Dicionário Histórico de Termos da Biologia

Anatomia do Corpo Humano

SANTUCCI, Bernardo

[Pág. Título] ANATOMIA DO CORPO HUMANO , RECOPILADA COM DOUTRINAS Medicas, Chimicas, Filosoficas, Mathematicas, com Indices, e Estampas, representantes todas as partes do corpo humano, Dividida em tres Livros, E DEDICADA AO MUITO ALTO, E MUITO PODEROSO REY DE PORTUGAL D. JOAÕ V NOSSO SENHOR, POR BERNARDO SANTUCCI, NATURAL DE CORTONA, MESTRE em Artes, e Doutor em Medicina pela Universidade de Bolonha, Medico da Serenissima Violante Beatriz de Baviera, Graõ Princeza de Toscana, e Lente Regio da Cadeira de Anatomia no Hospital Real destas Cidades de Lisboa. LISBOA OCCIDENTAL, Na Officina de ANTONIO PEDROZO GALRAM, M DCC XXXIX. Com todas as licenças necessarias, e Privilegio Real. [p. não numerada 1]

Hoc disecta libro, longum servare per Evum Integra in humano corpore membra docent.

[p. não numerada 2]
SENHOR.

COSTUME he antigo de todos os Escritores elegerem para as suas Obras Protector, que só com o respeito do seu nome as possa defender [p. não numerada 3] das censuras, a que se expoem quando sahem a luz; e nesta eleiçaõ achaõ muitas vezes embaraço, oppondo-se de huma parte o agradecimento e a razaõ da outra. Pede a razaõ por parte das Artes, e Sciencias, que se dediquem os Livros dellas àquelles, a quem se deve o bom progresso no seu estudo; o agradecimento insta, que se consagrem os Escritos a quem tomou debaixo do seu patrocinio o Author delles, e que valha para reparo da censura, quem foy amparo da pessoa. Porém deraõ as mãos entre si a razaõ, e o agradecimento para me obrigarem à offerta, que a V. Magestade faço deste Livro, que a razaõ, e o egradecimento me persuadiraõ a escrever, quando V. Magestade me fez mercé de elegerme para ler huma Cadeira de Anatomia, logo me considerey obrigado a divulgar em utilidade de todos os vassallos de V. Magestade os meus estudos, para que naõ só os que me ouvem se aproveitem delles, mas ainda aquelles, que me naõ pòdem ouvir, tambem se utilizem. Este he o unico final, que dou do muito, que desejo desempenharme da obrigaçaõ, em que V. Magestade me poz; este o unico, que posso dar, de que està presente no meu animo a mercé, que a Real clemencia de V. Magestade me fez. Os Monarchas quando [p. não numerada 4] fazem huma mercé se obrigaõ a muitas, e por isso costumaõ allegar os vassallos por serviço aquillo, que recebem por premio. Eu tambem das mercés, que V. Magestade me tem feito, faço agora degraos para subir à esperança de me fazer outra, que he receber benignamente o offerecimento, que prostrado aos pés de V. Magestade lhe faço deste Livro, que he o primeiro parto do meu entendimento, que sahe a luz, e delle a pòdem tomar a Cirurgia, e Medicina, que sem as demonstraçoens de Anatomia, que nelle se achaõ: andaõ como às escuras, e facilmente erraõ; por isso tambem se faz de alguma sorte digno do amparo de V. Magestade, a quem as Artes, e Sciencias devem tanto neste Reyno, e com o seu favor tanto florecem nelle as letras, que seria hoje inveja de Athenas, e da antiga Roma. E se tambem o favor de V. Magestade me incitou a escrever, elle me darà animo para continuar, porque sempre o favor dos Principes influîo nos coraçoens espiritos grandes. Deos guarde a Pessoa de V. Magestade.

O Doutor Bernardo Santucci.
[p. em branco] [p. não numerada 5]
AO LEITOR.

CONHECENDO eu a variedade dos juizos, que os homens fazem em qualquer materia, e que huns reprovaõ aquillo mesmo, que outros muitos, e ainda os mais scientes approvaõ, naõ deixo de recear oque pòde succeder a esta minha obra. Alguns haverá, que a desprezem, e a tenhaõ por cousa escusada. Diraõ estes, que atèqui curáraõ sem noticia, e conhecimento Anatomico, e que nao he necessaria a Anatomia para o curativo, sendo bastante a boa Filosofia, e as boas Theoricas com a pratica dos remedios; mas a isto responde Baglivio, onde trata dos impedimentos, que os Medicos tem para a boa Medicina, e diz:

Bagliv. lib. 1 impedim. 2 parag. vi. pag. 15.
Errant qui putant, se morbos feliciter curaturos, quia doctrinam rectè theorizandi adamussim callent. Errant, inquam, quia Medicus ad multò [p. não numerada 6] altiora respicere debet, ut innocentem artem à calumniis vindicet, aegrosque à morborum tædio ad salutis tranquillitatem revocet. Cadavera hominum morbis de natorum secanda sunt ei, manusque inquinandæ, ut inveniat, quæ morbi sit sedes, quæ causa, qui exitus antecedentium symptomatum, &c.

Quer dizer: Erraõ os que imaginaõ, que haõ de curar com felicidade as doenças, porque sabem muito bem a Theorica da Medicina; erraõ, digo, porque o Medico deve saber muito mais para livrar de calumnias a Arte innocente, e para dar saude aos enfermos; devem-se abrir os cadaveres dos que morreraõ por causa de alguma enfermidade; e naõ duvide o Medico manchar as suas mãos para achar a parte em que estava a raiz do mal, e conhecer a sua causa, o exito dos symptomas antecedentes.

Pois se a Anatomia aperfeiçoa a mais solida Medicina, mostrando a origem dos males, as suas causas, e o modo com que se geraõ, das quaes cousas se tiraõ as indicaçoens para escolher os remedios; quem póde duvidar, que he huma arte util, e necessaria a todo o Medico; porque a Medicina naõ consiste só na applicaçaõ dos remedios, mas tambem na consideraçaõ dos [p. não numerada 7] sinaes, em investigar as causas, e nas indicaçoens, que se tiraõ à priori, para tudo o que he preciso o conhecimento da Economia dos animaes, e por conseguinte, huma perfeita noticia da estructura das partes solidas, e da natureza dos fluidos, que se preparaõ nas entranhas, no estado em que o corpo está saõ.

E porque o Medico naõ só deve conservar o mesmo corpo no estado natural, mas tambem tirarlhe os impedimentos, que tem para a conservaçaõ da saude, e os effeitos das causas morbosas; daqui se infere, que o bom Medico Pratico, como diz Malpighio

Malpighio obra posthuma, p 311.
, deve saber a organizaçaõ natural por meyo da Anatomia, e os productos morbosos, mediante a abertura dos cadaveres.

He sentir de Blancardi

Blancardi in præfatione Anatom. ad Lectorem.
, que a Anatomia he utilissima para a Medicina, e o mostra com muitas authoridades, especialmente de Galeno, cujas palavras transcreve: Quomodo enim morbos curet Medicus, inquit Galenus, si Anatomes fuerit rudis?
Galen.
Tambem o citado Malpighio na sua Obra posthuma confirma o que os mais DD. dizem sobre a necessidade da Anatomia, conformando-se com a doutrina de Galeno, em que attesta, relatando, que antigamente a [p. não numerada 8] Anatomia era exercitada, naõ só dos Filosofos, mas daquelles, que principiavaõ os estudos da Medicina, e isto desde a puericia, e antes dos mais Tratados; porque na lembrança della lhe ficasse clara a applicaçaõ do remedio: Ne dissecandi rationes cuiquam sic edocto memoriâ exciderent, non magis erat metuendum, quam ne vocis elementa scribere obliviscerentur ii, qui ab ineunte ætate ipsa didicissent.
Malp. p. 281. Galen. in lib. 2. principio de administrat Anat. pag. 247.

Persuade-nos o referido Malpighio com as authoridades de Hippocrates

Hippocrat. sect. I. p. 1 Malp. eodem libro p. 537.
, que he necessaria a saberse a Economia do animal, a qual provém da mecanica dos corpos solidos de diversas figuras, e da actividade dos fluidos: Cæterum & hæc cognoscere oportere mihi videtur nimirum, quæ affectiones homini ex facultatibus, ac potentiis, quæ item ex figuris adveniunt. Quod autem dico tale est; neque facultatem quidem esse, humorum summas vires, ac robur nosse. Figuras autem dico, quæ in ipso homine insunt; aliæ enim causæ sunt, & ex amplitudine in arctum coactæ, & aliæ expassæ, aliæ solidæ, & rotundæ, aliæ latæ, & pensiles, aliæ externæ, aliæ longæ, aliæ densæ, aliæ spongiformes, &c.

Conheceo o mesmo Hippocrates ser [p. não numerada 9] necessaria a Anatomia a hum bom Medico, dizendo elle mesmo, que nunca persuadiria aos Medicos, aos enfermos, e aos homens de juizo, que o conhecimento de toda a natureza, e dos inventos da Arte seja superfluo: Nunquam persuadebit Medicis, infirmis, nec hominibus ratione præditis superfluam esse bono Medico cognitionem totius naturæ, & inventorum Artis.

Hipocr. in Malpig. pag. 339.
Nestas palavras dá a entender a necessidade, que temos de saber ainda a estructura das partes, que saõ menores, dizendo: Totius naturæ.

Tem qualquer na profissaõ, que exercita, a obrigaçaõ de saber o que lhe he necessario; e por isso Galeno diz, que especialmente os Cirurgioens, deixando as cousas menos necessarias, façaõ diligencia para saber o que lhe he necessario para a tal arte:

Galen. in lib. 2. de administrat. Anatom. p. 250.
Quamobrem adortor juvenes relictis in præsentia cerebri, cordis, linguæ, pulmonis, jecinoris, lienis, renum dissectionibus, prius ediscant, quali brachium, scapulæ, & cubitus connexu delingentur; quomodo rursus alia artuum membra singula, quinam musculi ea moveant; qui nervi, quæ arteriæ, & venæ, quamque partem intercurrant. Atque ob id ipsum manus, & cruris anatomicas administrationes aliis omnibus præposui, quod ad ea, quæ [p. não numerada 10] quæ tum usui hominum necessario, tum arti maximè conducunt ire primum Juvenes operæ pretium sit. Deinde verò quòd eundem disciplinæ ordinem Commentariis de usu partium observent. Quod opus non minus Philosophis, quam Medicis utile existit.

Com que, he preceito de Galeno, que os moços estudantes, por boa direcçaõ nos seus estudos, primeiro se appliquem ao Tratado dos musculos, dos nervos, e dos vasos, que estaõ no ambiente externo do corpo, e depois estudem aquella Anatomia das entranhas com a mesma ordem, que elle mesmo ensina nos seus livros de usu partium: e conclue, que este trabalho he util, naõ só aos Filosofos, mas tambem aos Medicos.

Tambem Pedro Dionis corrobora estas authoridades, dizendo, que a Sciencia Anatomica he muito util, e de fruto a todos os homens, e principalmente àquelles, que exercitaõ a Medicina, e Cirurgia; e que querendo negar isso, he o mesmo, que negarse de naõ ser Medico, e da mesma faculdade, sendo esta a base, e fundamento da Medicina; e que absolutamente he impossivel, que se cure nenhum mal, e que os Cirurgioens façaõ nenhuma obra, sem que primeiro conheçaõ a parte molestada. As suas [p. não numerada 11] palavras saõ: Scientia Anatomica, quibusvis hominibus adeò utilis est, ac fructuosa, iis præsertim, qui Medicinam, & Chirurgiam exercent, ut hanc negligere nequeant, quin professionem suam penitús abdicent, cúm ea hujus basis, & fundamentum sit, & absolutè, impossibile sit, ut ullum unquam norbum curent, nec ullam faciant operationem, nisi priús afflictam partem cognoverint.

Petri Dion. in Anatom. pag. 116.

Considera, Leitor, para melhor conhecimento desta verdade, quanto os modernos tem descuberto por meyo da Anatomia, e confessarás então, que estes reformáraõ as Theoricas, e mudáraõ em parte a Pratica. Estes dispuzeraõ a serie dos males, segundo a economia do corpo, seguindo a passagem do mantimento mudado em chylo, do chylo mudado em sangue, do sangue separado em diversas entranhas, da bile, do succo nerveo, e outros fluidos separados do sangue, expondo varias mutaçoens morbosas, que succedem nesta economia, e deduzindo destas à priori as indicaçoens, as quaes tem procurado satisfazer, propondo remedios conhecidos à priori, e posteriori.

Pois naõ he pouco o que tem descuberto os modernos por meyo da Anatomia, como a estructura do coraçaõ, e o seu uso, a [p. não numerada 12] circulaçaõ do sangue, o movimento da arteria, o uso das veas. A existencia dos vasos lymphaticos, o seu licor, a sua propagaçaõ, o seu termo, e a vea axillar, as veas lacteas, e o seu progresso, a estructura do figado com o seu novo uso, e movimento da bile, a estructura, e vasos das Parotidas com o seu uso. A existencia das glandulas do Paladar, e da Traca, a composiçaõ do cerebro, que necessariamente separa hum fluido, que se mete nos nervos. A estructura dos rins, as glandulas, que se chamaõ succenturiadas, a existencia das papillas da lingua para o gosto, a existencia das papillas cutaneas para o tacto. A estructura glandulosa do ventriculo, e suas ordens de fibras, a estructura das glandulas chamadas Conglobadas com o seu uso. A via do suor, e da transpiraçaõ, a geraçaõ dos óvos nos animaes viviperos. As tracas, e os bofes nos insectos, nas plantas, e nos animaes imperfeitos, a respiraçaõ nos viventes. A estructura dos bofes, e dos musculos, e muitas cousas, que se descubriraõ no orgaõ do ouvido, e da vista, e em outras partes do corpo humano: donde se vê quanto descobriraõ os modernos.

Não tinhaõ os antigos esta luz, andavaõ muito às escuras: vemos isto considerando [p. não numerada 13] em especie os rins, os quaes para com os antigos eraõ entranhas feitas de carne, as quaes por sympatia propria attrahiaõ a sorosidade da vea Cava, por meyo das Emulgentes para a sua nutriçaõ.

Os modernos dizem, que os rins saõ hum aggregado de glandulas milhares, das quaes nascidos os vasos excretorios, aperfeiçoaõ o corpo, que a estas glandulas se manda o sangue das arterias, e dos seus meatos, e bocas se separa, ou cahe a agua cheya de saes, e de partes volateis, e que o restante do sangue pelas veas torna dos rins ao coraçaõ.

Se do figado diziaõ os antigos, que feita a alteraçaõ pela faculdade natural, mediante a propria carne, se gera o sangue para todo o corpo, do chylo introduzido pela vea Porta: e por quanto de qualquer decocçaõ, que se faz, sahem dous generos de excrementos, hum crasso, e outro tenue, por isso a bile, como excremento crasso, vay aos intestinos, e fica o soro com o sangue.

Segundo os modernos, o figado he huma glandula composta de quasi innumeraveis follesinhos, pela porosa estructura dos quaes a bile se separa do sangue, que se introduz pela vea Porta, e arteria Celiaca. A bile he [p. não numerada 14] fermento util, e necessario, que se separa pelo proprio vaso, que he o póro Biliario, e vay para os intestinos tenues, e o seu uso he diminuir, e attenuar as particulas do chylo, e mudar a uniaõ das partes minimas do mesmo chylo, como se dirá no seu lugar.

Naõ saõ estes descobrimentos da Anatomia uteis à Medicina com a industria dos modernos? Naõ se vê claramente a diversidade, com que se explicaõ? Naõ se conhecem differentes usos daquelles, que imaginavaõ os antigos? E essa noticia pòde duvidarse, que seja de grande utilidade a Theorica, e as curas, que devem fazerse? Quantos caminhos se vem descubertos para achar remedios, sabendo-se as taes novas estructuras, e os taes usos. Finalmente, pòdemse agora remediar muitos males, que os antigos naõ podiaõ.

Naõ me dilato mais em provar a necessidade da Anatomia para o estudo, e pratica da Medicina, porque todos os Authores antigos, e modernos dizem o mesmo, que eu digo; cuja verdade se reconhece em todo o Mundo. Pois naõ ha Principe amigo das Sciencias, que naõ remunère esta com especialidade, e precedencia às mais, naõ só em razaõ do laborioso exercicio de quem a [p. não numerada 15] aprende, mas por ser hum inomitivel principio para constituir pericia no Medico, e Cirurgiaõ.

Na mente do nosso Monarcha, a quem nenhum excede no amor das Sciencias, se acrysolou tanto esta verdade, que para evitar o teimoso despreso de Cirurgioens perguiçosos, de seu motu proprio, e por Real Decreto os constitùe inhabeis para o uso da sua Sciencia, sem que preceda huma approvaçaõ Anatomica.

Este o fundamento, que tive para no idioma Portuguez, e naõ na lingua Latina, entendida de poucos, e aquella de todos, lhe dar ao prélo esta recopilaçaõ mais breve, e clara, que me foy possivel, seguindo o dictame de muitos DD. omittindo nella as questoens, argumentos, e algumas observações feitas pelos AA. Anatomicos, porque isso seria huma Anatomia completa, alheya do meu intento, que em especial se dirigio a emendar as postillas, que os Estudantes conservaõ, e mandaraõ fóra do Reyno com erros: além de que, sendo todo o meu fim imprimir este livro só em beneficio do publico, sem razaõ fora desaproveitar a utilidade, difficultando pelo idioma a intelligencia dos documentos, por naõ me [p. não numerada 16] sacrificar ao rigor das censuras.

Divide-se esta Obra em tres Livros: o primeiro trata das partes em geral, e de cada huma das entranhas em particular. O segundo dos ossos. O terceiro dos musculos. Para mayor clareza, e melhor conhecimento de tudo, se veraõ nos ditos livros abertas com muito primor as figuras, que representaõ as mesmas partes, que se explicaõ, e se devem conhecer distinctamente.

[p. não numerada 17]
PRIVILEGIO

DOM Joaõ por graça de Deos Rey de Portugal, e dos Algarves, dàquem, e dàlem mar, em Africa Senhor de Guinè, &c. Faço saber, que o Doutor Bernardo Santucci me representou por sua petiçaõ, que elle estava imprimindo o Livro intitulado Anatomia Recopilada: e como a compozesse com trabalho de muitos amnos, e agora para a impressaõ della tinha feito hum grave dispendio por levar dezoito estampas muito flnas, àlem de que seria difficultoso ao Supplicante recuperar o seu importe, em razaõ de ser impresso na lingua Portugueza, e assim só poderia ter consumo nestes Reynos, a cuja utilidade o Supplicante sómente attendera, por cujas razoens, me pedia lhe fizesse mercè conceder Privilegio para que por tempo de dez annos ninguem pudesse imprimir o dito Livro, com as penas costumadas. E visto o que allegou, e reposta do Procurador de minha Coroa, a que se deu vista, e naõ teve duvida: Hey por bem de conceder ao Supplicante o Privilegio de que faz mençaõ, por tempo de dez annos [p. não numerada 18] para que durante esses nenhum Impressor, Livreiro, ou outra alguma pessoa possa imprimir, vender, nem mandar vir de fóra o Livro referido, sem licença do Supplicante sob pena de perder todos os volumes, que lhe forem achados para o mesmo Supplicante, e de pagar cincoenta cruzados, metade para o accusador, e a outra para minha Camera Real. E esta Provisaõ se cumprirà como nella se contèm, que valerà, postoque o seu effeito haja de durar mais de hum anno, sem embargo da Ordenaçaõ do liv. 2 tit. 40. em contrario. E pagou de novos direitos quinhentos e quarenta reis, que se carregáraõ ao Tesoureiro delles a fol. 303. vers. do liv. 1. de sua Receita, e se registou o conhecimento em fórma no liv. 1. do Registo Gèral a fol. 24. Vers. ElRey nosso Senhor o mandou por seu especial mandado pelos Dezembargadores Antonio Teixeira Alvares, e Bento Coelho de Sousa, ambos do seu Concelho, e seus Dezembargadores do Paço. Joseph da Maya e Faria o fez em Lisboa Occidental a onze de Novembro de mil setecentos e trinta e oito annos: de feitio desta duzentos reis. Gaspar Galvaõ de Castello Branco a fez escrever.

Antonio Teixeira Alvares. Bento Coelho de Sousa.
[p. não numerada 19]
LICENÇAS.
DO SANTO OFFICIO.

APPROVAÇAÕ DO R. P. M. Fr. Joseph Pereira de Santa Ama, Jubilado na Sagrada Theologia, e Doutor na mesma Faculdade pela Universidade de Coimbra, Definidor actual desta Provincia de Portugal, e Qualificador do Santo Officio.

EMINENTISSIMO SENHOR.

Vi por ordem de V. Eminencia o Livro intitulado: Anatomia Recopilada, que compoz, e quer imprimir Bernardo Santucci, Mestre em Artes, e Doutor pela memoravel Universidade de Bolonha; sugeito de modo consummado nas sciencias de sua profissaõ, que no Hospital Real desta Corte, por determinaçaõ Regia, dignamente occupa a honorifica Cadeira [p. não numerada 20] de Anatomia. Para nella ser admittido, bastou a commua, e invariavel opiniaõ, que havia do seu grande talento, e boa capacidade. Mas naõ deixou de ser favoravel, e credora de agradecimento a eleiçaõ, que o nosso prudentissimo Monarca fez de sua pessoa para o tal emprego, segundo o que o mesmo Author affirma na bem formada Dedicatoria do Livro. Com tudo, se o Livro, antes daquella eleiçaõ, houvesse sahido a publico, creyo, que pelo merecimento delle, julgariaõ todos effeito da justiça, o que o discreto Author com os olhos no seu authorisadissimo Mecenas protesta ser producçaõ de sua Real clemencia. Em remuneraçaõ daquella graça, que agora se qualifica premio, escreveo este avultado compendio de doutrinas Medicas, Chymicas, Filosoficas, e Mathematicas, bastantes a fazer evidente, que entre todos os Anatomicos, elle se constituîa o mais benemerito da presidencia. Delle se podia agora affirmar, o que em mais antigo tempo creraõ erradamente os Cretenses do seu fingido Apollo, a quem muitos dos melhores Poetas reconheceraõ inventor da Medicina. Na falta de curativos para algumas infermidades, que desconhecidas dos professores da Arte, [p. não numerada 21] tiravaõ irremediavelmente as vidas dos habitantes de Creta, conseguiraõ por mediaçaõ de Minerva, descesse da sua superior esfera àquelle Reyno Apollo; o qual penetrando as entranhas, e mais partes interiores dos corpos humanos, lhes foy applicando os remedios competentes às experimentadas queixas de modo, que por beneficio de suas verdadeiras doutrinas se acharaõ inteiramente restituìdos da sua perdida saude. Daqui resultou clamarem todos dizendo: Morbus præcessit: Salus autem appropinquavit.

Carl. Vanchort. tr. 2. concr. 21.
Igualmente gratos ao nosso benefico Monarca, devemos em obsequio seu repetir o mesmo clamor; por ser o medianeiro de merecerem os seus Vassallos a assistencia de hum Mestre taõ perito na Anatomia, que por ensinar o modo de se conhecer dentro das entranhas dos cadaveres as enfermidades dependentes de semelhantes observaçoens, consegue neste Paiz, naõ as reprovadas idolatrias, que os Cretenses offereciaõ a Apollo; mas as devidas estimaçoens de Peregrino. Da parte do Levante, onde em ordem a nòs, se demarca a Italia, desceo a Portugal, que lhe fica ao Poente: de Cortóna à Cidade de Lisboa, e finalmente deixou a Patria para brilhar em terra estranha. [p. não numerada 22] A mayor parte daquelles grandes Mestres, que em differentes Artes, e sciencias conseguiraõ o decoroso titulo de Principes, deixáraõ as esferas do seu nascimento para praticarem, e escreverem as suas doutrinas, onde eraõ estrangeiros. Taes foraõ Pythagoras, Virgilio, Terencio, e outros famosos homens. Á imitaçaõ delles veyo este Sabio a escrever, e ensinar a Anatomia em Paiz alheyo para poder entrar no numero dos melhores. Mas se pelo nascimento he de Paiz estranho, na propriedade dos termos, e fecundidade com que no nosso idioma escreveo, paresse legitimo Portuguez. Pela naturalidade do fallar, facilmente persuadirà que desde o berço teve o exercicio da nossa locuçaõ. Mas nada tanto o acredita, como a pureza com que escreve; porque em todo o Livro, naõ ha cousa alguma, que offenda a nossa Santa Fé, e bons costumes. Por tanto, he esta obra merecedora da licença que seu Author supplica para a imprimir. Carmo de Lisboa Occidental 1. de Julho de 1738.

Doutor Fr. Poseph Pereira de Santa Anna.

[p. não numerada 23]

Vista a informaçaõ, pòde-se imprimir o Livro de que se trata, e depois de impresso tornarà para se conferir, e dar licença que corra, sem a qual naõ correrà. Lisboa Occidental o 1. de Julho de 1738.

Fr. R. Lancastre. Sylva. Soares. Abreu.

DO ORDINARIO.

POde-se imprimir o Livro de que se trata, e depois de impresso tornarà para se conferir, e dar licença para que corra. Lisboa Occidental 3. de Julho de 1738.

Gouvea.

DO PAÇO.

APPROVAÇAÕ DO DOUTOR Francisco Xavier Leitaõ, Medico da Camera Real, Academico do numero da Academia da Historia Portugueza, e Cirurgiaõ Mòr do Reyno, &c.

