommodas sensasoẽs que experimentaõ pelo seu demasiado uso, receando de serem notadas de imprudencia por continuarem a tomar huma bebida, que a experiencia lhes tem mostrado ser-lhes nociva.

Naõ deixamos contudo de saber com certeza que elle causa insomnolencia a algumas pessoas, que o tomaõ à noyte em grande quantidade. Para attribuirmos este effeito a agoa quente, era precizo sabermos se ella o produz nas mesmas pessoas ou em outras de semelhante constituiçaõ, e em semelhantes circumstancias; o que naõ esta ainda bem verificado; e de mais disso ainda mesmo nesse cazo o chà naõ deixaria de contribuir para o dicto effeito em grande parte. Naõ se lhe pode taõbem negar a propriedade de alegrar, alentar, e avivar os espiritos. Todas estas circumstancias parecem indicar que o chá contem [p. 406] hum principio activo, penetrante, e capaz de excitar promptamente a acçaõ dos nervos; nas constituiçoẽs summamente irritaveis esta acçaõ chega a tal grao, que causa sensasoẽs assaz incommodas e affecçoẽs espasmodicas; e nas menos irritaveis causa immediatamente hum certo prazer e satisfacçaõ, naõ deixando contudo de occasionar ao mesmo tempo huma certa tendencia para os tremores, e huma agitaçaõ, a que pouco falta para ser dolorosa.

As variedades de chà mais fino saõ mais sujeitas a causar estes effeitos; e he talvez principalmente por esse motivo que as mais baxas classes do povo, que usaõ do mais ordinario, saõ em geral as que soffrem menos incommodos desta bebida; digo, em geral, porque nellas naõ deixaõ de haver algumas pessoas, que hoje soffrem bastantes indisposiçoẽs occasionadas pelo dicto chá ordinario, que tomaõ copiosamente, e de ordinario assaz quente para melhor recrearem o seu gosto e olfacto, vindo por este modo a quantidade, e graos de calor a produzir nellas effeitos equivalentes aos que os chás finos causaõ nas pessoas ricas.

Naõ devo contudo deixar de expor aqui, que as infusoẽs de algumas plantas da Europa, como por. ex. as da salva, hortelaan, herva cidreira, e ainda mesmo as do alecrim e valeriana tem em bastantes pes, soas produzido algumas vezes effeitos semelhantes aos do chà, occasionando agitaçaõ de espiritos, flatulencia, dores espasmodicas, e outros symptomas que se observaõ nas pessoas summamente habituadas ao chá.

[p. 407]
S. 15.

Todos os que tem observado attentamente o que as differentes variedades de chá verde fino obraõ em si e em outras pessoas, que costumaõ fazer dellas grande uso, creyo que naõ deixaraõ de admittir que nos dictos chas ha principios, que produzem effeitos assaz particulares. As diversas variedades de chá bohy sino naõ deixaõ contudo de influir taõbem sobre os nervos, de produzirem tremores, e de porem o corpo em tal estado durante algum tempo, que a mais leve coiza lhe causa perturbaçaõ.

Ha pessoas em hum e outro sexo, em que tenho observado que todas as vezes que tomaõ huma so taça de chá, costumaõ ser sempre incommodadas de grande anxiedade e oppressaõ, e que quando se achaõ em companhia de pessoas de sua amizade tomaõ por cendescendencia algumas taças de agoa quente com leite e assucar sem sentirem depois o menor incommodo.

Hum medico dos meus amigos, que juntamente com outros assistio no collegio de Edimburgo às experiencias acima mencionadas, me assegurou que todas as vezes que tomava pela manhaan huma pequena quantidade de chà fino, se sentia depois incommodado durante algumas horas, e se achava ao jantar sem vontade alguma de comer; qua pelo contrario todas as vezes que tomava chocolate ao almoço, passava bem, e se achava com boa vontade de comer ao jantar; que quando tomava de tarde huma so taça de chà, era incommodado do mesmo modo, e alem disso na noyte seguinte perdia tres ou quatro horas [p. 408] do somno costumado, que porem se acazo se achava em sociedade de amigos, e tomava huma taça de agoa quente com leite e assucar, naõ sentia depois a menor incommodidade.

Disse-me taõbem que o opio lhe causava quasi os mesmos effeitos que o chà, mas em maior grào; porquanto tendo-lhe huma vez succedido tomar huma dose de dissoluçaõ de opio naõ sentio a menor disposiçaõ para dormir, mas taõ somente huma certa anxiedade de estomago quasi semelhante a nausea.

§. 16.

Hum dos grandes Medicos practicos desta cidade me assegurou taõbem ter observado algumas pessoas lançar escarros de sangue pela razaõ de terem respido hum ar carregado do po de chà, no trabalho da mistura das suas differentes variedades, a qual os ricos mercadores de chà mandaõ fazer no fundo de suas lojas para contentarem os diversos gostos dos seus freguezes. Com effeito os que saõ fequentemente empregados nesta sorte de trabalho, vem ordinariamente a soffrer grandes enfermidades, huns lançando sangue subitamente dos bofes ou pelos narizes, outros sendo attacados de tosses violentas, que terminaõ em consumpçoẽs.

Estas circumstancias parecem indicar que no chà alem da sua propriedade sedativa e relaxante existe huma substancia activa e penetrante, que naõ pode deixar de produzir effeitos singulares em certas compleiçoes.

[p. 409]

Hum famoso corrector de chà desta cidade, depois de ter hum dia examinado mais de cem caxas desta mercadoria, sendo obrigado a tomar o cheiro, que cada huma das variedades continha, para poder julgar das suas qualidades, foy no dia seguinte attacado de huma vertigem violenta, dores de cabeça, espasmos por todo o corpo, e perda de falla e memoria. Com os soccorros da Arte pôde recobrar a falla e memoria athe hum certo grao, mas jamais as suas forças, que foraõ diminuindo pouco a pouco, athe ser attacado de huma paralysia parcial, e depois de outra geral, vindo em fim a ficar inteiramente enfraquecido e insensivel, em cujo estado morreo. Eu naõ me atrevo a decidir se estes effeitos devem ser attribuidos ao chá; he huma conjectura, que talvez outros accidentes identicos poderaõ vir hum dia a verificar.

§. 17.

Hum ajudante de certo corrector de chà desta cidade, depois de ter examinado e misturado diversas castas desta mercadoria, foy durante algumas semanas attacado varias vezes de dores de cabeça e de vertigens, as quaes às vezes eraõ taõ fortes, que o faziaõ cahir, e em razaõ disso era precizo que alguem o acompanhasse quando sahia. Fez-se-lhe em fim huma copiosa sangria do braço, com que ficou aliviado, mas os alivios naõ foraõ permanentes, porquanto immediatamente que tornou á sua ordinaria occupaçaõ foy attacado da mesma molestia. A conselharaõ-lhe emfim que recorresse à electricidade, o que fez com effeito, sendo lhe os chòques electricos [p. 410] dirigidos á cabeça. No dia seguinte sentio bastantes alivios, mas no outro dia depois começou a perder pouco a pouco o uso de seus membros athe ficar insensivel, e a cahir subitamente em apoplexia, em cujo estado acabou a vida. Eu o vi algumas horas antes da sua morte em hum estado de insensibilidade, e naõ me atrevo a decidir se estes fataes effeitos dovem antes ser attribuidos aos effluvios do chà do que à electricidade; seja qual for a causa, hum semelhante facto merece toda attençaõ da parte dos que practicaõ a Medicina

Os perniciosos effeitos do po e cheiro do chá observados em Londres talvez faraõ pensar a alguns, que elles incommodaõ do mesmo modo na China aos que se occupaõ em examinar e misturar as differentes castas de chá; mas devem advertir que na China o trabalho de misturar os chas he feito em telheiros abertos e bem arejados, de sorte que o cheiro e pó dos chás he dissipado pela livre passagem do ar nelles estabelecida, o que naõ succede em Londres, aonde o dicto trabalho he de ordinario practicado na caza, que fica no fundo das lojas, assaz abafada.
.

Hum moço de constituiçaõ delicada tinha em vaõ famado hum grande numero de remedios differentes pela razaõ do grande abatimento de espiritos em que o tinha posto a sua melancholia; nesta perigosa situaçaõ fuy chamado, e tendo reconhecido que elle era costumado a tomar chá copiosamente lhe acon selhei de se abster desta bebida. Tendo condecendido recobrou depois de pouco tempo a sua saude. Passadas algumas semanas, mandaraõ-lhe hum bello prezente de chá verde fino, que o tentou de tal modo, que nesse dia e no seguinte tomou delle huma grande quantidade. Com este regalo naõ so tornou a cahir na sua antiga melancholia e abatimento de espiritos, [p. 411] mas sentio alem disso perda de memoria, tremores, huma disposiçaõ a ser inquietado com as mais leves coizas, e hum grande numero de indisposiçoes nervosas. Tornei a ir visitalo, e reconheci immediatamente que todo o seu mal procedia do chà; elle goza prezentemente de huma perfeita saude, tendo-lhe cuidadosamente feyto o sacrificio de evitar o uso do chá, como lhe aconselhei.

Tenho observado em pessoas delicadas ainda outros exemplos de abatimento e indisposiçoes nervosas, que lhes duraraõ muitos annos, por naõ quererem seguir o conselho de habeis medicos, e que sem embargo do uso de muitos remedios naõ foraõ curadas senaõ quando os doentes se abstiveraõ de tomar a infusaõ do chá.

§. 18.

O meu fim naõ he criticar nem fazer o elogio do chá; o meu intuito he somente tractar desta substancia com toda a imparcialidade. Eu naõ tenho menos magoa em gaber que se achaõ neste exotico qualidades perniciosas, do que prazer em reflectir que elle serve á mesma hora de mimoso regalo a muitos milhoẽs dos meus compatriotas: as occasioẽs que elle dà a conversaçoẽs agradaveis, as innocentes associaçoes para que elle convida, e entretem sem precizaõ de bebidas espirituosas suggerem na verdade a hum coraçaõ social os mais gratos sentimentos. Mas he precizo ser justo; elle tem contra si naõ so a opiniaõ publica fundada em parte na experiencia, mas ainda muitos habeis escritores que o consideraõ ser a causa de muitas enfermidades graves; as [p. 412] indisposiçoẽs nervosas aindaque nem todas se julguem ser occasionadas pelo seu uso, diz-se contudo que todas saõ muito aggravadas por elle. Estas imputaçoẽs podem ser em parte verdadeiras, e merecem de ser examinadas com toda a candura.

Segundo a experiencia, as bebidas aquosas toma das quentes e em grande quantitade entraõ promptamente na corrente da circulaçaõ, e passaõ dentro de pouco tempo pelas ourinas ou pela transpiraçaõ ou augmentaõ alguma das secreçoẽs. Os seus effeitos sobre os solidos saõ de relaxar, e por conseguinte de enfraquecer; elles saõ proporcionados à quantidade que se toma da bebida quente, e se esta se substitue aos alimentos, os seus effeitos devem por conseguinte ser maiores.

Todas as infusoẽs de hervas obraõ ordinariamente do modo sobredicto; a do chà contudo tem estas duas particularidades, ella possue naõ so huma qualidade sedativa (Exp. 3º. 4º 5º), mas taõbem huma notavel astringencia (Exp. 2º), que serve de corrigir de algum modo a propriedade relaxante que se attribue a agoa quente, e talvez em razaõ da dicta qualidade astringente relaxa menos do que algumas infusoes de hervas, que tem hum leve cheiro aromatico com muito pouca ou nenhuma astringencia.

Portanto o chà que naõ he muito fino, nem to mãdo muito quente, ou em demasiada quantidade merece talvez de ser preferido a todas as infusoẽs vegetaes que conhecemos; e se bem se attender à sua energia em avivar os espiritos, ver-se-há que a nossa inclinaçaõ ao chà naõ procede meramente de luxo ou moda, mas sim de lhe acharmos huma [p. 413] superioridade à maior parte dos outros vegetaes no gosto e effeitos.

§. 19.

Passemos actualmente aos effeitos que causa este exotico nos paizes, de que he indigena, e aonde ha muitos seculos he geralmente usado. Quanto aos Japonezes naõ posso dizer nada, porque prezentemente temos muito poucas noticias desta naçaõ; quanto aos Chinas, sabemos que as infusoẽs dos chas finos e ordinarios saõ tomados por toda a sorte de pessoas e em grande quantidade; saõ a bebida ordinaria do baxo povo, assim como o arroz he o seu principal alimento; os grandes, e pessoas ricas usaõ igualmente desta bebida, mas comem carne, e boas iguarias.

Quanto às suas molestias conhecemos muito pouco, nem sabemos que influencia tenha o chà relativamente a ellas. O Dr. Arnot, honra da sua patria e profissaõ, medico summamente estimado dos Chinas, me escreveó de Cantam que fora o primeiro que chegara a persuadir os dictos povos a deixar-se sangrar nas suas infermidades

Du Halde historia da China, vol. IlI, p. 362, nota contudo que a sangria naõ deixa inteiramente de ser practicada entre os Chinas.
. Segundo esta noticia parece que as doenças inflammatorias naõ saõ muito commuas no dicto paiz; aliàs huma naçaõ que se diz ter tanto amor à vida naõ deixaria de ter ja admittido ha muito tempo hum remedio que em taes enfermidades he quasi o unico que ha. Suppondo pois que as doenças inflammatorias saõ menos frequentes na China do que em outros lugares, parece provavel [p. 414] que o contindado e abundante uso do chá he huma das principaes causas disso. As molestias inflammatorias que haviaõ ha cem annos nesta capital comparadas com as que hoje nella observamos naõ saõ pouco favoraveis a esta conjectura. Se considerar-mos o quanto ellas eraõ frequentes no tempo de Sydenham, que nolas descreveo com toda a exactidaõ, acharemos que eraõ entaõ muito mais commuas do que saõ presentemente, ao menos este he o parecer de alguns habeis medicos deste paiz. He bem verdade que isto (supposto ser hum facto) pode proceder de algumas outras causas, mas entre ellas naõ deixa de ser provavel que o chà tenha grande parte.