SENHOR

ESte Livro, que V. Magestade me mandou ver, he huma recopilaçaõ da Anatomia, em que seu Author o [p. não numerada 24] Doutor Bernardo Santucci com boa ordem, muita clareza, e estylo facil nos dà a conhecer huma Arte, sem a qual nem ha Medico douto, nem Cirurgiaõ perito. Desejava-se huma Anatomia em Portuguez, para que a pudessem aprender os nossos Cirurgioens pela mayor parte romancistas. Esta utilidade consegue agora o publico com esta Obra, que naõ só merece a licença, que pede para se imprimir, mas que todos a louvem, e a estimem. V. Magestade mandarà o que for servido. Lisboa Occidental 31. de Julho de 1738.

Francisco Xavier Leitaõ.

QUe se possa imprimir, vistas as licenças do Santo Officio, e Ordinario, e depois de impresso tornarà à Mesa para se conferir, e taxar, que sem isso naõ correrà. Lisboa Occidental 7. de Agosto de 1738.

Pereira. Coelho.

[p. não numerada 25]

Visto estar conforme com o ogirinal pòde correr. Lisboa Occidental 27. de Janeiro de 1739.

Fr. R. Lancastre. Teixeira. Cabedo. Soares. Abreu.

Visto estar conforme com o original pòde correr. Lisboa Occidental 30. de Janeiro de 1739.

Gouvea.

Taxaõ em papel este livro em tres mil reis, para que possa correr. Lisboa Occidental 4. de Fevereiro de 1739.

Pereira. Teixeira. Vas de Carvalho. Cardial. Coelho.

[p. não numerada 26] [p. não numerada 27]
EXPLICAÇAÕ DAS LETRAS DA ESTAMPA I.

Na Figura primeira se representa todas as partes externas do corpo humano, e se apontaõ as veas, que ordinariamente se mandaõ sangrar.

Testa.

Moleira.

Toutiço.

Fontes.

Garganta.

Cachaço.

Hombros.

Peitos.

Claviculas.

Lado, ou Ilharga.

Espinhela.

Regiaõ Epigastria.

Regiaõ Umbilical.

Regiaõ Hypogastria.

Hypocondrio direito.

Ilio direito.

Pubes.

Virilha direita.

Lombos.

Nadegas, ou nates.

Flexura do Cotovello.

Antebraço.

Collo da maõ, ou Carpo.

Costa da maõ, ou metacarpo.

Vola da maõ.

Dedo polegar.

Dedo mostrador.

Dedo do meyo.

Dedo Annular.

Dedo Auricular, ou pequeno.

Coxas, ou pernas.

Joelhos.

Poples, ou Curva da perna.

Canella da Perna, ou Tibia.

Barriga da perna, ou Sura.

Tornozello externo.

Tornozello interno.

[p. não numerada 28]

Collo do pè, ou Tarso.

Peito do pè, ou Metatarso

Calcanhar.

Vea Julgular externa.

Vea Mediana.

Vea Cefalica.

Vea Basilica.

Vea Salvatella da maõ esquerda.

Vea Saphena da Coxa, e do pè.

Figura segunda, representa varias ordens de Fibras.

Fibras Longitudinaes, e rectas.

Fibras transversas.

Fibras obliquas.

Fibras circulares.

Fibras angulares.

Fibras Spiraes.

Figura terceira, representa os vasos lymphaticos ligados juntamente com hum ramo de vasos de sangue.

Figura quarta, mostra hum musculo, e as suas partes.

Cabeça do musculo.

Cauda do musculo.

Ventre do musculo.

Figura quinta representa a fabrica da cute vista com o microscôpio.

Papillas.

Vasos debaixo da Cute.

Figura sexta, demostra huma porçaõ de cute com sua Epidermi, como apparece debaixo do microscôpio.

Figura setima, e oitava, representaõ dous cabellos, como se observaõ por meyo do microscôpio.

[p. não numerada 29] [p. não numerada 30] [p. não numerada 31]
ESTAMPA II.

Na figura primeira mostra-se as cuberturas commuas do corpo humano, e muitas partes da cavidade do Abdomen.

Cuticula.

Cute.

Membrana adiposa.

Parte do Peritôneo, que està cobrindo os intestinos pela parte do Hypogastrio, e da Pubes.

Vraco, que sae da Bexiga, e acaba no Embigo.

As duas Arterias ditas Umbilicaes.

Processos do Peritôneo.

Embigo.

Vea Umbilical.

Figado.

Baço.

Estomago, ou Ventriculo.

Espinhela.

Zirbo, ou Omento.

Vasos do Omento.

Intestino Colon.

Intestinos delgados.

Figura segunda, representa o ventriculo com os intestinos.

Orificio esquerdo do Ventriculo.

Fundo do Ventriculo.

Orificio direito do Ventriculo.

Vasos coronarios, com a primeira tunica do Ventriculo.

Parte do Isophago, cortado.

Os nervos do Isophago, e do Ventriculo.

Parte do Intestino Duodeno.

Intestino Jejuno.

Intestino Ileo.

[p. não numerada 32]

Valvula do Colon.

Appendicula Vermiforme.

Intestino Cego.

Intestino Colon.

Intestino Recto.

Sphincter do Ano.

Ano.

Musculos levatores.

Figura terceira, representa o ventriculo descuberto da primeira tunica externa, onde apparecem as diversas ordens das fibras, que tem a tunica do meyo.

Orificio esquerdo do Ventriculo.

Parte do Isophago, e as suas fibras circulares, que contrahindo-se o fechaõ, e apertaõ.

Orificio direito, ou Pylôro, com porçaõ do Duodeno.

Antro do Pylôro com as suas fibras circulares.

Fibras cìrculares, que estaõ à roda de todo Ventriculo.

Fibras Obliquas.

Mólho grande de fibras, que estaõ no alto do Ventriculo.

Parte superior do Ventriculo.

Parte inferior, ou fundo do Ventriculo.

[p. não numerada 33] [p. não numerada 34] [p. não numerada 35]
ESTAMPA III.

Figura primera representa a cavidade do peito, e do abdomen de hum corpo humano embalsamado, onde se vem no seu sitio o coraçaõ, ducto thoracico, mesenterio, e intestinos, e vasos de sangue, estas partes estaõ repletas de ceras de diversas cores.

Coraçaõ.

Vea cava descendente.

Veas Jugulares internas.

Veas Subclavias.

Aorta descendente.

Ducto thoracico.

Onde se divide o ducto thoracico.

Glandula lactea superior.

Os rins.

Glandulas mesentericas lacteas inferiores.

Huma porçaõ de intestino jejuno unido ao mesẽterio, onde apparecem varios raminhos de vasos de sangue.

Intestinos delgados.

Mesenterio, e seus vasos, e glandulas.

Veas, e arterias meseraicas, e vasos lacteos.

Septo do escroto, onde se vem vasos de sangue.

Figura segunda representa o Isophago, e faringe, o ventriculo, o pancrea, o baço, e a bexiga do fel, e seus ductos, e intestino duodeno.

Principio do [p. não numerada 36] isophago dito faringe com os seus musculos.

Isophago onde se mostra a primeira membrana.

Orificio esquerdo Cardias.

Orificio direito Pylôro.

Fundo do ventriculo.

Intestino duodeno aberto, se vê entrar os ductos da colera, ou bilis, e do pancreas por hum buraco só.

Ducto que escorre pelo comprimento do pancrea.

Glandulas do pancrea.

Ducto coledoco perto do intestino.

Cistifellea, ou bexiga do fel.

Ducto Cistico.

Ducto Epatico.

Ramos do Ducto Epatico.

Baço com suas arterias, e veas splenicas, que sahem do pancrea.

Tunica do baço levantada.

Substancia do baço.

Figura terceira demostra o figado pela parte concava, que olha para o estomago.

Parte direita do figado.

Parte esquerda.

Lobulo pequeno do figado.

Bexiga do fel.

Ducto Cistico.

Ducto Epatico.

Ducto commum.

Vea Cava.

Vea Porta.

Arteria Epatica.

Vea Umbilical.

[p. não numerada 37]

Ductos Epaticos, e Cisticos.

Vasos lymphaticos do figado.

Nervos do figado.

Figura quarta representa o figado pela parte convexa, que olha para o diaphragma.

Parte direita do figado.

Parte esquerda do figado.

Ligamento suspensorio do figado.

Vea Cava.

Fundo da bexiga do fel.

Figura quinta mostra o Diaphragma com os seus vasos.

Musculo superior.

Musculo inferior.

Parte tendinosa, ou nervosa, ou larga aponevrosis.

Buraco por onde passa o isophago.

Buraco, por onde passa a vea Cava.

Caudas do diaphragma, ou tendoens do musculo inferior.

Veas Diaphragmaticas.

Arterias Diaphragmaticas.

Nervos do Diaphragma.

Figura sexta representa os vasos deferentes do semen, e como passa das bexigas seminaes para a uretra.

Vasos deferentes do semen.

Parte larga dos vasos deferentes do semen.

Bexigas seminaes.

[p. não numerada 38]

Vasos das bexigas seminaes.

Prostratas.

Ductos das Prostratas abertos dẽtro da uretra.

Uretra aberta.

Buraquinhos do Gram hordaceo, ou Verumontano.

[p. não numerada 39] [p. não numerada 40] [p. não numerada 41]
ESTAMPA IV.

Na figura primeira representa-se as partes da geraçaõ dos homens, e os rins, vasos ureteres, e bexiga ourinaria.

Rins cõ a membrana externa cheya de vasos de sangue.

Rins succenturiados, ou glandulas atrabiliares, que estaõ pegados aos vasos.

Vea Cava ascendente.

Aorta descẽdente.

Veas Emulgentes.

Vasos ureteres.

Arterias Espermaticas.

Veas Espermaticas.

Bexiga ourinaria, e o seu fundo.

Collo, ou cervix da bexiga.

Vasos espermaticos, ou corpo pampiniforme.

Vasos, que sahem daquelles dos rins para os espermaticos.

Glandulas Prostratas.

Corpo nerveoesponjoso, ou coxas do membro.

Musculos erectores do membro viril.

Uretra cõ a parte esponjosa.

Vasos deferentes do semen.

Tunica vaginal.

Musculo Cremaster.

Testiculos.

Epididymi, ou Parastatas.

Glande do membro viril, e seu orificio.

Prepûcio aberto.

[p. não numerada 42]

Cuberturas do membro viril.

Vea grande, que corre pela parte superior do membro.

Ramos das Arterias Hypogastricas.

Ramos de veas Hypogastricas.

Nervos do membro viril.

A figura segunda representa a bexiga ourinaria aberta com as glandulas da uretra.

Fundo da bexiga.

Cervix da bexiga.

Vasos ureteres cortados.

Vasos deferentes.

Vasos, que vaõ às bexigas seminaes.

Bexigas seminaes.

Principio da uretra.

Caruncula seminal, ou Verumontano com dous buracos por onde sahe o semen.

Producçaõ aguda da caruncula seminal.

Glandulas Prostratas.

Ductos pequeninos das glandulas, que apparecem aos lados da caruncula.

Musculos acceleradores.

Glandulas conglomeradas, cujos ductos escorrem pelo cano da uretra.

Outros ductos, ou canos pequeninos, que entraõ na uretra.

Tunica do meyo dita esponjosa.

[p. não numerada 43]

Glande do membro, aberta pelo meyo.

Outros dous canosinhos, que apparecem na uretra perto do seu fim.

Orificios dos vasos ureteres, que entraõ para a cavidade da bexiga ourinaria.

Figura terceira mostra hũ rim aberto pelo meyo, onde se vê as carunculas, e a pelvi.

Substancia do rim.

Carunculas, ou papillas dos rins.

Vaso ourinario, ou pelvi.

Orificios de alguns vasos ourinarios.

Orificio, ou principio do vaso deferente, chamado uretere.

Vaso uretere.

Vasos emulgentes.

Figura quarta representa hum testiculo de hum caõ cortado pelo travès.

Testiculo.

Vasos seminarios.

Corpo Higmori.

Figura quinta representa outro testiculo de caõ descuberto.

Testiculo com seus vasos, e tunica albuginea.

Vasos cheyos de semen, que dispostos em tantas voltas fazem os Epididymidi, ou Parastatas.

Vasos de sangue [p. não numerada 44] chamados preparantes do semen.

Vaso deferente do semen ligado.

[p. não numerada 45] [p. não numerada 46] [p. não numerada 47]
ESTAMPA V.

Figura primeira mostra as partes, que servem para geraçaõ nas mulheres.

Arteria magna, ou Aorta descendente.

Vea Cava ascendente.

Veas emulgentes.

Arterias emulgentes.

Rins.

Vasos ureteres cortados perto dos rins, e perto da bexiga ourinaria.

Veas espermaticas.

Arterias espermaticas.

Arterias Iliacas.

Veas Iliacas.

Ramos das Arterias Iliacas internas.

Ramos das Arterias Iliacas externas.

Ramos das veas Iliacas internas.

Ramos das veas Iliacas externas.

Arterias Hypogastricas, que se espalhaõ para o utero, e sua bainha.

Veas Hypogastricas, que acompanhaõ as Arterias.

Arterias, q̃ vaõ à bexiga da ourina.

Veas, que acompanhaõ as Arterias da bexiga.

Fundo do utero.

Ligamentos redondos do utero.

Tubas Falloppianas.

Fimbrias folliaceas das Tubas.

Buracos das [p. não numerada 48] Tubas Falloppianas.

Ovarios.

Parte do intestino recto ligado com hum cordel.

Còllo do utero, onde se vem as anastomosis dos vasos.

Fundo da bexiga ourinaria.

Vasos de sangue, que se vem na bexiga da ourina.

Musculo sphincter, ou annular da bexiga ourinaria.

Clytoris.

Nymphas.

Orificio da uretra.

Beiços das pudẽdas.

Orificio da bainha do utero.

Figura segunda representa o utero, e sua bainha abertos pelo comprimento na parte posterior.

Substancia do utero nas virgens.

Ovarios.

Tubas Falloppianas.

Ligamentos largos do utero.

Ligamentos redondos do utero.

Bainha do utero, e suas rugas.

Novo ovario, que está na cervice do utero.

Meato, ou orificio da ourina.

Nymphas cõ muitas glandulas pequenas ditas sebaceas.

Beiços das pudendas.

Glande da clytoris.

Figura terceira mostra o utero aberto com a bainha aberta pela parte anterior.

Fundo do utero.

Cervix do utero.

Boca do utero.

Bainha do utero.

[p. não numerada 49] [p. não numerada 50] [p. não numerada 51]
ESTAMPA VI.

Figura primeira representa hum feto humano de cinco mezes, no qual apparecem varias partes, por meyo de balsamicas ceras, especialmente a sua circulaçaõ do sangue, que nos fetos he diversa.

Coraçaõ.

Orelha direita.

Arteria pulmonar.

Vea Cava descendente.

Onde se encurva a arteria Aorta, e acima sahe a arteria Subclavia esquerda.

Vaso breve, que se vê sair da arteria Pulmonar, indicada com a letra c. o qual entra na Aorta, passando trãsversalmente.

Arteria Aorta descendente, unida lateralmẽte à vea Cava ascendente.

Arterias, e veas Iliacas.

Arterias umbilicaes.

Uraco, que sahe do do fundo da bexiga ourinaria.

Vea umbilical.

Arteria meseraica superior, que vay aos intestinos.

Parte dos intestinos.

Arterias, e veas Cruraes.

Vide, ou funiculo, ou cordaõ.

Placenta, e seus vasos.

Onde se vê como o diaphragma reparte as duas cavidades.

Rim direito.

Vea Cava ascendente.

Arteria Carotida.

Vea Jugular.

[p. não numerada 52]

Figura segunda mostra o feto dentro do utero em chegando o ultimo mez da prenhez, como está no tempo, que devo sair a luz, e esta figura he do parto natural.

O utero aberto pela parte anterior, e separado da bainha, sua figura, fundo, partes lateraes, e boca, por onde ha de sair o feto.

Membrana Chorion.

Membrana Amnios.

Vaõ, ou espaço, que está repleto do humor como caldo, no meyo do qual está nadando o feto.

Placenta apegada ao fundo do utero.

Vide, ou cordaõ umbilical, que está fluctuando nas aguas, ou humor acima dito.

Figura terceira demostra o utero aberto pela parte anterior, e nelle o feto, como está até o tempo dos sete, ou oito mezes de prenhez.

Figura quarta faz ver como está o feto dentro das suas membranas, ou dentro do ovo.

[p. não numerada 53] [p. não numerada 54] [p. não numerada 55]
ESTAMPA VII.

Figura primeira representa a cavidade do peito, e suas partes, e aquellas do pescoço.

Coraçaõ dentro do Pericardio.

Bofes da parte esquerda.

Parte da vea Cava superior descendente.

Vea Cava inferior ascendente.

Arteria magna, que sahe do coraçaõ, e pericardio.

Arterias carotidas.

Orelha direita do coraçaõ.

Orelha esquerda do coraçaõ.

Nervos, que vaõ ao coraçaõ.

Parte carnosa do diaphragma, ou musculo superior.

Parte tendinosa, ou lata aponevrose do diaphragma.

Osso hyoyde no seu sitio natural.

Cartilagem scutiformis.

Traca arteria.

Musculos do osso hyoydes.

Arteria axillar direita.

Figura segunda faz ver toda a Traca humana, e suas partes, os bofes, coraçaõ, e seus vasos, quaes foraõ como petrificados pelas ceras balsamicas.

Cabeça da Traca dita larynx.

Tronco da Traca.

Epiglottis.

Musculos sternothyroides.

Musculos [p. não numerada 56] hyothyroides.

Glandulas thyroideas.

Musculos cricothyroides.

Lobos dos bofes.

Orelha direita do coraçaõ.

Vea Cava descendente.

Vea Cava ascendente.

Arteria Aorta ascendente.

Arterias carotidas.

Arterias subclavias.

Arteria Aorta descendente.

Figura terceira mostra o coraçaõ de hum aborto, com os vasos dos bofes cheyos, e conservados com ceras balsamicas de diversa cor.

Coraçaõ cõ suas arterias, e veas coronarias.

Arteria Aorta cortada.

Vea Cava ascendente cortada.

Arteria Pulmonar, e seus ramos.

Vea Pulmonar, e seus ramos.

Figura quarta faz ver parte da Arteria magna com as valulas semilunares em seu lugar.

Valvulas semilunares em sitio algũ tanto abertas.

Parte da arteria subclavia direita.

Parte da arteria subclavia esquerda.

Arteria magna ascendente.

[p. não numerada 57]

Figura quinta representa o ventriculo esquerdo do coraçaõ, aberto.

Vea Pulmonaria aberta.

Principio da orelha esquerda.

Buraco oval.

Valvulas Tricuspides, ou mitraes.

Passagem para o orificio da arteria Aorta.

Columnas carnosas, chamadas lacertos.

Figura sexta mostra a orelha esquerda aberta.

Base da orelha com que se une ao coraçaõ.

Circulo tendinoso com que se une à vea Cava.

Columnas carnosas, que vaõ da base até o fundo.

Orificios das veas Coronarias.

Figura setima.

Representa as tres valvulas semilunares.

Parte da arteria Aorta.

Figura oitava.

Mostra as valvulas mitraes, ou tricuspides pela parte superior.

Parte inferior das valvulas.

Figura nona.

Fibras internas do coraçaõ.

Fibras externas do coraçaõ.

Fibras viradas a modo de caracol, ou de figura Conica.

[p. não numerada 58] [p. não numerada 59]
ESTAMPA VIII.

Figura primeira. Nesta figura se vê hum feto embalsamado, nelle se mostra as entranhas do abdomen, e os seus vasos repletos de ceras còradas, nas mãos, e outras partes.

Figado.

Ventriculo.

Intestinos.

Vea umbilical.

Arterias umbilicaes.

Uraco.

Peritoneo, que he cortado, e cobre só a regiaõ Hypogastrica.

Parte do funiculo, ou vide.

As arterias da vola da maõ, e dos dedos.

Debaixo dos pés da figura acima está representado o coraçaõ cortado pelo meyo onde apparecem.

O ventriculo direito tem dentro humas tentas hh.

O ventriculo esquerdo cõ tentas kk.

Figura segunda demostra a aspera arteria com os seus ramos, ou bronchia.

Cabeça, ou larynx.

Tronco da Traca.

Ramos, ou brõchia.

[p. não numerada 60]

Figura terceira representa huma parte dos bofes de ovelha, inteira pela parte superior, e inferiormente descuberta das suas tunicas, onde apparecem os seus lobos pequenos.

Orificio da vea pulmonar.

Orificio da arteria pulmonar.

Orificio do ramo da aspera arteria.

Vasos lymphaticos, que apparecem por cima da superficie externa dos ditos bofes.

Ramos menores da aspera arteria, aos quaes estaõ pegados os lobos pequenos a modo de uvas.

Parte, ou lobo superior dos bofes.

Figura quarta representa todas as cartilagens, de que se compoem a cabeça da aspera arteria.

Cabeça, ou larynx cõ as suas cartilagens, e parte do tronco vista pela parte de diante.

Cartilagem Epiglottis.

Parte anterior da cartilagem scutiforme, ou thyroide.

Dous processos da Thyroide.

Parte anterior dos aneis cartilaginosos, que compoem o tronco da Traca.

A cartilagẽ Cricoides, ou annular, vista pela parte anterior.

A dita Cricoides vista pela parte posterior.

[p. não numerada 61]

As duas cartilagens Aritenoides.

A cartilagem Epiglottis.

Figura quinta he huma mama, onde se vem os tuberculos chamados por alguns Authores glandulas sebaceas.

Tuberculos, que apparecem em algumas mamas, donde, comprimidos, sahe hũ humor como leite, e isto pelos seus buraquinhos, que tem.

Papilla, a qual tem tambem os seus buraquinhos donde sahe o leite.

Figura sexta he huma mama descuberta das suas cuberturas.

Canosinhos, ou ductos do leite.

Glandulas, que estaõ entre os tubulos, ou ductos lacteos.

Figura setima he de huma papilla de huma mama desnudada dos integumentos.

Papilla, onde apparecem os buracos dos ductos lacteos.

Glandulas, que estaõ entremettidas com os ductos lacteos.

Ductos lacteos.

[p. não numerada 62] [p. não numerada 63] [p. não numerada 64] [p. não numerada 65]
ESTAMPA IX.

Figura primeira representa todas as arterias particulares do corpo humano, juntamente unidas ao coraçaõ.

Coraçaõ.

Arteria pulmon.

Orelha direita.

Arterias Cervic.

Arterias axillares, e sua divisaõ.

Vea Cava descend.

Curvatura da arteria Aorta.

Vea Cava ascend.

Os tres ramos da Cava, que tornaõ do figado.

Arteria Aorta descendente.

Arterias carotid.

Arterias subclavias.

Arterias musculas da cervice.

Arterias scapulares externas.

Ramos das arterias carotidas externas.

Onde se unem as carotidas internas entre si.

Arterias tempor.

Carotidas internas.

Arterias do toutiço, ou occipitaes.

Arterias Celiacas.

Arterias splenicas, e epaticas.

Arterias diaphragmaticas.

Arterias mamarias

Arterias intercostaes superiores.

Arterias intercostaes inferìores.

Duas arterias, que vaõ aos musculos Deltoides.

Arterias coronarias do coraçaõ.

Ramo menor da Axillar com os seus ramos, que acabaõ na flexura do cubito.

Arterias scapulares internas.

Tronco, ou ramo mayor da Axillar, que vay continuando pelo braço.

[p. não numerada 66 - Arteria Thoracica] [p. não numerada 67] [p. não numerada 68] [p. não numerada 69 - Estampa X] [p. não numerada 70 - Veas jugulares] [p. não numerada 71] [p. não numerada 72] [p. não numerada 73 - Estampa XI] [p. não numerada 74 - Raiz, ou base da lingua] [p. não numerada 75] [p. não numerada 76] [p. não numerada 77 - Estampa XII] [p. não numerada 78 - beta Eustachiana] [p. não numerada 79 - Canal pequeno] [p. não numerada 80 - Estampa XIII] [p. não numerada 81] [p. não numerada 82] [p. não numerada 83 - que estaõ perto do] [p. não numerada 84 - Nadegas] [p. não numerada 85] [p. não numerada 86] [p. não numerada 87 - Estampa XIV] [p. não numerada 88 - Estampa XV] [p. não numerada 89] [p. não numerada 90] [p. não numerada 91 - versos das vertebras] [p. não numerada 92 - Sutura escamosa] [p. não numerada 93] [p. não numerada 94] [p. não numerada 95 - Estampa XVI] [p. não numerada 96 - versos da Atlante] [p. não numerada 97] [p. não numerada 98] [p. não numerada 99 - Estampa XVII] [p. não numerada 100 - Musculos vastos internos] [p. não numerada 101 - thenar. Musculo palmar] [p. não numerada 102 - torio do nariz] [p. não numerada 103] [p. não numerada 104] [p. não numerada 105 - Estampa XVIII] [p. não numerada 106 - membranosos] [p. não numerada 107 - Musculo extensor] [p. não numerada 108]
[p. 1] ANATOMIA DO CORPO HUMANO.
LIVRO PRIMEIRO, Das Entranhas.
PROEMIO.

1 O corpo humano he huma maquina composta de partes solidas, e fluidas, as quaes pela ordem, e connexaõ, que entre si tem fazem diversos, e maravilhosos movimentos. Destes, huns saõ naturaes, e outros voluntarios, dependentes da Alma immortal, que informa o mesmo corpo.

[p. 2]

2 Os instrumentos principaes daquelles movimentos saõ os espiritos: e assim de tres cousas se compoem proximamente o corpo humano, convem a saber: das partes solidas, e fluidas, e dos espiritos, e ainda que todas estas cousas se podem chamar partes, com tudo o nome de parte se costuma dar só ás partes solidas. As fluidas se chamaõ humores, e os espiritos commummente conservaõ este mesmo nome: porem como o officio da Anatomia seja tratar mais das partes solidas, do que das fluidas, que são os humores, trataremos só daquellas, as quaes tambem servem para as partes fluidas.

3 Primeiramente se ha de notar, que pelos nossos sentidos se conhece huma grande diversidade de partes solidas, em quanto aos accidentes sensiveis de cor, dureza, &c. mas se as virmos com os olhos do entendimento mais interiormente, conhecerseha, que todas as partes do corpo, e pelo conseguinte, que todo o nosso corpo se compoem de innumeraveis fibras, e muy tenues, como fios muy delgados. Isto se vê manifestamente nos nervos, os quaes nenhuma outra cousa parecem, senaõ huma multidaõ de [p. 3] fibras subtilissimas, que procedem do cerebro, e da espinhal medulla.

4 Da mesma sorte saõ as membranas, cuja substancia he quasi da mesma natureza dos nervos, e se bem considerarmos, nenhuma outra cousa mostraõ ser na realidade, senaõ hum tecido de fibras nervosas.

5 Tambem os musculos, e as carnes se compoem das mesmas fibras nervosas, as quaes mais unidas entre si, e constipadas, constituem os tendoens dos musculos. Estes tendoens saõ de cor branca, e nos mais accidentes saõ mais semelhantes aos nervos: quando aquellas fibras menos unidas entre si estaõ na cavidade que chamaõ os Anatomicos ventre do musculo, e recebem algum sangue, se fazem vermelhas, e parecem de diversa natureza: mas lavando-se muitas vezes, ou estando muito tempo na agua, de modo que se lhe tire todo o sangue, que tiverem, ficaõ brancas, e semelhantes ás fibras dos tendoens.

6 Tambem a origem, e a composiçaõ das cartilagens, e dos osso, naõ procede, senaõ das fibras, porque as cartilagens primeiro foraõ membranas, e das cartilagens se [p. 4] fazem os ossos, como se vê manifestamente nos ossos da cabeça, alguns dos quaes naõ tem dureza, senaõ passando algum tempo depois do nascimento, o que qualquer póde observar nas crianças.

7 Donde se segue, que todas as partes do corpo se resolvem em fibras: a origem das fibras, parece que vem do cerebro, e da espinhal medulla, porque dahi sahem os nervos, que se distribuem por todo o corpo. E estas partes nos principios da geração se vem primeiro, que as mais; e assim he muy verosimil, que todas as fibras saõ huns canaezinhios muy delgados, pelos quaes passa o succo, principalmente o nervoso.

8 Nem de outra parte havemos de entender, que procede a nutrição, senaõ destes succos, quando abundaõ dentro daquelles canaezinhos, os quaes, em quanto saõ molles, com o impulso dos ditos succos se alargaõ, e se aestendem, deixando póros abertos, e por elles se introduzem algumas particulas dos mesmos succos.

9 Daqui procede naõ só a nutrição, mas tambem o augmento das partes. Porém quando aquelles canaezinhos se fazem taõ [p. 5] fortes, de sorte, que naõ cedaõ facilmente ao impulso do succo, para que se possa entrar entaõ só tem lugar a nutriçaõ, porque entaõ sómente pelo novo succo, que entra, se substituem novas particulas em lugar de outras, que continuamente se consomem: Posto que a nutriçaõ naõ só proceda do succo, que passa pelas fibrasinhas, como temos dito, mas também do que exteriormente circula, o que principalmente faz o sangue, do qual depende a grossura, e a robusteza das partes.

10 Segundo a diversa tecedura, e entresamento das fibras, e a diversa natureza dos humores, e dos succos, que exteriormente circulaõ, ou que entraõ nas taes fibras, nasce a varia composição das partes; mas principalmente das fibrasinhas variamente dispostas, e unidas humas com outras, se fazem as membranas, as quaes ou se estendem, e se alargaõ para defensa das outras partes, ou se estreitaõ formando huns canaes, o vasos para a circulação dos humores, ou finalmente se fazem redondos, convertendo-se em folliculos, e glandulas para a separaçaõ dos mesmos humores.

[p. 6]

11 Pelo que, todo o corpo do animal assim como remotamente se pode resolver em fibras pequeninas, se resolvem aproximadamente nas fibras mayores, que fazem mayor corpo, como saõ as que vemos nos musculos, e também se resolvem em membranas, vasos, e glandulas. Assim as fibrasinhas, das quaes dissemos, que todas aquellas partes se compoem, estaõ entre si taõ unidas humas com as outras, que constituem huma parte daquellas, que chamamos similares; estas saõ as que se naõ resolvem em partes de diverso genero. Galeno as define assim: Similares partes sunt, quae omnes sibi mutuo, tum toti similes partes haent. Partes similares saõ as que todos entre si, e respectivamente ao todo saõ perfeitamente semelhantes. Assim como as arterias, veas, nervos, ossos, cartilagens, membranas, ligamentos, tunicas, carne, &c.

12 Das partes similares se compoem as que chamamos instrumentaes. Estas se pódem definir assim: Partes, que se compoem de particulas simplices, e similares para serem instrumentos das acçoens perfeitas. Isto tudo, que atégora temos dito, só pertence[p. 7] ás partes do corpo humano em geral, e á sua origem, e principios; daqui por diante trataremos de cada uma dellas em particular.

CAPITULO I.

1 O corpo humano se divide em tronco, membros, ou artus.

2 O tronco de desde o alto da cabeça até as partes pudendas, e virilhas.

3 Os membros comprehendem os braços, as pernas, e as suas partes annexas.

4 O tronco tem tres cavidades; a superior se chama cabeça, a media thorax, que he o vaõ do peito, a infima abdomen.

5 A cabeça contèm o craneo, e o cerebro, e as duas membranas, que involvem o cerebro, às quaes os Gregos chamaõ meninges.

6 O thorax he aquella cavidade entre as claviculas, e o diaphragma, que contèm o coraçaõ, os bofes, o mediastino, e parte do isophago, e aspera arteria com os seus vasos.

7 O abdomen he a cavidade, que [p. 8] principia desde o diaphragma até as partes pudendas, ou osso, que chamaõ pubes, e o osso a que chamaõ coccyx; comprehende o ventriculo, ou estomago, os intestinos, o figado, o baço, os rins, e outras partes.

8 A parte anterior da cabeça se chama rosto, ou cara; a parte superior desta he a testa, que em Latim se diz frons. A parte superior da cabeça he a molleira, ou synciput, a posterior, e inferior he o toutiço, ou occiput. As lateraes se chamaõ fontes, ou tempora. A parte, que està entre a cabeça, e o thorax, se chama pescoço, ou collum, a parte anterior do pescoço he a garganta, ou jugulum, a parte posterior cachaço, ou cervix. fig. 1. est. 1. letra f.

9 A parte posterior do thorax chamamos costas, ou dorsum, a anterior peyto, as lateraes lados, ou ilhargas, e no meyo sobre a espinhela està o que em Latim se diz Scrobiculus cordis. fig 1. L.

10 No abdomen se consideraõ tres regioens; a primeira, e suprema, se chama epigastrica, a qual acaba dous dedos pouco mais, ou menos sobre o embigo. A segunda, e media, se diz umbilical, que termina abaixo do [p. 9] embigo, dous dedos pouco mais, ou menos. A terceira, e inferior às outras, he a que chamaõ Hypogastrio. fig. 1. 3.

11 As partes do Epigastrio lateraes, e superiores, saõ os hypocondrios, ou vasios, hum da parte direita, e outro da parte esquerda.

12 As partes lateraes superiores do Hypogastrio saõ os vasios, que em Latim chamaõ Ilia; e em Portuguez tambem ilhargas. fig. 1. n.

13 As partes, que estaõ sobre as genitaes, e nos adultos se cobrem de lanugem, e cabellos, chamaõ os Latinos Pubis partes.

14 As partes lateraes inferiores das mesmas genitaes chamaõ-se virilhas, ou inguina. fig 1. P.

15 As partes posteriores do abdomen, humas são superiores, outras inferiores; as superiores se chamaõ lombos, as inferiores nadegas, ou nates. R.

16 Os membros superiores se dividem em braços, e mãos. O braço em hombro, e cotovello. Entre este, e a maõ està o collo da mão, ou munheca, a que tambem chamaõ carpo, a que se segue a parte da mão atè [p. 10] os dedos, que os Gregos chamaõ metacarpo, a sua parte interior se chama palma da maõ, a exterior, costa da maõ. Os dedos saõ cinco. Polegar, index, ou mostrador, o do meyo, o anular, ou auricular, ou meminho, ou minimo.

17 Os membros inferiores se dividem em coxas, pernas, e pès. A coxa he a parte superior do joelho para cima. Do joelho até o peito do pè he a perna, esta tem anteriormente a canella, e a parte posterior desta, que he a mais grossa, e carnosa, he a barriga da perna, que se chama em Latim Sura.

18 A parte superior da perna, e anterior, se chama joelho, a posterior poplite, ou curva da perna; a perna pela parte inferior, junto ao peito do pè tem dous ossos, que se chamaõ Tornozellos, ou malleolos, hum interior, outro exterior.

19 A terceira parte do membro inferior que he o pè, se divide em tarso, metatarso, e dedos.

20 O tarso he a primeira parte, que està unida às canellas, a sua parte superior chama-se còllo, ou garganta do pè, a posterior calcanhar.

21 O metatarso he a parte, que se segue até os dedos: alguns Authores lhe chamaõ metapedio comprehende posteriormente a planta, e anteriormente o dorso do pè, a que tambem chamaõ costa, ou peito do pè.

22 Os dedos saõ cinco, dos quaes o mais grosso he o pollegar, os outros naõ tem nome particular.

23 Das cavidades de corpo, a infima he a de que primeiramente trataõ todos os Anatomicos, cujas partes, humas se chamaõ continentes, e outras contentas, ou conteúdas. As continentes ou saõ proprias, ou commuas às outras cavidades, e saõ aquellas com que todo o corpo se cobre, das quaes havemos de tratar em primeiro lugar.

CAPITULO II. Das partes, que servem de cubertura commua a todo o corpo.

1 Tres saõ as partes, que servem de cubrir todo o corpo, a cuticula, a [p. 12] , ou pelle, e a membrana, que chamaõ Adiposa .

2 A cuticula, a que os Gregos chamaõ Epidermis, he huma membrana muy tenue, e transparente, mas muito densa, que naõ tem sensaçaõ, e cobre exteriormente toda a pelle, ou cute, a qual està taõ pegada, que difficultosamente della se pode separar. He composta de fibras diversamente unidas entre si, e como tecidas. Alguns modernos dizem, que he composta de vasos resecados, e saõ derivados daquelles da pelle, que estaõ por baixo; outros querem deduzir a sua origem da congelaçaõ do humor salino, e roscido, feita pelo ambiente externo.

3 A cuticula tem muitos buraquinhos, que correspondem aos poros da cute, ou pelle. Tirada a cuticula, logo se vê huma parte da pelle, que foy descuberta pella industria do Doutor Marcello Malpighio, e se chama corpo reticular. He huma extensaõ de fibras, a qual he molle, glutinosa, e moderadamente crassa, com muitos buraquinhos a modo de rede, que està fempre cheya, e humedecida por causa de hum humor mucoso, que tem, do qual entende Malpighio [p. 13] jà citado, que resulta a cor negra dos Ethiopes. O corpo reticular tem por baixo a cute, ou pelle, que o mesmo Author chama Corpo Papillar.

4 A cute, ou pelle, naõ he outra cousa, senaõ huma membrana muy forte, feita, e come tecida de fibras brancas, as quaes (conforme o que diz Stenon) procedem dos tendoens dos musculos, que estaõ debaixo da mesma cute. Esta tem por toda a parte muitos ramos de nervos, arterias, e veas, derivados dos vasos mayores, que estaõ visinhos, ou estaõ debaixo, e por meyo destes se une a cute com as partes, que depois della se descobrem.

5 Sahem da mesma cute huns corpos pequeninos longos de substancia nervosa, e de figura pyramidal, a que Malpighio dà o nome de papillas. Estes corpos passando pelos poros do corpo reticular, vem a terminar na cuticula em fórma de cabecinhas, quasi redondas, as quaes diversamente dispostas fórmaõ huns regos, que se vem principalmente nas pontas dos dedos, e muito mais nas palmas das mãos, e nas plantas dos pès, &c.

6 Debaixo da cute, quasi por todo o corpo, estaõ as glandulas, que pela grandeza, e figura se chamaõ miliares, cheyas de nervos, e vasos de sangue, e com os seus canos, ou ductos excretorios, os quaes passando o corpo reticular, vem acabar na superficie exterior do mesmo corpo reticular. As bocasinhas desses canos se observaõ nos que suaõ, porque dellas sahem manifestamente as gottas do suor, e isto em todo o corpo, e muito mais nas partes, que saõ de muito sentimento.

7 Além destas glandulas, foraõ descubertas outras pelo dito Malpighio, Valsalva, e Morgagno, e estas se naõ apparecem em toda a cute, ao menos vem-se em certas partes da mesma cute, às quaes chamao sebaceas, por causa da materia, que separaõ, que parece sebo.

8 Á cute pertencem as unhas, e os cabellos. As unhas saõ laminas moderadamente duras, flexiveis, transparentes, mais brandas, e tenues junto à raiz, onde se vê huma porçaõ branca, que pela sua figura se chama Lunula: a parte anterior nao està pegada à outra cousa, a posterior està pegada à cuticula, donde nascem.

[p. 15]

9 Nenhuma outra cousa saõ as unhas, senaõ muitos canosinhos, dispostos com certa ordem, pelos quaes, como por humas bainhas, passaõ os filamentos das papillas cutaneas. Estes canosinhos saõ de natureza cornea, dentro dos quaes está hum humor, o qual conglutinando-se, fazem que os mesmos canos fiquem muito endurecidos.

As unhas naõ crescem depois de morto o homem, e assim he dos cabellos.

10 Advirta-se, que as unhas nao crescem depois de morto o homem, (como alguns crem) mas parece que crescem, pela resedaçaõ, e contracçaõ da pelle; e tambem pode ser por naõ serem cortadas no tempo da doença, como diz o doutissimo Ruischio nos seus livros: Ungues extra cutem quidem prominent, non quod excreverint post mortem, uti vulgus credidit; sed propter cutis contractionem, exiccationemque: ne dicam quod non solemus ungues resecare quum agrotamus, & lecto decumbimus.

Ruisch. lib de Anat. Thesaur. ix. p. 6.
Os cabellos saõ como plantas, na figura 7. 8. da primeira Estampa.

11 Os cabellos tambem sahem da cute, os quaes a modo de plantas pequeninas com huma cabecinha redonda, e como glutinosa, e estaõ em huns envoltorios de figura oval debaixo da cute, e às vezes estaõ plantados na mesma gordura. Naõ crescem [p. 16] depois da morte, mas vivem, e morrem, como as outras partes; assim o diz o mesmo Ruischio no mesmo lugar.

12 Depois da cute se segue a membrana adiposa, que he a terceira cubertura de todo o corpo, exceptuando as capellas dos olhos, o membro viril, e a bolsa dos testiculos, ou scroto. Esta membrana adiposa se compoem de muitas pellesinhas, que estaõ em fórma de bolsinhos. Estes contèm huns globosinhos de gordura, os quaes, como affirma Malpighio, estaõ unidos a huns vasos de sangue, de que sahe a mesma gordura a qual tem tambem os seus nervos; os bolsinhos (conforme diz o Author citado) estaõ pegados a huma membrana muy forte, que he como huma base commua, em que estaõ firmes.

13 Alèm destas tres cuberturas commuas, alguns querem, que hajaõ mais duas, que saõ o panniculo carnoso, e a membrana commua dos musculos. Nos brutos, principalmente nos que movem a cute, ha entre a mesma cute, e a gordura, hum tecido de fibras carnosas, pelo movimento das quaes se fazem as rugas, que vemos na mesma cute. As ditas fibras saõ as que chamamos panniculo carnoso, e com razaõ se poem no numero das cuberturas commuas dos corpos dos brutos. No homem, alèm do tecido dos musculos, na testa, ou fronte, se achaõ tambem humas fibras entremetidas na membrana adiposa, que concorrem para fazer as mesmas rugas, e nada mais se acha, que se possa comparar com o panniculo dos brutos, e contarse entre as cuberturas commuas.

14 O mesmo se diz da membrana commua dos musculos, porque nenhuma outra cousa commua se observa no homem, tirando humas extensoens de certas fibras derivadas dos tendoens, as quaes parece, que abraçaõ muitos musculos, mas naõ todos, e por isso naõ se pode dizer, que he cubertura commua.

15 Depois da descripção das sobreditas partes, segue-se o uso dellas, que agora havemos de explicar. Primeiramente o uso da cuticula he defender as partes, que estaõ debaixo, e saõ muito sensitivas, de qualquer cousa externa, que lhes possa fazer mal, e causar molestia, e moderar as impressoens dos objectos, para que se naõ façaõ com dor.

16 Porém na cute as partes, que parece se pòdem comparar com as mais para receber as impressoens dos objectos, saõ as papillas, nas quaes começaõ as taes impressoens em ordem à sensaçaõ, e pelos nervos continuados chegaõ a communicarse ao cerebro. Na cute está tambem o organo daquella grande evacuaçaõ, que se chama transpiraçaõ. Porque o humor seroso pelas glandulas cutaneas se separa do sangue, e sahe fóra, a qual evacuaçaõ, se he moderada, se chama insensivel transpiraçao; se he mayor, e o humor sahe sensivelmente pelos pòros excretorios, se chama suor. Com o suor fica banhada a cute, e com isto as papillas nervosas se conservaõ molles, e naõ se secaõ, nem se endurecem, e assim ficaõ capazes para as sensaçoens do tacto.

17 O uso da: membrana adiposa he conservar com a sua gordura aquella brandura, que deve ter a cute, e os musculos, para que mais facilmente façaõ os seus movimentos, e para que resistao ás compressoens, e ao frio, e para attemperar a acrimonia dos saes, e finalmente para impedir a demasiada transpiraçaõ, enchendo os póros.

CAPITULO III. Do Peritôneo.

1 DEixando os musculos do abdomen, dos quaes fallaremos depois no seu proprio lugar, agora devemos tratar de huma certa membrana transparente, a qual he tenue, mas forte, que cobre interiormente todo o abdomen, e cada huma das suas entranhas, e por isso lhe chamaõ os Gregos Peritôneo.

2 Este he como hum sacco, com figura oval, nasce das tunicas, que cobrem os nervos lumbares. A sua superficie exterior he aspera, a interior he lisa, e lubrica, por causa de certo humor, que sempre tem: observa-se, que este humor sahe de huns certos pòrosinhos, os quaes se entende com probabilidade, que pertencem a outros tantos follesinhos, que estaõ escondidos dentro da mesma membrana.

3 A razaõ he, porque estes follesinhos se vem muitas vezes nos cadaveres, que nas entranhas tem abundancia de soro.

4 O Peritôneo parece, que consta de de duas laminas, porém em algumas partes estaõ entre si taõ unidas as suas fibras, que mostraõ ser huma só; com tudo, em outras partes se divide em duas, isto he, quando deve cobrir alguma das entranhas. E assim se vê manisfestamente, que se dobra o Peritôneo nas partes posteriores para envolver os rins, os ureteres, a bexiga ourinaria, e os vasos espermaticos.

5 O Peritôneo tem dous processos, que vaõ atè às virilhas, os quaes nas mulheres incluem os ligamentos do utero, que chamaõ redondos, e nos homens os vasos espermaticos, que passando pelos musculos obliquos, e transversos do abdomen, vaõ até o escroto, onde os mesmos processos estendendo-se mais, constituem hum, e outro envoltorio, ou tunica vaginal dos testiculos.

Nervos, veas, e arterias do Peritôneo.

6 O Peritôneo na parte superior tem tres buracos, pelos quaes passaõ o [p. 21] isophago, a arteria magna, e a vea cava. Tem outros na parte inferior, que serve para o cesso, para o utero, e outros vasos, que vaõ aos membros inferiores. He tambem furado o Peritôneo na parte anterior, para dar passagem aos vasos umbilicaes, e tem huns nervosinhos derivados daquelles dos musculos do abdomen. Tambem tem arterias derivadas das phrenicas, e das mammarias, e das epigastricas, as suas veas tornaõ as phrenicas, e epigastricas.

Uso do Perytôneo.

7 Serve o Peritôneo para conter as entranhas do abdomen, como se vê na figura primeira da estampa 2. e daqui nasce, que rompendo-se, cahem as mesmas entranhas. Serve tambem para separar o humor, que junto com a gordura do redenho faz os intestinos lubricos pela parte exterior para facilitar os seus movimentos.

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CAPITULO IV. Do Redenho.

1 Temos tratado das partes externas do abdomen: agora trataremos das internas, entre as quaes tem o primeiro lugar huma membrana, que està como fluctuando sobre os intestinos, e por isso os Gregos lhe chamaõ Epiploon,e os Latinos Omentum, quasi Operimentum, que significa cubertura ; tambem lhe chamaõ Rete, ou Reticulum, porque he como rede: na lingua Portugueza se diz redenho, ou redanho.

2 He esta membrana muy tenue, e delgada, e toda dobrada, e onde naõ tem gordura, he transparente, è cheya de buraquinhos. A parte superior està pegada ao fundo do ventriculo, ao intestino colon, e ao pancreas; a parte inferior està desapegada, e como nadando sobre os intestinos delgados. Na parte que està pegada, se dobra, e tem a forma de hum facco, ordinariamente chega até à regiaõ umbilical, e às vezes passa adiante,ante, e quando chega até às virilhas, e à bolsa dos testiculos, he causa da hernia.

3 A gordura no redenho he muita, porque a membrana, que o compoem, como observou Malpighio, fórma varios saquinhos, e saõ como canos. Dentro destes estaõ certos globosinhos, cada hum com a sua membrana, e seus vasos cheyos de gordura, e dentro destes saquinhos estao vasos de sangue, continuados, como continuaõ os ditos canos, e deste modo se faz como huma rede; e nos espaços, que ha entre hum, e outro cano, estaõ outras redes pequeninas, cheyas de vasos menores de sangue, e de gordura.

4 As arterias nascem da arteria celiaca, as veas vaõ à vea, que chamao Porta, e em primeiro lugar ao ramo splenico, que he do baço. Os nervos sao subtilissimos, e se derivaõ do nervo intercostal, e do que se chama par vago.

5 Tambem se achaõ no redenho vasos lymphaticos, os quaes pòde ser que tenhaō communicação com as glandulas pequenas, que estao em varias partes do mesmo redenho, e cubertas de gordura. Além destes vasos, [p. 24] pareceo a Malpighio ter achado outros, que estaõ entre os saquinhos acima ditos, aos quaes chama adiposos; mas isto deixou em duvida na sua Obra posthuma.

6 O uso do redenho, parece que he aquentar com o proprio calor, e com a muita gordura, e principalmente lubricar os intestinos com o seu humor untuoso. Além disto, como todo o sangue do redenho torna a ir pelas veas ao figado, podemos suppor, que isto seja para levar comsigo ao mesmo figado as particulas oleosas, tirando-as do redenho para a preparaçaõ da bile, a qual consta principalmente de particulas oleosas.

CAPITULO V. Do ventriculo, e intestinos, e da concocçaõ, e do que succede ao chylo nos intestinos.

1 Das fauces começa hum canal, que vay seguido até o cesso. Este canal, ainda que seja hum só, e continuado, [p. 25] com tudo, pela diversidade da figura, da grandeza, e do uso, que tem em diversas partes, tem tambem diversos nomes.

2 Tres saõ as principaes partes deste canal. O isophago, o ventriculo, e os intestinos. Todas estas partes, e pelo conseguinte todo o cano he da mesma substancia, e consta de três tunicas. Destas, a exterior he commua a todas as entranhas, que estaõ na cavidade do abdomen, a media he carnosa, a interior he nervosa. Fig. 3. est. 2.

3 O isophago principia na pharinge, donde nasce, e descendo pelas vertebras, passa o diaphragma, onde alargando-se, fórma mayor cavidade, a qual se chama ventriculo.

4 A tunica exterior do isophago nasce da pleura, a media he composta de duas ordens de fibras carnosas, das quaes, humas vaõ direitas pelo comprimento do isophago, e outras estaõ á roda delle. No corpo humano naõ se achaõ fibras com figura spiral, como em alguns brutos. A tunica interior he nervosa, como dissemos; tem humas glandulas pequenas, as quaes deitaõ pelos seus canos excretorios hum humor [p. 26] tenue na cavidade do canal sobredito.

5 Esta tunica interior alli naõ tem rugas transversas, como tem no ventriculo, mas continua direitamente pelo mesmo isophago, para naõ impedir que caya o comer no ventriculo.

6 Perto da quinta vertebra do thorax,exteriormente, estaõ na parte posterior do isophago humas glandulas, as quaes ordinariamente saõ duas, e com os seus ductos, a pòde ser que cheguem à cavidade do mesmo isophago, lançando hum succo, talvez para humedecer a mesma cavidade. Essas glandulas fazendo-se mayores por alguma doença, causaõ hum fastio mortal, e impedem a passagem aos alimentos, ainda que sejaõ liquidos.

7 O ventriculo he hum sacco, que tem figura de odre, e està no meyo do epigastrio, e tem da parte direita o figado, o qual està acima do ventriculo, cobrindo o algum tanto com a parte concava; da parte esquerda está o baço. A parte posterior do ventriculo està sobre o pancreas, a anterior sobre o intestino colon, a grandeza he diversa, segundo a diversidade dos sogeitos: [p. 27] nos que bebem muito, ou agua, ou vinho, ou outras cousas, he muito grande.

Divide-se em parte superior, e parte inferior, que se chama fundo. Fig. 2. 3.