§. 20.

Antes do uso do chá, os almoços neste paiz eraõ ordinariamente mais substanciaes, como por ex. os lacticinios, os assados, &c acompanhados de cervejas, ou de vinhos das Canarias e fortes (entre pessoas ricas). Naõ se pode duvidar que semelhantes alimentos, e o exercicio que se costumava entaõ fazer deviaõ causar no sangue, e outros fiuidos animaes hum estado bem differente daquelle que produz o chà com hum pouco de leite ou nata, e paõ com manteiga.

O uso de tomar chà ao almoço, e ainda mesmo de tarde ordinariamente em grande quantidade, naõ podia deixar de contribuir para alterar a economia animal. Antes da introducçaõ deste exotico, os regalos que se faziaõ nas visitas de tarde eraõ bem differentes; nestas occasioẽs o que de ordinario se costumava presentar eraõ jeléas, pasteis de fruta, doces, [p. 415] assados, vinhos fortes, os de maçaans, a cerveja forte (denominada ale) e ainda mesmo os licores espirituoaos, que as vezes eraõ tomados em demasia, e com bastante danno.

Esta sorte de refeiçoẽs devia certamente entreter aquella natural diathése inflammatoria, e plenitude de sangue que resulta do grande vigor, como taõbem dispor para aquellas enfermidades que procedem de semelhantes causas. Peloque naõ he inadequado suppor que visto serem mais fortes os alimentos dos nossos antepassados e os seus exercicios mais athleticos, as suas molestias procediaõ taõbem mais ordinariamente do que hoje de plethora, e por conseguinte naõ me parece que haja causa mais geral e mais provavel, a que mereçaõ de ser attribuidos os effeitos da debilidade que temos referido, do que o chá.

§. 21.

Estas conjecturas sendo admittidas poderaõ guiarnos a determinar quando, e a que pessoas o uso do chà he saudavel ou nocivo. Elle parece ser proveitoso aquellas pessoas por ex, que saõ de natureza sanguie nea, em que ha huma diathése inflammatoria, ou que em razaõ do seu exercicio, afimentos, clima, ou em razaõ de todas estas circumstancias reunidas tendem a esta situaçaõ, servindo-lhes de relaxar a demasiada rigidez dos solidos, e de diluir a Iympha coagulavel do sangue (como lhe chama hum judiciozo autor)

Vej. Transacçoẽs Philosophicas, vol. LX, 1770, p.368 e seg.
.

[p. 416]

Ha contudo idiosyncrasias, ou temperamentos particulares entre os sobredictos que merecem de ser exceptuados desta regra geral. Ha homens por ex. de temperamento forte, vigoroso, e que em tudo indicaõ huma excellente saude, aos quaes contudo poucas taças de chà bastaõ para causar agitaçaõ do mesmo modo que às mulheres hystericas; mas isto he pouco commum, elles ordinariamente supportaõ bem esta bebida, e com ella se alentaõ para o trabalho da mesma sorte que com as comidas mais substanciaes; nada os reforça mais depois de hum exercicio forte e continuado, de maneira, que para elles o chà he hum refresco igual e talvez o mais proveitoso de todos os que hoje estaõ em uso.

Se attendermos porem aos effeitos que pode causar o chà nas pessoas que se achaõ em hum estado de saude e vigor opposto, isto he, que saõ de huma constituiçaõ tenra, delicada, e enfraquecida, cujos solidos se achaõ debilitados, o sangue attenuado e aquoso, a vontade de comer perdida ou viciada, sem fazer exercicio ou se o fazem he impropriamente, em summa que saõ de huma disposiçaõ opposta à in flammatoria, veremos que o demasiado uso do chá naõ pode demar de contribuir para abater-lhes o resto das forças vitaes athe polas em hum estado perigoso.

Entre estes dois extremos ha muitas gradaçoẽs; sendo todas as coizas aliàs iguaes, o chà sera em geral mais ou menos proveitozo, mais ou menos nocivo à proporçaõ que os temperamentos se approximarem mais aos dictos dois extremos oppostos. Eu confesso naõ ter assaz experiencia nem talentos para poder ponderar todas estas gradaçoẽs; direi somente [p. 417] que huma grande quantidade de chá raramente pode ser proveitosa, a naõ ser tomada como medicamento, e depois de huma grande fadiga; que o chá naõ deve ser tomado muito quente, e que os chás mais finos principalmente o verde, como ja disse, saõ suspeitos de ser de peior qualidade do que os ordinarios ou medianos.

§. 22.

Segundo as experiencias e observaçoẽs que tenho referido he evidente, que o chá possue hum principio odorante volatil, o qual tende em geral a relaxar e enfraquecer o systema nervoso das pessoas delicadas, principalmente quando ellas o tomaõ quente e em grande quantidade. Eu tenho conhecido muitas pessoas de constituiçaõ delicada, que se abstiveraõ desta bebida com grande proveito (§. 17.), e outras que tendo-se abstido della reconheceraõ depois que isso lhes era prejudicial à sua saude, e tornaraõ a continuar o seu uso por naõ ter outra que lhe podessem substituir principalmente nos seus almoços.

Portanto as pessoas que naõ podem abandonar inteiramente esta bebida, e a consideraõ como o seu mimoso regalo, deveraõ ao menos tomala de hum modo mais seguro, deixando ferver o chá durante alguns minutos a fim de dissipar o seu principio odorante (Exp. 3º e S. 13.), que he o mais nocivo, e extrahir a parte amargoza, astringente e mais estomachica (Vej. as Exp. do §. 12) em vez de o preparar do modo ordinario por infusaõ.

Hum dos habeis medicos desta capital tendo observado muitas vezes os effeitos prejudiciaes do chá [p. 418] tomado por infusaõ, e tendo lido huma dissertaçaõ publicada em Leyde

Sistens Observationes ad vìres Thee pertinentes. Lug. Batav. 1769.
a este respeito tentou de o preparar bem differentemente; elle o manda lançar em agoa quente, e nella ficar durante algumas horas, depois faz tirar a infusaõ a limpo em outro bule, no qual fica toda a noyte, e no dia seguinte pela manhaan manda aquecer a dicta infusaõ de novo para o almoço. Por este modo, segundo me assegura, pode tomar quasi dobrada quantidade de chá sem as desagradaveis incommodidades nervosas, que costumava sentir quando o preparava do modo ordinario.

O extracto do chá (Exp. 3ª --**--) pode ser com a mesma utilidade substituido às folhas. Eu tenho muitas vezes usado delle em lugar da infusaõ, dissolvendo-o em agoa quente, e me pareceo sempre ser hum excellente amargo estomàchico; por este modo se evitaõ em grande parte os effeitos relaxantes do chá, que costumaõ incommodar o systema nervoso, visto que a sua fragrancia se acha dissipada. Este extracto costuma vir da China na forma de bolos redondos, chatos, e de cor parda, e pezaõ quando muito duas oitavas cada hum; dez graõs dissolvidos em agoa quente saõ sufficientes para o almoço de huma pessoa. Elle pode ser feito mesmo na Europa sem grande despeza nem trabalho (Exp. 3º --**--)

As infusoẽs das flores de macella, ou de outro amargo estomachico tomadas depois do chá, saõ assaz [p. 419] uteis algumas vezes para impedir os seus maos effeitos relaxantes. Estas infusoẽs amargozas algumas vezes saõ muito mais proveitozas, quando se tomaõ frias.

Em todas as formas que os Chinas costumaõ usar do chà como medicamento estomachico, segundo refere Du Halde, he fervido durante algum tempo ou preparado de tal modo que o seu principio odorante volatil seja dissipado; he muito provavel que este costume, que me parece bem conforme ás experiencias que expuz (§. 12.), seja fundado em muitas observaçoẽs.

§. 23.

Os que conhecem bem a natureza humana costumaõ attribuir as inclinaçoẽs, que tem os homens aos vicios e virtudes, naõ so à educaçaõ e clima em que habitaõ, mas ainda aos seus alimentos e modo de vida; pelo que como a infusaõ do chà he usada ha muitos seculos entre os Chinas, naõ me parece desacertado dar aqui huma concisa idea dos costumes e caracter destes povos, como fiz a respeito das suas molestias.

Os Chinas saõ geralmente descriptos como homens incapazes de supportar trabalhos duros, de forças mediocres, ou fracos, comparados com os habitantes da Europa, e outros paizes; habeis em algumas artes athe certo grao, mas sem terem dado athe agora provas algumas de hum genio elevado em architectura civil ou militar; pusillanimes, afeminados, [p. 420] summamente libidinosos, e deshonestos

Vej. Du Halde's history os China: vol. II. p. 70. 130. e seg.
; manhosos, dissimulados, interesseiros
Vej. Anson's voyage round the world, p. 366. e muitos outros autores que tractaõ da China.
, e vingativos.

Naõ seria certamente razoavel attribuir todas estas qualidades somente aos seus alimentos e modo de vida, ha muitas outras causas que concorrem para ellas; mas naõ deixa de ser provavel que todo o genero de vida, que tende a debilitar, contribue para augmentar as màs qualidades. Aonde naõ ha forças de corpo, os enganos e ardis occupaõ de ordinario o seu lugar, e este vicioso caracter fara tanto mais extensamente conhecer os seus effeitos, quanto menos for sopeado por bons principios; elle he commumente predominante tanto em hum estado de debilidade natural como adquirida pelo modo de vida. Eu sei muito bem que em algumas pessoas do sexo femineo ha huma probidade, fortaleza, e grandeza de alma nada inferiores às que se achaõ nos homens, mas duvido muito que isso seja commum.

Eu naõ me atrevo a decidir se o seculo actual nos presenta tantos exemplos de excellentes qualidades como os antigos, mas ao menos a opiniaõ geral he que nelle ha vicios que naõ deslustraraõ os da antiguidade. Se o uso geral do chá tende ou naõ a augmentar a disposiçaõ para alguns delles, pode na verdade ser hum problema em Medicina. Tudo o que tende a debilitar parece ordinariamente augmentar a sensibilidade do corpo; o mesmo homem por ex. que em estado de boa saude naõ estremece com o [p. 421] estoiro de huma peça de artilharia, sera summamente perturbado sentindo abrir derepente huma porta no, cazo que alguma molestia o tenha enfraquecido, ou posto em hum estado de debilidade afeminada; observamos taõbem que os dezejos naõ saõ sempre proporcionados ás forças do corpo, e que os mais fortes succedem ás vezes ter lugar, quando as forças do corpo se achaõ no maior abatimento

Segundo as observaçoẽs de muitos celebres medicos, o abuso das bebidas quentes faz que o estomago cessa de ter os dezejos costumados, as forças do corpo ficaõ estragadas, e os tremores sobrevem ordinariamente.
. Supposto pois que o chà tende a debilitar, naõ me parece que o seu uso geral deva ser considerado, como huma coiza indifferente.

S. 24.

Segundo o que tenho exposto, naõ me parece acertado que os meninos, e geralmente todas as pessoas de tenra idade hajaõ de fazer uso desta bebida, Ella costuma enfraquecer-lhes o estomago, arruinarlhes as forças digestivas, e contribuir para causarlhes muitas molestias. He raro de encontrar exemplos de principios de molestias scrophulosas mais frequen temente do que na debil e pouco cadia prole dos habitantes das nossas grandes villas, aonde he notorio que os almoços e ceas constaõ ordinariamente so de chá e dos seus adjunctos usuaes. As melhores familias contudo começaõ prezentemente a fazer melhor es colha de alimentos, e entre algumas o chà he bastantemente desestimado em razaõ dos nocivos effeitos que nelle tem reconhecido. Elle naõ devera ser taõ [p. 422] usado, como he, nas mezas dos Mestres que tem estudantes porcionistas em sua caza, e os dictos Mestres deveraõ advirtir que se bem que o chà pode ter lugar em alguns convites, o seu continuado uso arruina ordinariamente a saude, às forças, e a constifuiçaõ da mocidade.

§. 25.

Tendo athe agora tractado do uso dietetico do chà, restame fallar dos seus usos medicinaes. O chá tem presentemente entre nos muito pouca consideraçaõ como medicamento, e ainda mesmo como hum brando diaphoretico he raras vezes mencionado nos nossos autores. Contudo a sua infusaõ naõ deixa de ser ao menos taõ proveitosa, como as de muitas outras plantas nos cazos em que he precizo diluir e relaxar para promover as mais finas secreçoes. Demais disso, he provavel segundo as experiencias mencionadas (S. 12), e observaçoẽs dos seus effeitos, que na composiçaõ do chá entra hum certo principio sedativo, naõ muito differente do que se acha nos nossos opiados; elle mitiga como os dictos opiados algumas oppressoẽs anxiosas que nos incommodaõ (e nestas circumstancias parece ser mais proveitoso do que as demais infusoẽs meramente aquosas), e, da mesma sorte que as mais pequenas doses de opio, impede às vezes o sono, pondo durante algumas horas os espiritos em hum desordenado movimento.

Todas as vezes pois que for precizo tomar infusoẽs em grande dose para excitar e entreter hum grande suor principalmente nalgumas indisposiçoẽs [p. 423] inflammatorias, se poderà usar bem adequadamente de huma decocçaõ, ou de huma forte infusaõ de chà; porquanto a virtude sedativa desta planta, ajudada da propriedade dilutiva da agoa quente, excitará o suor sem contudo estimular. Os Chinas, que costumaõ usar do chà como remedio em muitas doenças, daõ no ordinariamente em decocçaõ; mas a infusaõ feita com huma grande quantidade de chá fino vasada quasi immediatamente depois que o chá se lançou no bule para poder obter as suas partes mais subtis, e tomada quente parece dever ser preferida nos cazos em que se houver de tomar como hum a ttenuante ou relaxante.