8 Divide-se o ventriculo em duas partes, huma superior, outra inferior, que se chama o fundo do ventriculo. He o ventriculo de figura orbicular, ou redonda, e he largo, principalmente na parte esquerda, para a qual propende algum tanto, na parte direita vai se estreitando pouco a pouco.

Orificio esquerdo, ou cardias Fig. 3 Orificio direito, ou pylôro c. como na fig. 2. e 3. Estamp. 2. Bartolin. pag. 68. Castell. pag. 162.

9 A parte superior he quasi plana, e mais curta, e tem dous orificios, hum esquerdo, que se chama superior, e cardias pelo grande consenso de nervos, que tem com o coraçaõ, e cerebro, e outras partes a nobres; assim o diz Bartolino. O outro orificio he o direito, e he inferior, a que os Gregos chamaõ Pylôro, como se vê na Estampa segunda.

Antrum Pilori.

10 O orificio esquerdo he mayor, que o direito, e està perpendicular ao ventriculo. O direito vay subindo obliquamente, e he mais largo no principio, a qual parte se chama Antrum Pilori, depois vaise estreitando, e acaba nos intestinos. Note-se, que aquella obliquidade faz, que o comer naõ saya do ventriculo, antes de estar feito o [p. 28] cosimento. Tambem para este fim, tem o mesmo orificio huma cousa como anel, que chamaõ spincter; este se compoem de fibras carnosas, as quaes sahem da parte, onde se dobra a tunica interior.

11 A tunica exterior do ventriculo principia do Peritôneo, e se compoem de fibras, que vaõ direitamente pelo comprimento do ventriculo, e saõ mais grossas estas fibras perto dos orificios, e tambem no fundo, onde he necessario serem mais fortes.

12 A tunica do meyo he composta de duas ordens de fibras carnosas. As fibras da ordem exterior estaõ à roda do ventriculo, e assim pelo seu movimento puxaõ para cima o fundo, e o que nelle se contèm, comprimindo tudo, como depois explicaremos tratando do uso.

13 Algumas fibras da ordem interior, formando hum grande mòlho, que vaõ pelo alto do ventriculo, começando do orificio esquerdo (o qual cercaõ) até o segundo orificio, onde acaba. Parece que estas fibras servem para apertar os ditos orificios, principalmente o esquerdo; as mais fibras [p. 29] descem obliquamente pelo ventriculo até o fundo delle.

14 Por toda a tunica interior, a qual, como dissemos, he nervosa, se distribuem huns ramos muy delgados, que saõ vasos de sangue. Esta tunica està cheya de rugas, as quaes se desfazem com cousas cheirosas. Tambem està cheya de glandulas pequenas. A superficie interior da mesma tunica està cuberta de huma crusta, a qual tem canosinhos, que os Anatomicos chamaõ villos, como observou Malpighio: as extremidades destes canosinhos, humas eftao na parte mais profunda da mesma tunica, as outras estaõ na cavidade do ventriculo, e sobem perpendicularmente, e deitaõ no mesmo, ventriculo hum succo separado do sangue.

15 Tem o ventriculo arterias, que: fahem da celiaca, e tem veas, que vaõ até à vea porta. Do mesmo ventriculo fahem huns canosinhos, que chegao atè à vea esplenica, que he a do baço, e nelle estaõ metidas. Os antigos chamaõ a.estes canosinhos vasos breves.

16 Tem nervos, que vem do par vago em muita quantidade, os quaes fazem [p. 30] huma rede, que està junto do orificio esquerdo, e por esta causa o tal orificio tem grande sensaçaõ, como acima dissemos.

17 O ventriculo se estreita, formando Hum cano, que continúa do orificio direito, on Pylpro, até o cesso. Todo este cano, que comprehende os intestinos, tem de comprimento quafi feis vezes mais, do que he a altura do homem mas occupa pouco lugar, porque està todo em voltas. A grossura deste cano,e a figura naõ he a mesma em toda a parte, nem a grossura das suas membranas he a mesma; e por isso os intestinos se dividem em grossos, e delgados.

18 Os delgados saõ estes: o duodeno, o jejuno, o ileon; os grossos saõ os seguintes:cego, colon, o recto.

19 Ao duodeno deraõ este nome, porque tem doze dedos de comprido, nasce do orificio direito, e inclinando-se para a parte posterion toma o nome de jejuno.

20 O jejuno pois se chama assim, porque quasi sempre nos corpos mortos està vasio; tem doze palmos de comprimento, e com varias voltas, occupa principalmente [p. 31] a regiaõ umbilical. Este no fim he mais delgado, e assim constitùe o intestino ileon.

21. O ileon tem este nome, porque occupa a regiaõ iliaca, e voltando-se para cima, no lado direito chega ao intestino grosso, ficando abaixo da regiaõ do rim direito.

22 O intestino grosso começa com huma grande cavidade, e globosa, tem quasi quatro dedos de comprimento, que propende para baixo, e està pegado ao rim. Esta cavidade he, que alguns chamaõ intestino cego. Da parte esquerda, e extrema desta cavidade, fahe hum cano pequenino, chamado appendicula vermiformis, porque tem a forma de hum bicho; alguns chamaō intestino cego, fó a este canosinho, o qual naõ tem fahida no fim, e he como retorcido; no comprimento, e na grossura nao excede o tamanho do dedo meminho.

23 Depois do intestino cego, seguese e colon, o qual saindo da sobredita cavidade, sóbe até o figado, donde voltandose por baixo do fundo do ventriculo, transversalmente vay ao lado esquerdo, donde voltando-se outra vez para baixo, vay até o osso [p. 32] sacro, e dahi com duas voltas, vay acabar no intestino recto. Està o colon pegado aos rins, e ao baço, e às vezes à bexiga do figado, que contém em si a bile, e por isso participa da cor amarella.

24 A grossura do intestino colon he grande, naõ he liso, porque tem como huns casulos, e rugas, e estes casulos saõ formados de tres ligamentos, que vem a ser tantos molhos de fibras carnosas, que fahem do intestino recto, e vaõ pelo comprimento do intestino colon, e se terminaõ no canosinho chamado appendicula vermiformis.

25 O intestino recto, que he o ultimo de todos, està direitamente sobre o osso sacro, e coccyx. Pela parte posterior està pegado a estes ossos por meyo do Peritôneo, e pela parte anterior nos homens ao collo da bexiga ourinaria; nas mulheres à bainha do utero, e para este fim tem hum tecido de fibras, que a modo de hum anel cérca o mesmo intestino, e o une à bainha. No fim do intestino recto està hum musculo orbicular, o qual chamaõ sphincter, e serve, como diremos, para impedir a involuntaria sahida das fezes: neste acabaõ outros musculos, [p. 33] que levantaõ o cesso, estes impedem a procidencia do Ano, que he a sahida fóra do seu lugar, e por isso em Latim se dizem levatores. Tem tambem este intestino à roda muita gordura.

26 Compoem-se todos os intestinos de tres membranas, huma he exterior, e sahe do Peritôneo, outra está no meyo, e he composta de duas ordens de fibras carnosas, das quaes as exteriores saõ direitas, as interiores circulares; a terceira membrana he interior, e nervosa, e tem muitos vasos de sangue, e tambem muitos villos; esta membrana, principalmente no intestino jejuno contraindo-se, faz muitas rugas transversas, e a estas rugas alguns lhe daõ o nome de valvulas.

27 Note-se, que na cavidade dos intestinos se observaõ primeiramente dous grandes ductos, quatro, ou cinco dedos distantes do Pylôro, hum delles lança a bile, o outro o succo pancreatico para a mesma cavidade do intestino; mas tudo no corpo humano pela mayor parte sahe como de huma boca só, pela uniaõ dos ductos.

28 Nesta cavidade observou Brunero [p. 34] muitas glandulas, que tambem nos outros intestinos se achaõ, as quaes foraõ primeiro observadas por Peieiro, humas destas glandulas se achaõ unidas como cachos de uvas, nos intestinos delgados, e outras ainda mais nos intestinos grossos.

29 Note-se tambem, que no fim do íntestino ileon està huma valvula, e he como sahida do ileon ao colon, com que se impede o regresso dos excrementos, e he pendula, e a modo de huma fenda, e nas extremidades tem duas rugas quasi compridas, às quaes Morgagni chama freyos da valvula.

30 Os vasos, que vaõ aos intestinos, quasi todos se derivaõ dos mesentericos. O intestino duodeno tem arteria propria chamada duodena, e esta he derivada do ramo direito da celiaca. Tambem o intestino recto tem arterias, e veas proprias: as arterias sahem da meseraica inferior, e do terceiro ramo das iliacas internas. As veas, humas derivaõ das iliacas internas, e saõ chamadas veas emorrhoidaes externas, outras saõ da vea porta, e se chamaõ emorrhoidaes internas.

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outros humores, que concorrem, e com o ar, as quaes cousas todas mais attenuaõ, e desfazem a composiçaõ dos mesmos mantimentos.

Fim de todos estes artificios para a concocçaõ.

36 O fim de todo o artificio da concocçaõ do que se come, he, que fique o mantimento desfeito de sorte, que a parte mais pura, mais branda, e jalatinosa, e mais semelhante à nossa substancia, se separe das outras mais crassas.

O que succede aos mantimentos no ventriculo, e as causas, que nelle concorrem para a concocçaõ.

37 Da boca passa o comer pelo isophago para o ventriculo, ahi com a saliva, e com o ar, que se mistura, e com o succo, que sahe das glandulas da tunica do ventriculo, tambem com o que ficou do que antecedentemente se comeo, e finalmente com o calor do estomago, e das outras partes visinhas se desfaz muito mais, e se attenúa o mantimento e se converte em humor, e se fermenta.

38 A tudo isto, que concorre para a concocçaõ, se ajunta o movimento da tunica carnosa do ventriculo, e o movimento alternado do diaphragma, dos musculos, que o cercaõ, e das arterias, com que muito mais se desfaz, e se attenùa a materia, que

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CAPITULO VI. [p. 41] [p. 42] [p. 43] [p. 44] [p. 45] [p. 46] [p. 47]
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CAPITULO VII. [p. 49] [p. 50]
CAPITULO VIII.

[p. 51] ventriculo, e acaba com a sua borda, ou extremidade aguda, e desigual.

Os ligamentos saõ tres. O primeiro largo dito suspensorio. O segundo do Peritôneo, dito da espinhela. O terceiro umbilical.

2 Une-se às partes visinhas por meyo de vasos, e de muitos ligamentos, os quaes naõ saõ todos da mesma sorte. Os mais fortes saõ tres. O primeiro està na parte superior, e he largo, e muy forte, e une o figado com o diaphragma, o qual por isso chamaõ suspensorio, e faz que o figado siga o movimento do diaphragma; e na espiraçaõ he causa, que o mesmo figado se esconda quasi todo debaixo das costellas espurias. O segundo ligamento he producçaõ do Peritôneo, com o qual se une o figado à cartilagem ensiforme, ou espinhela. O terceiro se compoem da vea umbilical, a qual no feto sahe de huma particular abertura, e nos adultos se endurece, e fica sendo hum ligamento.

Substancia do figado he de glandulas, e de vasos.

3 A substancia do figado he composta de vasos, e de glandulas, e estas saõ de figura sexagona, e estaõ pegadas às extremidades dos vasos, e ajuntando-se como em cachos, fórmaõ as partes do figado, chamadas lobulos, e cada huma destas partes està cuberta com a sua membranasinha.

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em hum, passando pela parte posterior do figado.

7 O terceiro vaso he o ramo da arteria celiaca direita, o qual leva o sangue ao figado, e este ramo he pequeno em comparaçaõ do figado.

Arteria celiaca do figado.
Poro biliario.

8 O quarto vaso se chama Poro-Biliario, que se compoem de todos os ductos excretorios das glandulas, os quaes vaõ da mesma sorte, que os ramos da vea Porta. Este ducto, chamado Poro-Biliario, està junto a outro cano, nascido da bexiga do fel, e constitùe o ducto commum, o qual metendo-se obliquamente nas tunicas do intestino duodeno, acaba na cavidade do mesmo intestino.

Ducto cistico. fig. 2. L. Ducto commum. Est. 3. g. i. ii.

9 Finalmente, os ultimos vasos saõ os lymphaticos, os quaes pòde ser, que tenhaõ communicaçaõ com certas glandulas conglobadas, que estaõ na infima regiaõ, postas debaixo do involtorio commum dos vasos. Este involtorio he huma certa bainha membranosa, produzida do Peritôneo, que cobre os vasos hepaticos, e se chama capsula de Glissonio. Està fortalecida esta capsula com fibras carnosas, as quaes com [p. 54] a sua contracçaõ ajudaõ muito a que corraõ os fluidos.

Vasos lymphaticos. Est. fig. 3. nnn.
Involtorio commum, ou capsula de Glissonio.

10 Tem o figado os seus nervos, que se derivaõ dos intercostaes; e quando chegaõ ao figado se ajuntaõ em grande multidaõ, e por isso lhe chamaõ os Latinos, e Villisio, Plexum Epaticum.

Os nervos do figado saõ do plexo kepatico, e dos intercostaes. Vill. cap. xxvii. de descript. nervi intercostal. pag. 147. 148.

11 Na parte concava do figado està hum vaso pequeno membranoso do tamanho de hum ovo pequenino, e tem a figura de pera, o qual vaso se chama bexiga do fel. O seu collo està voltado para as partes superiores, o fundo propende para o intestino colon, e essa bexiga muitas vezes communica huma cor loura, ou amarella ao mesmo intestino. Entende-se, que o collo da dita bexiga, tem particular sphincter, e este acaba na boca da mesma bexiga. Nos boys communica-se a bexiga por certos ductos particulares ao figado, e ao ducto hepatico; nos homens tambem isto he verosimil, mas naõ he certo.

Bexiga do fel Est. 3. fig. 2.3.4.
Sphincter da bexiga fellea. Communicaçaõ de ductos dà o figado para a bexiga nos boys, e nos homens.
A bexiga do fel tem tres tunicas.

12 Esta bexiga tem tres tunicas, a exterior deriva-se do Peritôneo, a media he carnosa, e he composta de duas ordens de fibras, das quaes humas vaõ direitas pelo

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13 O uso do figado he separar a bile, parte da qual vay à bexiga, e parte aos intestinos. Na bexiga se faz a bile muito amargosa, ou porque alli se detem, ou pela mistura de algum succo, e por isso a dividem os Authores em bilis hepatica, e cistica. A bile hepatica he mais fluida, e amarga menos, e naõ he taõ còrada como he a da bexiga, que he mais grossa, e muito còrada.

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CAPITULO IX. [p. 58] [p. 59]
CAPITULO X. [p. 60] [p. 61] [p. 62] [p. 63] [p. 64] [p. 65] [p. 66] [p. 67]
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CAPITULO XI. [p. 69] [p. 70] [p. 71] [p. 72] [p. 73] [p. 74]

lymphaticos, que dahi vaõ às glandulas das virilhas, e entende-se, que por elles se communica o mal gallico primeiramente às ditas glandulas.

Por onde se communica o mal gallico.
Cano venoso.

15 Os corpos acima ditos nerveo-esponjosos, unidos entre si fazem duas cavidades, huma superior, pela qual vay hum cano venoso por cima do dorso, e comprimento do membro; outra inferior, pela qual vay o cano da uretra.

Cano da uretra. Est. 4. fig. 1. fig. 2. F.
A uretra consta de duas membranas.

16 A uretra he um cano cylindrico, que principia do collo da bexiga atè o fim do membro, pela parte exterior. Consta de duas membranas, entre as quaes està huma substancia esponjosa da mesma natureza, que he a substancia do membro. A sua parte posterior por causa da sua figura he de alguns chamada Bulbo. A parte anterior revoltada, e estendida compoem a glande, ou cabeça do membro, chamada Balano.

A glande fig. 1.4. Est. 4.

17 A glande, ou cabeça, he a ultima parte do membro, a qual pela parte anterior he mais aguda, pela posterior mais larga. Excede na circumferencia muy pouco aos corpos esponjosos, sobre os quaes

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CAPITULO XII. [p. 80]
Fissura magna. Beiços.
Monte de Venus.

abertura grande, que principia da parte inferior dos ossos da pubes, e chega atè o Ano. Os lados desta abertura se chamaõ beiços, os quaes saõ algum tanto grossos, por causa da gordura, que tem, principalmente na parte superior, que se chama monte de Venus.

Freyo.

3 Os sobreditos beiços, pela parte inferior, terminaõ em huma cute ligamentosa, chamada freyo, que nas virgens he teza, e nas outras ordinariamente he lassa. E estas partes cobrem-se de cabellos aos quatorze annos pouco mais, ou menos.

Clitoris. Est. 5. fig. 1. n.

4 Descubertas estas partes mais externas, apparecem as outras, que saõ mais occultas, e saõ as seguintes. Na parte superior das pudendas està a clitoris, que he hum corpo roliço, o qual na grandeza, e na figura, he como a extrema parte do dedo mèminho de huma criança, a sua substancia he esponjosa, e muy semelhante à do membro viril.

Glande da clitoris.

5 Na clitoris se observaõ dous corpos a modo de pernas, nascidas dos ossos da pubes, e a sua extremidade chamada glande naõ he furada. As sobreditas pernas saõ tres [p. 81] tres vezes mais compridas, que a mesma tres vezes mais compridas, que a mesma clitoris. Desta principiaõ outros dous corpos chamados nymphas, que estaõ nos lados do orificio da bainha, e saõ rubicundos, e de substancia nerveo-esponjosa, e cheyas de glandulas sebaceas.

Nymphas.
Glandulas sebaceas fig. 2. Orificio da uretra, porque sahem facilmente as pedras nas mulheres.

6 Pouco abaixo da clitoris, e por cima do orificio da bainha està o orificio da uretra, essa nas mulheres tem o comprimento, que corresponde à largura de dous dedos, e por isso naõ he difficultoso sahirem as pedras, ou tirallas da bexiga sem se abrir, e cortar.

Ductos, que se achaõ na bainha. fig. 2. Est 5.

7 Junto da uretra, e do orificio da bainha se achaõ dous ductos, dos quaes principalmente na occasiaõ do coìto, sahe hum humor, que os Antigos entenderaõ ser o semen das mulheres. Porèm os Modernos julgaõ, que só serve para lubricar aquellas partes, & ad voluptatis sensum augendum.

Orificio da bainha. Est 5. fig. 1. r. Regner Graaf de Hymene, pag. 188. c. v.
Hymen.

8 Quasi no meyo das partes pudendas està o orificio da bainha, que tem ao redor huma substancia esponjosa, e hum circulo membranoso, que os Anatomicos, chamaõ Hymen. Este orificio como tudo o mais

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33 Nas vacas, e outros animaes quadrupedes se acha, entre aquellas duas membranas, outra, que se chama Allantoydes. Esta he huma membrana tenue, que formando hum semicirculo, envolve o feto, e recebe a sua ourina, que pelo uraco vem da bexiga ourinaria, e a conserva atè o parto. Que esta membrana se ache tambem no feto humano, naõ se pode affirmar, porque naõ ha observaçaõ alguma certa.

34 As membranas, que cobrem o feto se rompem no tempo do parto, pela força que faz o mesmo feto para sair a luz. E entaõ sahem aquelles humores, que se chamaõ agoa do parto, os quaes servem para humedecer os lados da bainha, para que esta se abra mais, e assim saya o feto com mais facilidade. Tambem fervem para outros usos, os quaes se pòdem ver em Mauriceau.

35 Á membrana chamada chorion està unida a placenta . Esta he huma certa maça carnosa, molle, e de cor vermelha, do feitio de huma tigella pouco funda, tem muitas veas, e arterias. Pela parte concava [p. 94] està unida à membrana chorion, pela convexa ao utero. A sua superficie convexa he desigual, porque tem muitas covasinhas, e prominencias, com as quaes se une fortemente ao utero.

36 O tamanho da placenta em huns sogeitos he mayor, em outros menor, pela mayor parte excede a quantidade do meyo pè. He huma só, se o feto he só hum; e saõ mais, conforme o numero dos fetos. Nas vacas, e nas ovelhas, se achaõ muitas placentas, ainda que o feto seja só hum, e estaõ em varios lugares, mas unidas ao utero. Saõ compostas de duas substancias, as quaes pertencem parte à substancia da membrana chorion, parte à do utero.

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LIVRO SEGUNDO DA OSTEOLOGIA, OU DOS OSSOS.
CAPITULO I.
Mostra-se aos Cirurgiões a necessidade de saber os ossos.

1 DAQUI per diante tratarey dos ossos, e tudo o que disser, naõ serà de menor utilidade, e necessidade, do que he tudo o que tenho explicado nas liçoens precedentes; porque sem o conhecimento dos ossos, isto he, sem saber como estaõ unidos, e formados, e quaes saõ as partes [p. 244] de que constaõ, naõ se pòde reduzir deslocaçaõ alguma, ou simples, ou complicada, nem sarar alguma fractura, ou ferida causada de quéda, ou balla de espingarda, ou de outras semelhantes armas; nos quaes casos estando mudada a natural economia, ou constituiçaõ dos ossos, naõ se pòde reduzir a perfeiçaõ sem esta faculdade, e noticia; logo naõ se pòde duvidar, que pertence à obrigaçaõ do Cirurgiaõ tambem o conhecimento de todos os ossos, de que se compoem o corpo humano.

Os ossos são a base do corpo. Cic lib 2. de nat Deor. pag. 1290.
Gal.lib.de ossibus, pag. 175.

2 Os ossos saõ estabelecimento, ou base do corpo, como diz Cicero: Quid dicam de ossibus? quae, subjecta corpori mirabiles commissuras habent, & ad stabilitatem aptas, & ad artus firmandos accommodatas, & ad motum, & omnem corporis actionem. As suas palavras traduzidas em Portuguez, vem a dizer: Que direy dos ossos? Que sendo fundamento do corpo, tem commissuras admiraveis, accommodadas para sua firmeza, e para fortificar os membros, e fazer os movimentos, e todas as acçoens de todo o corpo. Galeno define os ossos assim: Parte mais [p. 245] dura, secca, e mais terrestre das que ha no corpo: Os est pars omnium totius corporis durissima, siccissima, e maximé terrestris.

3 Nascem os ossos, como temos dito acima, da mesma sorte, que as outras partes, que no feto apparecem primeiro membranosas, e pouco a pouco se fazem cartilaginosas e finalmente endurecem de sorte, que se fazem de natureza de ossos. Assim diz Munich, e assim se vê na moleira das crianças, nas quaes a parte anterior primeiro mostra ser membrana, e depois cartilagem; mas ultimamente nos adultos são ossos. Isto naõ sò se observa nos ossos da molleira; mas tambem em outras partes do corpo.

4 Estaõ cobertos os ossos com huma membrana, que he como hum véo, a qual se chama Periostio, exceptuando os dentes, os quaes naõ tem semelhante membrana para evitar as dores, que comendo causariaõ, se estivessem cubertos.

Nascem os ossos como as mais partes. Munich. de Anat pag. 9. Ita Lautent.de syncipitis esse.Est.16.fig.A. Periostio O Periostio tem vasos, os quaes penetraõ a substancia dos ossos, e ali deixaõ humor para a nutriçaõ.

5 Esta membrana Periostio tem grande numero de vasos, os quaes estaõ muito unidos huns aos outros, e vaõ continuados [p. 246] pela mesma tunica. As arterias, e as veas que sahem destes vasos, passaõ os ossos, penetrando à interna substancia deles, e deixando lhe hum humor mucilaginoso, e oleoso para a nutriçaõ, e naõ só penetraõ a membrana, que cobre interiormente a cavidade dos ossos; mas tambem a que tem em si a medulla, ou tutano, e aquelles vasos vaõ tambem ao mesmo tutano.

6 A membrana Periostio tem muitos nervos, os quaes com as suas extremidades passaõ os buracos dos mesmos ossos, e vaõ a estenderse na membrana interior, e isto se conhece pelas dores causadas de alguma irritaçaõ feita da materia acre, e vilicante na membrana exterior, e interior dos ossos. Confirma-se isto no tofo venereo, o qual se naõ póde curar, sem esfolhar com o trepano o osso viciado, e às vezes he necessario cortallo totalmente, e romper a membrana interior do osso, deixando sair os humores, que causaõ taes dores. Daqui se infere, que os ossos não tem sensaçaõ, mas só a dita membrana Periostio he que a tem.

O Periostio tem muitos nervos, e por isso tem muita sensaçaõ.
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7 Os ossos saõ diversos na figura, grandeza, nos seus usos, na cor, e no lugar. Huns saõ fistulosos, outros cavernosos, e outros esponjosos, dentro nelles està o tutano, ou medulla, que he hum humor que os enche.

8 A substancia da medulla he certamente oleosa, não muito differente da gordura, porém he quasi liquida, e està em muitos saquinhos membranosos. Desta substancia oleosa, e medullar necessitaõ os ossos, porque saindo dos seus pòros, tempéra com sua untuosidade as particulas do sangue, que devem nutrir os mesmos ossos, e tambem serve para os conservar no seu temperamento, lubrificando, e impedindo, que pela muita sequidaõ não se quebrem facilmente. Serve tambem para lubricar as articulaçoens, facilitando aos ligamentos, e tendoens os seus movimentos.

Os ossos saõ diversos. Substancia da medulla não he diferente da gordura. Uso da dita medulla. O numero dos ossos he trezentos, e mais.

9 O numero dos ossos naõ he determinado; as crianças tem mais, que os adultos; porque com o tempo alguns ossos se unem, e se reduzem a hum: com tudo, em alguns homens da mesma idade [p. 248] se vê às vezes diverso numero de dentes, e de ossos sessamoideos; porém em todas as pessoas bem formadas se achaõ naturalmente trezentos, e mais ossos, incluindo-se todos.