Eu tenho dado varias vezes em hum vehiculo diluente o chá verde fino em substancia, e nelle observei quasi os mesmos effeitos, que na sua infusaõ. Trinta graõs desta sorte de chá reduzido em po, e tomados tres ou quatro vezes, mediando entre cada huma dellas o espaço de huma hora, ordinariamente relaxaõ os solidos, diminuem o calor e grande an xiedade, e produzem huma branda transpiraçaõ. Quando esta dose causa huma leve nausea, como succede de ordinario, excita melhor a transpiraçaõ, e naõ deixa de abrandar os symptomas que acompanhaõ as molestias inflammatorias. Quando a dose he dobrada, a nausea augmenta, e se costuma sentir huma dor e pezo desagradavel, durante algum tempo, na regiaõ do estomago, que passaõ ordinariamente com huma dejecçaõ laxativa.

[p. 424]
S. 26.

Diz-se que a dor de pedra he huma doença assaz frequente na China e Japaõ, e que os naturaes destes paizes suppoem que o chá tem huma particular qualidade para obviar esta enfermidade. Elle pode na verdade ser util para corrigir e amaciar a agoa

A agoa, á força de ferver bastante tempo, pode ser desembaraçada de huma certa porçaõ das suas partes terreas e salinas, e por conseguinte ficar mais macia para o uso commum; mas a agoa em que o chá he lançado de infusaõ naõ he de modo algum alterada a este respeito. Vej. Percival's experiments and observations on water, p. 27 e 33.
. Demais disso deve-se attender que todo o dissolvente da pedra so pode attacar huma limitada porçaõ deste corpo, e que quando elle se acha plenamente della saturado naõ a pode ter muito tempo em suspensaõ; donde resulta que a quantidade extrahida da pedra sera tanto maior, quanto mais consideravel for a quantidade da ourina, e quanto menos tempo esta for retida na bexiga: pelo que como o chà he hum diuretico pode muito bem ser considerado neste sentido como hum lithontriptico.

O chá, como ja mencionei (Exp. 1ª e 2ª) contem huma qualidade astringente antiseptica; elle possue taõbem hum amargor assaz sensivel, e assim como temos exemplos

Elles saõ principalmente allegados pelo celebre Dr. Storck, medico de Vienna.
na uva ursi, e outros amargos terem mitigado graves paroxysmos de lithalgia, porque naõ poderá o chá em razaõ da sua qualidade antácida ser taõbem proveitoso na mesma enfermidade?

[p. 425]

Eu tenho muitas vezes observado algumas pessoas depois de exercicios violentos e jornadas acharem-se bastantemente fatigadas, agoniadas, sequiosas, e encalmadas, e experimentarem hum immediato alento depois de tomarem humas poucas de taças de chá quente. Esta bebida he taõbem hum diluente e sedativo agradavel nos cazos de abundantes ou demasiadas comidas, em que o estomago se acha empachado, ha dores de cabeça, e se sente o pulso elevado

Le Comte's Memoirs and observations, p. 227. Home's Principia Medicinae, p. 5. Percival's Experimental essays, p. 130. Vej. taõbem Tissot doenças das pessoas estudiosas e de vida sedentaria.
.

§. 27.

Terminarei este tractado com algumas breves reflexoẽs sobre o uso economico deste exotico.

O luxo, ou superfluidades estrangeiras, que se tem introduzido consideravelmente neste paiz, tem contribuido para muitas das enfermidades nervosas, que actualmente saõ nelle taõ frequentes. O excessivo uso dos licores espirituosos he huma das principaes causas; mas este mesmo excessivo uso tem muitas vezes a sua origem no do chá

Vej. Pereival's Experimental essays, pag. 126.
; huma constituiçaõ enfraquecida; hum braço tremulo em razaõ do uso quotidiano do chá, de ordinario procura recobro de vigor em alguma bebida espirituosa, e o que no principio foy quasi necessidade passa emfim a ser habito e intemperança, dando occasiaõ a hum grande numero de queixas, de que naõ deixaõ de resentir-se as desgraçadas geraçoẽs posteriores.

[p. 426]

Nem saõ estes somente os inconvenientes que resultaõ do uso geral do chá. O homem pobre, que mal ganha quotidianamente com que possa haver as necessarias commodidades da vida e bons alimentos, dezejando competir com os que tem maiores possibilidades, e imitar o seu luxo, desperdiça ordinariamente neste exotico os seus fracos ganhos, e com esta imprudencia vem a ficar privado dos meyos de poder comprar o sustento convemente para si e sua familia.

Eu conheço muitas familias pobres habituadas a este defeito, e sei que os seus filhos padecem varias indisposiçoẽs procedidas de indigestaõ, debilidade, e relaxaçaõ; alguns delles tem chegado emfim a hum tal gráo de debilidade, que se lhes entortaraõ os membros, tornaraõ, se pallidos, e acabaraõ a vida em hum estado de marasmo.

Estes effeitos naõ merecem tanto de ser attribuidos ás propriedades particulares do chá, como á falta de alimentos convenientes, dos quaes a gente pobre costuma privar-se antes do que passar sem o dicto exotico. Eu conheço huma pobre familia composta de may e varios filhos, aonde ha tal paxaõ pelo chá e taõ modicos ganhos, que as tres comidas diarias (almoço, jantar, e cea), constaõ regularmente so da infusaõ de chà, assucar, e hum bocado de paõ; este uso os tem quotidianamente enfraquecido, saõ magros, macilentos, e de huma debil constituiçaõ; alguns delles contudo, que por humanidade foraõ arrancados a esta perniciosa criaçaõ, gozaõ prezentemente de huma saude menos má.

[p. 427]

Hum dos nossos judiciosos autores

Vej. Essays on husbandry, p. 166.
observa que o dinheiro superfluo que se gasta cada anno em chá e assucar neste reyno podia manter de paõ quatro milhoes de pessoas. Quando o chá he tomado duas vezes no dia, o gasto annual monta a sette libras esterlinas e doze xelins por cada individuo; o paõ necessario a huma pobre familia de cinco pessoas monta annualmente
Vej. The autor of the farmers lettres, vol. I. pag. 202 e 299.
a quatorze libras esterlinas e quinze xelins: aonde resulta que os gastos annuaes de chá, assucar, &c., que costumaõ fazer duas pessoas, saõ maiores do que os do paõ com que se mantem de ordinario huma familia de cinco pessoas.

Segundo os calculos moderados, a quantidade de cha, que se gasta annualmente em Inglaterra, monta a tres milhoẽs de arrateis; e a experiencia domestica nos ensina, que com cada arratel de chá se consomem ao menos dez de manteiga. Donde resulta que a quantidade de manteiga que se gasta annualmente com este nocivo alimento (se he que se lhe pode dar o nome de alimento), monta a trinta milhoẽs de arrateis. Tem-se taõbem observado que para obter hum arratel de manteiga saõ precizas ao menos cinco canadas de leite. Admittido isto, e suppondo que huma canada de leite com paõ he sufficiente para o almoço e cea de tres jornaleiros, e que estas duas comidas constituem a metade do seu sustento, segue-se, que em razaõ do uso do chá este reyno naõ pode sustentar tanta gente como alias podera, se os seus habitantes vivessem de hum modo mais simplez.

[p. 428]
CAPITULO XL. Das virtudes, propriedades, e usos dos vegetaes.

Em todos os tempos o homem procurou sempre nos vegetaes meyos de restabelecer a sua saude, de se alimentar, de se reparar dos frios ou calmas, e de muitas outras precizoẽs; a necessidade e o acazo lhe fizeraõ reconhecer pouco a pouco as propriedades de alguns destes entes enteressantes; estas propriedades conservadas ou por tradiçaõ ou escritas chegaraõ emfim a servir de fundamento de tractados mais ou menos perfeitos segundo as differentes graos de progresso do espirito humano; sobre ellas fundaraõ os antigos Gregos e Romanos tractados de materia medica e de agricultura, e ainda hoje as propriedades dos vegetaes saõ as notas caracteristicas em que os autores de materia medica fundaõ as suas destribuiçoẽs methodicas

Nos Methodos de materia medica as classes, ordens e outras divisoẽs saõ fundadas sobre as propriedades medicinaes das plantas,e nos methodos botanicos as classes, ordens, &c: saõ fundadas nas notas da fructificaçaõ e habito externo, independentemente das suas virtudes, e usos.
, e saõ o objecto de suas laboriosas investigaçoẽs. Os antigos aindaque se occuparaõ no estudo da natureza e propiedades das plantas, contudo naõ achamos nelles regras algumas certas para podermos geralmente reconhecer as suas virtudes medicinaes, nem as razoẽs de uniformidade e dessemelhança das dictas virtudes; os modernos ajudados de [p. 429] melhores conhecimentos nas sciencias naturaes tem sido hum tanto mais felices; mas a pezar das suas luzes, deve:se confessar ingenuamente, que esta mãteria está ainda bem longe do estado de perfeiçaõ, e talvez ficarà sempre imperfeita em razaõ dos obstaculos que a natureza parece oppor a semelhantes investigaçoẽs.

Os methodos botanicos, o lugar de habitaçaõ, os succos, nectarios, as qualidades de cheiro, sabor, e cores dos vegetaes e as suas analjses chymicas tem sido os meyos investigativos, de que os sabios se tem servido nestes ultimos tempos para indicar nelles a uniformidade e dessemelhança de virtudes, e estabelecer regras geraes a respeito dellas.

Os methodos, ou systemas botanicos saõ ou artificiaes, ou naturaes, como jà mencionei nos capitulos precedentes. Os systemas artificiaes, como sujeitos a leys nimiamente arbitrarias, e a reunir plantas ordinariamente differentes no habito externo, naõ podem, senaõ por acaso, offerecer divisoẽs genericas de plantas de uniformes virtudes; os methodos na turaes saõ por conseguinte os unicos que podem subministrar divisoẽs menos sujeitas a engano relativamente à dicta uniformidade. Linneo assignou pois a este respeito a regra seguinte: todas as plantas que sam do mesmo genero natural, sam tambem da mesma virtude; e as que sam da mesma familia ou divisoens naturaes, participam mais ou menos da mesma virtude

Plantae, quae genere convenìunt, virtute ettam conventunt; quae in ordine naturali continentur etiam virtute proprius accedunt, quaeque classe naturali congruunt etiam viribus quodam modo congruunt. Lin. Philos Botan. p. 278.
. Esta [p. 430] regra he mais exacta generos nos infimos do que nas familias; mas ainda nas infimas distribuiçoẽs dos methodos naturaes ella naõ he taõ geral como parece ter sido a opiniaõ de Linneo. Quanto às familias naturaes, o joyo nas gramineas, o pepino de S. Gregorio e coloquintida nas cucurbitaceas nos demostraõ que a dicta regra he sujeita a algumas excepçoẽs. Quanto aos generos infimos denominados naturaes a regra mencionada naõ deixa taõbem algumas vezes de ser enganosa, nascendo isto de que rigorosamente naõ ha na natureza destribuiçaõ alguma generica, mas taõ somente especies
Este parecer he seguido por muitos sabios Naturalistas e famosos Medieos, como Daubenton, Cullen, &c. Vej. Lectures on the Materia Medica, by Villiam Cullen, p. 158, 169. Lond. in-4. donde copiei huma grande parte das reflexoẽs, que opponho aqui aos sentimentos de Linneo.
; as producçoẽs do alcanforeiro, e arvore da canella, plantas do mesmo genero, saõ de virtude bem differente; as folhas do arroz dos telhados, e outras especies de Sedum naõ tem acrimonia alguma, ao mesmo tempo que as da vermicularia (sedum acre especie do mesmo genero saõ bastantemente acres; as folhas da persicaria (polygonum persicaria) saõ sem acrimonia alguma, pelo contrario as da persicaria apimentada (polygonum hydropiper) saõ acres ou bastantemente picantes, e o mesmo se deve entender a respeito das especies de convolvulas, e de alguns outros generos naturaes.
As plantas do mesmo genero naõ so podem ter differentes qualidades e virtudes, mas variar consideravelmente quanto aos seus grãos de força, como se vè na hortelaa apimentada (mentha piperita), cujas folhas contem hum principio [p. 431] aromatico e estimulante incomparavelmente mais forte do que as da hortelaan hortense ordinaria (mentha Sativa), e outras especies do mesmo genero. Nem he de maravilhar que as especies assaz analogas, ou do mesmo genero natural diversifiquem às vezes nas suas virtudes, quando vemos taõbem variedades da mesma especie terem qualidades e virtudes assaz differentas, como saõ por ex as amendoas doces e amargosas, as laranjas doces e azedas, os limoẽs doces e azedos, &c. Donde resulta que postoque a regra assignada por Linneo seja verdadeira em hum grande numero de cazas, porisso mesmo que ella he sujeita a algumas excepçoẽs, devemos ser summamente circumspectos na sua applicaçaõ em Medicina, por naõ ser huma coiza indifferente. Seria acertado que as investigaçoẽs ou tentativas, que se fazem a respeito da uniformidade de virtudes das plantas do mesmo genero natural fossem feitas em partes identicas
Como por ex. comparar os fructos de huma especie com os de outras, as folhas com folhas, raizes com raizes, flores com flores, a casca do tronco de huma especie com a casca do tronco de outras congeneres naturaes, &c.
, e em semelhantes circumstancias; a cassia fistula, & cassia senna por ex. plantas do mesmo genero natural dizem-se ter ambas huma virtude purgativa, mas esta virtude he attribuida na practica a differentes partes, como he bem notorio; isto tem o inconveniente de fazer a comparaçaõ inexacta e confusa; e demais disso hum mesmo vegetal pode vazar consideravelmente quanto às qualidades, e virtudes das [p. 432] suas partes
A figueira por ex. he huma arvore venenosa, e os seus fructos saõ saudaveis.
, e ainda numa mesma parte as achamos muitas vezes ser bem differentes, como por ex. na laranja, cuja casca he aromatica, as sementes amargozas, e o sumo agro-doce, os bagos da romaan saõ hum tanto acidos, e a sua casca he astringente.
Quanto às circumstancias, se ellas naõ saõ identicas pode haver hum grande numero de enganos. A differente estaçaõ e conjunctura em que as partes das plantas saõ colhidas, a sua idade, e estado fresco ou secco podem fazer diversificar muito as suas virtudes tanto na mesma especie, como na comparaçaõ desta com outras congeneres. As ortigas em quanto tenrinhas saõ comidas na Suecia como huma agradavel hortaliça; os novos grelos da phytolacca saõ taõbem na primavera huma boa hortaliça entre os Americanos septentrionaes, sendo certo contudo que no estado adulto saõ hum veneno. As folhas do chà em quanto frescas saõ summamente narcoticas, como consta do que fica dicto no capitulo precedente. A vermicularia, e muitas plantas antiscorbutivas perdem as suas propriedades depois de seceas. A graciola, que em quanto fresca purga e he hum emetico, depois de secca perde quasi toda a sua efficacia. A raiz da mandioca, que em quanto fresca he acre e corrosiva, perde as suas qualidades venenosas depois de preparada, e fica sendo hum bom alimento entre os Americanos. Os fructos colhidos verdes saõ acerbos, e no estado de madureza saõ acidos, adoçados, &c. A raiz do geum urbanum arrancada depois do [p. 433] brotamento das folhas perde quasi todo o seu aroma. Nem merece menos attençaõ a circumstancia da especie de sujeito
A idade, e constituiçaõ do sujeito, e igualmente a dose das substaucias vegetaes fazem taõbem algumas vezes variar a acçaõ das suas virtudes; o que he somente hum purgativo ao homem robucto, he venenoso ao homem debil e de vida sedentaria, como se tem visto algumas, vezes na Euphorbia.
sobre o qual os vegetaes exercem a sua acçaõ ou virtudes; porquanto o que he provertosõ ão homem pode ser noeivo aos animaes, e vice versa, e o que convem a hum animal pode contudo ser danoso a outro. A cegude por ex. (Conium maculatum, mata o homem e as vaccas, nutre as cabras, e naõ faz mal ao cavallo; as amendoas amargozas mataõ o caõ, e naõ fazem mal ao homem; a salsà he venenoza para os pardaes e naõ para o homem e outros animaes; a pimenta he mortal, aos porcos e não faz mal às gallinhas; as vaccas e bichos da seda comem sem dano as folhas do Asclepias syriaça, as quaes em razaõ dos seus succos lacteos saõ ao homem hum corrosivo veneno.

Muitos Botanicos modernos, principalmente, os que saõ apaxonados pelos methodos naturaes, pensaõ que naõ so senaõ devem desprezar as affinidades dos caracteres botanicos na investigaçaõ das qualidades e virtudes medicinaes das plantas, mas taõbem que ellas nos dirigem com segurança a substituir huma planta a outra em hum grande numero de familias naturaes. Linneo parece ter sido deste parecer, e nos deixou a este respeito na sua Philosophia Botaniça

Vej. Phil. Bot. p. 279-282.
os seguintes sentimentos.

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As Gramineas (Graminea, Ordo Naturalis IV.)

Quanto as ordens, naturaes estabelecidas por Linneo, e igualmente quanto aos generos aqui citados Vej. Lin. Genera plantarum, edit, novissima, cur. J. J. Reichard.
saõ nutritivas; as suas folhas constituem o principal sustento dos animaes herbivoros; as mais miudas das suas sementes saõ ás aves hum agradavel alimento, como as do milum, alpista, milhaan, &c.; as maiores chamadas sementes cerealinas (cerealia) fornecem ao homem o seu quotidiano alimento, como saõ as do trigo, cevada, centeio, avea, milho miudo ou painco, milho grosso, arroz, holcus, zizania, &c. deve-se talvez exceptuar o joyo, que preciza de certa preparaçaõ.

As Estrelladas (Stellatae, ord. nat. XLVII.) saõ diureticas, como a ruiva dos tintureiros, amor de hortelaõ, asperula, galium, &c.

As Borragineas ou Asperifolias (Asperifoliæ, ord nat. XLl) podem servir de hortaliças, e saõ mais ou menos mucilaginosas e glutinosas, como a buglossa, borragem, e consolda maior.

As Luridas (Lurida, ord. nat. XXVIII.) saõ suspeitas de venenosas e narcoticas, como a belladona, stramonio, meimendro, mandragora, nicotiana, as solaneas, bringelas, e ainda mesmo os tomates. O pimentaõ he summamente acre.

As Umbrelladas (Umbellatae, ord. nat. XLV) quando vegetaõ nos lugares seccos saõ aromaticas, calefactivas, proprias para excitar o suor, ourinas, menstruos, leite, e dissipar as flatulencias, como saõ por. ex. o levisticum, assa faetida, angelica, imperatoria pimpinella, peucedanum, opopanax, galbanum, carvi, [p. 435] cuminum, daucus, meum, faniculum, &c; as que nascem em lugares aquosos saõ venenosas, como a cicuta, aenanthe, sison, phellandrium, e apium palustre; as suas virtudes residem nas raizes e sementes.

As raizes das plantas da classe Hexandria, que saõ inodoras, costumaõ usar-se em algums paizes como alimento, v. g. as da tulipa, tilium martagon, e ornithogalum; mas as que tem hum cheiro viroso saõ venenosas, como as da cebola alvarraan, jacintho narcizo, coroa imperial, leucojum, goriosa, e anthericum.

As Bigornes (Bicornes, ord. nat. XVIII.) saõ astringentes, como a urze, pyrola, vaccinium, e principalmente o arbutus urva ursi; em alguns paizes costumaõ comer-se as suas bagas acidas, como as do medronheiro, as do arbutus uva ursi, vaccinium uityr tillus e exycoccus, diospyros virginiana, e melastoma.

Os fructos polposos da classe Icosandria saõ usados como alimentos, taes saõ v. g. as maçaans, peras, marmelos, romaans, fructos do pirliteiro, as nesperas, sorvas, groselhas, pessegos, damascos, ameixas, ginjas e cerejas na familia das Pomaceas (Pomaceae, ord. nat. XXXVI.); os morangos, amoras de sylva, e bagas da roseira de caõ nas Senticosas (Senticosae, ord. nal. XXXV.); emfim os fructos da eugenia e psidium nas Hesperideas (Hesperideae, ord nat. XIX.)

As plantas da classe Polyandria ordinariamente saõ venenosas; como saõ o aconitum,

Linneo conta taõbem entre as plantas venenosas o aconitum anthora; outros autores contudo duvidaõ das suas qualidades nocivas, e lhe chamaõ pelo contrario o aconito saudavel, dizendo que elle he hum contraveneno do ranunculus thora.
aquilegia, [p. 436] staphisagria, delphinium, helleborus, apium risus, clematis, pulsatilla, e paeonia nas Multisiliquas (Multisiliquae ord. nat. XXVI.); as papoilas, dormideiras, celidonia, e actaea nas Papaveraceas (Rhaeadeae, ord. nat. XXVII.) Podom-se ajuntar as euphorbias, peganum, e sambogia.

As Labiadas, ou Verticilladas (Verticillatae, ord. nat. XLII.) saõ aromaticas, nervinas, resolutivas, emmenagogas e dissipaõ os flatos, as suas virtudes residem nas folhas; taes saõ por ex. a segurelha, hortelaan, poejo, tomilho, ouregaõ, salva, alecrim, alfazema, rosmaninho, manjerona, manjericaõ, herva cidreira, &c.

As Cruciferas ou Siliquosas (Siliquosae, ord. natXXXIX) saõ acres, incisivas, detersivas e diureticas; como saõ os agrioẽs, a cochlearia, a armoracia, &c.; ellas perdem muito da sua virtude no estado de seccas, e porisso devem ser usadas em quanto verdes.

As Malvaceas (Columniferae, ord. nat. XXXVII.) saõ mucilaginosas, lubrificantes, embotaõ a acrimonìa dos humores, e saõ suppurativas em razaõ da sua virtude emolliente; taes saõ por ex. a malva, a althea, &c.

As Leguminosas (Papilionaceae, ord. nat. XXXII.) saõ excellentes para pastos ou alimento dos quadrupedes, como v. g. o trevo, medicago, trigonella, hedysarum, vicia, loeus, e lathyrus: as suas sementes saõ farinhosas e flatulentas, e servem de alimento aos homens e varios animaes, taes saõ principalmente as favas, ervilhas, feijoẽs, graõs, lentilhas, e chixaros.

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As Compostas (Compositae, ord. nat XLIV.) saõ muito usadas em medicina, e commumente saõ amargosas, como sao v. g. o cardo sancto, a chicoria, o almeiraõ, o cardo mariano, a pilosella, o dente de leaõ, a losna, a matricaria, a chamomilla, as macellas, a tanasia, a balsamitta, eupatorium, achil lea ageratum, santolina, abrotanum, carlina, acmella, artemisia, &c.

As Orchideas (Orchideae, ord. nat. VII.) saõ aphrodisiacas, taes saõ principalmente a orchis bifolia, orchis morio, e o epidendron vanilla.

As Estrobilosas (Coniferae, ord. nat. LI.) saõ resinosas, e diureticas, como, saõ v. g. os pinheiros, o abeto, acipreste, sabina, zimbro, e juniperus lycia.

A Classe Cryptogamia contem muitos vegetaes suspeitos; os fetos tem hum cheiro desagradavel: os musgos do mesmo modo; das algas saõ rarissimas as que se comem, e muitas saõ purgativas; e os fungos saõ segundo Plinio huma perigosa comida.

Taes saõ em geral os sentimentos de Linneo sobre as familias naturaes; mas todas estas, generalidades saõ sujeitas a mais ou menos excepçoẽs, que seria prolixo expor aqui. Direi somente que os grãos das qualidades dos vegetaes variaõ infinitamente, e talvez à proporçaõ do numero dos individuos: nas Gramineas, por ex, as sementes cerealinas servem de alimento ao homem, mas que differença naõ ha entre o paõ de trigo e o de milho, e cevada? Quanto naõ differe o alimento do arroz do que fornece o paõ de trigo? Quanto naõ differem entre si os fructos polposos, que se usaõ como alimento? Que desigualdades naõ há algumas vezes entre as plantas [p. 438] aromaticas, amargosas, acidas, acres, e astringentes do meSmo genero? As vezes o principio nutritivo está separado de todo o veneno, como nas sementes cerealinas, outras vezes misto com hum principio amargozo ou combinado com huma substancia mais ou menos venenosa, como nalgumas solaneas e na mandioca; quanto naõ variaõ as quantidades dos principios saborosos, odorantes, e outras partes constitutivas de cada hum dos individuos vegetaes, e que variedade no modo, e circumstancias com que se achaõ combinados? Eu confesso ingenuamente a fraqueza das minhas luzes a este respeito; peloque deixo aos que se occupaõ de Materia Medica, e practica de Medicina o decidir athe onde seja justo o sentimento "de que se pode em algumas familias naturaes substituir humas plantas a outras."

O lugar de habitaçaõ dos vegetaes tem parecido taõbem a alguns botanicos hum meyo de poder descobrir as suas incognitas virtudes. Linneo assignou a este respeito a regra seguinte

Locus siccus sapidiores, succulentus insipidas magis, aquosas (sapius) corrosivas reddit. Liu. Phil. Bot. p. 283.
: os lugares seccos tornam as plancas mais saborosas, os humidos e pingues fazem-nas mais insipidas, e os aquosos de ordinario corrosivas. Esta regra he sujeita ainda a mais excepçoẽs do que a precedente sobre os generos e familias; o arroz, e beccabunga por ex. saõ plantas que se daõ naturalmente nos lugares aquaticos e contudo não tem nada de corrosivo ou acre, ao mesmo tempo que o meimendro, planta propria dos lugares seccos, he bastantemente acre e corrosivo. Alem disso o [p. 439] mesmo sitio pode dar plantas de virtudes bem differentes, e as vezes mesmo ainda quando ellas parecem ter huma grande semelhança de organigaçaõ, como saõ por ex. as duas persicarias acima mencionadas
Vej. pag. 430.
, que se daõ ambas nos lugares enxarcadiços, e as vezes se encontraõ a borda d'agoa huma ao pé da outra. "Esta regra, diz o Dr. Cullen, parece ter sido fundada em poucas observaçoẽs, e ainda talvez estas mesmas foraõ principalmente feitas nas plantas da familia das Umbrelladas. O que Linneo diz a respeito da influencia dos lugares seccos e humidos sobre os vegetaes penso que so pode ter lugar quanto a certas plantas transplantadas de hum lugar secco para outro que he humido e pingue; huma mesma especie de planta aromatica por ex. conservara em hum lugar secco o seu aroma e qualidades em summa perfeiçaõ, ao mesmo tempo que sendo transplantada para hum lugar humido perderá a sua fragrancia, e se tornará insipida; estes effeitos contudo naõ se observaõ em muitas outras especies vegetaes transplantadas ou semeadas nos dois dictos differentes lugares." A pezar das muitas excepçoẽs a que he sujeita a regra sobredicta, naõ deixa contudo de ser util principalmente quanto às plantas umbrelladas, de que devemos sempre acautellar-nos, todas as vezes que as virmos em lugares aquaticos. Alem disso geralmente fallando, o terreno, cultura, e exposiçaõ
Debaxo do nome de exposicaõ (expositio) devem entender-se os lugares expostos ao sol, os sombrios, encostas, lugares altos e lavados dos ventos, os valles, fugares que ficaõ ao norte, sul, nascente ou poente, &c.
saõ [p. 440] circumstancias, que naõ devem jamais ser deprezadas; porquanto naõ se pode duvidar que influaõ muito sobre as qualidades dos vegetaes, e as façaõ variar ao menos gradualmente nas suas virtudes. Os fructos dos nossos pomares, e as hortaliças que cultivamos em nossas hortas daõ disto huma evidente prova; porquanto observamos muitas vezes que as arvores fructiferas nos lugares cultivados, seccos, e expostos ao sol daõ fructos mais doces e mãcios do que as dos lugares incultos, humidos, e sombrios; e sabemos taõbem que a alface, almeiraõ, escorcioneira, &c.
A alface em razaõ da cultura he incomparavelmente menos narcotica, o almeiraõ muito menos amargoso, e a escorcioneira summamente adoçada e amaciada.
diminuem muito das suas qualidades por meyo da cultura.