10 A cor dos ossos em alguns he mais branca, do que em outros.

11 Varias saõ as articulaçoens, ou connesoens dos ossos, isto succede pela diversa grandeza, e pela diversidade dos movimentos dos membros, que elles sustentaõ. Os Authores Gregos deraõ a estas connesoens varios nomes, os quaes foraõ recebidos dos Latinos, e as chamaõ como agora diremos.

12 Os ossos se unem, ou por Arthron,ou por Symphysis. Arthron significa huma uniaõ de dous ossos, considerados só por si. Symphysis he uniaõ dos ossos considerados pelos seus meyos, que os une.

13 Arthron tem duas especies, huma que se faz com movimento, e se chama Diarthrosis, ou articulaçaõ laxa, ou larga; outra tem movimento, chamada Synarthrosis, ou articulaçaõ estreita.

Cor dos ossos As articulaçoens, ou connexoens dos ossos. Arthron.Symphysis. Arthron divide se em Diarthrosis e Synarthrosis.

14 Diarthrosis contèm tres especies, [p. 249] e são Enarthrosis, Arthrodia, e Ginglymo.

15 Enarthrosis he aquella uniaõ de ossos, que se faz, quando a cavidade, que recebe outro osso he profunda, e a cabeça do osso, que nella entra he muito comprida, como se vê na articulaçaõ do osso da perna com a cavidade do osso Ischio.

16 Arthrodia he aquella uniaõ, que se faz quando a cavidade, que recebe outro osso naõ he muito profunda, e a cabeça do osso com que se articùla he chata, como se vê na articulaçaõ do osso do braço com a cavidade Glenoide da espadoa, e em outras partes.

17 Ginglymo he a terceira especie de articulaçaõ larga, e se faz recebendo-se, e unindo-se dous ossos mutuamente, de modo, que hum osso recebe, e he recebido na cavidade do outro; e isto se vê bem na uniaõ do osso do cotovello com o osso do hombro.

A Diarthrosis se divide em Enarthrosis Arthrodia, Ginglymo, Enarthrosis. Synarthrose, ou Concrecçaõ divide-se em mediata, e immediata.

18 Synarthrose he aquella uniaõ de ossos estreita, feita sem evidente movimento, chamada tambem Concrecçaõ, e se divide em mediata, e immediata. A concrecçaõ [p. 250] mediata he aquella uniaõ de ossos,que se faz mediante alguma cousa, como carne, membranas, ou ligamentos, e finalmente por meyo de alguma cartilagem. Também se divide em tres especies Synnevrosis, Synchondrosis, e Syssarcosis.

19 Synnevrosis chama-se aquella uniaõ de ossos, que se faz por meyo de partes tendinosas, e ligamentosas, ou membranosas; e isto se vê em muitas partes, e melhor na molleira das crianças, que os seus ossos estaõ unidos por meyo de membrana.

20 Synchondrosis he aquella uniaõ de ossos que se faz por meyos cartilaginosos, como se vê na uniaõ das costellas com os ossos do sternon, e em outras partes.

21 Syssarcosis he o mesmo, que uniaõ de ossos por meyo de carne; como se vê na uniaõ da espadoa com as costellas, que se unem por meyos carnosos.

22 Concreçaõ immediata he aquella uniaõ de ossos, que se faz sem intervençaõ de meyos, e he dividida tambem em tres especies, Harmonia, Gomphosi, e Sutura.

Synnervrosis. Synchondrosis. Syssarcosis. Concrecçaõ immediata.
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23 Harmonia, ou Coagmentaçaõ he huma uniaõ de ossos, que representa huma simples linha, a qual, ou vay direita, ou obliqua, ou feita a modo de arco; como se vê nos ossos do nariz, e paladar, e queixo superior.

24 Gomphose ou Concravaçaõ he huma uniaõ de ossos, na qual hum osso se mete no outro como um prégo; e isto se vê na concravaçaõ dos dentes, os quaes se metem nas cavidades dos queixos.

25 Sutura he quando dous ossos estaõ unidos com dentes, como de serra, e isto se vê no craneo. A sutura divide-se em duas especies, a saber: em verdadeira, ou propria, mendosa, ou espuria.

26 Sutura verdadeira chama-se aquella sutura, na qual os ossos se unem de sorte como duas serras com os seus dentes, e esta tem tres especies, Coronal, Angular, e Sagittal.

Harmonia Gomphose ou Concravaçaõ. Sutura. Sutura Verdadeira Sutura Coronal.Est.15-fig.3

27 Sutura Coronal he assim chamada, porque os Antigos naquella parte da cabeça levavaõ a coroa, ou capella; principîa na na parte anterior dos ossos das fontes, e vay para o alto da cabeça. Une esta sutura [p. 252] o osso da testa com os ossos das fontes, e da molleira, a que os Latinos chamaõ Synciput.

28 Triangular, ou Lambdoydea se chama assim, pela semelhança, que tem com a figura da letra delta, que he o D dos Gregos. Principîa esta na parte posterior da cabeça de huma parte, e outra do osso chamado occiput, ou toutiço, e obliquamente vay subindo ate o meyo da cabeça, e fórma hum ângulo, e por isso se chama angular: une o osso do toutiço aos ossos do synciput, ou molleira, e das fontes.

29 Sagittal principîa do ângulo da sutura Lambdoydea, sóbe pelo comprimento ao alto da cabeça, passando para o meyo da sutura Coronal, e nas crianças continua atè o nariz: une os ossos da molleira entre si.

Sutura Triangular, ou Lambdoydea Sutura sagittal.Est.15.fig.3 Sutura mendosa, ou espuria

30 Sutura mendosa, ou espuria se diz aquella, na qual os ossos se unem de modo, que a borda de hum osso còbre a borda do outro; do mesmo modo, que os homens pobres, concertaõ os seus vestidos rotos, pondo por cima da rotura hum remendo. [p. 253] Estas suturas saõ duas, e se chamaõ escamosas, ou temporaes, servem para unir os ossos das fontes com os ossos da molleira com as suas escamas, que tem na borda.

31 Isto he o que pertence às articulaçoens, e unioens dos ossos. Há outras especies de que fallaõ os Authores; porém não as explico por não ser muito necessario sabellas. Diremos agora, antes que tratemos dos ossos alguma cousa das prominencias.

32 Prominencia, ou Apophysis , em Grego, e em Latim Processus, ou Productio, he aquella parte do osso continuada, que se levanta por cima da superficie do mesmo osso; e isto se vê manifestamente nos ossos da cabeça, vertebras, e espadoas, e em outras partes. Servem para commodidade das articulaçoens, ou para que nelles se apeguem os tendoens, e ligamentos dos ossos.

Suturas escamosas ou temporaes Prominencia ou Apophisis, ou processus ou productio Ephiphysis ou additamentum ou appendix.

33 Ha outra especie de prominencia, a qual se chama em Grego Epiphysis, em Latim Appendix, ou additamentum, e he hum pequeno osso, nascido por cima de hum [p. 254] hum mayor, não sendo parte do mayor, porèm contiguo. A sustancia deste appendix he esponjosa, e não muito dura, nas crianças he cartilaginosa, depois nos adultos he de substancia dura, e ossea, e une-se ao mayor, que està por baixo, constituindo hum só osso. Estes Epiphysis servem para fazer mais forte, e facil a articulaçaõ dos ossos.

CAPITULO II. Dos ossos da cabeça.

1 Pela palavra cabeça, entendemos tudo o que se vê do toutiço atè à primeira vertebra do pescoço, e divide-se em craneo, e queixos. O craneo chama-se tambem calva, ou calvaria.

O craneo ou calva ou calvaria He composto de duas tabuas ou laminas

2 O Craneo he huma multidaõ de ossos, que fórmaõ huma cavidade para conter em si os miollos. He composta de duas laminas, ou taboas, huma exterior, e mais grossa, outra interior, e mais delgada; porém mais dura, a qual por causa da sua [p. 255] dureza se chama vitrea, e tem muitas còvas por cima da sua superficie interna, que servem para dar lugar aos vasos da Dura-mater. O craneo perto dos ossos das fontes he muy delgado, e com muita difficuldade se vê em tal lugar a duplicadura destas taboas, ou laminas; nos ossos porèm da testa, e toutiço se vê melhor, porque saõ mais grossos, onde pelo seu meyo apparece a substancia medullosa.

3 O craneo he composto de oito ossos: seis saõ os proprios, e outros comuns ao queixo superior. Aquelles que pertecem ao craneo saõ os seguintes: o osso da testa, dous do synciput, ou moleira; hum do occiput, ou toutiço; e dous das fontes.

4 O osso da testa, que he chamado osso da fronte, ou coronal, ou veracundo, ou pupis, he de figura quasi circular; se observa neste osso dous seyos, ou cavidades, as quaes estaõ cubertas de certa membrana glandulosa, na qual se separa do sangue hum humor mucoso, que passa ao nariz, às vezes por hum buraco, outras vezes por dous, unindo-se em hum cano commum.

Vitrea O craneo he composto de oito ossos. O osso da testa ou coronal.
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5 As Apophisis, ou processos deste osso, saõ quatro, e estaõ nos quatro cantos dos olhos, os quaes servem para fazer na parte da orbita superior o assento, ou base aos musculos, que fechaõ as capellas.

6 O osso da testa tem tres buracos, hum interno, e dous externos: o interno està internamente por cima do septo transverso do osso crivroso; este buraco tem communicaçaõ com cavidades do nariz. Os outros dous saõ exteriores, que vaõ pelo meyo das sobrancelhas; estes servem de passagem aos nervos do quinto par. Os buracos posteriores em muitos naõ se achaõ. O osso da testa tem tambem certas cavidades, humas são externas, e saõ aquellas, que ajudaõ a formar a cavidade das orbitas; outras saõ internas, e se chamaõ Lyras, servem estas de commodidade aos lobos dos miollos.

Apophisis do osso da testa Seus buracos As cavidades. Cavidades Lyras. Uniaõ dos ossos da testa

7 O osso da testa na parte superior se une com os ossos da molleira por meyo da sutura coronal, e na parte inferior com varios ossos do queixo superior, e interiormente com o osso crivroso, e nos lados com os processos exteriores do osso, que he [p. 257] chamado Cuneiforme.

8 Continuaõ dous ossos da molleira, ou synciput chamados chamados com varios nomes, a saber: ossos arcuaes nervosos, ossa rationis, ou cogitationis, e Bregmatis. A figura destes he quadrilatra, mas na grossura saõ desiguaes, unem-se estes ossos com o osso da testa por meyo da sutura coronal, e com o osso da molleira por meyo da sutura lambdoidea; finalmente com os ossos das fontes, onde saõ muy delgados, unem-se por meyo da sutura escamosa, e entre si se unem pela sutura sagittal. Estes ossos na uniaõ da sutura coronal tem a membrana chamada Fontainha, isto he nas crianças, e esta membrana naõ se reduz a osso, senaõ depois de nove, ou dez mezes, depois do nascimento, e às vezes em algumas crianças se detem até o quarto, ou quinto anno da sua idade, e em alguns homens se tem visto ficar atè serem velhos.

Ossos da molleira, ou synciput A membrana Fontainha As foveas ou regos dos ditos ossos

9 Estes ossos interiormente tem certas cavidades chamadas Foveas, ou regos. Estes servem para a commodidade dos ramos das arterias carotidas, que estaõ espalhadas pela Dura-mater. Estes regos ou [p. 258] cavidades saõ mayores, e mais profundos, e estaõ perto dos ossos das fontes.

10 O osso do toutiço chamado tambem Occiput osso Proræ, e o osso da memoria tem figura triangular, a grossura naõ he igual em todo o osso; porém he muy grosso, exceptuado na parte, que està perto do buraco grande, por onde passa a medulla espinhal.

11 Aos lados deste grande buraco estaõ dous processos, ou apophisis, chamados Coronides, e estaõ cubertos de cartilagem, e se articulaõ por harthrodia com a primeira vertebra do pescoço para o movimento da cabeça: em alguns observa-se o terceiro processo, que està levantado no meyo daquelle osso, e serve de insersaõ dos musculos da cabeça; aquelles, nos quaes falta o dito processo, em lugar delle o mesmo osso do toutiço se acha mais levantado, e feito convexo.

O osso do toutiço, ou Occiput Processos Coronides As nove cavidades do osso do toutiço

12 As cavidades, ou seyos deste osso saõ nove, destas humas saõ interiores, outras exteriores: das interiores algumas servem para dar lugar, e commodidade ao cerebello, ou miollo pequeno; algumas [p. 259] servem para segurar os seyos da Dura-mater, e outras para situaçaõ do cerebro, e finalmente outras saõ commuas aos ossos das fontes.

13 As cavidades externas, que saõ aquellas, que estaõ de ambos os lados do buraco grande, servem de receber os processos superiores da primeira vertebra; e a estes seyos, ou cavidades estaõ pegados os musculos, que levantaõ a cabeça.

14 O osso do toutiço tem cinco buracos, hum he grande, pelo qual passa a medulla espinhal, quatro saõ menores, que estaõ aos lados do grande, e servem de passagem às arterias cervicaes, e aos nervos, que movem a lingua. Une-se este osso com os dous ossos da molleira por meyo da sutura angular, e nos lados se une com os ossos das fontes por meyo das partes inferiores da dita sutura, e por baixo està unido ao osso Basillar.

Os buracos do dito osso. Ossos das fontes

15 O osso das fontes, que tambem se chamaõ Lapidosos, Petrosos, Escamosos, e Mendosos, saõ de figura na parte superior quasi semicircular, e a sua superficie he igual: por baixo internamente a [p. 260] dita superficie he aspera, ou desigual, pelas muitas prominencias, que tem.

16 São estes ossos na parte superior de substancia delgada, na parte inferior saõ grossos. Unem-se com os ossos da molleira por meyo sutura escamosa, e com o osso da testa, e com o do toutiço, pelas suturas acima ditas. Na parte visinha à cara esta huma apophisi recurva, a qual com o processo do terceiro osso do queixo superior se une por meyo da sutura harmonial, e constitùe o osso chamado Zigomatico, ou Jugal.

Seus processos. Apophisi recurva, ou osso Zigomatico ou Jugal. Mastoideo, mamillar Styloides

17 Qualquer destes ossos das fontes exteriormente tem hum processo chamado mastoideo, ou mamillar, por causa de ser semelhante às papillas das tetas das vacas. Tem tambem outro appendix, algum tanto comprido, agudo, e delgado, cuja figura he semelhante à de hum ferro pontiagudo, que os Latinos chamaõ stylo, e por isso o dito appendix se chama styloides, o qual appendix nas crianças he de cartilagem, nos adultos he de osso, e de ordinario os esqueletos carecem delle, porque por qualquer accidente se québra. Serve o [p. 261] dito processo styloides de ponto fixo aos musculos styloideo, styloglosso, e stylopharingeo.

18 O processo mastoideo serve de insersaõ aos musculos mastoideos, e de principio aos Biventres. O processo Zigomatico serve de passagem ao tendaõ do musculo temporal, e em parte serve de lugar donde nasce o musculo maceter.

Processo interno Petroso, no qual esta o orgaõ do ouvido. Seus ramos Seyos do osso das fontes

19 Tem estes ossos outro processo, que está internamente na cavidade do craneo, e he chamado Petroso, no qual como em hum seixo durissimo està encravado o orgaõ interior do ouvido; o tal processo Petroso tem hum buraco, pelo qual passa o nervo auditorio, que vay às cavidades internas, ou gretas.

20 Os ossos das fontes tem tres seyos, hum dos quaes compoem o meato auditorio; o segundo, que he mayor, está posto entre o osso jugal, e o meato auditorio, e recebe o processo retuso do queixo inferior. O terceiro he commum ao toutiço, e interiormente serve para assento posterior do processo Petroso; nos ditos ossos das fontes se observaõ muitos buracos, [p. 262] pelos quaes passaõ nervos, arterias e veas.

21 Dous saõ ossos communs ao craneo, e ao queixo superior. O primeiro he o osso Sphenoides, que tem varios nomes, e por causa da sua figura, e do seu lugar; alguns lhe chamaõ Poliforme, ou Cuneiforme, e Transcolatorio, e finalmente osso Baxilar, porque he a base do miollo. Este osso na sua base he grosso, mas perto das cavidades das fontes he delgado, une-se com todos os ossos do craneo, e tambem com muitos ossos do queixo superior.

Osso Sphenoides, ou Poliforme, ou Cuneiforme, ou Baxilar Este osso he hum só nos adultos, e nos processos internos, e externos. Os externos saõ os Pterygoideos, ou Aliformes. Os internos saõ os Elinoides. Sella equina, ou Turgica.

22 Considera-se este osso como hum só nos adultos; porque nas crianças he composto de quatro ossos; tem este osso varios processos internos, e externos. Os externos saõ dous, chamados Pterygoideos, ou Aliformes, por ser semelhantes às azas do morcego. Os internos, que estaõ na parte onde este osso olha para o miollo, saõ tres, chamados Elinoides, porque saõ semelhantes aos pés de hum leito, e estes unidos constituem huma pequena cavidade, chamada Sella equina Turgica, acima dela [p. 263] está a glandula Pituitaria.

23 Este osso tem buracos, huns dos quaes saõ proprios, e outros communs. Os communs chamaõ-se Jugulares, e saõ os mais pequenos. Os proprios saõ doze, de cada parte estaõ seis. O primeiro he transcolatorio da glandula Pituitaria, o segundo he por onde passaõ os nervos opticos. O terceiro he dos nervos motorios, o quarto he do nervo crotasides, o quinto he do nervo, que vay para o orgaõ do gosto; finalmente, o sexto buraco he por onde passaõ as arterias Carotidas.

24 Tres saõ as cavidades, ou covas, huma he interna, e he aquella, que serve de base à glandula pituitaria, duas saõ externas, que estaõ no principio dos processos Aliformes.

Este osso tem buracos proprios e communs. Tem tres cavidades. O osso Etmoide, ou Crivroso divide-se em tres partes.

25 O ultimo osso dos communs ao craneo, e ao queixo, he o osso, que alguns chamaõ Ethmoide, e outros osso Crivroso, porque na parte superior tem buracos como hum crivo; outros lhe chamaõ osso esponjoso, porque a parte inferior delle he como huma esponja. Está este osso no meyo da base da testa à raiz do nariz, [p. 264] e enche a cavidade do mesmo nariz; e este he o mais pequeno osso dos que compoem o craneo. Divide-se este osso em tres partes; a primeira, e superior por ter muitos buracos, se chama crivrosa; a interna he esponjosa, com a qual se divide a cavidade do nariz em duas partes; a terceira parte occupa os lados, onde he liso, e plano, e constitue a parte da orbita.

Prominencia dita crista de gallo Os usos, que se assinaõ aos buracos crivriformes.

26 A prominencia, que se vê levantada na cavidade do craneo, porque se assemelha a huma crista de gallo, se chama crista galli, he muito dura, e a ella està pegada parte da Dura-mater, a qual divide o miollo em duas partes, e se chama falx, ou fouce, pela figura, que tem. Dous saõ os usos, que se assinaõ aos buracos crivriformes; hum he que serve de passagem a muitas fibrinhas dos nervos olfactorios, que nascem, e se vaõ espalhando pelas tunicas, que vestem as cavidades do nariz. O segundo uso he para filtrar, e separar a abundante serosidade dos miollos, a qual serosidade vay caindo pelas mesmas fibras do nariz.

[p. 265] [p. 266] [p. 267] [p. 268] [p. 269] [p. 270] [p. 271] [p. 272] [p. 273] [p. 274] [p. 275] [p. 276] [p. 277] [p. 278] [p. 279] [p. 280] [p. 281] [p. 282] [p. 283] [p. 284] [p. 285] [p. 286] [p. 287] [p. 288] [p. 289] [p. 290] [p. 291] [p. 292] [p. 293] [p. 294] [p. 295] [p. 296] [p. 297] [p. 298] [p. 299] [p. 300] [p. 301] [p. 302] [p. 303] [p. 304] [p. 305] [p. 306] [p. 307] [p. 308] [p. 309] [p. 310] [p. 311] [p. 312] [p. 313] [p. 314] [p. 315] [p. 316] [p. 317] [p. 318] [p. 319] [p. 320] [p. 321] [p. 323]
LIVRO TERCEIRO DA MYOLOGIA, OU DOS MUSCULOS, e dos movimentos, ou acçaõ dos musculos.
CAPITULO I.

1 MUSCULO he huma parte organica, e dissimilar do corpo, e he orgaõ, ou instrumento de todos os movimentos, que no mesmo corpo se fazem, do qual instrumento proxima, e immediatamente depende o movimento.

[p. 324]

2 Dizemos, que he parte organica, e dissimilar, porque as partes, que compoem o musculo, ainda que entre si tenhaõ grande communicaçaõ, e connexaõ, com tudo saõ muitas em numero, e de diversa natureza.

3 As partes principaes, e immediatas, que compoem o musculo, saõ as arterias, veas, nervos, e fibras carnosas, e tendinosas, e às vezes a membrana, que cóbre o mesmo musculo. A estas partes se pódem ajuntar as glandulas adiposas, e mucilaginosas, e os vasos lymphaticos. As fibras carnosas, e tendinosas compoem a principal parte, e mais essencial do musculo.

4 As arterias, veas, e nervos, saõ como partes integraes, e que ajudaõ a composiçaõ do musculo. Também concorrem os liquidos, ou para sua nutriçaõ, ou para o movimento, e sensaçaõ. A membrana, que còbre o musculo, he o seu complemento, e lhe dá fortaleza. As glandulas adiposas, e mucilaginosas, e os vasos lymphaticos administraõ, huma materia untuosa às fibras, com que se facilíta mais [p. 325] mais o movimento do musculo. Os outros vasos servem para tornar a levar para a massa do sangue o humor, que for superfluo para a nutriçaõ do musculo.

5 As sobreditas fibras do musculo, ainda que nas suas partes tem diverso uso, e nome, por causa da sua diversa estructura, e densidade, com tudo saõ hum mesmo corpo; porque onde saõ mais laxas, e deixaõ passar o sangue por ellas livremente, representaõ huma cor vermelha, e chamaõ-se carnosas; porèm onde saõ mais compactas, e mais unidas entre si, naõ as penetra a parte vermelha do sangue, e parecem totalmente brancas, e se chamaõ tendinosas.

6 A parte carnosa do musculo, que he a média, e mais crassa, chama-se ventre do mesmo musculo, e a parte tendinosa constitùe os seus dous extremos, hum chamado cabeça, ou principio, outro fim, ou cauda; e estes extremos estaõ firmemente ligados a dous termos, que ordinariamente saõ ossos. Hum delles pela mayor parte he movel, e o outro immovel; algumas vezes ambos saõ moveis, mas hum menos, [p. 326] que o outro; tambem succede serem ambos immoveis, porem mais raras vezes.

7 A acçaõ manifesta do musculo se faz no seu ventre, o qual só endurece na contracçaõ do mesmo musculo, e fazse mais branco; tambem muda a sua figura de tal sorte, que as fibras carnosas, que na relaxaçaõ do musculo se uniaõ entre si, formando com as suas extremidades hum angulo agudo, na contracçaõ fazem hum angulo recto, o qual se faz tanto mayor, quanto mais se tira de comprimento ao ventre do mesmo musculo. Porèm os extremos, ou os tendoens, posto que se naõ mudem sensivelmente na contracçaõ do musculo, com tudo saõ como cordeis, pelos quaes a força do musculo, que està no seu centro, ou ventre, move as partes, que lhe saõ annexas, e as traz para si. Por isso na sobredita contracção os tendoens se chegaõ huns aos outros; ou ao menos o tendaõ, que està ligado ao termo movel, se chega juntamente com o seu termo para o outro tendaõ mais immovel.

8 Com tudo, nem todos os musculos do corpo terminaõ no sobreditos tendões, [p. 327] mas só os que servem para mover os membros, ou os ossos, e estaõ atados aos mesmos ossos por huma, e outra parte, como os musculos dos articulos, que se chamaõ extensores, e flexores, e os que movem a cabeça, chamados motores, e estes ordinariamente constaõ de fibras compridas, e rectas, tambem de transversaes. Porém os tendoens em nenhuma parte saõ mais compridos, e mais distinctos, que nos braços, e nas pernas, onde o ventre do musculo está mais afastado das partes, que se haõ de mover.

9 Nos outros musculos, que se compoem de fibras circulares, e espiraes, e que naõ concorrem para dobrar, ou estender algum membro, mas para impellir algum liquido, ou apertar algum tubo, como no coraçaõ, e nos musculos chamados Sphincteres; ainda que appareça alguma porçaõ tendinosa, com tudo nem todas as fibras carnosas passaõ a substancia tendinosa, mas as mais dellas acabaõ em membrana, que cóbre o musculo, como se fosse o seu tendaõ.

Musculo simples. Musculo composto

10 Quando o ventre do musculo he hum só, e consta sómente de dous tendoens, chama-se simples o musculo; quando saõ muitos os ventres, e cada hum tem dous tendoens, chama-se composto. Do primeiro genero saõ os flexores dos Artus, e dos membros. Do segundo genero saõ os chamados masseter, e Deltoydes, dos quaes o primeiro serve para mover o queixo inferior, o outro para levantar o hombro. Estas saõ aquellas cousas, que nos musculos se vem com os olhos; agora havemos de tratar das que mais se conhecem com o entendimento, do que com os mesmos olhos, ainda por meyo do microscopio, e este conhecimento he necessario para se entender o movimento dos mesmos musculos .

11 Isto supposto, conceba-se qualquer fibra de hum musculo, a qual seja mais perceptivel, como hum mòlho de muitas fibras carnosas, reduzidas a huma membrana muy tenue; conceba-se tambem cada huma destas fibras, que compoem a mayor acima dita, como hum canosinho tecido de outras fibras menores, e assim se entenderá, que estas taes fibras, de que [p. 329] estaõ compostas as paredes de cada hum dos canosinhos carnosos, saõ filamentos minimos dos nervos.