Os succos lacteos das plantas saõ de ordinario hum indicio de màs qualidades, e he por esse motivo que Linneo estabeleceo a este respeito a regra seguinte

Lactescentes plantae communiter veneuatae sunt, minus autem semiflosculosae et campanulacea. Lin. Phil. Bot. p. 282, 283.
: as plantas de succos lacteos commumente sam venenosas, contudo entre as semiflosculosas e campanuladas as suas qualidades nocivas sam menos frequentes. Este aphorismo tem muito poucas excepçoẽs
Linneo conta entre as plantas de succos lacteos, que saõ venenosas, as seguintes; a rauwolfia, thevetia, cerbera, plumieria, tabernamon-tana, periploca, apocynum, cynanchum, ceropegia, e asclepias na familia das Contortas ou de corolla retorcida (Contortae); a bocconia, sanguinaira, papaver, argemoue, chelidouìum, nas Papaveraceas (Rhaeades); a cambogia, dalechampia, euphorbia, e jatropha, nas Tricóxcas (Tricoccae); e alem nisso varias outras, como a melia, ficus, thus, acer, e agaricus.
, porquanto he raro que as plantas de succos [p. 441] lacteos naõ sejaõ acres, corrosivas ou narcoticas; he verdade que se usaõ algumas semiflosculosas, e campanuladas como alimentos, como por ex a alface, leontondon, tragopogon, campanula rapunculus, &c.
Nas especies de alface ha algumas que saõ reputadas venenosas, como a Lactuca virosa, mas segundo as observaçoẽs de alguns practicos modernos o extracto, desta planta pode ser dado mesmo em grande dose como hum excellente aperitivo, e sedativo, e o Dr. Joze Collin a recommenda nas hydropisias; ainda mesmo as cultivadas nos paizes quentes saõ hum tanto venenosas, segundo Galeno (Vej. Cullen Mater. Med. p. 306. ed. de Lond. in-4.) O Dr. Macquer pensava que ainda mesmo nas alfaces das nossas hortas ha huma qualidade narcotica, como lhe ouvi muitas vezes dizer nas suas liçoẽs.
; mas ainda estas mesmas saõ usadas com azeite e vinagre, ou cozidas, meyos que certamente saõ sufficientes para corrigir as suas nocivas qualidades; se ellas se usassem como alimentos, em hum estado adulto e de fructificaçaõ sem as dictas preparaçoẽs, he mui provavel que naõ deixariaõ de ser nocivas.
Peloque todas as vezes que encontrarmos huma planta desconhecida, na qual virmos succos lacteos, devemos ser summamente circumspectos no seu uso.

Linneo pertendeo ter achado nos nectarios hum meyo para poder taõbem reconhecer as màs qualidades de algumas plantas, e estabeleceo a este respeito o aphorismo seguinte; as plantas, que dam flores com hum nectario destincto das petalas, commumente sam venenosas

Plantae floribus nectario a petalis distincto cnmmuniter venenatae sunt Lin. Phil. Bot. p. 282. Os exemplos que aponta saõ os seguintes: aconitum, helleborus, aquilegia nigella, parnassia, epimedium, clutia, keggellaria, hyacinthus, stapelia, ascleplas, mirabilis, nerium, narcissus, zygophyllum, dictamnus, e melianthus.
. Mas esta regra naõ merece o nome de geral; porquanto me parece que naõ seria [p. 442] muito difficil de demonstrar que o numero das excepçoẽs he muito maior do que os objectos comprehendidos na dicta regra. O nome de nectario he summamente vago, e arbitrario; as chagas, as orchideas, as gramineas e muitas outras plantas que tem nectarios destinctos da corolla naõ saõ reconhecidas por venenosas. Nos ignoramos o uso dos nectarios em geral, e naõ me parece acertado que a arte se valha delles como destinctivo de mas qualidades, quando a natureza em hum grande numero de fiores os destinou, segundo o mesmo Botanico, á secreçaõ do mel, substancia assaz saudavel ao homem, Emfim o nectario postoque seja hum excellente caracteristico em Botanica, sera sempre em Materia Medica huma parte insignificante para poder-mos reconhecer as virtudes dos vegetaes.

O cheiro, sabor, e cores saõ os principaes meyos de que os medicos se servem para conhecer as virtudes medicinaes de qualquer substancia vegetal. O primeiro aphorismo a este respeito he, que todas as substancias vegetaes insipidas, e inodoras tem muito pouca ou nenhuma virtuade em medicina

Insipida et inodora vim medicam vix exercent. Lin. Philos. Bot. p. 283.
. Com effeito huma substancia que naõ tem sabor nem cheiro al gum sensivel tem muito pouca ou nenhuma actividade sobre os fluidos e solidos do systema animal; esta regra tem parecido ser sem excepçaõ, e em razaõ della se tem deriscado da Materia Medica hum grande numero de substancias vegetaes
Entre estas algumas foraõ conservadas como alimentos, e naõ como medicamentos.
; contudo [p. 443] o segundo aphorismo de Linneo, em que se annuncia, que as plantas, que tem hum summo sabor e cheiro, tem summa virtude em medicina,
Sapidissima et odoratissima semper maximam vim possident. LinPhil. Bot. p. 283
naõ parece dever-se admittir taõ geralmente; o Dr. Cullen
Cullen, Mat. Med p. 161, 162, ed de Lond. in-4.
diz a este respeito que se bem que do sabor e cheiro podemos inferir que huma planta possue mais ou menos virtude medicinal, he difficil contudo de poder determinar com certeza os graos da dicta virtude; e accrescenta, que huma planta pode ter o cheiro bastantemente forte, e hum sabor assaz picante e nem porisso ter grandes virtudes medicinaes; a malva moschata por ex. apezar do seu cheiro almiscarado tem bem fracas virtudes; o mastruço, e agrioẽs aindaque de gosto notavelmente picante naõ se lhes pode attribuir virtudes medicinaes em summo grao; pelo contrario na ipecacuanha, medicamento assaz activo, naõ reconhecemos cheiro algum sensivel, e quanto ao sabor ordinariamente he taõ occulto que precizamos mastigala bastante tempo para lho podermos perceber.
Linneo ajuntou ainda a seguinte regra geral:
Sapidae et suaveolentes bonae sunt; nauseosae et graveolentes venenatæ sunt. Lin. Phil. Bot. p. 284
as plantas saborosas e fragrantes nam sam nocivas; as que tem hum cheiro nauseoso, forte, e penetrante sam venenosas.
Segundo o Dr. Cullen
Cullen Mat. Med. p. 162.
esta regra naõ so muitas vezes he falsa, mas ainda o que estabelece succede ser vice versá; porquanto nas liliaceas, nos jasmineiros e suas analogas, ha muitas [p. 444] especies que tem hum cheiro suave e agradavel
O Dr. Cullen parece entender, aqui a fragrancia das flores; eu conjecturo contudo que Linneo quiz dar a entender a fragrancia, que existe em todo o corpo das plantas, comprehendendo as folhas, ramos, tronco e raiz; e neste sentido o seu aphorismo parece ter muito poucas excepçoẽs. O Dr. Cullen naõ admitte taõbem a assersaõ de Linneo. Sapida non agunt in nervos, nec olida in fibras musculares; pensando que o que obra sobre os nervos obra taõbem sobre as fibras musculares e vice versá, em razaõ das dictas fibras serem em parte huma continuaçaõ dos fios nervosos, ou ao menos intimamente adunadas a elles e sujeitas á sua acçaõ. Diz alem disso que o aphorismo do mesmo Botanico: Ambrosiaca analeptica, Fragrantia orgastica, Aromatica excitantia, Tetra stupefacientia, Nanseosa corrosiva: he ambiguo, obscuro, e pouco fundado na natureza. Ibid. p. 163.
, e naõ obstante isso saõ venenosas; pelo contrario ha muitas nauseosas e fetidas que naõ tem virtudes nocivas, ao mesmo tempo que hà algumas inteiramente inodoras que saõ venenosas.
Em summa, assim como he muito difficil de poder reduzir as infinitas variedades de cheiros a adequadas denominaçoẽs geraes, assim taõbem he difficultoso estabelecer regras sobre elles, pelas quaes se possaõ reconhecer as virtudes particulares de qualquer planta, que tem hum cheiro sensivel. Diz se ordinariamente, que o tomilho, alfazema, acafraõ, canella, loireiro sassafraz, &c. saõ aromaticos; mas todos elles tem cheiros destinctos, e por mais semelhança que alguns lhes queiram achar, naõ se pode della deduzir uniformidade de virtudes, porquanto a experiencia mostra que estas saõ bem differentes; nas plantas fetidas como a ruda, vulvaria, crepis faetida, sisymbrium tenuifolium, geranium robertianum, &c. e nos que tem hum cheiro forte e penetrante, como a nicotiana opio, nogueira, meimendro, fungos, helleboro, coentro, cynoglossa, sabugueiro, aconito, tagetes, [p. 445] datura, &c. os cheiros e virtudes particulares naõ diversificaõ menos. Quanto ao sabor, he verdade que podemos melhor julgar da uniformidade das virtudes pela uniformidade dos sabores, especialmente quando estes saõ simplices, mas como as impressoẽs saborosas diversificaõ muito segundo as differentes pessoas, e como taõbem as virtudes medicinaes residem as vezes em huma minima quantidade saborosa obscura ou occulta, esta materia naõ deixa de ter bastantes difficuldades, e imperfeiçoẽs, sem embargo das investigaçoẽs de Linneo, Abercrombie, Joaõ Floyer, &c. As cores dos vegetaes saõ fracos meyos para poder descobrir as suas virtudes e qualidades, e saõ incomparavelmente menos uteis do que o cheiro, e sabor. Linneo estabeleceo contudo a respeito dellas o aphorismo seguinte: 1º. A cor pallida indica insipidez; 2º a verde crueza; 3º a amarella amargor; 4º a vermelha acidez; 5º a branca doçura; 6º a negra hum gosto desagradavel
Color pallidus insipidum, viridis crudum, luteus amarum, ruber acidum, albus delce, niger ingratum indicat. Lin. Phil. Bot. p. 286.
. Esta regra tem o inconveniente de naõ especificar as partes coloridas, a que attribue as qualidades de insipidez, crueza, &c; 1º as plantas pallidas naõ saõ geralmente insipidas, e ainda mesmo as hortaliças naturalmente verdes, que adquirem a cor pallida por meyo de serem preservadas da materia da luz, quando saõ ligadas com hum junco ou cultivadas nos lugares subterraneos, nem sempre gaõ insipidas, como se vè na chicoria, e almeiroa, que conservaõ sempre hum amargo bem sensivel: 2º a [p. 446] observaçaõ da cor verde indicar crueza parece ter lugar propriamente naquelles fructos, que saõ julgados crus, em quanto nelles senaõ estabelece a cocçaõ fermentativa que constitue a sua madureza; pelo que a regra pode ser applicada à mator parte dos fructos antes de maduros: 3º. a cor amarella acha, se muitas vezes em substancias doces como na raiz da cenoira, nos abrunhos amarellos, &c, e a regra seria mais geral se annunciasse, que os succos amarellos das plantas indicaõ amargor ou acrimonia: 4º a cor vermelha so indica acidez em alguns fructos, porquanto nas flores e folhas vermelhas he rarissimo achar-se acidez; he verdade que o rumex sanguineus tem nas folhas veyos vermelhos e que os seus succos saõ azedos, mas todas as suas demais congeneres chamadas labaças, e azedas tem hum sabor azedo e as folhas verdes; o exemplo da couve vermelha que Linneo aponta depois, naõ parece favorecer a sua asserçaõ, vistoque nas folhas da dicta planta naõ ha acidez sensivel: 5º he rarissimo que a cor branca indique doçura, ainda mesmo nos fructos, a que Linneo applica està observaçaõ; nalgumas maçaans, nas framboezas brancas, ameixas brancas, e groselhas brancas, que assigna por ex, o sabor he acido ainda que mais brando comparativamente, mas naõ he simplez e puramente doce; demais disso, as groselhas brancas sempre me pareceraõ taõ azedas como as vermelhas, esta regra por conseguinte he taõ inutil como as quatro precedentes: 6º alguns fructos de cor negra tem com effeito succos desagradaveis e às vezes venenosos; esta ultima circumstancia naõ deixa de ser [p. 447] importante, e basta por si sò para naõ nos fazer desprezar a regra a ella relativa
Os exemplos, que Linneo aponta nesta ultima regra, saõ: baccae atropae, actaeae, coriariæ, solani, tini, enpetri et padi. As bagas negras de algumas urzes e do ribes nigrum aindaque desagradaveis naõ contem contudo veneno algum.
.

As operaçoẽs chymicas tem parecido a muitos sabios hum dos melhores meyos de investigar as virtudes dos vegetaes; foraõ por conseguinte tractados por expressoẽs, trituraçoẽs em agoa, infusoẽs em espirito de vinho ou agoa, distillaçoẽs a fogo brando ou forte, e por todos os meyos que conduzem a analysar os seus principios; a sua analyse tem dado a conhecer as suas partes extractivas, gomosas, mucilaginosas, saccharinas, amilaceas, resinosas oleosas, stipticas, aromaticas, e os differentes saes e terras, que entraõ na sua composiçaõ. Naõ se pode negar que todos estes conhecimentos reunidos com alguns dos que acima mencionei saõ bastantemente uteis para nos fazer discorrer sobre a natureza dos vegetaes com maior segurança do que os antigos discorriaõ; com estas luzes podemos taõbem melhor do que elles julgar das suas virtudes; mas quem attender bem ao muito que variaõ os acidos e alcalis mos differentes vegetaes quanto à quantidade e qualidade, o muito que os seus outros principios variaõ taõbem nas proporçoẽs, e saõ alterados pelo fogo, a grande difficuldade, ou impossibilidade que ha algumas vezes de obter os seus principios subtis e volateis, nos quaes contudo consistem as suas principaes virtudes, naõ estranhara certamente a asserçaõ de alguns grandes [p. 448] medicos

From chemical investigation much has been expected; but it is now known littte can be obtained. Cullen Mat. Med. pag. 167 ed. de Lond. in-4.
, que dizem que pela chymica se obtem poucas luzes na investigaçaõ das virtudes aos medicamentos vegetaes, e que o melhor meyo, tanto em geral como em particular, saõ as observaçoẽs em Medicina practica.

Depois do descobrimento do Dr. Ingen-Rouz

Vej. Experiences sur les Vegetaux, par M. Ingen. Houz. Paris, 1780, in-8, ou a ultima ediçaõ, aonde esta materia he tractada com todos os detalhes, que o leytor pode dezejar.
, he notorio que durante o dia, e nos lugares expostos à luz, as plantas exhalaõ de contino de suas folhas, tronco, e ramos, huma grande quantidade de ar puro, e absorbem o ar viciado; e que pelo contrario durante a noyte e à sombra exhalaõ hum ar corrupto. As flores, segundo hum grande numero de experiencias, alteraõ o ar em todo o tempo, e porisso sera imprudencia de ter em caza durante a noyte hum grande numero de vasos de plantas ou floridas ou sem flor
Ha a este respeito huma experiencia bem simples; ponha-se hum ramilhete de flores em hum copo dagoa, cubra se com huma campanula de vidro de modo que o ar ambiente naõ entre pela base da dicta campanula; as flores corromperaõ o ar interno de tal modo que se no dia seguinte mettermos hum pardal dentro da campanula (immediatamente que a levantarmas) o animal morrera dentro de poucos minutos, e se mettermos taõbem hum coto de vela accesa no sendo da dicta campanula se apagara em continente. Veja-se Experiences sur les Vegetaux, que acima citei. Huma planta ordinariamente vicia huma quantidade de ar dez vezes maior do que ella.
.

A idade, e o tempo em que as plantas e suas differentes partes devem ser colhidas, e o modo de as [p. 449] seccar, e conservar para os usos medicinaes são circumstancias que naõ devo passar aqui em silencio, viso que podem influir muito sobre as suas virtudes

Vej. Iacobi Silvii Opera Medica. Colon. Allobrog. 1630. in-fol.; et Georg. Rud. Boehmeri De collectione simplicium Disput, &c.
. As plantas e suas partes, que haõ-de ser guardadas para usos medicinaes em hum estado secco, devem em geral ser colhidas sem orvalho nem humidade, e no seu maior grão de vigor; huma raiz, hum fructo, e qualquer planta que cresce distante de outra deve ser preferida às que saõ bastas e approximadas, em razaõ de ter mais força por ter sido melhor nutrida; devem colherse no lugar da sua natural habitaçaõ
As cruciferas e labiadas parecem exceptuar-se desta regra em razaõ de melhorarem nas suas quasidades por meyo da cultura.
e sem serem alteradas ou desfiguradas por doenças; as parasitas, que se nutrem da substancia de certas plantas, que lhes augmenta as suas qualidades medicinaes, devem ser preferidas
He por este motivo que o viscum e polypodium, que se daõ nos carvalhos, saõ melhores para os usos medicinaes, em razaõ de terem mais astringencia.
às que se nutrem de quaesquer outras.

As raizes bolbosas e tuberosas devem ser colhidas na outono; quanto às outras, muitos pertendem que devem ser arrancadas na primavera, logo que começaõ a brotar folhas, porquanto a seiva que conservaraõ e adquiriraõ no inverno he entaõ elaborada e lhes dà hum grande vigor, sendo neste periodo succulentas, tenras, carnudas, e bem nutridas; quando pelo contrario, no outono saõ duras, quasi exsuccas e nimiamente enfraquecidas de terem nutrido o troço [p. 450] ascendente e suas partes. He difficil de assignar regras geraes a este repeito, sendo certo que quasi em todas as estaçoes do anno se podem colher boas raizes

As raizes carnudas das plantas annuaes, como as dos rabaõs, nabos, cenoiras, &c. que se usaõ como hortaliças, podem ser colhidas em todas as estaçoẽs, contanto que sejaõ tenras e antes da florecencia, porque neste periodo ficaõ occas ou esponjosas. As malvaceas, em razaõ de serem usadas como emollientes, devem taõbem ser colhidas tenras.
, segundo as circumstancias; contudo o melhor, em geral, he de as colher no outono, porque na primaverà saõ demasiadameute aquosas, os seus succos saõ entaõ pouco salinos, menos resinosos e pouco extractivos, por naõ terem softrido ainda a sufficiente preparaçaõ. As raizes no outono tem menos volume, mas naõ deixaõ de ter os succos necessarios, e aindaque tenhaõ contribuido para a nutriçaõ do troço ascendente, naõ se segue dahi que estejaõ esgotadas, porque assim como a raiz nutre o tronco, do mesmo modo este contribue para nutrir a raiz por meyo da seiva descendente, e alem disso no corpo da raiz ha utriculos em que se elaboraõ succos em todo o tempo, destinados a nutrila sufficientemente: as raizes porisso mesmo que saõ menos tenras e menos succulentas no outono saõ taõbem menos susceptiveis de fermentaçaõ, menos sujeitas aos bichos, e se podem por conseguinte conservar mais tempo, &c.

Os troncos e ramos das plantas herbaceas devem ser colhidos junto do estado da florecencia ou quando elle começa; os troncos lenhosos devem ser cortados no inverno, ou fim do outono, de arvores que naõ sejaõ velhas, nem muito novas. A casca das arvores [p. 451] novas he melhor do que a das velhas ou de meya idade; as cascas que naõ saõ resinosas devem ser arrancadas no outono ou inverno, e as que saõ resinosas, na primavera, quando a seiva esta para se pôr em movimento, e que se podem facilmente arrancar do lenho.

Os gomos devem ser colhihos no tempo, em que estaõ para rebentar, ou logo que começaraõ a brotar, e que a seiva começa a mover se de modo que os faz inchar. Os ramos ou extremidades das arvores e arbustos devem ser colhidos tenros na primavera, logo que os seus gomos rebentaraõ. As folhas em geral devem ser apanhadas quando as flores da planta começaõ a desabotoar, ou quando muito, logo depois da florecencia, e jamais depois da madureza das sementes; exceptuaõ-se contudo as das malvaceas, que devem ser colhidas bastantemente tenras, e taõbem aquellas que no principio da florecencia se tornaõ muito duras, como as da tanchagem, labaças, almeiraõ, limoeiro, &c. As avenças, polypodios e outras plantas da familia dos fetos devem ser colhidas durante o tempo da florecencia.

O melhor tempo de colher as flores he quando começaõ a desabotoar, e antes da vibraçaõ do po das antheras: ha algumas em que se deve separar a corolla do calvz, visto que a sua principas virtude reside na corolla, como são por ex. as rosas, cravos, violettas, &c. mas nas labiadas deve sempre conservar-se o calyz junto com a corolla, porque nelle reside principalmente a virtude aromatica. As antheras devem ser colhidas antes da vibraçaõ do seu pò.

Os fructos ou pericarpos devem apanhar;se no estado de madureza, que naõ seja demasiada, como he a do [p. 452] periodo em que delles cahem as sementes; ha alguns fructos contudo que se apanhaõ verdes, e saõ assim usados em Medicina, mas saõ em pequemo numero ou huma pequena excepçaõ da regra geral.

As sementes devem ser colhidas gradas, e em plena madureza

As excepçoẽs a esta regra saõ muito poucas em medicina: ha algumas sementes que servem de alimento, e se apanhaõ indifferentemente verdes ou maduras, como saõ por ex. as ervilhas e favas; mas estas nutrem menos quando verdes, aindaque nesse estado saõ menos flatulentas e melhor digeridas. As sementes que se colherem para semear devem naõ so ser maduras, mas a sua plantula seminal naõ ter, dano algum sensivel; as melhores saõ as mais pezadas ou que lançadas em hum copo d'agoa vaõ ao fundo, porquanto as que ficaõ ao lume d'agoa raras vezes saõ boas; naõ devem ter começado a grelar, nem ter as cotylédones quebradas, porque aindaque estas duas condiçoẽs naõ ponhaõ obstaculo á germinaçaõ futura, fazem contudo que o vegetal que dellas nasce seja pouco vigoroso.
; a grandeza, forma, superficie, e cor competente, a molleza devida ou sequidaõ adequada do pericarpo (segundo a sua especie), e a separaçaõ espontanea dos seus receptaculos poderaõ dar a conhecer o dicto estado de madureza.

Naõ basta so saber o tempo proprio da colheita dos simples, he precizo taõbem attender ao modo de os seccar e conservar. Ná desiccaçaõ ou modo de seccar as plantas o principal objecto he privalas da humidade redundante, a fim de as podermos guardar hum certo tempo para os usos de medicina. Alguns recommendaõ de as seccar á sombra, principalmente as que saõ aromaticas, para que menos percaõ do seu cheiro; mas a experiencia tem mostrado que quando as seccamos rapidamente ao sol, ou nas estufas, ellas conservaõ assaz bem o seu cheiro, propriedades, e muito melhor a suas cores; as que tem na sua [p. 453] composiçaõ muito pouco do principio resinoso, como v. g. as borragineas, veronica, e herva cidreira, perdem muito da sua virtude sendo seccas á sombra lentamente, e ficaõ denigridas, por causa da fermentaçaõ que nellas se estabelece, o que naõ succede quando saõ seccas promptamente ao sol ou numa estufa

As estufas, ou cubiculos, que se aquecem athe certo grao por meyo de fornalhas tubuladas, saõ de grande utilidade nos paizes do norte da Europa para seccar as plantas rapidamente em tempos humidos ou chuvosos; as melhores, que tenho visto nas cazas dos Boticarios de Paris, saõ hum cubiculo com tecto e paredes de tabique bem rebocado e de seis pés quadrados; tem huma porta e janella de vidraças de grandeza proporcionada; á esquerda da porta está situada a fornalha de ferro ou barro (a que chamaõ poële) guarnecida de hum tubo de lata de cinco dedos de diametro, que serve juntamente com a fornalha para estufar o ar do cubiculo; este tubo he suspendido com arames no tecto do cubiculo, e a sua extremidade superior sahe por hum buraco aberta na janella para botar fora o fumo; na porta esta pendurado hum thermometro de mercurio dividido em 80 graos desde o de congelaçaõ athe o grao de agoa fervendo. Este instrumento serve para regular o calor da estufa que de ordinario monta athe 55 ou 60 graos; ha nas paredes, em distancias iguaes de 8 ou 10 pollegadas, varias travessas de pao pregadas, que servem de soster dois varoẽs de ferro, sobre os quaes se poem as plantas a seccar dentro de cestas de vime compridas, medeando contudo entre as plantas e as cestas algumas folhas de papel.
.

Quando estivermos para seccar quaesquer partes vegetaes sera precizo antes mondalas das hervas inuteis, e separar as folhas velhas e fanadas; depois estender-se-haõ em cestas ou serapilheiras, de modo contudo que naõ fiquem amontoadas, e se exporaõ ao sol todo o dia, tendo cuidado de lhes mudar as superficies algumas vezes no dia, e de as retirar ao sol posto por causa da humidade da noyte; no dia seguinte tornar-se-haõ a por ao sol athe ficarem de todo seccas. Nas estufas ou sobre hum forno de padeira, em que [p. 454] successivamente se coze paõ, a dessiccaçaõ he mais rapida e melhor, por naõ ser interrompida; neste cazo as serapilheiras devem ficar penduradas, para que o ar possa circular livremente, o que naõ sera desacertado practicar taõbem, quando a dessiccaçaõ for feita ao sol.

As raizes, troncos lenhosos, e cascas requerem huma dessicaçaõ mais appressada, em razaõ de conterem mais humidade; quanto às raizes, he precizo antes de as por a seccar alimparlhes a terra com huma serapilheira ou lavando-as rapidamente, cortar-lhes as raigotas filamentosas, partilas longitudinalmente ou transversalmente sendo grossas, e depois polas enfiadas a seccar; as que saõ delgadas naõ precizaõ de se cortar. Ha algumas que costumaõ guardar-se mettidas em area ou terra, como as da althea, escorcioneira, e armoracia, a fim de as conservar frescas; mas deve se advertir que guardadas muito tempo neste estado saõ sujeitas a vegetar e endurecer, e nesta circumstancia devem rejeitar-se como muito pouco efficazes. As raizes bolbosas compostas de cascos, como v. g. a cebola alvaraan, saõ difficeis de bem se seccar ao sol; o melhor sera se parar os seus cascos e mettelos a seccar no banho maria, a querelos ter perfeitamente privados de humidade.