12 A todas, e a cada huma destas fibrasinhas carnosas se seguem continuados huns ramos mayores, e nervosos, distribuidos por cada hum dos musculos (como acima temos dito) e principalmente pela parte tendinosa de qualquer dos mesmos musculos. Dos sobreditos ramos, os minimos assim das arterias, como das veas, que levão, e tornaõ a trazer o sangue, se abrem para huns canosinhos carnosos. Esta abertura dos vasos do sangue para as fibras carnosas se faz, naõ só abrindo-se os mesmos vasos para as extremidades das sobreditas fibras, mas tambem (se damos credito a Cauppero, e a outros Anatomicos) para os lados, e para o meyo dellas. E affirmaõ, que isto se pòde descobrir, naõ só com o entendimento, mas com as experiencias, da mesma sorte, que com a observaçaõ se tem conhecido a connexaõ, e colligaçaõ, que ha entre huma, e outra fibra carnosa por meyo das fibrasinhas transversaes, derivadas da membrana, que còbre [p. 330] o musculo, ou tambem dos nervos. E com a ajuda destas fibrasinhas se fazem firmes no seu lugar as mesmas fibras carnosas, de sorte, que nem nos seus movimentos mais violentos se pódem tirar da parte onde estaõ.

13 Pelos canosinhos carnosos livremente vay correndo o sangue antes que passe das arterias para as veas; e em quanto corre, as fibras se conservaõ extensas, e compridas, mas pelos filamentos nervosos, que compoem as paredes dos canosinhos, correm os espiritos animaes, que provém dos nervos. Com tudo naõ havemos de conceber, que os mesmos espiritos correm por aquelles filamentos, como por canos livres, e totalmente iguaes, mas como por huns corpos esponjosos, e que tem varias cavidades desiguaes; e ainda que tenhaõ communicaçaõ entre si, com tudo pòdem ahi mesmo deter os espiritos, e impedir, que corraõ livremente.

14 Esta estructura facilmente se entenderá, trazendo à memoria o que dissemos em outra parte, e he, que qualquer fibrasinha, por minima que seja, está cheya de [p. 331] innumeraveis pòrosinhos de diverso diametro, e figura. Por isso se o sangue, e os espiritos animaes correrem desigualmente por aquelles canaes, de tal sorte, que as paredes das fibras fiquem extensos, e compridos, o musculo tambem permanecerá com aquella extensaõ, e relaxaçaõ, como lhe chamaõ os Anatomicos.

15 Porém se os mesmos espiritos animaes (os quaes pela sua grande subtileza se concebem como mais facilmente moveis) correm com mayor força, e em mayor quantidade por entre as fibras, que fórmaõ as paredes dos canosinhos carnosos, entaõ naõ achando passagem livre pelas ditas fibras, por causa das cavidades desiguaes, que tem, & pela sua força elastica, as mesmas cavidades se dilataráõ, e as paredes das fibras fe contrahiráõ, e apertaráõ o sangue, que corre pelas cavidades dos canaes carnosos, de sorte que deitem fóra grande quantidade do mesmo sangue; e por isso tambem os ditos canaes carnosos se faraõ mais curtos, donde se seguirá huma contracção de todo o musculo, com que ficará mais curta.

[p. 332]

16 Para se entender mais facilmente esta contracçaõ, e relaxaçaõ do musculo, havemos de conceber os segmentos, ou partes das fibras, que constituem os canosinhos carnosos, como huns minimos articulos, os quaes dispostos direitamente, compoem o filamento inteiro. Isto supposto he certo, que se estes arcos por alguma causa se estenderem muito, naõ ficaráõ curvos, como naturalmente devem ser em quanto os musculos conservarem a sua relaxaçaõ. Isto succederà tanto por causa do sangue, que corre por entre os canaes carnosos, como pelo pezo, e resistencia das partes, com as quaes tem connexaõ.

17 E esta violenta relaxaçaõ, que participaõ as fibras nos corpos por causa das partes connexas, facilmente se póde conhecer se observarmos as mesmas fibras, quando se cortaõ, e ficaõ sem a connexaõ, que tinhaõ com aquellas partes; porque logo se contrahem, e se enchem de rugas. Mas se os espiritos animaes, ou pelo imperio da alma, ou pelo impulso de alguma força natural, correrem mais abundante, e velosmente para os sobreditos arcos, ajudaõ [p. 333] o seu vigor, e contracção; daqui se conhecerá como se faz facilmente a contracçaõ de todo o musculo.

18 Com tudo, ajudaõ o vigor dos arcos, e a contracçaõ de todo o musculo, aquellas minimas fibrasinhas, de que acima temos tratado, as quaes dividem transversalmente as fibras musculares; porque como ellas da mesma sorte, que as paredes das fibras carnosas com o mayor fluxo dos espiritos animaes, ou na contracçaõ do musculo, ou no impeto com que se contrahem, ficaõ tezas, e se corroboraõ; necessariamente tambem comprimem muito mais as fibras carnosas, que estaõ debaixo, e asim fazem mais difficil a passagem dos espiritos.

19 Daqui se segue, que naõ podendo os mesmos espiritos passar livremente, sahem pelos lados como mayor impeto, e dilatando as cavidades, e bexigasinhas, causaõ com mayor força a contracçaõ das fibras, e de todo o musculo, ou ao menos a conservaõ. Mas ainda que o sangue obre só negativamente, e por exclusaõ na contracçaõ do musculo, que procede das fibras carnosas (segundo a nossa hypotese;) comtudo não se segue dahi, que o mesmo sangue seja menos necessario, que os espiritos animaes para fazer a contracçaõ do dito musculo; porque se tem visto com a experiencia, que ligada a arteria, ou impedido por qualquer modo o fluxo do sangue, que vay para o musculo, se segue a falta do sentimento, e do movimento na parte destituida do beneficio, que recebe do mesmo sangue, tanto como se estivesse impedido totalmente o curso dos espiritos animaes para as mesmas partes.

20 Mas esta necessidade do sangue nas fibras carnosas não he para que com elle se fação os movimentos do musculo, he sómente para que as partes se conservem naquella disposição, que se requer, para que os espiritos se possaõ distribuir, como he razaõ, pelas paredes das fibras carnosas, quando for necessario.

21 Porque se a arteria se ligar antes, que chegue ao musculo, naõ só se impedirá a transfusaõ do sangue nas fibras carnosas; mas tambem todos os seus vasos, que se distribuem pela substancia do musculo, [p. 335] seraõ privados do mesmo sangue, e daqui se seguirá ficarem as fibras taõ compactas, e froxas, que sejaõ incapazes para receber os espiritos animaes.

22 Do que está dito se entenderá, qual he acçaõ do musculo, e quaes saõ as causas, que concorrem para o mover, e os modos com que obraõ as causas, e com que se exercita a acçaõ em qualquer musculo. Não tratamos dos effeitos, que resultaõ da dita acçaõ dos musculos, porque tambem seria necessario fallar de todas as especies dos movimentos, assim naturaes, como espontaneos, que se fazem nos corpos, e se estenderia muito o nosso Tratado, e assim passaremos a trarar dos musculos em particular.

CAPITULO II. Dos musculos do Rosto, ou Cara.
musculo da testa

1 Na testa se achaõ à vezes dous, e ás vezes hum só musculo: principîa este onde os cabellos terminaõ, e se [p. 336] estende até as sobrancelhas, onde acaba; serve este musculo para levantar as partes da testa, e para escrespar as cutis, faz isto com as suas fibras tectas. Advirta-se, que quando se houver de abrir esta parte,ou qualquer outra do corpo se deve fazer a incisaõ pela rectidaõ das fibras, e a razaõ he, para que naõ percaõ o seu movimento, como diz Dionis.

Petri Dion. pag. 406: de musculis.
CAPITULO III. Dos musculos das capellas dos olhos.

1 AInda que temos fallado dos seguintes musculos no Tratado dos olhos, tornaremos agora a repetir, para mayor intelligencia, e ordem deste Tratado dos musculos.

2 As capellas se movem, mediante dous musculos, hum he commum, o outro he proprio. O commum se chama Orbicular, porque vay rodeando externamente a circumferencia da Orbita, apegandose à dita Orbita com as suas fibras. Serve para fechar ambas as capelas, e faz isto constringindo-se.

Os musculos communs. As capellas saõ o Orbicular.

3 O proprio se chama Levator; porque serve de levantar sómente a capella superior: nasce este junto ao fundo da Orbira com longo, e delgado principio, e vay acabar na margem da mesma capella superior.

Os musculos proprios das capellas saõ o Levator.
CAPITULO IV. DOS MUSCULOS DOS OLHOS.

1 Os olhos se movem por meyo de seus musculos, quatro rectos, e dous obliquos.

2 O primeiro dos rectos he superior, e chama-se Soberbo, porque serve de levantar o olho, olhando para o Ceo.

Soberbo.

3 O segundo he inferior, e chama-se Humilde; serve este para abaixar o olho, olhando para a terra.

Humilde.

4 O terceiro exterior recto, chama-se Indignatorio, e serve para atravessar o olho, o qual movimento faz quando se enfada.

Indignatorio.

5 O quarto interno recto, se chama Bibitorio, ou adducente; porque puxa o olho para o canto, ou angulo mayor.

Bibitorio.

6 Os Obliquos chamaõ-se Amatorios, e saõ dous, hum superior, e mayor, chamado Troclear, porque passa por huma Troclea; nasce do fundo da Orbita, e termina no globo do olho, entre o musculo proprio da capella.

Obliquos Amatorios, e Troclear, e Obliquo inferior menor.

7 O obliquo segundo, e inferior menor, nasce perto a margem da Orbita, e termina no olho, onde os musculos rectos acabaõ.

8 Note-se, que todos os rectos principiaõ do buraco regular, que està no fundo do buraco da Orbita, e acabaõ no bulbo do olho.

CAPITULO V. DOS MUSCULOS DAS ORELHAS.

1 AInda que as orelhas naõ movaõ manifestamente, com tudo tem quatro musculos, hum superior, e tres posteriores.

[p. 339]

2 O primeiro nasce do musculo Frontal e termina na orelha, serve para puxar a dita orelha para cima; os outros posteriores nascem do preocesso mammillar, e acabaõ na parte posterior da orelha: muitos Authores negaõ estes musculos, e dizem, que estes naõ saõ musculos, mas sómente duas dilataçoens membranosas, que nescem da face externa, e superior do processo mastoydeo, e que acabaõ na parte superior, e posterior da concha da orelha.

CAPITULO VI. DOS MUSCULOS DO NARIZ.

1 AO nariz daõ os Authores diversos musculos, huns dizem, que saõ dous pares, outros tres, outros quatro.

Os musculos Pyramidaes myrtiformes.

2 Dilataõ o nariz dous musculos, hum em cada lado, chamados Pyramidaes, ou Triangulares, e dous myrtiformes; nascem os primeiros da raiz do nariz, perto dos [p. 340] musculos da testa, onde querem, que sejaõ produzidos: terminaõ perto da cartilagem superior do nariz, estendendo-se por cima das azas.

3 Os segundos ditos myrtiformes nascem da Orbita junto à raiz do mesmo nariz, e acabaõ ao redor das azas.

4 O musculo Orbicular, constringe, ou fecha o nariz: nesce da parte interna do osso do nariz, e termina internamente nas azas.

Orbicular.
CAPITULO VII. Dos musculos dos beiços.

1 Dos musculos dos beiços huns saõ proprios, outros communs a outra partes. Dos communs, o primeiro par saõ os musculos Zigomaticos: nascem estes da face externa do osso Zigomatico, desce obliquamente, e termina na conjunçaõ de hum, e outro beiço, chama-se tambem Gellastes, ou Risor, porque se move para nos rirmos.

[p. 341]

2 O segundo dos communs he Buccinator, chama-se assim, porque com seu movimento serve para dar voltas, e pôr entre os dentes o comer, que se vay triturando na boca, nasce das gingivas do queixo superior, e com as suas fibras circulares termîna nas gingivas do queixo inferior: este musculos está debaixo do musculo Quadrado, ou Platisma myodes.

Buccinotor. Est.17. fig.46.

3 O terceiro he chamado Orbicular, porque com suas fibras vay ao redor dos beiços a modo de hum annel, ou Sphincter: constitùe os beiços, e serve para fechallos.

Orbicular.

4 Dos musculos proprios as beiços huns saõ proprios ao beiço superior, outros ao inferior.

5 Do beiço superior os primeiros saõ chamados Elevatores, porque puxaõ acima, ou levantaõ o beiço; chamaõ-se tambem Incisivos por causa da sua origem, nascem do queixo superior, na regiaõ com hum tendaõ muy apertado, e pequeno no beiço superior.

Elevatores, ou Incisivos.

6 Antagonistas dos Incisivos saõ os Triangulares, que nascem na base larga, ou inferior, e externa margem da sobredita maxilla, ou queixo inferior, e acaba no beiço superior; servem estes musculos para abaixar o beiço superior.

Os Triangulares.

7 Os proprios do beiço inferior saõ tres. O primeiro he o Quadrado, ou montano, nasce na margem da ponta da barba, e acaba no limpo do beiço inferior, ou no musculo constrictorio, e serve de abaixar o dito beiço.

O Quadrado ou montano.

8 Os outros dous, que saõ contrarios pelo seu movimento ao primeiro, saõ chamados Caninos, porque nascem no queixo superior na regiaõ dos dentes Caninos, e acabaõ no beiço inferior, e servem para levantallo.

Caninos.

9 Dos musculos da Larinx, e Pharinx, e do osso Hyoydes não tórno a fallar por ter bastantemente tratado delles mais acima. Agora continuaremos do queixo inferior.

CAPITULO VIII. DOS MUSCULOS DO QUEIXO INFERIOR.

1 Doze saõ os musculos, que servem ao queixo inferior, seis em cada lado, quatro dos quaes servem de levantar, ou fechar o dito queixo, e dous o abaixaõ.

2 O primeiro par dos que fechaõ, chamamos os Grotapbites, ou Temporaes, que nascem da parte lateral, e inferior, e posterior do osso da testa, e da parte lateral do osso Bregmate, e de toda a superficie do osso Temporal, exceptuado o processo maastoydeo, passa pelo foramen, e Apophisi Zigomatica com o seu tendaõ pequeno, e curto, porem fortissimo, apega-se por meyo de algumas fibras carnosas ao dito processo Zigomatico, e acaba no processo Coromide do queixo inferior.

Musculo crotaphites, ou Temporaes.

3 Nota-se, que este musculo está immediatamente pegado ao Craneo, tambem esta cuberto, e com Periostio defendido [p. 344] pelo processo Zigomatico, e com algum genero de carne, que o cobre, fervindolhes como de almofada, para que naõ sejaõ offendidos, quando fazem os seus movimentos.

4 O segundo par he dos que constringem, ou levantaõ o dito queixo, saõ os Pterygoideos externos. nascemestes da face externa da aza externa, ou processo Pterygoideo, e acabaõ na face interna, e porsterior do collo do processo Candiloides do dito queixo.

Os Pterygoideos externos, e internos.

5 O terceiro par he dos Pterygoideos internos, os quaes nascem da cavidade interna, que está entre as azas, ou processos Pterygoideos, e acabaõ no angulo, pela parte interna do queixo inferio.

Maceteres.

6 O quarto par, e ultimo dos que fechaõ, inclue os maceteres: alguns Authores dividem cada hum destes musculos em outros dous por terem diverso principio, e fim; nascem do osso Pomuli, e da parte inferior do osso Zigomatico, e acabaõ no angulo exterior do queixo inferior, e na parte intermedia do dito queixo, de forte, que as fibras destes musculos entre si se encruzaõ em fórma da letra X porque aquellas fibras, que fahem do osso Pomuli, acabaõ no angulo da maxilla inferior; e aquellas, que sahem do osso Zigomatico, acabaõ na parte intermedia da dita maxilla, ou queixo.

7 Seguem-se os musculos, que servem de abrir, ou abaixar o dito queixo. estes faõ o Cutaneo, e o biventer.

8 O Cutaneo toma o appellido da Cutis, porque está debaixo della, alguns lhe chamaõ Platoydes, ou Platisma myodes, e tambem Quadrado, e isto he por causa da sua figura. Este musculo he composto de fibras muy delgadas, porèm carnosas; nasce da parte superior do Sternon, e da face externa da Claviculas, do processo Acromion, está por baixo da Cutis, cobre os musculos do pescoço, e depois acaba na parte externa do queixo inferior.

O Cutaneo ou Platisma. myodes, ou Quadrado. Os Digastrices ou Biventres.

9 Os Digastricos, ou Biventres, saõ assim chamados, por ter dous ventres, os quaes estaõ nas suas extremidades, e tem o seu tendaõ na sua parte do meyo, nascem da parte posterior dos processos mammillares, hum em cada parte, terminaõ [p. 346] na parte anterior, e interna, media do mento, ou ponta da barba do dito queixo inferior, o qual abaixaõ juntos com os Cutaneos.

CAPITULO IX. Dos musculos da cabeça.

1 A cabeça move-se por meyo de quatorze musculos, sete em cada lado, abaixa-se com dous, com oito se levanta, com quatro se move circularmente.

2 Os dous depressores, ou que abaixaõ a cabeça, se chamaõ mastoydeos, ou mammillares, principiaõ da parte superior, e lateral do primeiro osso do Sternon, e da parte do meyo da Clavicula, sóbem obliquamente acima de todos os musculos do pescoço, e terminaõ na Apophisi mastoudea.

Os mastoydeos, ou mammillares.

3 Os musculos, que levantaõ, como temos dito, saõ oito, quatro em cada lado, a saber: o Splenio, e o Complexo, o Complexo, o recto mayor, e recto menor.

[p. 347]

4 Os Splenios saõ chamados assim por se semelhantes ao Splen, que he o baço; nascem da extremidade das espinhas de cinco vertebras superiores das costas, e de tres inferiores do pescoço; sobem algum tanto obliquamente, e terminaõ na parte posterior, e lateral do osso do Occiput, ou toutiço.

Splenios. Est:I7. fig.3.

5 Nascem os Complexos dos processos transversas das cinco vertebras do pescoço, e de algumas superiores das costas: estaõ debaixo dos Splenios, cobrem os Obliquos, e acaabaõ na parte posterior, e intermedia do toutiço. Estes dous musculos entre si se decussaõ, ou atravessaõ em fórma de Cruz, e por isso os Francezes lhe chamaõ a Cruz de Santo André.

Complexos.

6 Os rectos mayores nascem da Apophili Espinhosa da segunda vertebra do pescoço, e acabaõ na parte inferior do toutiço.

Rectos mayores. Rectos menores.

7 Os rectos menores principiaõ do Tuberculo da primeira vertebra, no mesmo lugar onde as outras tem o processo Espinhoso, e acabaõ no meyo do toutiço juntamente [p. 348] com os rectos mayores.

8 Move-se a cabeça circularmente por meyo de dous pares, ou quatro musculos, chamados Obliquos, huns saõ superiores menores, outros Obliquos inferiores mayores. Os Obliquos inferiores mayores. Os Obliquos menores nascem dos lados do toutiço, onde os rectos mayores acabaõ; e descendo obliquamente, terminaõ no primeiro processo trasverio da primeira vertebra, chamada Atlante.

Obliquos menores.

9 Os Obliquos mayores mascem dos lados processos espinhosos, e obliquamente sobindo, terminaõ nos processos transversos da primeira vertebra.

Os Obliquos mayores.
CAPITULO X. Dos músculos do pescoço.

1 O pescoço se move de dous modos, ou estendendo-se por meyo de quatro musculos, ou encurvando s por meyo de outros quartros. aquelles, que servem para encurvar, saõ os Longos, e os Scalenos.

[p. 349]

2 Os Scalenos nascem com tres principios, com o primeiro, e segundo principio nascem da primeira costella, e com o terceiro da segunda; isto porém naõ he sempre, porque com este mesmo principio terceiro nasce às vezes da Clavicula, e se estende até as outras costellas, e seus processos, e termina nas extremidades dos processos transversos de tres, ou quatro vertebras do pescoço.

Os Scalenos.

3 Nascem os Longos com principio tendinoso, e delgado do corpo da segunda vertebra do Thorax, e estaõ por baixo do Isophago, e acabaõ na parte anterior da Atlante.

Longos.

4 Aquelles que servem para estender saõ os Espinhosos, e Transversaes.

5 Os Espinhosos nascem dos processos espinhosos de quatro, ou cinco vertebras superiores do Thorax, ou costas, e terminaõ nos processos Espinhosos de seis vertebras do pescoço.

Os espinhosos.

6 Os Transversos nascem dos processos transversos de cinco vertebras superiores do Thoraz, e acabaõ nos processos transversos de tres, ou quatro vertebras [p. 350] superiores do pescoço.

7 Note-se, que quando estes musculos se movem todos juntos, fazem estar o pescoço firme, e levantado; e quando se move hum extensor, e hum flexor do mesmo lado, fazem que o pescoço se incline para o hombro.

CAPITULO XI. Dos musculos da Espadoa.

1 A Espadoa tem muitos movimentos, e todos estes faz por meyo de musculos proprios, e communs.

2 Os proprios saõ tres, e os communs tambem saõ tres.

3 Dos proprios, o primeiro he chamado Levantador, ou da Paciencia, por servir de levantar a espadoa, e fazer aqelle movimento, que costumamos em tal occasiaõ: nasce das Apophisis transversas de quatro vertebras superiores do pescoço com principios diversos, os quaes unindose, vaõ a terminar no angulo superior da base da espadoa.

Levantador, ou da Paciencia.
[p. 351]

4 O segundo he o Trapecio, ou Cucular, assim chamado, pela semelhança que tem com o Cuculo, ou capûs de hum Frade; nasce da parte posterior do toutiço, das espinhas de seis vertebras inferiores do pescoço, e de nove das vertebras superiores das costas, e acaba em toda a espinha da espadoa, e naquella parte da Clavicula, que esta perto ao Acromion.

Trapecio, ou Cucular.

5 Note-se, que este musculo como tem diversas origens, faz diversos movimentos, a saber: com as fibras, que sahem do toutiço, e vaõ à espadoa, a mesma espadoa se levanta; e com aquellas, que sahem dos processos das vertebras das costas (no lugar do Rhomboyde) se move para traz; e finalmente com aquellas fibras, que nascem dos processos Espinhosos das vetebras inferiores do Thrax, a espadoa se abaixa.

Rhomboydes.

6 O terceiro musculo dos proprios he o Quadrao, ou Phomboydes: està este musculo debaixo do Trapecio, principîa da Apophifis Espinhosas de tres superiores das costas, e a acaba na base externa da espadoa, [p. 352] e serve de movella para traz, e algum tanto para cima.

7 os musculos communs saõ tres, o primeiro he Serrado antico menor, que serve para puxar a dita espadoa para diante; nasce este musculo da face exterior, e anterior da segunda, terceira, quarta, e quinta costella com producçoens dentadas, a modo de serra, perto do Sternon, pouco mais, ou menos, e acaba na Apophisi Caracoides da dita espadoa.

Serrado antico menor.

8 O segundo dos communs, he o Dentado antico mayor, e inferior: com este musculo se move a espadoa por varios modos, para baixo, e para diante. Nasce da face externa, e anterior da primeira, e segunda costela Espuria, e de todas as costellas verdadeiras com principios dentados, e termina na costa inferior, ou no angulo inferior da espadoa.

O Dentado antico mayor, e inferior.
Latissimo.

9 O terceito dos communs he o Latissimo, que nasce, como mais abaixo diremos dos processos Espinhosos das tres ou quatro vertebras inferiores das costas, e de todas as lombares, e das vertebras do osso Sacro, e acaba com algumas fibras no angulo [p. 353] inferior da espadoa, e com o seu tendaõ mayor acaba tambem no osso do braço, e serve para puxar a dita espadoa para baixo, e para traz.

CAPITULO XII. Dos musculos do braço, ou hombro.

1 Faz o braço cinco movimentos por meyo de nove musculos, com dous, que saõ Deltoides, e o supra-Espinhado se levanta; com outros dous se move para baixo, que saõ o latissimo do dorso, e o redondo mayor; move-se para diante com o Peitoral mayor; e o Coracoideo: move-se para traz com o Infraspinhado, e redondo menor: chega-se finalmente o braço às costellas, mediante o musculo Subscapular.

Deltoides, ou triangular do hombro.

2 O Deltoides he assim chamado, por ser semelhante à letra Delta dos Gregos, chama-se tambem triangular do hombro; nasce da metade da Clavicula, do processo Acromion, e de toda a Espinha da espadoa, [p. 354] e estreitando-se pouco a pouco, acaba com hum tendaõ muy forte, quasi no meyo do osso do braço, pela parte interna, e anterior, mas superiormente.

3 Nota-se, que este musculo naõ só serve de levantar o braço, mas tambem serve de cobrir o articulo do hombro com o seu ventre carnoso, e confunde as suas fibras carnosas com o principio do Braquial.

4 O Supra-Espinhado, he assim chamado, porque occupa toda a cavidade superior, que está acima da Espinha da espadoa; nasce da parte externa da base da espadoa, a saber: do seu angulo entre a cavidade acima dita, e acaba perto do pescoço, ou còllo do osso do braço, ao qual cerca com o seu tendaõ largo, e dilatado, e este musculo com o Deltoides serve de levantar o braço.

O Supra Espinhado. O Latissimo do Dorso, ou Aniscalptor.

5 O Latissimo do Dorso se chama assim por ser muy largo, he chamado tambem Aniscalptor, porque leva a maõ para o Ano: com este musculo estaõ cubertas quasi todas as costas; nasce dos processos espinhosos de tres, ou quatro vertebras [p. 355] Inferiores das costas, e de todas as lombares da Espinha do osso Sacro, e da parte posterior do osso ilion, e da parte externa das costella inferiores espurias, e acaba no angulo inferior da espadoa, e na parte superior, e externa do osso do braço.