Os troncos, ramos herbaceos, e as folhas requerem huma dessiccaçaõ mais ou menos prompta, segundo saõ mais ou menos succosas. As plantas aromaticas saõ susceptiveis de huma rapida dessiccaçaõ; mas he precizo saber regular os graos de calor e proporcionalos á volatilidade dos seus principios odorantes, e à quantidade da humidade. Ellas perdem na verdade [p. 455] durante a dessiccaçaõ, huma pequena porçaõ do seu aroma, e immediatamente depois parecem ter pouco cheiro, mas passados alguns dias amollecem hum tanto e ficaõ bastantemente cheirosas; as que saõ seccas à sombra saõ hum pouco mais aromaticas; porem ficaõ mais humidas, e a sua humidade costuma destruirlhes a cor, e he pouco favoravel à sua conservaçaõ.

As flores costumaõ perder ordinariamente as suas cores na dessiccaçaõ, e para melhor lhas conservar he precizo, embrulhalas em papel e polas assim a seccar; deve-se-lhes conservar o calys, e arrancalo somente depois de passada a dessiccaçaõ, quando assim for necessario como nas violettas; os cravos, e rosas vermelhas parecem ser huma excepçaõ desta regra, porquanto so se costumaõ seccar as suas petalas, e ainda estas mesmas saõ antes privadas das unhas. Os fructos ordinariamente costumaõ por-se a seccar naõ muito maduros.

As sementes consideradas relativamente aos principios, e consistencia das suas cotylédones podem ser divididas em oleosas, farinhosas e resinosas; as oleosas propriamente saõ aquellas de que se pode tirar oleo por expressaõ, como v. g. as do melaõ, melancia, abobara, pepino, nogueira, amendoeiras, nabos, &c.; as farinhosas saõ as que naõ daõ oleo por expressaõ, e se reduzem facilmente em po ou farinha, como o trigo, cevada, milho, favas, ervilhas, tramoços, e outras da familia das gramineas, e das leguminosas; as resinosas saõ aquellas em que o principio resinoso he predominante. As sementes contem em geral menos humidade do que as demais partes das plantas, e porisso basta polas a seccar em lugar secco e hum [p. 456] pouco quente; as farinhosas

Em alguns paizes do norte da Europa costumaõ seccar o trigo em estufas afim de o poderem bem conservar para o uso domestico, e ainda mesmo para semear.
e resinosas saõ contudo susceptiveis de mais graos de calor do que as oleosas; estas sementes requerem quando muito hum calor semelhante ao que costuma haver nos bons dias do outono e o melhor sera seccalas á sombra, tendo o cuidado de bem as estender e de lhes mudar de quando em quando as superficies; porquanto se as deixarmos muito tempo expostas ao ardor do sol no tempo do estio, dissiparse-ha o pouco de humidade que contem, o oleo sahirà à superficie, e se alterarà dentro de pouco tempo, adquirindo ranço, como a experiencia tem mostrado muitas vezes.

Quanto à conservaçaõ das plantas e suas partes, devem em geral ser preservadas de humidade e guardadas em lugares seccos; serà muito melhor metelas em frascos de bocca larga, ou vasos de argilla tapados com rolhas de cortiça, do que em bocetas forradas de papel; antes de se metterem nos dictos vazos devem ser sacudidas do pó, areas, e ovos dos insectos; os troncos, e ramos herbaceos, carregados de folhas, devem ter-se pendurados em cazas, aonde naõ haja humidade, nem demasiado calor. Ha muitos simples, que podem conservar-se muitos annos sem corrupçaõ, principalmente quando foraõ colhidos em annos favoraveis, mas os melhores em geral seraõ sempre aquelles que se renovarem todos os annos.

As sementes em geral conservaõ-se bem nos lugares seccos c frescos; as oleosas costumaõ nos lugares humidos germinar dentro de pouco tempo, e apanhar [p. 457] môfo, e nos lugares quentes adquirem ranço; porisso he necessario conservalas em lugares seccos e temperados; as farinhosas saõ sujeitas às mesmas alteraçoẽs nos lugares humidos, e nos quentes seccaõ-se demasiadamente porisso sera acertado de as conservar quasi do mesmo modo; as resinosas aindaque resistaõ mais tempo à humidade e se alterem menos com o calor, contudo o melhor sera conservalas em lugares temperados. Guardaõ-se embrulhadas em papel, em cabaços, saccos, frascos bem tapados, &c.

As sementes, que se guardaõ muito tempo em frascos tapados sem serem barradas de cebo ou cera, saõ ordinariamente inuteis para a vegetaçaõ; a humidade e gaz, que ellas exhalaõ dentro do frasco, e a falta de renovaçaõ do ar interno saõ, segundo Pullein, a principal causa da sua corrupçaõ.
segundo a sua particular e differente natureza. Para as preservar dos insectos alguns costumaõ maceralas em huma preparaçaõ feita de sumo de alho e polvora, outros costumaõ expolas sobre hum peneiro de crina ao vapor de enxofre, mas este meyo aindaque as possa preservar dos insectos he pernicioso às que se guardaõ para semear.

Para se poderem conservar para a vegetaçaõ e remetter a paizes remotos, sem que sejaõ alteradas nas longas viagens de mar, Linneo aconselha de as metter em hum frasquinho cylindrico de vidro tapado com huma rolha de cortiça envolta em hum boccado de pelle, e que depois disso se ponha este frasquinho dentro de outro hum tanto mais largo, havendo o cuidado de encher o espaço, que medea entre hum e outro, com hum misto feito de partes iguaes de sal commum, e sal ammoniaco com o quadobro de [p. 458] nitro, assegurando que desta maneira o calor naõ pode de modo algum chegar a penetralas. Alguns costumaõ cobrilas de assucar quando ellas tem hum pericarpo polposo; outros cobrem-nas de cera, e barraõ-nas depois com argilla amassada em huma dissoluçaõ forte de goma Arabia, embrulhaõ-nas emfim em hum encerado, e as remettem dentro de huma caxa ou barril. Alguns aconselhaõ taõbem de as cobrir de cebo ou de hum misto de partes iguaes de cera e cebo, quando saõ grossas, e sendo miudas, de as involver primeiro em argilla e depois em cebo, cera, &c.; a operaçaõ consiste em tomalas com huma pequena tenaz e mettelas em cera ou cebo que nade derretido na superficie de agoa quente, tirando-as immediatamente e lançando-as em agoa fria. A cera ou qualquer tegumento artificial, com que as sementes forem cobertas, naõ devem ser despegados, senaõ quando estas se quizerem semear; neste periodo raspar-se-haõ às mais grossas os dictos tegumentos com toda a cautella, e lavar-se-haõ as mais miudas em sabaõ e area fina, athe que a casca fique livremente exposta ao contacto do ar e capaz de embeber a humidade, e semear-se-haõ sem mais demora

Os que dezejarem ter mais extensas noçoẽs nesta materia podem consultar os Tractados seguintes.- Directions for bringing over seeds and plants from the East-Indies, by Ellis. Lond 1770. In-4. - Additional observations on the method of preserving seeds, by Ellis. Lond. 1774. in-4 - Avis pour le transport par mer des arbres, et des semences, par Du Hamel. - Traité de la conservation des grains, par le même. - Intieri della perfetta conservatione del grano. Deslandes, Recueil de differens traités de physique, pag. 91. - Plencitz Dissert. nova ratio frumenta aliaque legumina quamplurimis annis integra conservandi. Viennae. 1765.

As sementes destinadas à vegetaçaõ podem ser differentemente preparadas; estas preparacoẽs consistem em as macerar e amollecer em agoa, alcalis, saponaceos, substancias pingues, ou espirituosas; em as fertilizar por meyo de nitro de sal commum, ou por meyo da electricidade; em as curar das doenças, que as possaõ ter attacado, principalmente da fogagem, ou carie negra, por meyo de huma lexivia de cal viva e cinzas; e em as melhorar de algum modo para que o novo individuo que dellas nascer seja de melhor qualidade, &c. Vej. a este respeito Boehmeri Commentatio de plantarum semine.

.

Eu devera passar actualmente a tractar dos usos [p. 459] economicos dos vegetaes, mas como a extensaõ desta materia ainda mesmo tractada em geral me faria exceder os curtos limites de hum Compendio, deixala-hei aos que se occupaõ dos differentes ramos da Botanica applicada ás artes. Ninguem ignora que os vegetaes, alem dos usos que tem em Medicina, saõ empregados nos da Architectura civil, militar, e naval, subministraõ ao homem huma grande diversidade de alimentos e bebidas, nutrem muitos animaes que lhe saõ uteis, saõ a materia de que elle forma innumeraveis trastes domesticos, instrumentos, vasilhas, &c servem nas tinturarias, e manufacturas, em huma palavra saõ, como ninguem duvida, o fundamento da Agricultura, a mais preciosa de todas as artes

He huma maxima hoje assaz bem reconhecida, que a Agricultura sendo animada he o verdadeiro fundamento da provoacaõ e força dos Imperios; o solido esteio em que se sostem as manufacturas, artes, e commercio, a fonte de que emana a sua firme prosperidade; o thesoiro e verdadeiras minas de qualquer estado; o unico meyo de enriquecer de contino tanto o vassalo como o soberano; e emfim o melhor regresso para poder pagar as dividas publicas, e naõ contrahir outras. Quesnay, Bandini, Boisgillebert, &c.
.

[p. 460]
CAPITULO XLI. Dos Hervarios.

HUM hervario (herbarium) he huma collecçaõ de plantas seccas estendidas sobre papel, ou nelle estampadas bem ao natural, e dispostas methodicamente. O primeiro pode ser chamado hervario naturas e o segundo artificial, como he o das plantas de França que M. Bulliard publicou e vay continuando. Hum e outro saõ summamente uteis e necessarios a todos os que cultivaõ o estudo dos vegetaes. Elles servem de nos fazer conservar por hum meyo commodo as ideas das plantas, que ja temos observado, e nos conduzem com os systemas a reconhecer sem hesitaçaõ os nomes das plantas, que jamais se tinhaõ presentado vivas a nossos olhos. Alguns Botanicos preferem os herbarios naturaes aos artificiaes; huns e outros tem suas vantagens e seus inconvenientes; a maior parte das raizes, os fructos, e sementes, hum grande numero de especies da familia do fungos, e plantas succulentas

Ha algumas plantas succulentas, que se podem conservar nos hervarios naturaes, mas ficaõ summamente desfiguradas.
, que naõ tem lugar nos hervarios naturaes saõ productos, que podem ser assaz bem conservados nos artificiaes, e so requerem huma habil maõ que os exprima taes como os tomou do regaço da natureza; os organos sexuaes e outras partes das flores, principalmente quando estas saõ miudas [p. 461] ou cryptogamicas, de ordinario so nos podem ser bem presentadas por meyo de estampas; o seu numero, situaçaõ, e figura, a sua grandeza tanto natural como amplificada ao microscopio, e outras circumstancias de evidente utilidade a qualquer Botanico, so saõ proprias do debuxo ou estampa
Aindaque as flores e suas partes podem ser conservadas em espirito de vinho, este modo naõ me parece contudo merecer de ser perferido ao das estampas fieis, porquanto estas saõ mais duraveis e mais livres de engano.
. Mas quem bem attender ao quanto he raro encontrar estampas fieis, e o quanto estas saõ caras; e se pelo contrario réfléctir no quanto he facil a qualquer (ainda mesmo sem saber Botanica) de formar hum hervario natural das plantas do paiz que habita, e a commodidade que tem alguns Botanicos de poder alcançar as dos paizes estrangeiros somente por meyo de troca com as do seu paiz, emfim quem considerar que a face externa dos vegetaes ainda mesmo seccos e em parte desfigurados saõ ordinariamente sufficientes para nos excitar as ideas dos que ja observamos, e de hum grande soccorro para poder achar o nome dos incognitos que encontramos, reconhecerá facilmente a razaõ porque Linneo e outros Botanicos preferem os hervarios de plantas seccas aos de plantas estampadas.

Todos os que se propoem de estudar Botanica devem começar por fazer huma collecçaõ de plantas seccas: depois de terem ajuntado hum certo numero nas herborizaçoẽs

As herborizaçoẽs (herbationes, s. herborizationes) saõ passeios ou caminhadas, que se fazem para apanhar ou observar plantas; dizemse publicas, quando saõ feitas (hum dia na semana) na companhia de hum professor de Botanica; e particulares, quando naõ saõ presididas pelo dicto professor, como quando alguem herboriza so, ou com hum hervolario, jardineiro, dois ou tres amigos instruidos em Botanica, &c. Este era o principal divertimento do celebre philosopho Rousseau, e de muitos outros; com effeito as plantas e flores dos campos seraõ sempre o mais aprazivel objecto de meditaçoẽs do homem sabio, que nellas encontra de contino evidentes provas da immensa sabedoria do Deos da natureza.
publicas ou particulares, e de [p. 462] as terem bem dessiccado, nomenclado
Nomenclar huma planta he dar-lhe o seu nome generico e especifico (ou trivial) segundo hum systema adoptado; os principiantes deveraõ para este fim consultar o seu professor, ou algum dos seus condiscipulos bastantemente instruidos no conhecimento das plantas do paiz, e naõ confiar na nomenclatura dos jardins botanicos, que muitas vezes he errada por incuria ou ignorancia dos jardineiros.
, e disposto em ordem methodica, teraõ, pelo assim dizer, hum jardim secco em sua caza, assaz util para poderem estudar o habito externo das plantas do paiz em todas as estaçoẽs do anno, e para lhas fazer reconhecer ainda mesmo fora do estado da florecencia.

Ninguem deve esperar de poder conservar huma planta com toda a sua natural belleza, seja qual for o modo de dessiccaçaõ que se haja de practicar; porquanto ainda às mais bem dessiccadas perdem muito da sua fresca apparencia. As dessiccaçoẽs, de que se servem os botanicos para conservar as plantas no mais perfeito estado, que lhes he possivel, saõ feitas ou em area ou por compressaõ. A dessiccaçaõ em area, attribuida a Joaõ Rodolpho Camerario, consiste na operaçaõ seguinte. Lave-se huma sufficiente quantidade de area fina afim de a privar de materias heterogeneas, seque-se depois, e peneire-se para separar as partes grosseiras, de que a lavagem a naõ pôde privar; feito isto, escolha-se para cada [p. 463] planta hum vaso de barro de forma e grandeza competente; escolha-se taõbem a mais bella especie das plantas que se tiver ápanhado com flor, em tempo secco e com hum tronco sufficiente: lance-se no fundo do vaso huma pouca de area secca e quente e metta-se nelle a base do tronco da planta destinada á dessiccaçaõ, sostentando-a com a area de modo que nenhuma das partes da planta toque nas paredes lateraes do vazo, continue-se a lançar area pouco a pouco athe cobrir a planta de maneira que fique por cima della quasi a grossura de dois dedos de area; á proporçaõ que esta se for lançando, ter-sehá o cuidado de estender os ramos, folhas, e flores, sem contudo as constranger, e de modo que fiquem na sua configuraçaõ, e postura natural. Concluido este trabalho, ponha-se o vaso em huma estufa de cincoenta graos de calor ou pouco menos

Alguns em lugar de metter os vazos em estufas costumaõ expolos ao ardor do sol, mas o calor das estufas merece de ser preferido em razaõ de fazer a dessiccaçaõ mais rapidamente. Nesta sorte de operaçaõ huma grande parte da materia colorante das flores he ordinariamente bem conservada: as petalas algumas vezes costumaõ despegar-se, principalmente quando o germe he grosso como na tulipa, e porisso muitos costumaõ cortalo antes de enterrar a flor na area, assegurando que por este meyo ellas conservaõ bem a sua adherencia.
aonde se deixará ficar hum, dois ou mais dias, segundo a grossura e succulencia da planta; passados elles, vasar-se-há brandamente a area sobre papel, e se tirará a planta com cautella.

Aindaque as plantas assim dessiccadas conservem bem a sua forma de maneira que porisso alguns lhes chamaõ mumias vegetaes, contudo tem o defeito de ficarem mais volumosas e quebradiças, do que as [p. 464] dessiccadas por compressaõ, e porisso este segundo meyo he ordinariamente hoje preferido, principal mente por ser mais simples, e capaz de conservar as cores

Ha algumas flores, de que he difficil poder conservar a substancia colorante; as violettas saõ deste numero, e o melhor modo, de que alguns se servem para lhes conservar a cor, he escaldando-as em agoa fervendo, retirando-as immediatamente, espremendo-as e seccando-as depois rapidamente.
do mesmo modo que a dessiccaçaõ em area. He precizo
O modo de seccar as plantas que proponho he exactamente o mesmo que practicava o celebre Joaõ Jacques Rousseau, cujos hervarios foraõ summamente admirados em Paris pela bella dessiccaçaõ de suas plantas. Ha ainda outros modos mais simples, mas naõ me parecem satisfazer ao intento taõ perfeitamente como o que exponho aqui.
para este fim ter quatro sortes de papel: 1º. papel pardo grosso; 2º. folhas colladas de papel pardo grosso; 3º papel branco grosso; 4º. papel branco bem secco depois de ter sido molhado em huma dissoluçaõ forte de pedra hume
Este papel he destinado para estender as plantas depois de seccas e servir no hervario; e porisso deve ser preparado do modo sobredicto a fim de contribuir para preservar as plantas de serem roidas pelos insectos. Alguns molhaõ este papel em huma preparaçaõ de aloe, alcanfor, plantas amargosas, aromaricas, &c. e preferem esta preparaçaõ á da pedra hume, que segundo elles altera a cor das flores mas eu naõ pude ainda observar esta mudança, quando as flores tem sido antes bem dessicadas.
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A planta, que dezejamos seccar por compressaõ, deve ser colhida no estado da florecencia, em hum tempo secco, e sem orvalho nem humidade alguma no exterior de suas partes; naõ se lhe deve cortar nem tirar parte alguma da sobreraiz, nem ainda mesmo da raiz, todas as vezes que a grandeza desta for assaz commoda e proporcionada à capacidade de hum [p. 465] hervario; e depois de colhida deixar-se-ha exposta ao ar livre durante algumas horas; para que murche hum pouco e amolleça. Disposta assim á planta para a dessiccaçaõ, estender-se-ha immediatamente sobre duas folhas de papel pardo (num. 1º.) postas sobre huma de papellaõ proporcionado, desdobrar-se-haõ as suas folhas brandamente, e do mesmo modo os tegumentos da flor; feito isto, cubrir-se-ha a planta com doze athe quinze folhas de papel pardo (n. 1º), e se mettera neste estado entre duas taboas applainadas, e proporcionadas á grandeza do papel. Passada huma hora ou duas, apertar-se-haõ as taboas hum pouco huma contra a outra
Alguns costumaõ em lugar das duas taboas servir-se do prelo em que os livreiros costumaõ levemente apertar os livros somente cozidos, a que chamaõ em França brochures; e na verdade este instrumento he assaz commodo para regular a compressaõ.
, e se deixará ficar a planta neste estado vinte e quatro horas, pondo hum pezo competente sobre a taboa superior.
Terminado este tempo, mudar-se-ha a planta de papel e papellaõ, pondo-a em outros enxutos da mesma qualidade, e do mesmo modo que se practicou na primeira operaçaõ; depois metter-se-ha assim entre as taboas, que devem agora ser mais apertadas do que na primeira vez, e se deixaraõ ficar assim apertadas e carregadas dois dias sem lhes bulir. Passados estes, mude-se novamente a planta de papel, e metta-se no meyo de seis folhas de papel pardo collado (n. 2º) ou entre duas folhas de papellaõ; comprima-se neste estado entre as taboas, e deixe-se ficar ainda mais dois ou tres dias apertadas. Se depois de ter passado este tempo, se observar ainda [p. 466] na planta alguma humidade, mudar-se-ha de papel athe nos parecer que está secca
Assim como ha plantas que basta mudalas duas vezes de papel para ficarem seccas, ha taõbem outras que precizaõ de ser mudadas ao menos seis vezes para perderem a sua humidade; as que saõ succulentas precizaõ de ser mudadas de papel mais a miudo, e requerem huma dessiccaçaõ tanto mais accelerada, quanto maior he a abundancia dos seus succos.
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Depois que as partes da planta tiverem perdido a sua flexibilidade por meyo das operaçoẽs feitas no papel pardo e papelloẽs, e que nos parecerem estar seccas, passar-se-ha a dicta planta a huma folha de papel branco (n. 3º), e se deixará ficar nelle ainda alguns dias a fim de perder completamente a humidade, que nos pode ter escapado de perceber. Terminada assim a dessiccaçaõ por-se há a planta em huma folha de papel branco competente (n. 4º), e nelle se firmará o seu tronco, ramos, e ainda mesmo as folhas maiores, com fittinhas, ou pequenas tiras estreitas de papel pegadas com colla de peixe

Alguns naõ usaõ das tiras de papel, ou pedacinhos de fitta, e collaõ na folha todo o corpo da planta com colla de peixe; mas este modo naõ deixa o papel taõ aceado como o sobredicto. Os organos da fructificaçaõ, que convem de ajuntar (sendo possivel) a cada planta, devem ser dessiccados á parte, e se collaraõ depois, ao lado da planta a que pertencem.
; depois disto no cimo da pagina, a que a planta ficar preza ou apegada, escrever-se-ha o seu nome generico e trivial, segundo o systema botanico que se houver de seguir; na pagina fronteira ou seguinte escrever-se-ha a descripçaõ analytica e historica (concisamente)
A descripçaõ historica trabalhada em toda a extensaõ, de que he susceptivel, deve ser feita em cadernos separados, por naõ fazer os hervarios demasiadamente volumosos.
, e acabado todo este trabalho [p. 467] passar-se-ha a planta ao lugar competente do hervario, ou a huma boceta quadrangular, no cazo que naõ haja ainda o numero sufficiente de plantas para começar a fazer hum hervario methodico.

Tanto que se houver dessiccado do modo sobredicto hum certo numero de plantas sufficiente para começar a fazer hum hervario, distribuir-se-haõ me thodicamente, isto he, por-se-haõ todas as congeneres seguidas successivamente

No cazo que se hajaõ dessiccado algumas variedades, terse-ha o cuidado de as por immediatamente depois da sua especie respectiva.
; os Generos
Os generos de cada ordem, que tiverem mais affinidade, devem ficar approximados.
seraõ dispostos na Ordem competente, e as Ordens na sua Classe respectiva, segundo o Systema que se adoptar. Depois disto cozer-se-haõ as folhas em cadernos, e se formaraõ com elles differentes brochuras
As brochuras (do Franc. brochure) saõ, como ja indiquei, livros somente cozidos, e levemente apertados; as suas folhas naõ foraõ batidas nem aparadas, e se usaõ assim em Franca cobertos com huma capa de duas folhas de papel colladas.
com as paginas todas numeradas, e hum indice no fim que contenha os nomes dos generos por ordem abecederia, e citaçoẽs das paginas, em que elles se achaõ: por-se-haõ alem disso nas capas ou pastas das dictas brochuras os nomes das classes e ordens das plantas que contem; as brochuras assim preparadas metter-sehaõ dentro de bocetas ou caxas feitas de pao de tilha, as quaes se devem pôr emfim dentro de hum armario collocado em huma caza que naõ seja humida.
Na face anterior das bocetas collar-se-ha hum pedacinho de papel, e nelle se escreverá a classe, e ainda mesmo as [p. 468] ordens das plantas que dentro contem. Os que quizerem ter hum armario capaz de conter ao menos seis mil plantas
Elle podera conter dobrado numero de plantas, se lhe derem dobrada largura da que proponho aqui, como se entende facilmente.
classadas segundo o systema de Linneo pode-lo-haõ mandar fazer do modo seguinte.

O vaõ, ou espaço interno do armario deve ter de altura cinco pés e dez pollegadas (medida de Paris), quasi dois pés de largo, e pouco mais de hum pé de fundo. Repartir-se-ha este vaõ em duas metades iguaes ao alto por meyo de duas taboas aprumadas, formar-se-haõ nas dictas duas metades vinte e quatro parteleiras por meyo de travessas ou taboinhas horizontaes da grossura de meya pollegada. No lado direito haveraõ onze parteleiras e dez travessas. Cada huma destas parteleiras he destinada a receber as bocetas de plantas relativas a cada huma das vinte e quatro classes do systema mencionado, e devem ter mais ou menos pollegadas de altura, segundo o menor ou maior numero de vegetaes que costumaõ ter as dictas classes. A sua destribuiçaõ e altura adequada deve ser da maneira seguinte.

[p. 469] Numero, disposiçam, e altura das parteleiras DO ARMARIO destinado a conter as plantas seccas. Parteleiras do lado esquerdo. Parteleiras do lado direito.

A da classe I. tera 2 pollegadas.

II......3

III....6

IV .......5

V ........ 14

VI .......... 6

VII............2

VIII..........3

IX........2

X.......7

XI.........3

XII.........5

XIII......6

A da classe XIV. terá 10 polegadas.

XV...5

XVI..... 4

XVII.....8

XVIII ..... 3

XIX....12

XX.....3

XXI.......5

XXII.......5

XXIII.......3

XXIV.........7

64 + 6
As addiçoẽs 6 e 5 saõ relativas ás pollegadas, que devem occupar as travessas das parteleiras. Vej. a Estampa XXXI.
65 + 5
As addiçoẽs 6 e 5 saõ relativas ás pollegadas, que devem occupar as travessas das parteleiras. Vej. a Estampa XXXI.
70 70
[p. 470]

Este armario sera fechado com duas portas correspondentes aos dois lados sobredictos, e em cada huma dellas se poraõ tantos lettreiros quantas forem as parteleiras do seu lado. Cada lettreiro deve conter o nome de huma das vinte e quatro classes do systema de Linneo, ser escrito com lettras bem legiveis, e collado exactamente defronte da parteleira, que deve conter a boceta notada com outro lettreiro semelhante.

Reclusas as pantas seccas nas bocetas, e estas nas parteleiras respectivas do Armario construido do modo que fica exposto, naõ havera difficuldade alguma em achar dentro de poucos minutos huma planta que dezejamos mostrar. Supponhamos por ex. que quero mostrar a hum Botanico a Cleonia lusitanica; se me esqueço da classe, consulto o Genera plantarum de Linneo, e pelo index venho em continente a conhecer que esta planta pertence á Didynamia; lanço por conseguinte a vista sobre os lettreiros collados nas portas do armario

Pode-se abbreviar ainda esta pesquiza procurando directamente a Didynamia gymnospermia nos lettreiros postos na face anterior das bocetas, no cazo que sejaõ escritos com lettras taõ grandes, como as dos lettreiros das portas do armario; demais disso hum pouco de uso bastará para fazer derepente lançar maõ da boceta relatira à classe e ordem que buscamos.
, e vejo que a classe Didynamia se acha no cimo da porta do lado direito, posiçaõ que corresponde fronteiramente à primeira parteleira de cima, situada no predicto lado; tiro della a boceta que tem o lettreiro (Didynamia gymnospermìa), e procuro nos indices dos livros, que ella contem, a palavra Cleonia; [p. 471] achada ella, busco a pagina pela citaçaõ, e mostro a planta. No cazo que tenhamos mostrado quinze ou vinte plantas de classes differentes, e queiramos tornar a por em seu lugar as brochuras e bocetas, que por descuido tivermos deixado sobre alguma meza, cadeiras, &c, a operaçaõ sera ainda mais facil;, os lettreiros das capas ou pasta das brochuras faraõ reconhecer as bocetas a que pertencem, visto que estas tem outros semelhantes, e os das bocetas confrontados com os lettreiros collados na portas do armario indicaraõ as parteleiras, em que as dictas bocetas devem ser collocadas.

Fim do Tomo primeiro.

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