6 O Redondo mayor, chamado assim pela sua figura, e por ser distincto do outro, que he menos; nasce do angulo inferior da espadoa, e termina na parte interna do còllo do osso do braço, e este com a Latissimo abaixaõ o braço.

Redondo mayor.

7 O Peitoral mayor he assim chamado, por occupar a mayor parte do peito, nasce da parte do meyo da Clavicula, e da parte lateral, e intermedia dos ossos do Sternon, e cobrindo as costellas verdadeiras, e o mesmo peito, passa com hum tendaõ naõ muito cumprido, mas forte, e acaba na parte externa superior, e anterior do osso do braço, quatro dedos pouco mais, ou menos distante da dita cabeça.

Peytoral mayor. Coracoideo.

8 O Coracoideo, assim chamado pela sua origem, chama-se tambem Perfurando, porque por elle passaõ os nervos, que sedistribuem [p. 356] pelo antebraço; nasce do processo Coracoides da espadoa, e acaba na parte do meyo, e interna do braço: serve este musculo junto ao Peytoral para mover o braço pela parte anterior.

9 O Infraspinbado he assim chamado, por occupar, ou encher a cavidade, que está debaixo da espinha da espadoa; nasce da parte externa da base da espadoa, e de toda a superficie da cavidade Infraspinhosa, e acaba na parte posterior, e superior do osso do braço.

O Infraspinhado.

10 O Redondo menos, ou Transverso breve nasce da costa inferior da espadoa, perto ao seu angulo inferior, e termina na parte superior, e posterior da cabeça do osso do braço, e servem estes dous musculos para mover o braço para traz.

O Redondo menos, ou Trasverso breve. Subscapular.

11 O ultimo musculo do braço, he o Subscapular, chama-se assim, por occupar toda a cavidade, que está debaixo da espadoa, que he a mesma, que olha para as costellas; nasce do labio interno da base da espadoa, e termina na parte interna, e superior do braço, o qual movendo-se,faz que o braço chegou às costellas, e as [p. 357] compríma, e daqui nasce, que serve para o uso de levar debaixo dos braços alguma cousa.

12 Nota-se, que todos estes musculos servem para os ditos cinco movimentos, o sexto ainda que nòs o experimentamos, que he de mover o braço em circulo, este tal movimento se faz mediante os oito primeiros musculos, movendo-se huns depois dos outros successivamente.

CAPITULO XIII. Dos musculos do antebraço.

1 O antebraço he a segunda parte do Arto superior, ou do braço, e esta parte he composta de dous ossos, os quaes cada hum tem os seus proprios musculos para os seus movimentos.

2 O cubito tem dous movimentos, e saõ de encurvarse, ou dobrarse, e de estenderse. Encurva-se o cubito com dous musculos Bicipite, e Bracbial interno.

O Bicipite.

3 O Bicipite he chamado assim, por [p. 358] ter dous principios; nasce com hum destes da Apophili Caracoide de espadoa, com o outro principio nasce da cavidade Glenoide da dita espadoa, passa este principio por huma certa sinuosidade, que está acima da parte anterior, e superior do osso do braço, e pouco a pauco inindo-se com o outro principio, constitue hum só ventre, o qual desce pela parte anterior do mesmo braço, e com hum só tendaõ termina na parte anterior do Cubito, e Radio.

4 Nota-se, que este musculo Bicipite nos homens muy fortes, temos observando com outros terceiro principio, que sahe do meyo do osso do braço, e unindo-se com os dous, acaba em hum só tendaõ.

Nos homens muy fortes este musculo tem tres principios.

5 Nota-se tambem, que o tendaõ do sobredito musculo daz huma Aponevrose, com a qual cobre anteriormente em partes o dito articulo, e os musculos, que estaõ dabeixo; com que no sagrar he necessario fugir de naõ ossender o dito tendaõ, porque naõ succesaõ os syntomas, que costumaõ vir.

Aponevrosi do dito musculo. Brachial interno.

6 O Brachial interno, chama-se assim, [p. 359] por occupar a parte interna do braço: está occultado debaixo do Bicipite, nasce da parte superior, e anterior, médida, e inferior do osso do braço, e acaba na parte interna do Cubito, e Radio, e juntamente com Bicipite fervem de dobrar o antebraço.

7 O longo se chama assim, por ser mais comprido, que os outros; nasce da costa superior da espadoa, e descendo pela parte posterior do osso do braço, vay acabar no processo Oleacranon.

O Longo.

8 O Breve nasce da parte posterior, ou da espinha superior do hombro, e acaba no processo Oleacranon.

O Breve.

9 O Brachial externo he chamado assim, por occupar a parte externa do braço; nasce da parte posterior, ou da espinha do osso do braço externamente, e acaba no processo Oleacranon.

O Brachial externo.

10 Nota-se, que estes tres musculos confundem os seus tendoens, e constituem a aponevrose, a qual cobre posteriormente o articulo do hombro, e antebraço.

O Anconeo.

11 O Anconeo, chamado com tal nome, por estar na flexura do Cubito, chamada [p. 360] em Grego Ancon, e Oleacranon, he este musculo o mais pequeno de todos os outros; nasce da parte inferior do osso do braço, e do seu Radio, e Cubito, termina com o su tendaõ na parte, ou quatro dedos distante doprocesso Oleacranon: serve este com os precedentes para a extensaõ do antebraço.

CAPITULO XIV. Dos musculos do osso Radio, que he o segundo do antebraço.

1 Tem o Radio dous movimentos, hum he de Pronaçaõ, outro de Supinaçaõ.

pronaçaõ. Supinaçaõ.

2 Promoçaõ se faz, quando a palma da maõ se vira para baixo, olhando para a terra. Supinaçaõ he quando a mesma palma da maõ se vira para cima, olhando para o Ceo. para azer o primeiro movimento, servem dous musculos, a saber: o [p. 361] Redondo, e Quadrado. Para o segundo movimento servem o longo, e o breve.

3 O primeiro dos Pronatores he o Redondo, chamado assim pela sua figura.Nasce da Apophisi interna do osso do braço com hum forte, e carnoso principio, e desce obliquamente, e termina na parte externa, e intermedia do Radio.

Redondo. Est. I7. fig.

4 O segundo he o Quadrado, que tem este nome pela sua figura quadrada; nasce da parte inferior externa do Cubito, perto ao Carpo, por baixo dos outros: o seu tendaõ, ou fim, he da mesma largura, que o principio, e acaba na parte inferior, e interna do Radio.

O Quadrado.

5 Dos Supinadores, o primeiro he o Longo: nasce tres, ou quatro dedos acima da Apophisi exterior do braço; desce rectamente, e acaba na face externa da cabeça inferior do osso do Radio.

Longo Supinadores.

6 o Supinator breve, nasce da parte inferior do externo, e inferior Condilo, ou processo do osso do braço, e cercando ao redor posteriormente a dita parte, acaba superior, e anteriormente no Radio, e estes saõ os musculos, que obrando viraõ a maõ para o Ceo.

Supinator breve.
[p. 362]
CAPITULO XV. Dos musculos da maõ, e primeiro dos musculos do Carpo.

1 A maõ propriamente dita he a terceira parte do Arto inperior, principîa da articulaçaõ do Carpo, e comprehende todos os dedos. Divide-se em tres partes, em Carpo, ou branquial, e metacarpo, ou Postbraquial, e finalmente em dedos.

Maõ. Carpo.

2 No metacarpo està a Palma, ou vola, e o Dorso, ou costa da maõ: os dedos saõ muitos, para com elles se fazerem melhor os movimentos, que saõ necessarios na maõ, e pela mesma razaõ saõ de diversa grandeza, grossura, e comprimento, e tem muitos musculos, que agora diremos.

Movimentos do Carpo.

3 Dous saõ os movimentos do Carpo, hum he de flexaõ, outro de extensaõ. Dobra-se com os tres musculos, que saõ o Radial interno, cubital interno, e o Palmar. [p. 363] Estende-se com outros tres, Cubital externo, Longo, e Breve. Antes que expliquemos estes musculos, diremos alguma cousa do ligamento Annular.

4 No Carpo para a parte da maõ, chamada munheca, acha-se hum ligamento, o qual por cerca ao redor a dita parte, chama-se Annular. e este he muy forte, e une-se aos ossos do Cubito, e Radio, e aos ossos do dito Carpo, serve de fortificallos, e unillos entre si, e conter todos os tendoens dos musculos, que lhe passaõ por baixo, impedindo, que no seu movimento naõ sayaõ d seu lugar.

Ligamento Annular do Carpo.

5 O primeiro dos flexores he o Cubital interno; nasce do Condillo interno, e inferior do osso do braço, mas confunde o seu principio com o Palmar sublime, e profundo, e passando por cima da parte inferior, e anterior do osso do Cubito, e por baixo do ligamento Annular, acaba no quarto osso do Carpo, que he aquelle, que sustenta o osso do metacarpo, que se une ao dedo pequeno.

Cubital interno.
Radial interno.

6 O segundo dos flexores, he o Radial interno, que nasce do interno condillo [p. 364] do osso do hombro, e confunde seu principio com o redondo sublime, profundo; o passando por cima do radio, desce obliquamente, e vay por baixo do ligamento Annular, e termina no primeiro osso do Carpo, que sustenta o dedo Polegar.

7 O terceiro musculo dos flexores he Palmar, assim dito, por estar na palma da maõ. Este musculo he hum daquelles dos flexores do Carpo, ainda que alguns querem que seja particular da maõ: nasce do interior, e interno Condillo do hombro, passa pelo comprimento do Cubito, e por cima do ligamento Annular, ao qual se apega com algumas fibras, e depois acaba na cutis da palma da maõ com o seu tendão muy delgado, e tenue.

Palmar.

8 O primeiro dos extensores he o Cubital externo; nasce da parte exterior do processo externo do osso do braço, desce externamente pelo comprimeto do osso do Cubito, passa por baixo do ligamento Annular, e termina na parte superior, e exterior daquelle osso do metacarpo, que sustenta o dedo annular, e às vezes no osso do metacarpo, que sustenta o dedo Auricular.

Cubital externo.

9 O segundo dos extensores he o Longo; nasce da parte inferior do osso do hombro, estende se pelo comprimento do Radio externamente, passa por baixo do ligamento Annular, e acaba com o seu tendaõ naquelle osso, que sustenta o dedo Podegar, e às vezes no osso que sustenta o dedo Index.

Longo.

10 O terceiro dos extensores he o Breve: nasce da parte inferior do hombro mais embaixo do longo, desce pelo comprimento do Radio, por baixo do ligamento annular, e termina naquelle osso do metacarpo, que sustenta o dedo do meyo.

Breve.

11 Muitos Authores, querem estes dous musculos sejaõ só, e o chamaõ Radial externo, e outros o chamaõ Bicorne, por ter duas inferçoens; e nós por ter elle tambem dous principios, por isso o dividimos.

Bicorne.

12 Além destes musculos já ditos, acha-se na raiz da maõ certa carne musculosa quadrada na sua figura, nasce do musculo Thenar, e acaba no oitavo osso do Carpo; este apparece quasi dobrado, ou triplicado musculo: querem que sirva para fazer concava a parte interna da maõ.

Carne quadrada.
CAPITULO XVI. Dos musculos dos dedos.

1 Os dedos fazem muitos movimentos, a saber: de Flexaõ, de Extensaõ, de Adducção, e de Deducçaõ; tudo isto por meyo de vinte e dous musculos, dos quaes huns saõ commun, outros saõ proprios. Os proprios saõ aquelles, que servem só a certos dedos, dos quaes cinco servem para o Polegar, dous para o Index, e outros dous para o dedo Auricular. Os communs saõ aquelles que servem para todos os dedos, a saber: o Sublimes, Profundo, Extensor commum, quatro Lumbricaes, e seis Interosseos.

Sublime Perfurado.

2 O Sublime he chamado tambem Perfurado, e he primeiro dos flexores; nasce da parte interna do inferior, e interno [p. 367] Condylo do osso do braço, com os seus quatro tendoens passa para baixo do ligamento Annular, e acaba na segunda ordem, ou Phalange dos ossos dos quatro dedos. São os tendoens destes musculos perfurados para passagem dos tendoens dos musculos seguintes, e por isso saõ chamados dos Perfurados.

3 Note-se, que estes tendoens estaõ cubertos, e lateralmente ligados com certo ligamento, como em bainha, porque no seu movimento naõ sayaõ do seu lugar, e naõ empeçaõ os outros, no seu movimento.

Bainha dos tendoens.

4 O segundo dos flexores, chamado Profundo, porque está por baixo do de cima, he chamado tambem Perfurante: nasce da parte superior, e interna do osso do Cubito, e do Radio, e perto ao Carpo; divide-se, como o Sublime, em quatro tendoens, com os quaes passa por baixo do ligamento Annular, e pelos buracos, ou gretas dos tendoens do Sublime, e termina na terceira Phalange dos dedos, e serve juntamente com o Sublime para encurvar os mesmos dedos.

Profundo, ou perforante.
[p. 368]

5 Nota-se, que os tendoens deste musculo tambem estaõ cubertos do ligamento como os precedentes.

6 O musculo primeiro dos Extensores he o commum mayor, assim chamado, por ser mayor que os outros: nasce este do processo, ou Condylo externo do osso do braço, e da parte posterior da Radio, e Ulna, confunde o seu principio com os dous extensores do Carpo. Divide-se também em quatro tendoens, os quaes saõ planos, e quasi membranosos, passaõ por baixo do ligamento Annular, e acabaõ na parte posterior de todas as Phalanges dos dedos, os quaes estendem.

Extensor commum mayor.
Os tendoens deste musculo saõ planos. Os Lombrincaes. Est. 17, fig. a.

7 Nota-se, que os seus tendoens naõ saõ redondos, mas planos para naõ fazer desforme a maõ, e fazer melhor os seus movimentos. Seguem-se o musculo chamados Lombrigas. Saõ estes quatro, e estaõ na vola, ou palma da maõ internamente: nascem dos tendoens do musculo profundo, e do ligamento Annular, e acabaõ nos lados dos quatro dedos, a faber, nos lados da cabeça superiores dos ossos da [p. 369] Primeira ordem nas suas articulaçoens: servem estes musculos para mover os dedos para a parte do Polegar, que he movimento de adducçaõ.

8 Servem tambem para o mesmo movimento de adducçaõ dos dedos. Os tres musculos chamados Interosseos internos; porque entre a vola da maõ, ou palma, occupaõ tres espaços, que estaõ entre os ossos do metacarpo; nascem da perte superior dos intersticios do dito metacarpo, e confundindo os seus tendoens com os tendoens do lumbricaes, terminaõ nos lados dos ossos dos dedos pela parte do Polegar, para onde puxaõ, movendo os mesmos dedos.

Os interosseos internos.
Interosseos externos.

9 Para afastar os dedos do Polegar, que he movimento de deducçaõ, servem tres musculos Interosseos externos, que se chamaõ maõ assim, porque saõ collocados externamente, a saber: na Costa da maõ; nascem dos mesmos intersticios dos ossos do metacarpo, e acabaõ nos lados contrarios dos internos, como, verbi gratia, nos lados, que olhaõ para os outros dedos; confundem estes musculos os seus tendoens com [p. 370] os tendoens do musculos extensor commum.

10 Nota-se, que quando os musculos lumbricaes, e interosses se movem juntos, fazem que os dedos se encurvem, e se dobrem.

CAPITULO XVII. Dos musculos proprios dos dedos, e primeiro do dedo Polegar.

1 Muitos saõ os movimentos, que faz o dedo Polegar por meyo de cinco musculos. Encurva-se com o flexor, estenden-se com o longo, e o breve, afasta-se dos outros dedos com o Thenar. Enconsta-se finalmente aos outros dedos com o Antithenar.

2 Flexor proprio he o primeiro musculo do dedo Polegar; nasce da parte superior, e interna do osso do Radio, pass por baixo do ligamento no primeiro, e segundo osso do dedo Polegar.

Flexor proprio. Est. 18. fig.2. Longo Extensor.

3 O Longo, que he o primeiro dos [p. 371] Extensores, nascem da parte superior, e externa do osso do Cubito, corre por cima do Radio, passa por baixo do ligamento Annular, e acaba com o seu tendaõ no segundo osso do dedo Polegar.

4 O Breve, que he o segundo dos Extensores; nasce pouco mais abaixo do mesmo lugar, que o Longo; passa por baixo do ligamento Annular, e acaba no terceiro osso do dito dedo Polegar.

O Breve. est. 8. fig.z.

5 O Thenar he aquelle musculo, que forma o monte de Venus; nasce do primeiro osso do Carpo, e do ligamento Anular, e acaba na segunda articulação do dedo Polegar, e serve de afastallo dos outros dedos.

O Thenar Est. 17. fig 2.

6 O quinto he o Anthithenar; nasce este do osso do metarcarpo, que sustenta o dedo do meyo, e acaba no primeiro osso do Polegar, e serve para mover o dito dedo para a parte dos outros.

Anthithenar.
[p. 372]
CAPITULO XVIII. Dos musculos proprios do dedo Index ou Indicador.

1 Tres saõ os movimentos proprios do dedo Indicador, e por isso tem outros dois musculos. Estende-se com o Indicador, chamado assim, porque o seu movimento serve para mostrar alguma cousa; nasce da metade, e parte intermedia, e posterior do osso do Cubito, e passa por baixo do ligamento Annular, e acaba com dous tendoens na segunda ordem dos ossos do dito dedo Index.

Indicador.

2 Move-se para o dedo Polegar o dedo Index por meyo do Adductor: nasce da parte anterior do primeiro osso do dedo Polegar, e acaba no primeiro osso do Index.

Adductor do Index.
[p. 373]
CAPITULO XIX. Dos musculos proprios do dedo Auricular.

1 Dous saõ os musculos proprios ao dedo Auricular. O primeiro he o Extensor proprio; nasce do Condylo externo do osso do braço, desce entre o osso do Radio, e cotovello, passa por baixo do ligamento Annular, e acaba com dous tendoens na segunda articulaçaõ do dedo Auricular. Este musculo muitas vezes falta, e em seu lugar o Extensor comum mayor larga hum tendaõ ao dito dedo para fazer o tal movimento de Extensaõ.

Extensor do Auricular.

2 O segundo he o Hypothenar, que serve para mover o dito dedo Auricular, afastando-o dos outros; nasce com o principio carnoso do quarto osso do Carpo da primeira ordem, a saber: do osso pequeno do Carpo, que está acima dos outros, e acaba no primeiro osso do dito dedo.

Hypothernar.
[p. 374]

3 Note-se, que o movimento, que se experimenta de mover em circulo os dedos, he feito pela fuccessiva acçaõ de todos os musculos, e assim o tal movimento circular se faz estendendo-se, dobrando-se, e afastando-se, e chegando-se.

CAPITULO XX. Dos musculos do peito.

1 A Respiraçaõ (como temos acima dito) huma he sensivel, ou Coacta, ou Impellida; outra Insensivel, ou livre. Querem os Authores, que esta ultima respiraçaõ, chamada livre, se faça só com o movimento do Diaphragma, a segunda com a ajuda de cincoenta e quatro musculos, dos quaes fallaremos antes que tratemos do Diaphragma .

A respiraçaõ huma he livre, outra coacta,

2 Em cada respiraçaõ o peito se dilata, e se aperta; dilata-se, ou levantando-se as costellas, ou abaixando-se o Diaphragma; constringe-se abaixando-se as costellas, ou levantando-se o Diaphragma.

[p. 375]

3 Os musculos, que servem para dilatar o peito, ou a sua cavidade, saõ vinte e oito, quatorze em casa lado, e saõ estes. Subclavio, dous Serrados posteriores, onze Intercostaes, ou Interossesos externos.

Subclavio.

4 O Subclavio, he assim chamado, por estar debaixo da Clavicula: nasce da parte interna, e inferior da dita Clavicula, e acaba na parte superior da primeira costella, e qual puxa, e levanta.

5 O Serrado posterior superior, nasce das Apophisis Espinhosas de tres vertebras inferiores do cóllo, e da primeira do Dorso, está por baixo do Rhomboides, e acaba com os seus extremos dentados em quatro, ou cinco costelas superiores verdadeiras, as quaes puxa para traz, e as levanta.

Serrado posterior. Est. fig.3.

6 O Serrado posterior inferior, nasce com huma tenue Aponevrose das Apophisis espinhosas de tres vertebras inferiores do dorso, ou costa, e da primeira dos lombos, e acaba com os seus fins dentados em quatro inferiores costellas, as quaes puxa para fóra, e as levanta.

Serrado posterior.

7 Os onze Intercostaes externos saõ assim chamados, por occupar os onze espaços, que estaõ entre as costelas, mas extrinsecamente: nascem da parte externa, e inferior de cada huma das costelas obliquamente descendo da parte posterior, para a anterior, e vaõ acabar na parte superior, e externa de todas as costellas de forte, que cada hum destes musculos move para traz, e para fóra a sua costella, e todos estes com os tres precedentes levantaõ, e dilataõ o peito.

8 Os musculos, que sevem para constringir a dita cavidade do peito, que he abaixando as ditas costellas, saõ vinte e seis, treze em cada lado, a saber: o Triangular, o Sacrolumbar, e onze Intercostaes internos.

9 O Triangular he chamado assim pela sua figura; este musculo está na parte interna do peito dabaixo do Sternon: nasce da parte inferior do Sternon com largo principio, e saindo se estreita, e termina nas cartilagens das costelas superiores, e serve para as constringir.

O Triangular.
Sacrolumbar.

10 O Sacrolumbar chama-se assim por que nasce da parte posterior do osso Sacro, e das espinhas das vertebras do lombos. [p. 377] Este musculo externamente he nervoso, internamente he carnoso, e saindo termina na parte posterior das costellas com dous tendoens pela parte externa, e outro pela interna, e assim servem para trazer as ditas costellas para baixo, e constringir o peito.

11 Os onze Intercostaes internos tem este nome pela razaõ contraria dos de cima, nascem da parte superior de cada huma das costellas, internamente, e sobindo obliquamente da parte anterior para a posterior, acabaõ na parte inferior, ou nos beiços inferiores de cada huma das costellas, e assim com o seu movimento servem de constringir, e abaixar as ditas costellas.

Intercostaes internos.

12 Nota-se, que estes musculos internos, e externos se encrizaõ, e tambem nota-se, que os musculos internos enchem os espaços, que estaõ entre as cartilagens das costelas, pela parte do Sternon, o que naõ fazem os externos.

13 Demonstrados, e explicados os musculos, que servem de fazer aquella respiraçaõ [p. 378] Coacta, abaixando as costellas, e levantando-as. Agora diremos do musculo Diaphragma, que he aquelle, que serve só para a respiraçaõ Insensivel, ou Livre; este musculo abaixando-se, ou deprimindo-se, dilata a cavidade do peito, e entaõ da lugar, que entre o ar nos bofes; e quando se levanta, e se contrahe, faz a cavidade do peito mais pequena, e assim obriga a sair o dito ar dos bofes.

Para a respiraçaõ livre serve o Diaphragma. Est.3. fig.5. Est.6 fig.1 Est.7 Fig.1. 378: Diaphragma, ou Septo-Transverso.

14 O Diaphragma, que em Latim chamaõ Septo-Transverso, porque serve de dividir a cavidade do Abdomen da cavidade do peito he aquella parte musculosa distincta de todos os outros musculos do corpo, pelo seu sitio, figura, e acçaõ.

15 O Diaphragma he de figura quasi redonda, e semelhante ao peixe, que se chama Arraya, a cauda da qual representa os seus processos, ou appendices. O Diaphragma pela parte que olha para a cavidade do peito he convexo, e está cuberto com a pleura, e pela parte do Abdomen he concavo, e está cuberto com o Peritoneo.

16 Está o Diaphragma entre a cavidade do peito, e do Abdomen, obliquamente debaixo da Espinhela, à qual está unido: tambem está pegado pelos lados às cartilagens da costellas Espurias, e por detraz às vertebras do lombos, de modo que está mais baixo por detraz, que por diante, e por isso, querendo tirar agua, ou sangue, ou alguma materia, fazem os Cirurgioens abertura pela parte posterior, e inferior entre as costellas Espurias, buscando o lugar mais facil, que he o mais baixo para tirar as ditas materias. He finalmente o Diaphragma, como huma abobada, que se move entre os dous ventres.

Quando se ha de abrir o peito, faz se a abertura entre as costelas Espurias, em lugar mais abaixo posteriormente.

17 He composto de dous musculos superior, e inferior. O superior he o mais largo, e comprehende toda aquella parte, que está pegada a todas as costellas onde principîa, e acaba na parte nervosa, que he a Aponeurose larga do Diaphragma.

Buracos do Diaphragma . Est 3 fig.5.

18 O inferior he mais carnoso, e principîa das tres vertebras superiores dos lombos com duas producçoens, huma da parte direita, que he mais comprida, e outra, que he mais breve, e da parte esquerda: [p. 380] nasce das duas vertebras das costas, e acaba na Aponevrosi do musculo superior. Entre as caudas, ou processos do dito musculo passaõ a Arteria magna, e o ducto Thoracico.

19 Pela parte direita tem o Diaphragma hum buraco por onde passa a vea Cava, e pela esquerda tem outro por onde passa o Isophago: em tal buraco o Diaphragma tem as suas fibras, que estaõ dispostas a modo de arco, e assim fazem como hum Sphincter, que serve de constringir o orificio superior do ventriculo.

Veas, e arterias, e nervos do Diaphragma.

20 Recebe o Diaphragma os seus vasos da arteria, e vea Subclavia, e dos vasos lombares: os nervor sahem dos cervicaes, e alguns ramos dos intercostaes, e de alguns do par vago. Alguns Authores observaraõ no dito Diaphragma vasos lymphaticos.

Quando o Diaphragma está inflamado, os doentes cahem em delirios.
Uso do Diaphragma .

21 Note-se, que os vasos do Diaphragma alguns chamaõ vasos Phrenicos, por causa do grande consentimento, que tem os ditos vasos com a cabeça; e a observaçaõ declara, que inflammado o Diaphragma, logo os doentes cahem em [p. 381] furiosos, e continuos delirios.

22 Este musculo serve tambem, além do que temos atèqui explicado, de ajudar com a sua compressaõ para aperfeiçoar a concocçaõ, e a passagem do Chilo, e para a circulaçaõ dos outros humores, e tambem para expellir fóra as fezes.

CAPITULO XXI Dos musculos do Abdomen.

1 Os musculos do Abdomen saõ cinco em cada lado.

Obliquos descendentes. Est. 17. fig 1.

2 O primeiro par he dos Obliquos descendentes, principiaõ estes de algumas costellas verdadeiras, e de todas as costelas falsas com suas producçoens feitas a modo de pontas de dentes de ferra, chamadas em Latim Digitationes, pondo-se entre as pontas do musculo Serrado Antico mayor, e nascem tambem das Apophyfis trasversas das vertebras dos lombos, e une-se à costa do osso llion, e Pubes, e terminaõ com huma larga Aponevrosi [p. 382] na linha alva, ou branca.

3 A linha branca he hum lugar membranoso branco, que principîa da espinhela, e indo rectamente pelo meyo do abdomen termina na commissura dos osso da Pubes, e he composta do concurso dos tendoens dos musculos do abdomen.

Linha branca. Est. 17. fig.1.n.n.n.

4 O segundo par dos musculos saõ os Obliquos ascendentes, que estaõ debaixo, e saõ menores, que os obliquos descendentes: nascem da parte superior dos ossos Pubes, e da costa dos ossos Coxendicos, ou Innominados, das Apophisis transversas das vertebras dos lombos, e de todas as extremidades das costellas Espurias atè a cartilagem mucronada, e terminaõ na linha alva com a sua larga Aponevrosi, a qual perto da dita linha se dobra, e faz huma bainha, por entre qual passaõ, ou estaõ metidos os Rectos.

Obliquos Ascendentes.

5 Os Rectos, que saõ o terceiro par dos musculos do Abdomen, principiaõ dos ossos do Sternon, e da Espinhela, e rectamente descendo pelos lados da linha alva acabaõ nos ossos da Pubes. Nota-se, que estes musculos no seu comprimento tem varios tendões.

Os Rectos
[p. 383]

6 O quarto par saõ os Transversaes, tem este nome, porque as suas fibras atravessaõ o Abdomen; nascem dos processos transversos das vertebras dos lombos, e da costas interna dos osso llion, e das internas partes das cartilagens das costellas inferiores, e passaõ por baixo dos Rectos, e acabaõ com a sua larga Aponevrosi na linha branca. Estes musculos estaõ por cima do Peritoneo, ao qual estaõ muito pegados, e por isso he difficultoso separar a sua Aponevrosi sem romper o dito Peritoneo.

Os trnsversaes.

7 O quinto par saõ os Pyramudaes,que saõ assim chamdos pela sua figura: estes às vezes faltaõ, e às vezes he hum só e de um lado. Saõ estes taes muy pequenos, e nascem dos ossos Pubes com a parte mais larga, e com a sua ponta terminaõ na linha branca.

Pyramidaes. As Aponevroses cestes musculos tem varios buracos.

8 Nota-se, que as tres largas Aponevroses fazem todas unidas huma só, que he de grande força, e tambem he de notar, que estas Aponevroses estaõ furadas, e isto he no meyo, para passagem dos vasos Umbilicaes no feto; e na parte lateral tem outros [p. 384] tres, e servem de passagem aos vasos Espermaticos, e processos do Peritoneo. Estaõ estes dispostos de forte, que os buracos dos musculos transversos ficaõ superiores, e quasi hum dedo mais alto do que aquelles dos obliquos ascendentes, e tambem os buracos destes estaõ mais baixos, e assim os buracos finalmente dos obliquos descendentes estaõ em lugar enferior. Todos estes tres naõ saõ oppostos mutuamente, mas hum he cuberto da Aponevrose do outro, a saber, do musculo, que esta em cima, e assim saõ todos destes modo dispostos para impedir, que pelos ditos buracos naõ cayaõ as partes internas. Com tudo isto frequentemente se observaõ Hernias Zirbaes, e Intestinaes.

O modo, com que estaõ feitos os ditos buracos, e como impedem as Hernias. Uso dos ditos musculos.

9 Servem os musculos do Abdomen de fortificar os seus lados, e com a sua contracçaõ de puxar abaixo as costellas, e assim ajudar a fazer a espiraçaõ; servem tambem (apertando a cavidade do Abdomen) de comprimir as suas entranhas, e assim promover, e a sua separaçaõ pelas glandulas; e finalmente serve para lançar, e expellir [p. 385] fora as fezes, e nas mulheres o feto.

CAPITULO XXII. Dos musculos dos lombos.

1 Seis saõ os musculos communs aos lombos, e as costas; destes, quatro servem para o movimento de extensaõ, e dous para encurvar as mesmas costas.

2 O primeiro par he o sacro, assim chamado por ter a sua origem no osso Sacro, a saber: na parte posterior do dito osso; e nasce tambem da extremidade superior, e posterior do osso ilion, e acaba nas espinhas das vertebras das costas, as quaes puxa para traz.

Sacro. Semispinhado.

3 O segundo par he dos Extensores, chamado Semispinhado, porque ametade deste musculo nasce das espinhas do osso Sacro, e outro ametade das espinhas das vertebras dos lombos, e saindo algum tanto obliquamente, termina em todas as Apophisis transversas das vertebras das costas, [p. 386] as quaes move para traz. Este musculo esta entre o Sacro, e o Sacro lumbar, e continue hum só corpo, o qual difficultosamente se separa; saõ estes musculos muy fortes, e assim parece, que era necessario ser para ter, e sustentar direitas as partes anteriores, as quaes naõ obstante estas forças, inclinaõ sempre para diante, e o homem sempre he propenso so para se encurvar anteriormente.

4 O ultimo par dos musculos dos lombos saõ os Triangulares, chamados assim, por causa da sua figura, esta em casa lado internamente debaixo de todos, nascem com a parte mais larga, ou com dous angulos da parte mais larga, ou com dous angulos da parte posterior da costa do osso llion, e da parte lateral do osso Sacro, e com outro angulo acaba na extremidade da ultima costela Espuria e em todas as Apophysis transversas das vertebras dos lombos. Servem estes dous musculos para encurvar a espinha para diante.

Os triangulores dos lombos. Est. 8. fig. 1.

5 Note-se, que este movimento de flexaõ naõ se faz por angulo agudo, mas circular para que naõ se comprima a Espinhal medulla.

[p. 387]
CAPITULO XXIII. Dos musculos da coxa, ou Femur.

1 Toda esta onferior extremidade, a qual principîa dos osso do Ilion até a ponta dos dedos dos pès, he chamada dos Anatomicos Coxa, ou arto inferior. Divide-se, como temos dito no Tratado dos ossos, em tres partes, Coxa, Tibia, e Pe.

2 A Coxa he aquella parte muito pingue, grassa, comprida, e redonda, a qual principîa da parte superior do osso Ilion, e termina ate a commissura dos ossos da Tibia. A parte anterior, e superior chama-se Inguina, ou virilha, o lado Isschio, ou Coxendico, a parte posterior nadega, a inferior da dita Coxa anteriormente chama-se joelho, e posteriormente Poples, ou curva da perna.

3 A Tibia principîa do joelho, e acaba na articulaçaõ do pé. A parte anterior he chamada canella da perna, a posterior [p. 388] barriga, ou sura, as prominencias chamaõ-se tornozellos internos, e externos.

4 O Pé principîa da união da perna, ou Tibia, e acaba em todos os dedos, he dividido em tarso, metatarso, e dedos. Do tarso a parte posterior he calcanhar, a anterior he o peito do pé: todas estas partes torno a repetillas para melhor intelligencia dos seus musculos.

5 Com que a Coxa faz seus movimentos, que saõ conco por meyo de quinze musculos. Dobra-se com tres Psoas, lliaco, e Pectem; estende-se com outros tres, que saõ os tres Gluteos. Quando se chefa huma Coxa à outra he movimento de adducçaõ, e se faz por tres Tricipites. Afasta-se a Coxa da outra por meyo de quatro musculos: Pyramidal, Quadrado, e dous Gemellos.

Ploas.

6 O Psoas, ou musculo lombar está entre a cavidade do Abdomen aos lados dos corpor das vertebras dos lombos: nasce das Apophysis transversas de duas vertebras inferiores das costas, e das superiores dos lombos, e passando por cima do osso Pubes com o seu forte tendaõ, vay acabar no Trochanter [p. 389] menor, confunde este musculo o seu principio com os do Diaphagma.

7 O Iliaco he chamado assim, porque occupa toda a cavidade interna do osso Ilion entre o Abdomen. Nasce de toda a margem da cavidade interna do osso Ilion, e passando o seu tendaõ sobre o Psoas, acaba no dito Trochanter menor.

O Iliaco.

8 O Pecten, chamado assim, por nascer na parte anterior do osso Pubes dito tambem osso Pecten, acaba mais abaixo do Trochanter menor. Todos estes tres musculos puxaõ a Coxa para a parte anterior, e assim faz o movimento de flexaõ.

O Pecten.

9 O Gluteo mayor, ou das nadegas nasce da parte lateral do osso Sacro, e fa parte externa do beiço do osso Ilion, e termina quatro dedos mais abaixo do Trochanter mayor: este musculo he mais cheyo de carne, do que os outros, que ha no corpo humano.

O Gluteo mayor. Est. I3. fig.I. Gluteo Intermedio.

10 O Gluteo Intermedio, chamado assim por causa do seu lugar, que occupa entre o Gluteo mayor, e pequeno nasce mais abaixo do superior, com esta [p. 390] differença, que naõ nasce do osso Sacro, e termina no Trochanter mayor, e com o seu tendaõ cobre o dito Trochanter.

11 O Gluteo pequeno he mais pequeno, que os dous precedentes; nasce da parte externa, ou da cavidade externa do dito osso Ilion mais abaixo dos outros dous e acaba na cavidade pequena, que está à raiz do dito Trochanter mayor. E todos estes tres musculos puxaõ a Coxa para fóra, e estendendo-a fórmaõ as nadegasm e servem tambem como almofadas quando nos assentamos para não nos molestarmos.

Gluteo pequeno.

12 O primeiro dos musculos adducentes he o Tricipite superior: nasce da parte superior, e externa do osso da Oubes, e acaba na parte superior, e em huma certa linha, o espinha, que esta na parte interna do osso do Femur.

Tricipite superior.

13 O segundo he o Tricipite Intermedio; nasce da parte intermedia do osso Pubes, e acaba na mesma dita linha, ou espinha do dito osso.

Tricipite Intermedio. O Tricipite inferior.

14 O terceiro he o Tricipite inferior nasce da parte inferior do osso Pubes, e [p. 391] da parte inferior da prominencia do osso Ischio, e acaba na sobredita linha, e as vezes com parte do seu tendaõ acaba na Apophysi interna do osso Femur. Estes tres musculos pelo seu movimento, que fazem de fechar as coxas, chegando huma à outra, saõ chamados musculos defensores da virgindade.

15 Os Deductores saõ quatro, e o primeiro he chamado pela figura, que tem, Pyramidal, ou Pyriformis, por ser semelhante a huma pera: nascem da parte superior, e lateral do osso Sacro, e da lateral do osso Ilion, e acaba na pequena cavidade, que está à raiz do Trochanter mayor.

O Pyramidal, ou Pyriformis.

16 O segundo he o Quadrado, assim chamado, por ser Quadrangular; nasce da parte lateral, e exterma da prominencia do osso Ischio, e termina na parte posterior, e externa do Trochanter mayor.

O Quadrado. Os Gemellos.

17 O terceiro, e quarto dos Deductores, saõ os dous Gemellos, saõ assim chamados, por serem entre si muy semelhantes: nascem de duas pequenas eminencias, que estaõ na parte posterior do osso ischio, e acabaõ na pequena cavidade, que está [p. 392] à raiz do Trochanter mayor.

18 O primeiro dos que movem circularmente a coxa, como temos dito, saõ os Obturadores, hum interno, outro externo. O interno nasce internamente da circunferencia da foramen ouvalario, que está no osso ischio, e passando com o seu tendaõ entre os Gemellos, termina na pequena cavidade, que está á raiz do Trochanter mayor.

Obturadores interno.

19 O externo Obturador, nasce da circunferencia externa do dito Foramen ouvalario, e acaba nos lados da dita cavidade pequena.

Obturadores externo.
CAPITULO XXIV. Dos musculos da Tibia, ou Perna.

1 A Tibia, ou perna, tem quatro movimentos; estende-se com quatro musculos, que saõ o recto, casto interno, vasto externo, e o Crural. Encurvase, ou dobra-se com tres, que saõ Bicipite, Seminervoso, e Semimembranoso.

[p. 393]

2 Para o movimento da adducçaõ, que he de chegar huma perna à outra, servem dous; o Sartorio, e o Gracil. Para o movimento de deducçaõ, que he de asastar huma perna da outra, servem outros dous musculos, o Subpopliteo, e o Faxa larga.

3 O primeiro dos Extensores he chamado Recto, porque desde o seu principio até o fim vay rectamente: principîa da parte anterior, e inferior do osso ilion, e descendo pela parte anterior do osso da coxa, e unindo-se por meyo do seu tendaõ aos outros seguintes, e cobrindo a rodella, e termina na parte superior, e anterior do osso da Tibia.

O Recto extensor Est.17.fig.1.

4 O segundo Vasto interno he assim chamado, por ser a mais larga porção de carne, que está na parte interna do osso da coxa: nasce da parte interna, e superior do mesmo osso, pouco mais abaixo do Trochanter menos, e acaba com hum largo tendaõ (unindo-se aos outros) na parte anterior, e superior da Tibia, como o precedente.

O Vasto interno. O vasto externo.

5 O terceiro he o Vasto externo, assim chamado, por occupar a parte externa do [p. 394] osso da coxa; nasce da parte anterior, e superior do mesmo osso, e acaba com os precedentes.

6 O quarto he o Crural, este he aquella massa de carne, que está pegada ao osso da coxa do mesmo modo, que o musculo Braquial no osso do braço; nasce da parte anterior, e superior do osso da coxa, entre hum, e outro Trochanter, e cercando quase toda a parte anterior do mesmo osso, debaixo do musculo recto, acaba com os precedentes; de forte, que estes quatro musculos occupaõ, e fazem toda a carne da coxa anteriormente, e juntos compoem com os seus tendoens huma larga Aponevrose, com a qual ligaõ a mola Patella, ou Rodella, e cobrem anteriormente o articulo, e acabaõ na parte superior da Tibia, e servem para a estender.

Larga aponevrose do joelho. Bicipite. Est.18.fig.I.

7 Dos musculos, que encurvaõ a Tibia, o primeiro he o Bicipite, assim chamado, por ter duas cabaças; nasce este musculo com hum principio mais comprido da parte inferior da prominencia do osso ifchio, e com outro mais curto da parte [p. 395] externa, e posterior, intermedia do osso da coxa: com estes dous principios se unem, e constituindo hum só ventre, e hum só tendaõ, acaba na parte superior, e posterior da Epyphysi do osso Peroneo.

8 O segundo he chamado Seminervoso, por participar a substancia do nervo; nasce da prominencia do osso Ischio, e acaba na parte posterior, e superior do osso da Tibia.

Seminervoso.

9 O terceiro he chamado Semimembranoso, porque participa de natureza de membrana: nasce da prominencia do osso Ifchio, e acaba na parte posterior, e superior da Epyphysi do osso da Tibia. Estes tres musculos estaõ collocados na parte posterior da coxa, e quando se movem, fazem que a coxa se mova para traz, encurvando-se.

Semimembranoso.

10 Dos musculos, que servem para movimento de adducção, o primeiro he o Sartorio, que tambem se chama Longo: nasce da parte superior, e anterior da espinha do osso Ilion, desce obliquamente, e termina na parte interna da Tibia.

Longo Sartorio.
[p. 396]

11 O segundo he chamado Gracil, por ser muy tenue, e fraco; nasce da parte interna, e inferior do osso da Pube, e descendo pela parte interna do osso Femur, acaba na parte superior, e interna do osso da Tibia, e serve como o precedente de mover a Tibia, ou perna pela parte interna, e fazer o movimento de adducçaõ.

Gracil, ou recto inferior.

12 Finalmente, dous saõ os musculos, que servem a afastar a Tibia. O primeiro he chamado membranoso, ou faxa larga, por ser semelhante a huma cinta larga, com a qual os musculos da coxa estaõ cingidos: nasce da parte externa, e lateral do beiço do osso ilion, e estendendo-se com a sua larga membrana, acaba na parte superior, e externa do osso Peroneo; e às vezes chega até a parte superior do pé.

O musculo faxa larga. Est. 17 18 fig. 1.
O Popliteo ou quadrado.

13 O segundo he chamado Popliteo, por estar debaixo do Poplex, ou curva da perna: nasce do Condylo externo, e inferior do osso da coxa; desce obliquamente da parte externa para a interna, e termina na parte superior quasi media da Tibia. [p. 397] Este musculo pela sua figura alguns o chamaõ Quadrado, e serve com o precedente para afastar, e puxar a tibia para fora.

CAPITULO XXV. Dos musculos do Pè.

1 O pé move com dous movimentos, hum he de flexaõ, outro de extensaõ. Para o primeiro movimento de flexaõ servem dous musculos, que saõ o Tibal anterior, e Peroneo anterior. Para o segunfo movimento, que he o de extensaõ, servem sete musculos, dous que se chamaõ Gemellos, o Soleo, o Plantar, o Tibial posterior, e dous Peroneos posteriores.

Tibial anterior. Est.17.fig.1.

2 O Tibial anterior he chamado tambem Crureo, occupa toda a parte anterior do osso da Tibia: nasce da parte superior, e anterior da Tibia, e com dous tendões passa por baixo do ligamento Annular, e acaba com hum tendaõ no osso Cuneiforme, [p. 398] e osso navicular, e com outro no osso do metatarso, que sustenta o dedo Polegar.

3 Nota-se, que o ligamento Annular naõ he differente no uso, e substancia daquelle, que temos na maõ, com que deixo de explicallo mais.

Ligamento Annular do pé.

4 O Peroneo anterior he chamado assim, por occupar anteriormente o comprimento do osso Peroneo: nasce da externa, e intermedia parte do osso Peroneo, passa pela cavidade, que está lateralmente perto do tornozello externo, e acaba anteriormente no osso do meratarso, que sustenta o dedo pequeno, e serve com o precedente de encurvar, e mover o pé pela parte anterior.

O Peroneo anterior.
Os Gemellos, ou Suraes, ou Gastrocnemii.Est.18.fig.I.

5 Dos musculos extensores, o primeiro, e o segundo saõ os dous Gemellos, chamados em Grego Gastrocnemii, e outros lhes chamaõ musculos Surales internos, e externos por constituir a sura, ou barriga da perna: nascem externamente de ambos os processos da parte inferior do osso da coxa, e às vezes do processos do osso da Tibia, e da Fibula, estaõ acima do Soleo, [p. 399] e com hum tendaõ commum acabaõ na parte posterior, e superior do osso do calcanhar com os musculos seguintes.

6 O terceiro he chamado Soleo por ser semelhante na figura ao peixe linguado; está este debaixo dos Gemellos: nasce da parte posterior, assim do osso da Tibia, como do Peroneo, e unindo o seu tendaõ com os Gemellos, acaba no dito osso do calcanhar.

O Soleo.

7 O quadrado chamado Plantar, por se estender com algumas fibras do seu tendaõ pela plata do pé; este musculo he mais pequeno de todos os precedentes, esta entre os Gemellos, e soleo; nasce do externo Condylo do osso da coxa, e com o seu tendaõ muy delgado se une, e se confunde com os tendoens dos precedentes, e acaba no osso do calcanhar.

8 Nota-se, que estes tendoens dos ditos musculos formaõ huma corda, chamada Tendaõ de Achilles, porque o que for ferido nesta parte, facilmente morrera, como succedeo ao dito Achilles. E certamente as feridas de tal parte saõ muy perigosas, e causaõ gravissimos syntomas.

Tendaõ ou corda de Achilles.
[p. 400]

9 O quinto he o Tibial posterior; nasce da parte posterior do osso da Tibia, passa pela fixura, que esta no lado malleolo interno, e acaba na parte interna do osso navicular.

O Tibial posterior.

10 O sexto, e setimo saõ os dous peroneos posteriores, estes saõ tambem chamados hum Longo, e outro Breve. O primeiro nasce da parte superior, e posterior, e quasi anterior do osso Peroneo, e acaba na parte superior, e externa do osso do metatarso, que sustenta o dedo Polegar.

Os peroneos posteriores, o primeiro longo.

11 O segundo, a que chamaõ Breve: nasce da parte inferior do Peroneo, e termina no osso do metatarso, que sustenta o dedo pequeno.

O Breve.

12 Nota-se, que quando todos os sete musculos se move, fazem que o pése estenda movendo-se para traz/; nota-se tambem que o pé faz os movimentos de deducçaõ, e de adducçaõ com os mesmos musculos, de forte, que quando se mover hum flexor, e hum extensor de huma parte o pé se moverá para a mesma parte.

[p. 401]
CAPITULO XXVI. Dos musculos, que servem para mover os dedos.

1 Os musculos, que servem para mover os dedos, huns saõ proprios, outros communs. Os communs saõ desaseis, e os proprios seis. Destes, quatro saõ do dedo Polegar, hum so Indice, outro do dedo pequeno.

2 O primeiro dos communs he chamado Longo, e extensor commum: nasce da parte superior, e anterior do osso da Tibia, onde o dito osso s ajunta com o osso Peroneo, desce pelo comprimento do dito osso Peroneo, e se divide em quatro tendoens, e passa por baixo do ligamento Annular, e termina nas articulaçoens do quatro dedos, os quaes estende.

Longo extensor commum dos dedos.
O Breve estensor.

3 O segundo he o Breve extensor comum, chamado tambem Pedium: nasce da inferior parte do osso Peroneo, e do ligamento Annular: divide-se em quatro [p. 402] tendoens, os quaes terminaõ na parte interior da primeira articulaçaõ dos quatro dedos, e estes dous musculos servem para estender os quatro dedos.

4 O terceiro musculo dos communs he chamado flexor menor, sublime, ou Perfurado; nasce da parte inferior, e interna do osso do calcanhar, e se divide em quatro tendoens, os quaes saõ furados, e terminaõ na parte superior dos ossos da primeira ordem, ou Phalange dos dedos; este musculo esta collocado debaixo da planta do pé.

O terceiro he flexor menor, ou sublime Perfurado Est. t8. fig.3.

5 O quarto he o commum Flexor mayor, Perfurante, e Profundo: nasce da parte superior, e posterior da Tibia, e Peroneo, passa pelo lado do tornozelo interno, e pela finuosidade do osso do calcanhar, e se divide em quatro tendoens, os quaes passaõ os buracos dos tendoens do Sublime, e depois terminaõ no ossos da ultima ordem dos dedos. Estes dous musculos servem ambos para encurvar os dedos.

Flexo mayor, Perfurante, Profundo.
Os quatro Lombricaes.

6 O quinto, secto, setimo, e oitavo saõ os quatro Lombricaes: nascem dos [p. 403] tendoens do Profundo, e daquella massa de carne, que está na planta do pé, e unindo-se aos tendoens dos musculos interosseos internos acabaõ nos lado dos ossos dos quatro dedos.

7 O nono, decimo, undecimo, e duodecimo saõ os quatro musculos interosseos internos. estes saõ aquelles, que enchem os espaços internamente dos cincos ossos do metatarso: nascem dos ossos do tarso, e dos intervallos do metatarso, e terminaõ na parte superior, e inferior dos ossos da primeira articulaçaõ dos quatro dedos, e servem com os Lombricaes para mover os dedos para o Polegar, que he o movimento de adducçaõ.

Os Interosseos internos.

8 O decimoterceiro, quarto, quinto, e decimosexto saõ os musculos Interosseos externos: nascem da parte superior dos intervallos dos ossos do metatarso, e acabaõ nos lados externos dos primeiros ossos dos dedos, os quaes afastaõ do dedo Polegar.

Os interosseos externos.

9 Os musculos proprios do dedo Polegar saõ quatro; o primeiro he chamado

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Da Fissura magna, beiços, monte de Venus, e do freyo, 2. 3.

Da clytoris, e dos corpos ditos pernas, da glande da clytoris, das nymphas, e glandulas sebaceas, 4. 5.

Do orificio da uretra, 6.

Dos ductos da bainha do utero, do orificio da bainha, 7.

Do Hymene, e das rugas, e papillas da bainha, 8.

De huns huraquinhos, e outros ductos da dita bainha, das suas membranas, fibras carnosas, e do musculo constrictorio, 9.

Do utero, e seu lugar, grandeza, e figura, 9. 11.

Dos ligamentos do utero, 12. 13.

Das partes do utero, 14.

Da substancia do utero, das rugas, ou val- vulas, dos Idatides, ou novo ovario, das membranas do utero, e do seu humor, 15. 16.

Dos vasos Espermaticos, e sua Anastomosi, dos nervos, e vasos lymphaticos, 17.

Das Tubas Fallopianas, e fimbrias folliaceas, 18. Dos ovarios, e sua substancia, e corpos luteos,

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